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terça-feira, 8 de julho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIX/Final)

P. 41 - Quais são as disposições que os membros da Igreja de Cristo devem ter e que linha de conduta devem seguir em relação àqueles que estão separados de sua comunhão?

É impossível ter um amor verdadeiro e sincero por Deus sem também amar tudo o que está relacionado com Ele; e quanto mais algo estiver relacionado com Deus, maior deve ser o nosso amor por isso. Ora, todos aqueles que estão em uma religião falsa, embora separados da comunhão da Igreja, têm, em muitos outros aspectos, uma conexão muito próxima com Deus, pois são suas criaturas, obra de suas mãos, feitas para sua glória; são suas imagens, feitas à semelhança e semelhança de Deus; são redimidos pelo sangue de Jesus, que morreu pela humanidade; são criados para serem eternamente felizes com Ele no céu; pois Deus não deseja a morte do pecador, mas sim que ele se converta e viva.

Todas estas considerações mostram que somos obrigados a ter um amor sincero e fervoroso por eles, e um zelo caridoso pela sua salvação eterna e, consequentemente, a ter a mais terna simpatia e compaixão por eles, considerando o perigo em que se encontram as suas almas; e esta é a disposição radical e essencial dos nossos corações, que somos obrigados a ter para com toda a humanidade, sem exceção. Temos um belo exemplo disso em São Paulo, que expressa assim a disposição de seu coração para com seus irmãos, os judeus incrédulos: 'Falo a verdade em Cristo, não minto, minha consciência me testemunha no Espírito Santo, que tenho grande tristeza e pesar em meu coração: pois eu desejava ser anátema' (isto é, uma maldição) de Cristo, por meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne' (Rm 9,1-3). Agora, esse amor sincero e zelo pela salvação deles deve se manifestar principalmente nos seguintes pontos:

(i) 'Estar sempre prontos para satisfazer a todos os que nos pedirem razão da esperança que há em nós' (1Pd 3,15), isto é, estar sempre dispostos e prontos para explicar nossa santa fé a eles e mostrar-lhes os fundamentos sobre os quais nossa fé está construída, sempre que algum deles nos pedir para fazê-lo. Isso deve ser feito com toda a modéstia e mansidão para com eles, sem entrar em disputas inúteis, nem manter contendas com calor e acrimônia, mesmo que eles sejam tão irracionais no que dizem contra nós, mas dando conta da esperança que há em nós com mansidão e caridade, e deixando o resto à disposição da Divina Providência; pois a Escritura diz: 'Rejeita as discussões tolas e absurdas, visto que geram contendas. Não convém a um servo do Senhor altercar; bem ao contrário, seja ele condescendente com todos, capaz de ensinar, paciente em suportar os males. É com brandura que deve corrigir os adversários, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento e o conhecimento da verdade, e voltem a si, uma vez livres dos laços do demônio, que os mantém cativos e submetidos aos seus caprichos'. (2 Tm 2,23-26) e 'Procedei com sabedoria no trato com os de fora. Sabei aproveitar todas as circunstâncias. Que as vossas conversas sejam sempre amáveis, temperadas com sal, e sabei responder a cada um devidamente' (Cl 4,5-6).

(ii) Ser sincero em orar a Deus pela conversão e salvação deles é como expressamente ordenado nas Escrituras: 'Desejo, portanto, antes de tudo, que súplicas, orações, intercessões e ações de graças sejam feitas por todos os homens... pois isso é bom e agradável aos olhos de Deus, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,1.3-4). Temos um belo exemplo disso no mesmo santo apóstolo, que, cheio de caridade pela salvação dos judeus, tem pena do zelo equivocado deles por seus próprios erros e derrama as orações de seu coração por eles: 'Irmãos' - diz ele - 'a vontade do meu coração e a minha oração a Deus é pela salvação deles; pois lhes dou testemunho de que têm zelo por Deus, mas não segundo o discernimento' (Rm 10, 1-2).

(iii) Dar-lhes bom exemplo, pelo exercício de boas obras e pela prática de todas as virtudes cristãs. Nada é mais eficaz para dar aos outros uma opinião favorável de nossa santa religião do que uma vida boa. Este é um argumento vivo que ensina os mais ignorantes e convence os mais obstinados. E, por isso, encontramos isso repetidamente ordenado nas Escrituras com o propósito de edificar aqueles que estão de fora e estimulá-los a glorificar a Deus. 'Assim brilhe a vossa luz' - diz o próprio Jesus Cristo - 'diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai celestial' (Mt 5,16). E São Pedro se expressa assim sobre este importante dever: 'Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos da carne, que combatem contra a alma. Comportai-vos nobremente entre os pagãos. Assim, naquilo em que vos caluniam como malfeitores, chegarão, considerando vossas boas obras, a glorificar a Deus no dia em que ele os visitar... porque esta é a vontade de Deus que, praticando o bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos' (1Pd 2, 11-12.15).  São Paulo também exige a mesma coisa, dizendo: 'Em tudo, mostre-se um exemplo de boas obras, na doutrina, na integridade, na seriedade; que a sua fala seja sã, de modo a não ser censurada, para que o adversário seja confundido, não tendo a dizer de nós mal algum (Tt 2,7-8).

