TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES (27/09/1917)
(pelo Pe. MANUEL NUNES FORMIGÃO)
⧫ Interrogatório de Francisco
– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses?
– Tenho visto Nossa Senhora.
– Onde aparece ela?
– Em cima duma carrasqueira.
– Aparece de repente ou tu vê-la vir de alguma parte?
– Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre a
carrasqueira.
– Vem devagar ou depressa?
– Vem sempre depressa.
– Ouves o que ela diz à Lúcia?
– Não ouço.
– Falaste alguma vez com a Senhora? Ela já te dirigiu a palavra?
– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia.
– Para quem olha ela, também para ti e para a Jacinta, ou só para a
Lúcia?
– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a Lúcia.
⧫ Interrogatório de Jacinta
– Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada mês desde maio para
cá?
– Tenho visto.
– Donde é que ela vem?
– Vem do Céu, do lado do sol.
– Como está vestida?
– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro, e na cabeça tem um
manto, também branco. Em volta da cintura há uma fita doirada que
desce até à orla do vestido.
– Usa botas ou sapatos?
– Não usa botas nem sapatos.
– Então tem só meias?
– Parece que tem meias, mas talvez os pés sejam tão brancos que
pareçam trazer meias calçadas.
– De que cor são os cabelos?
– Não se lhe veem os cabelos, que estão cobertos com o manto.
– Traz brincos nas orelhas?
– Não sei, porque não se lhe veem também as orelhas.
– Qual é a posição das mãos?
– As mãos estão postas sobre o peito, com os dedos voltados para
cima.
– As contas estão na mão direita ou na mão esquerda?
– ........ (a esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão
direita mas, em seguida, devido a insistência da minha parte, mostra-se confusa quanto a resposta correta).
– O que é que a Senhora recomendou à Lúcia com mais empenho?
– Mandou que rezássemos o terço todos os dias.
– E tu reza-o?
– Rezo-o todos os dias com o Francisco e a Lúcia.
⧫ Interrogatório de Lúcia
– É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local chamado
Cova da Iria?
– É verdade.
– Quantas vezes te apareceu já?
– Cinco vezes, sendo uma cada mês.
– Em que dia do mês?
– Sempre no dia treze, exceto no mês de agosto, em que fui presa e
levada para a vila (Vila Nova de Ourém) pelo sr. administrador. Nesse
mês vi-a só alguns dias depois, a dezenove, no sítio dos Valinhos.
– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que há
de verdade a este respeito?
– O ano passado nunca me apareceu (nem antes de maio deste ano);
nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não é exato.
– Donde é que ela vem? Das bandas do nascente?
– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a
carrasqueira, e quando se retira é que toma a direção donde nasce o
sol.
– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco?
– Pouco tempo.
– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Ave Maria, ou
mais?
– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo (talvez não
chegasse para rezar o terço).
– Da primeira vez que a viste não ficaste assustada?
– Fiquei, e tanto assim que quis fugir, com a Jacinta e o Francisco,
mas Ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria mal.
Disse: 'não tenham medo que eu não vos faço mal'.
– Como é que está vestida?
– Tem um vestido branco, que desce até um pouco abaixo do meio
da perna, e cobre-lhe a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmo
comprimento que o vestido.
– O vestido não tem enfeites?
– Veem-se nele, na parte anterior, dois cordões dourados, que descem
do pescoço e se reúnem por uma borla, também dourada, à altura do
meio do corpo.
– Tem algum cinto ou alguma fita?
– Não tem.
– Usa brincos nas orelhas?
– Usa umas argolas pequenas e de cor amarela.
– Qual das mãos segura as contas?
– A mão direita.
– Eram um terço ou um rosário?
– Não reparei bem.
– Terminavam por uma cruz?
– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também brancas.
A cadeia era também branca.
– Perguntaste-lhe alguma vez quem era?
– Perguntei, mas declarou que só o diria a 13 de outubro.
– Não lhe perguntaste de onde vinha?
– Perguntei de onde era, e ela respondeu-me que era do Céu.
– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta?
– Da segunda vez, a treze de junho.
– Sorriu alguma vez ou mostrou-se triste?
– Nunca sorriu nem se mostrou triste, mas sempre séria.
– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas orações?
– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa
Senhora do Rosário, a fim de se alcançar a paz para o mundo.
– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem
presentes muitas pessoas na Cova da Iria?
– Não disse nada a esse respeito.
– É certo que te disse um segredo, proibindo que o revelasses a
quem quer que fosse?
– É certo.
– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros?