(iv) Por último, se, apesar de tal comportamento piedoso e edificante, perseguições e provações forem permitidas pela Divina Providência para nos atingir por seus próprios propósitos sábios e justos, se formos caluniados falsamente, se as verdades de nossa santa religião forem difamadas e nossa doutrina deturpada, não devemos nos surpreender nem desanimar; mas lembrar que essa foi a maneira como o mundo tratou nosso próprio Senhor e Mestre, que predisse que os seus fiéis seguidores seriam tratados da mesma maneira. São Pedro também nos assegura que este é um dos sinais daqueles que seguem seitas de perdição, falar mal da verdade, 'por meio dos quais' - diz ele - 'o caminho da verdade será difamado' (2Pd 2,2) e São Judas acrescenta: 'que blasfemam contra tudo o que ignoram' (Jd 1,10).

Tais provações não devem diminuir, nem mesmo no menor grau, nossa sincera caridade por eles e nosso desejo de sua salvação; mas, ao contrário, devem aumentar nossa piedade e compaixão por suas pobres almas e nos tornar mais sinceros em nossas orações por eles, imitando nosso abençoado Salvador, que, na própria cruz, orou por seus perseguidores: 'Pai' - disse Ele - 'perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem'. Acima de tudo, nunca devemos ter o menor pensamento de vingança, 'não retribuindo mal com mal, nem injúria com injúria, mas, pelo contrário, abençoando; pois para isso fostes chamados, para que herdeis a bênção' (1Pd 3,9). Pelo contrário, considerando nossas provações como dispostas e ordenadas pela mão de Deus, 'sem o qual nem um cabelo de nossa cabeça pode cair em terra', devemos 'regozijar-nos por sermos considerados dignos de sofrer afronta por causa de Cristo' (At 5,41).

Pois 'se também sofrerdes por causa da justiça, sois bem-aventurados... pois é melhor fazer o bem (se tal for a vontade de Deus) e sofrer do que fazer o mal' (1Pd 3,14.17). E, portanto, 'Caríssimos, não vos perturbeis no fogo da provação, como se vos acontecesse alguma coisa extraordinária. Pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo, para que vos possais alegrar e exultar no dia em que for manifestada sua glória. Se fordes ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós. Que ninguém de vós sofra como homicida, ou ladrão, ou difamador, ou cobiçador do alheio. Se, porém, padecer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por ter esse nome' (1Pd 4,12-16), lembrando-se sempre das palavras de nosso Senhor: 'Bem-aventurados sois quando os homens vos injuriarem e perseguirem, e disserem falsamente todo mal contra vós por minha causa; alegrai-vos e exultai, pois será grande a vossa recompensa nos céus' (Mt 5,12).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sábado, 28 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVIII)

P. 39 - Quais são os sentimentos e disposições adequadas que esta grande verdade deve produzir nos corações e na conduta dos membros da Igreja de Cristo?

Nada pode contribuir mais eficazmente para produzir as disposições mais necessárias e salutares em seus corações, tanto para com Deus, quanto para com os outros e para com aqueles que estão separados de sua comunhão, do que a consideração frequente e séria de sua vocação para a fé em Cristo e para a comunhão daquela Igreja, fora da qual não há salvação.

No que diz respeito a Deus, não pode deixar de inspirar-lhes os mais ternos sentimentos de afeto, amor e gratidão para com Ele, os que se veem tão altamente favorecidos pela sua infinita bondade, sem qualquer mérito de sua parte, e em preferência a tantos milhares de outros que são deixados na ignorância e no erro. Eles nunca devem deixar de louvá-lo e adorá-lo por um favor tão grande e inestimável, e devem ser assíduos em dar provas da sinceridade de sua gratidão e amor a Ele, por meio da obediência contínua aos seus mandamentos. Quão agradáveis são essas coisas ao Deus Todo-Poderoso, e o quanto Ele as exige daqueles a quem Ele tanto favoreceu, é evidente por sua própria Palavra Divina, onde somos frequentemente lembrados da grandeza da graça de nossa vocação e urgentemente ordenados a retribuir adequadamente a Deus por ela, por meio dessas virtudes sagradas.

'Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo' - diz São Paulo - 'que do alto do céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos... Por isso também eu, tendo ouvido falar da vossa fé no Senhor Jesus, e do amor para com todos os cristãos, não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações. Rogo ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê um espírito de sabedoria que vos revele o conhe­cimento dele; que ilumine os olhos do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que ele reserva aos santos, e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos a fé. É o mesmo poder extraordinário que ele manifestou na pessoa de Cristo' (Ef 1,3-4.15-20). Vede com que ardor ele deseja que tenhamos uma noção adequada dessa grande misericórdia! E um pouco depois, descrevendo a grandeza desse favor e o retorno que ele exige de nós, ele diz: 'porquanto é por ele que ambos temos acesso junto ao Pai num mesmo espírito. Consequentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus (Ef 2,18-20). E ainda: 'Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Se­nhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas' (Ef 5,8-11). Em outro texto, nos diz: 'para que vos comporteis de maneira digna do Senhor, procurando agradar-lhe em tudo... Sede contentes e agradecidos ao Pai, que vos fez dignos de participar da herança dos santos na luz. Ele nos arrancou do poder das trevas e nos introduziu no Reino de seu Filho muito amado' (Cl 1,10.12-13). E, novamente, escrevendo a Tito, ele diz: 'É fiel esta palavra, e estas coisas quero que afirmes constantemente, para que os que crêem em Deus se esforcem por praticar boas obras' (Tt 3,8).

Por fim, para mostrar a necessidade absoluta dessa correspondência grata da nossa parte com a grande bondade de Deus para conosco, ele nos assegura que somente sob a condição de perseverarmos em nossa santa fé e na esperança de nosso chamado, podemos esperar a recompensa eterna de sermos apresentados sem mancha diante de Deus: 'Considerando que' - 'diz ele - 'algumas vezes vocês estavam alienados e eram inimigos em sua mente, em más obras; mas agora Ele os reconciliou no corpo da sua carne, para apresentá-los santos, imaculados e irrepreensíveis diante dele, se assim continuarem na fé, fundamentados e firmes, e inabaláveis no Evangelho que ouviram, que é pregado em toda a criação que está debaixo do céu' (Cl 1,21-23). São Pedro também descreve a graça da nossa vocação nos termos mais belos e assegura-nos que o próprio desígnio de Deus ao nos chamar era que pudéssemos retribuir-lhe adequadamente, proclamando os seus louvores. 'Vós sois uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para que proclameis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua admirável luz' (1Pd 2,9). Que grande obrigação tudo isso nos impõe de viver uma vida boa e de nos esforçarmos em todas as coisas para fazer a vontade de Deus, especialmente quando o próprio Cristo diz expressamente: 'Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus'!

P. 40. Quais são as disposições e o comportamento que esta inestimável bondade de Deus exige dos membros da sua Igreja uns para com os outros?

São Paulo descreve-nos isso de forma muito clara, da seguinte maneira: 'Exorto-vos, pois, – prisioneiro que sou pela causa do Senhor –, que leveis uma vida digna da vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e ama­bilidade, com grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos' (Ef 4,1-6).  Vejam aqui com que cores fortes ele mostra que a humildade, a mansidão e o amor fraternal são virtudes essenciais à nossa vocação, e que tudo o que pertence à nossa santa religião exige que vivamos na prática constante delas; que estamos todos unidos em um só corpo, a Igreja de Cristo animada por um só espírito, o espírito de Jesus, que guia e conduz esse corpo a toda a verdade; que somos chamados a uma só esperança da nossa vocação, a posse do próprio Deus na glória eterna; que todos servimos a um único Senhor, nosso Senhor Jesus Cristo; que todos professamos uma única fé, aquela santa fé que Ele revelou à humanidade, sem a qual é impossível agradar a Deus; que todos somos santificados por um único batismo; que todos servimos a um único Deus; que todos somos filhos de um único Pai; e que este Pai celestial está sempre presente conosco, e toda a nossa conduta está nua e aberta diante Dele. Quão impróprio, então, deve ser aos olhos deste nosso Pai, ver-nos entretendo discórdias ou má vontade entre nós! E quão indigno de nossa vocação e desonroso para nossa religião se, sendo membros do mesmo corpo, servos do mesmo mestre e filhos do mesmo Pai, unidos por tantos laços fortes de religião, vivêssemos em animosidade e inimizade uns com os outros!

Em outro texto, o mesmo santo apóstolo, descrevendo as disposições necessárias para aqueles a quem Deus chamou, como seus eleitos, para a graça inestimável de serem membros da sua santa Igreja, diz: 'Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entra­nhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós' (Cl 3,12-13).  E o comportamento contrário é tão impróprio e tão indigno da nossa vocação, que São Tiago declara que é até diabólico: 'Se tendes zelo amargo e contendas em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade; porque isso não é sabedoria que desce do alto, mas é terrena, sensual, diabólica' (Tg 3,14). Tudo isso é extraído da doutrina expressa do nosso grande Mestre, que não apenas ordena a todos os seus seguidores que vivam em amor fraternal e união entre si, mas declara que isso está tão ligado à sua vocação que é o sinal distintivo de que pertencem a Ele: 'Nisto todos saberão' - diz Ele - 'que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros' (Jo 13,35).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 13 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVII)

P. 37 - De que maneira, então, esses santos se expressam sobre esse assunto?

Seria interminável coletar todos os seus testemunhos; os poucos que se seguem podem ser suficientes como amostra do todo. Santo Inácio, bispo de Antioquia e discípulo dos apóstolos, em sua epístola aos filadelfianos, diz: 'Aqueles que se separam não herdarão o reino de Deus'. São Irineu, bispo de Lyon e mártir na segunda era, diz: 'A Igreja é a porta da vida, mas todos os outros são ladrões e salteadores e, portanto, devem ser evitados' (DeHar., lib. i. c. 3). São Cipriano, bispo de Cartago e mártir em meados da terceira era, diz: 'A casa de Deus é uma só, e ninguém pode ter a salvação senão na Igreja' (Epist. 62, 4). E no seu livro sobre a unidade da Igreja, ele diz: 'Não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe. Se alguém que estivesse fora da arca de Noé pudesse escapar, então aquele que está fora da Igreja também poderia escapar'.

No século IV, São Crisóstomo diz assim: 'Sabemos que a salvação pertence SOMENTE à Igreja e que ninguém pode participar de Cristo, nem ser salvo, fora da Igreja Católica e da fé católica' (Hom. i. in Pasch). Santo Agostinho, na mesma época, diz: 'Somente a Igreja Católica é o corpo de Cristo; o Espírito Santo não dá vida a ninguém que esteja fora deste corpo' (Epist. 185, 50). E em outro lugar: 'Ninguém pode ter a salvação, a não ser na Igreja Católica. Fora da Igreja Católica, pode ter tudo menos a salvação. Pode ter honra, pode ter o batismo, pode ter o Evangelho, pode acreditar e pregar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; mas não pode encontrar a salvação em nenhum outro lugar que não seja a Igreja Católica' (Serm. ad Cczsariens de Emerit). E ainda uma outra vez (Epist. 209, ad Feliciam).: 'Na Igreja Católica, há bons e maus. Mas aqueles que estão separados dela, enquanto as suas opiniões forem opostas às dela, não podem ser bons. Pois, embora a conversa de alguns deles pareça louvável, a sua própria separação da Igreja torna-os maus, de acordo com o que diz o nosso Salvador: 'Aquele que não está comigo está contra mim; e aquele que não ajunta comigo, espalha' (Lc 11,23).