– A todos três.
– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor?
(A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada e
julguei não dever insistir, repetindo a pergunta).
– Consta que, para te veres livre das importunações do sr.
administrador, no dia em que foste presa, lhe contaste, como se fosse o
segredo uma coisa que o não era, enganando-o assim e gabando-te
depois de lhe teres feito essa partida: é verdade?
– Não é; o sr. administrador quis realmente que eu lhe revelasse o
segredo, mas como eu não o podia dizer a ninguém, não lhe disse, apesar
de ter insistido muito comigo para esse fim. O que fiz foi contar tudo o
que a Senhora me disse, exceto o segredo, e talvez por esse motivo o
sr. administrador ficasse julgando que eu lhe tinha revelado também o
segredo. Não o quis enganar.
– A Senhora mandou que aprendesses a ler?
– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu.
– Mas se a Senhora disse que te levaria para o Céu no mês de
outubro próximo, para que te serviria aprenderes a ler?
– Não é verdade isso: a Senhora nunca disse que me levaria para o
Céu em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa.
– O que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o
povo deposita na Cova da Iria ao pé da carrasqueira?
– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a
Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais três
rapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse dinheiro seria
destinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a outra parte para
ajuda de uma capela nova.
– Onde quer ela que seja edificada a capela? Na Cova da Iria?
– Não sei: ela não o disse.
– Estás muito contente por Nossa Senhora te ter aparecido?
– Estou.
– No dia treze de outubro Nossa Senhora virá só?
– Vem também São José com o menino, e será concedida a paz ao mundo.
– E fez mais alguma revelação?
– Declarou que no dia 13 fará com que todo a povo acredite que ela realmente aparece.
– Por que razão não raro baixas os olhos deixando de fitar a Senhora?
– É que ela às vezes cega.
– Ensinou-te alguma oração?
– Ensinou; e quer que a recitemos depois de cada mistério do rosário.
– Sabes de cor essa oração?
– Sei.
– Diz lá...
– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais dele precisarem.
⧫ Alguns Apontamentos Finais do Sacerdote
Das respostas das crianças e mais ainda da sua atitude e modo de
proceder em todas as circunstâncias em que se têm encontrado, resulta,
com uma clareza, que parece excluir toda a dúvida, a sua perfeita e
absoluta sinceridade.
Não é verosímil que três crianças de tão tenra idade, uma delas apenas
com sete anos, rudes e ignorantes, mintam e persistam na mentira durante
tantos meses, posto que sejam tão obsediadas com perguntas e
interrogatórios de toda a ordem e ameaçadas pelos representantes da
autoridade eclesiástica e da autoridade civil e por tantas pessoas a quem
elas devem respeito e consideração. Nenhuma consideração, nenhum
temor é capaz de demovê-las de afirmar que veem Nossa Senhora.
Mas serão as crianças vítimas de uma alucinação? Estarão iludidas,
julgando ouvir, e não ouvindo, julgando ver, e não vendo? Verificar-se-á no caso sujeito a hipótese de auto-sugestão?
Mas como, se nada autoriza semelhante suposição, de todo o ponto
gratuita? Não se trata de uma só testemunha, são três.
Não se trata de adultos, mais sujeitos a alucinações, mas de crianças.
E que crianças! Crianças de tenra idade, dotadas de perfeita saúde, e
que não manifestam o mais pequeno sintoma de histerismo, segundo a
declaração de um médico consciencioso que as examinou
cuidadosamente.
Dar-se-á o caso, não raro sucedido, de uma intervenção diabólica?
O anjo das trevas transforma-se algumas vezes em anjo de luz, para
enganar os crentes. Verificar-se-á isso agora? ... Mas como explicar a concorrência de tantos milhares
de pessoas, a sua fé viva e a piedade ardente, a modéstia e compostura
que mostram em todos os seus atos, o silêncio e recolhimento da multidão,
as conversões numerosas e retumbantes ocasionadas pelos
acontecimentos?
Resta, pois, uma única solução. Serão os acontecimentos de Fátima
obra de Deus? É cedo demais para responder com segurança a esta
pergunta. A Igreja ainda não interveio, nomeando a respectiva comissão
de inquérito.
Quando o fizer, a missão desta comissão será relativamente fácil de
cumprir. No próximo dia 13 de outubro, ou tudo se desfará como por
encanto, ou novas provas, inteiramente concludentes, virão confirmar
as que já existem em favor da realidade das aparições da Virgem.
[Documentação Crítica de Fátima - Seleção de Documentos (1917 - 1930), Doc. 10]