Lactâncio, outra grande luz da quarta era, diz: 'É somente a Igreja Católica que mantém a verdadeira adoração. Esta Igreja é a fonte da verdade, é a casa da fé, é o templo de Deus. Se alguém não entrar nesta Igreja ou se afastar dela, a sua salvação eterna estará perdida. Ninguém deve iludir-se obstinadamente, pois a sua alma e a sua salvação estão em jogo' (Divin. Instit., lib. iv. c. 30). São Fulgêncio, no século VI, diz assim: 'Acredite firmemente, e sem qualquer dúvida, que ninguém que seja batizado fora da Igreja Católica pode participar da vida eterna, se, antes do fim desta vida, não for restaurado à Igreja Católica e incorporado nela' (Lib. de Fid., c. 37). Isto é suficiente para mostrar a fé do mundo cristão em todas as épocas anteriores; pois todos os escritores sagrados do cristianismo, em todas as épocas, falam sobre este assunto da mesma forma.

P. 38. Esses testemunhos são fortes e falam claramente sobre o assunto; mas, depois de tais provas, não é surpreendente que alguém questione esse ponto?

Isso, na verdade, só pode ser explicado pelo espírito geral de mundanismo e desconsideração por toda religião que agora prevalece universalmente; pois os primeiros reformadores e alguns de seus seguidores, vendo as fortes provas da Escritura para essa doutrina e não encontrando o menor fundamento nesses escritos sagrados para apoiar o contrário, reconheceram-na de forma justa, por mais que isso fosse contra eles mesmos. Vimos como os teólogos de Westminster se pronunciam sobre este assunto na Confissão de Fé, usada até hoje pela Igreja da Escócia, e que foi ratificada e adotada pela Assembleia Geral no ano de 1647, como padrão da sua religião. 

Mas os seus antecessores no século anterior, quando a religião presbiteriana começou na Escócia, falam com igual clareza sobre o mesmo assunto; pois na sua Confissão de Fé, autorizada pelo Parlamento no ano de 1560, 'como uma doutrina fundamentada na Palavra infalível de Deus', eles dizem o seguinte, no Artigo xvi: 'Assim como acreditamos em um único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, também acreditamos firmemente que, desde o início, existiu, existe agora e existirá até o fim do mundo uma única Igreja, ou seja, uma única comunidade e multidão de homens, escolhidos por Deus, que o adoram e abraçam corretamente pela verdadeira fé em Jesus Cristo... Essa Igreja é católica, isto é, universal, porque contém os eleitos de todas as épocas e, fora dessa Igreja não há vida nem felicidade eterna; e, portanto, abominamos totalmente a blasfêmia daqueles que afirmam que os homens que vivem de acordo com a equidade e a justiça serão salvos, qualquer que seja a religião que professem'. Esta confissão da Igreja original da Escócia foi reimpressa e publicada em Glasgow no ano de 1771, de onde esta passagem foi retirada. O próprio Calvino confessa a mesma verdade, nestas palavras, falando da Igreja visível: 'Fora do seu seio' - diz ele - 'não se pode esperar remissão dos pecados, nem salvação, de acordo com Isaías, Joel e Ezequiel... de modo que é sempre altamente pernicioso afastar-se da Igreja' e isto ele afirma nas suas próprias instituições (B. iv. c. i 4).

Acrescentaremos mais um testemunho particularmente forte; é do Dr. Pearson, bispo da Igreja da Inglaterra, na sua exposição do Credo (edit. 1669), onde ele diz: 'A necessidade de acreditar na Igreja Católica apareceu, em primeiro lugar, no fato de Cristo a ter designado como o único caminho para a vida eterna. Lemos no início do Livro dos Atos (At 2,47), que o Senhor acrescentava diariamente à Igreja aqueles que deveriam ser salvos; e o que era feito diariamente naquela época tem sido feito continuamente desde então. Cristo nunca designou dois caminhos para o céu; nem construiu uma Igreja para salvar alguns e criou outra instituição para a salvação de outros homens (At 4,12). Não há outro nome dado aos homens sob o céu pelo qual devamos ser salvos, senão o nome de Jesus; e esse nome não é dado sob o céu senão na Igreja. 

Assim como ninguém foi salvo do dilúvio, exceto aqueles que estavam dentro da arca de Noé, construída para recebê-los por ordem de Deus; assim como nenhum dos primogênitos do Egito sobreviveu, exceto aqueles que estavam dentro das habitações cujas ombreiras das portas foram aspergidas com sangue, por designação de Deus, para sua preservação; assim como nenhum dos habitantes de Jericó pôde escapar do fogo ou da espada, exceto aqueles que estavam dentro da casa de Raab, para cuja proteção foi feita uma aliança; assim NINGUÉM escapará da ira eterna de Deus uma vez que não pertença à Igreja de Deus. 

Vede até que ponto a força da verdade prevaleceu entre os membros mais eminentes da Reforma antes que os princípios liberais se infiltrassem entre eles! Que reprovação deve ser esta perante o tribunal de Deus para aqueles membros da Igreja de Cristo que questionam ou procuram invalidar esta grande e fundamental verdade, a própria fronteira e barreira da verdadeira religião: que é tão repetidamente declarada por Deus nas suas Sagradas Escrituras, professada pela Igreja de Cristo em todas as épocas, atestada nos termos mais fortes pelas luzes mais eminentes do cristianismo e reconhecida com franqueza pelos escritores e teólogos mais célebres da Reforma! Não será que toda tentativa de enfraquecer a importância desta verdade divina será considerada pelo grande Deus como uma traição à sua causa e aos interesses da sua santa fé? E aqueles que assim o fizerem serão capazes de invocar a sua predileta e invencível ignorância em sua própria defesa perante Ele?

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVI)

P. 35 - O que devemos dizer sobre os membros da Igreja de Cristo que abandonam a sua religião e renunciam à sua fé?

Como o próprio Deus deu uma resposta completa e clara a esta pergunta em três passagens diferentes das suas Sagradas Escrituras, seria presunção responder com outras palavras que não as suas. Primeiro, Ele diz, pela boca do seu santo apóstolo São Paulo: 'É impossível que aqueles que uma vez foram iluminados, provaram também o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram, além disso, a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e aindaa ssim se afastaram, sejam renovados novamente em penitência, crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus e zombando dele. Porque a terra que bebe a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz ervas úteis para aqueles que a cultivam, recebe bênção de Deus; mas aquela que produz espinhos e sarças é rejeitada e está muito perto de uma maldição, cujo fim é ser queimada' (Hb 6,4). 

Sobre essa passagem, o falecido erudito e piedoso editor do Novo Testamento de Reims diz, na nota, 'que é impossível para aqueles que caíram após o batismo serem batizados novamente; e muito difícil para aqueles que apostataram da fé, depois de terem recebido muitas graças, retornarem novamente ao estado feliz do qual caíram'. Mais uma vez, 'se pecarmos voluntariamente', diz o mesmo santo apóstolo, 'depois de termos recebido o conhecimento da verdade, não resta nenhum sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectativa terrível de julgamento e a fúria de um fogo que consumirá os adversários' (Hb 10,26). Sobre o que o mesmo autor erudito diz: 'Ele fala do pecado da apostasia voluntária da verdade conhecida; depois disso, como não podemos ser batizados novamente, não podemos esperar ter aquela remissão abundante dos pecados, que Cristo comprou com a sua morte, aplicada às nossas almas de maneira tão ampla como no batismo; mas temos, antes, todos os motivos para esperar um julgamento terrível; tanto mais porque os apóstatas da verdade conhecida raramente ou nunca têm a graça de voltar a ela'. 

Por fim, pela boca do santo apóstolo São Pedro, Deus declara assim o estado dessas pessoas: 'Pois, se, fugindo das contaminações do mundo, pelo conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, eles se envolvem novamente nelas e são vencidos, o seu estado posterior torna-se pior do que o anterior. Pois teria sido melhor para eles nunca terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de o terem conhecido, se afastarem do santo mandamento que lhes foi entregue. Pois o verdadeiro provérbio aconteceu-lhes: O cão voltou ao seu vômito, e a porca lavada voltou a revolver-se na lama' (2Pd 2,20-22).

P. 36 - O senhor disse acima que só recentemente essa maneira descuidada de pensar e falar sobre a necessidade da verdadeira fé e de estar em comunhão com a Igreja de Cristo, que temos examinado, surgiu entre os membros da Igreja; essa mesma linguagem não era usada pelos cristãos em todas as épocas anteriores?

Longe disso; e esse é um dos maiores motivos para sua condenação. É uma novidade, é uma nova doutrina; era algo inédito desde o início; aliás, é diretamente oposto à doutrina uniforme de todas as grandes luzes da Igreja em todas as épocas anteriores. Esses homens grandes e santos, as testemunhas mais irrepreensíveis da fé cristã em seus dias, não conheciam outra linguagem sobre esse assunto além daquela que viram ser falada diante deles por Cristo e seus apóstolos; eles sabiam que seu Mestre Divino havia declarado: 'Aquele que não crer será condenado'; ouviram o seu apóstolo proclamar um terrível anátema contra qualquer um, mesmo que fosse um anjo do céu, que ousasse alterar o Evangelho que Ele havia pregado (cf Gl 1,8); ouviram-no afirmar em termos expressos que 'sem fé é impossível agradar a Deus' e mantiveram constantemente a mesma linguagem. E como não viam na Escritura o menor fundamento para pensar que aqueles que estavam fora da Igreja poderiam ser salvos por ignorância invencível, essa cogitação enganosa não aparece nem uma única vez em todos os seus escritos.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 26 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XV)

P. 33 - Quais são esses argumentos sofísticos com os quais eles são tão enganados?

Nós os vimos acima e os refutamos completamente, um por um. Mas o grande erro deles surge de suas idéias errôneas de ignorância invencível e das condições requeridas para ser um membro da Igreja de Cristo. Pois como eles devem ou negar sua própria fé ou permitir essa proposição geral, que 'sem fé é impossível agradar a Deus', enquanto eles admitem a verdade disso, eles pretendem que, como a ignorância invencível desculpará um homem diante de Deus em todos os outros casos, então ela deve desculpá-lo nisso também. E que, portanto, embora um homem não tenha a verdadeira fé, 'a ignorância invencível o salvará', não advertindo para os dois sentidos que essas palavras contêm, um dos quais é certamente verdadeiro, e o outro não menos certamente falso. A ignorância invencível de fato o salvará da culpa de ter uma fé falsa e de não ter a fé verdadeira: isso é certamente verdade. Mas dizer que a ignorância invencível o salvará, isto é, o levará à salvação, é certamente falso, como tudo o que vimos acima prova plenamente.

Novamente, enquanto eles admitem essa outra proposição geral, que 'fora da verdadeira Igreja de Cristo não há salvação', que eles devem reconhecer ou desistir de sua própria religião, eles supõem que um homem pode ser um membro da verdadeira Igreja aos olhos de Deus, embora não esteja unido a ela em comunhão, como todas as crianças batizadas são, embora nascidas em heresia, pelo menos até que cheguem à idade de julgar por si mesmas. O erro deles está em não refletir que todos os adultos em uma religião falsa podem ser membros da Igreja à vista de Deus em nenhum outro sentido além daqueles de quem nosso Salvador diz: 'Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco'. Mas como Ele declarou expressamente que era necessário trazer até mesmo esses à comunhão da sua Igreja, isso evidentemente mostra que eles e todos os outros não são membros da Igreja de tal forma que possam ser salvos em seu estado atual sem serem unidos a esta comunhão.

P. 34 - Mas não é louvável e digno de louvor mostrar toda a indulgência e condescendência para com aqueles que estão fora da Igreja e se comportar em relação a eles com toda a clemência e brandura?

Sem dúvida: não é apenas louvável, mas um dever estrito, até onde a verdade pode chegar. Mas trair a verdade com essa visão constitui um crime grave e altamente prejudicial para ambas as partes. A experiência, de fato, mostra que a maneira solta de pensar e falar, que alguns membros da verdadeira Igreja têm adotado ultimamente, produz as piores consequências, tanto para eles mesmos quanto para aqueles a quem desejam favorecer.

(i) Aqueles que estão separados da Igreja de Cristo bem sabem que ela professa constantemente, como um artigo de seu credo, que sem a verdadeira fé e fora da sua comunhão, não há salvação. Quando, portanto, eles veem os membros dessa Igreja falando duvidosamente sobre esse ponto, parecendo questionar a verdade da doutrina e até mesmo alegando pretextos e desculpas para explicá-la, o que eles podem pensar? Que efeito isso deve ter em suas mentes? Será que isso não tende a extinguir qualquer desejo de investigar a verdade que Deus possa ter lhes dado e a fechar seus corações contra qualquer pensamento positivo? O amor-próprio nunca deixa de se apoderar avidamente de tudo o que favorece seus desejos; e se uma vez encontrarem essa verdade questionada, mesmo por aqueles que professam acreditar nela, eles a considerarão como uma mera disputa retórica e não pensarão mais no assunto.

(ii) Essa maneira de pensar e falar tende naturalmente a extinguir todo zelo pela salvação das almas nos corações daqueles que a adotam; pois enquanto eles se persuadem de que há uma possibilidade de salvação para aqueles que morrem em uma falsa fé e fora da Igreja de Cristo, o amor próprio facilmente os inclinará a não se preocuparem com sua conversão. Às vezes, chega-se ao ponto de fazer com que alguns pensem que é mais aconselhável não se esforçar para desiludi-los, para que isso não mude sua atual ignorância desculpável, como eles a chamam, em uma obstinação culpável; não refletindo que, por seus esforços piedosos e zelosos, eles podem ser levados ao conhecimento da verdade e salvar suas almas, enquanto que, por sua negligência sem caridade, podem ser privados de tão grande felicidade. Ai do mundo, de fato, se os primeiros pregadores do cristianismo tivessem sido reféns de sentimentos tão pouco cristãos!

(iii) Não é menos prejudicial para os próprios membros da Igreja adotar tais maneiras de pensar; pois isso não pode deixar de esfriar seu zelo e estima pela religião, torná-los mais descuidados em preservar sua fé, prontos para, por motivos mundanos, expô-la ao perigo e, em tempos de tentação, abandoná-la inteiramente. De fato, se um homem estiver completamente persuadido da verdade de sua santa religião e da necessidade de ser membro da Igreja de Cristo, como é possível que ele se exponha a qualquer ocasião de perder um tesouro tão grande, ou que, por qualquer medo ou favor mundano, o abandone? Uma vez que a experiência mostra que muitos, por alguma vantagem mundana insignificante, se expõem a tal perigo, indo a lugares onde não podem praticar sua religião, mas encontram todos os incentivos para abandoná-la, ou, ao se envolverem em empregos inconsistentes com seu dever, expõem seus filhos às mesmas ocasiões perigosas, isso só pode surgir da falta de uma ideia justa da importância de sua religião; e, após um exame rigoroso, sempre se descobre que algum grau ou outro dos sentimentos de tolerância ou de indiferentismo expostos acima é a causa radical.

(iv) Além disso, se uma pessoa começa a hesitar sobre a importância de sua religião, que estima ou consideração ela pode ter pelas leis, regras ou práticas dela? O amor-próprio, sempre atento à sua própria satisfação, logo lhe dirá que, se não for absolutamente necessário ser dessa religião, muito menos necessário será submeter-se a todos os seus regulamentos; portanto, liberdades são tomadas na prática, os mandamentos da Igreja são desprezados, os exercícios de devoção são negligenciados e uma sombra de religião é introduzida sob a aparência de sentimentos liberais, numa dissipação completa de toda virtude e de uma piedade sólida.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 16 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIV)

P. 31 - Isto é muito forte, de fato. Mas como este é um caso em que muitos pretendem dar grande ênfase, de onde vem o peso que parece ter para estes em favor daqueles que até mesmo morrem em uma religião falsa?

O erro deles decorre da ideia que formam para si mesmos das chamadas boas obras e de não observarem a grande diferença que existe entre as boas ações morais naturais e as boas obras cristãs sobrenaturais, que por si só levarão o homem ao céu. Por mais corrompida que seja a nossa natureza pelo pecado, ainda assim há poucos ou nenhum da semente de Adão que não tenha certas boas disposições naturais, sendo alguns mais inclinados a uma virtude, outros a outra. Assim, alguns têm uma disposição humana e benevolente; alguns têm um coração terno e compassivo para com os outros em dificuldades; alguns são justos e retos em seus negócios; alguns são temperantes e sóbrios; alguns são brandos e pacientes; alguns também têm sentimentos naturais de devoção e reverência pelo Ser Supremo. Ora, todas essas boas disposições naturais, por si mesmas, estão longe de ser virtudes cristãs, e são totalmente incapazes de levar um homem ao céu. De fato, elas tornam aquele que as possui agradável aos homens e obtêm estima e consideração daqueles com quem vive, mas não têm qualquer utilidade perante Deus no que diz respeito à eternidade. Para nos convencermos disso, basta observar que boas disposições naturais desse tipo são encontradas em muçulmanos, judeus e pagãos, bem como entre os cristãos; no entanto, nenhum cristão pode supor que um muçulmano, judeu ou pagão, que morre nesse estado, obterá o reino dos céus por meio dessas virtudes.

Os fariseus, entre o povo de Deus, eram notáveis por muitas dessas virtudes: tinham grande veneração pela lei de Deus; faziam profissão aberta de piedade e devoção; davam grandes esmolas aos pobres; jejuavam e oravam muito; eram assíduos em todas as observâncias públicas da religião; eram notáveis por sua estrita observância do sábado e tinham aversão a toda profanação do santo nome de Deus; contudo, o próprio Jesus Cristo declara expressamente: 'Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus' (Mt 5,20). Dizem-nos que um deles subiu ao templo para orar e que era, aos olhos do mundo, um homem muito bom, levava uma vida inocente, livre dos crimes mais grosseiros que são tão comuns entre os homens, jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de tudo o que possuía; no entanto, o próprio Cristo nos assegura que ele foi condenado aos olhos de Deus. Tudo issonos prova que nenhuma das boas disposições da natureza acima mencionadas é capaz, por si só, de levar qualquer homem ao céu. E a razão é que 'não há outro nome dado aos homens debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos, a não ser o nome de Jesus' (At 4,12) e, portanto, nenhuma boa obra, qualquer que seja ela, realizada apenas pelas boas disposições da natureza, pode jamais ser coroada por Deus com a felicidade eterna. 

Para obter essa gloriosa recompensa, nossas boas obras devem ser santificadas pelo sangue de Jesus e se tornarem virtudes cristãs. Ora, se examinarmos as Sagradas Escrituras, encontraremos duas condições absolutamente necessárias para tornar nossas boas obras agradáveis a Deus e conducentes à nossa salvação. Primeiro, que estejamos unidos a Jesus Cristo pela verdadeira fé, que é a raiz e o fundamento de todas as virtudes cristãs; pois São Paulo diz expressamente: 'Sem fé é impossível agradar a Deus' (Hb 11,6). Observe-se a palavra impossível; ele não diz que é difícil, mas que é impossível. Portanto, mesmo que um homem tenha tantas boas disposições naturais e seja tão caridoso, devoto e mortificado quanto os fariseus, se ele não tiver verdadeira fé em Jesus Cristo, não poderá entrar no reino dos céus. Recusaram-se a crer nele e, portanto, todas as suas obras de nada valeram para a sua salvação e, a menos que a nossa justiça exceda a deles neste ponto, como o próprio Cristo nos assegura, nunca entraremos no seu reino celestial. 

Mas mesmo a fé verdadeira, por mais necessária que seja, não basta por si só para tornar as nossas boas obras disponíveis para a salvação; pois é necessário, em segundo lugar, que estejamos em caridade com Deus, na sua amizade e graça, sem o que mesmo a fé verdadeira nunca nos salvará. Para nos convencermos disso, basta ouvirmos São Paulo, que diz: 'Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, ainda que distribuísse todos os meus bens para alimentar os pobres, ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, isso de nada me aproveitaria' (ICor 13,2). Assim, se um homem for pacífico, regular, inofensivo e religioso em seu caminho, caridoso para com os pobres, e o que mais lhe aprouver, ainda assim, se ele não tiver a verdadeira fé de Jesus Cristo e não estiver em caridade com Deus, todas as suas virtudes aparentes não servem para nada; é impossível para ele agradar a Deus por meio delas e se ele viver e morrer nesse estado, elas não lhe aproveitarão em nada. Por isso,  é manifesto que aqueles que morrem numa religião falsa, por mais inaceitável que seja sua conduta moral aos olhos dos homens, ainda assim, como eles não têm a verdadeira fé de Cristo, e não estão em caridade com Ele, eles não estão no caminho da salvação; pois nada pode nos valer em Cristo, senão 'a fé que opera pela caridade' (Gl 5,6).

P. 32 -  Mas sendo tudo isto tão evidente, como é que hoje em dia alguns, que se professam membros da Igreja de Cristo, parecem por em causa esta verdade, advogando continuamente a favor daqueles que não são da sua comunhão, propondo desculpas para eles e usando todos os seus esforços para provar uma possibilidade de salvação para aqueles que vivem e morrem numa falsa religião?

Este é um daqueles artifícios de que o inimigo das almas faz uso nestes tempos infelizes para promover sua própria causa e que há motivos para temer que tenha, por várias razões, encontrado seu caminho até mesmo entre aqueles que pertencem ao rebanho de Cristo, pelas seguintes razões:

(i) como eles vivem entre aqueles que praticam falsas religiões e muitas vezes têm as conexões mais íntimas com eles, eles naturalmente e muito louvavelmente contraem um amor e afeição por eles. Isso faz com que, a princípio, não queiram pensar que seus amigos deveriam estar fora do caminho da salvação. Depois, passam a desejar e esperar que não seja assim. Daí chegam a questionar o fato de ser assim e, a partir daí, é fácil agarrarem-se a qualquer pretexto para se persuadirem disso; 

(ii) princípios fundamentais podem ser encontrados em todos os lugares nestes nossos dias; uma misericórdia não pactuada, por assim dizer, é encontrada em Deus para muçulmanos, judeus e infiéis, que nunca foi ouvida entre os cristãos. Isso é revestido com o caráter ilusório de uma maneira liberal de pensar e sentimentos generosos e tornou-se moda pensar e falar dessa maneira. Ora, a moda é um persuasivo muito poderoso, contra o qual mesmo as pessoas de bem nem sempre estão à prova; e quando alguém ouve esses sentimentos todos os dias ressoando em seus ouvidos e qualquer coisa que pareça contrária a eles ser ridicularizada e condenada, ele naturalmente cede à ilusão e desvia sua mente de querer examinar a força desses sentimentos, por medo de descobrir sua falsidade. Quando, por medo de sermos desprezados, desejamos que qualquer coisa seja verdadeira, é muito fácil acreditar que ela seja verdadeira e, sem um exame mais aprofundado, qualquer demonstração sofística da razão a seu favor é adotada como conclusiva;

(iii) o interesse mundano também muitas vezes concorre com sua influência dominante para produzir o mesmo fim. Um membro da Igreja de Cristo vê seu amigo separado dela mas com poder e crédito no mundo, capaz de ser de grande interesse para ele, e sabe que, se ele abraçasse a verdadeira fé, perderia toda a sua influência e se tornaria incapaz de servi-lo. Isso o faz esfriar em desejar seu amigo ser realmente um homem de fé. Isso faz com que ele não tenha um real desejo pela sua conversão; mas o pensamento de que seu amigo não está no caminho da salvação o aflige e o sujeito então começa a desejar que ele possa ser salvo como ele se encontra em sua própria religião. Por isso, começa a esperar por isso e adota de bom grado qualquer prova que o faça pensar que sim. É verdade, de fato, que todas estas razões teriam pouca influência sobre um membro sincero da Igreja de Cristo, que compreende a sua religião e tem um sentido justo do que ela lhe ensina a este respeito; 

(iv) o grande infortúnio de muitos que adotam essas maneiras frouxas de pensar e falar é que são ignorantes dos fundamentos de sua religião e não examinam o assunto minuciosamente e, uma vez infectados pelo espírito dos tempos, eles nem estão dispostos a examinar e até mesmo consideram impróprio se qualquer amigo zeloso tentar desiludi-los; agarrando-se a esses sofismas miseráveis que são alegados em favor de sua maneira frouxa de pensar, recusam-se a abrir os olhos para a verdade ou mesmo a considerar as próprias razões que a legitimam.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

COMEÇA O CONCLAVE!


O conclave para eleger o próximo pontífice começa hoje no Vaticano. Ao todo, 133 cardeais participam da votação secreta que escolherá o novo líder da Igreja Católica. Que, sob a luz do Espírito Santo, escolham um papa santo para a Santa Igreja!

sexta-feira, 2 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIII)

P. 27 - Mas suponhamos que uma pessoa viva em uma religião falsa e morra sem ser reunida à comunhão da Igreja de Cristo, pode dizer-se que ela está então definitivamente perdida?

Tenho de colocar aqui outra questão. Suponhamos que um grande pecador continue a viver em seus pecados e morra sem qualquer aparência de arrependimento, poder-se-ia dizer que ele está irremedivalmente perdido? Certamente que não, porque ninguém sabe, ou pode saber, o que se passou entre Deus e a sua alma nos seus últimos momentos; tudo o que se pode dizer é que, se ele realmente morreu sem arrependimento, está certamente perdido; mas se Deus, pela sua infinita bondade, deu a ele a graça de um arrependimento perfeito e ele correspondeu da sua parte a tão grande favor, será salvo. Da mesma forma, se uma pessoa que vive em uma religião falsa morre sem dar qualquer sinal de abraçar a verdadeira fé ou sem se reconciliar com a Igreja de Cristo, nunca poderemos dizer com certeza que ela está perdida; tudo o que podemos dizer deve estar sob a mesma condição que no outro caso: se ela realmente morreu como viveu, separada da verdadeira Igreja de Cristo, e sem a verdadeira fé de Cristo, ela não pode ser salva. Mas se Deus, por sua grande misericórdia, deu a ela, em seus últimos momentos, luz e graça para ver e abraçar a verdadeira fé, e ela correspondeu com um favor tão grande como Deus requer, será salva. Ora, como ninguém sabe, ou pode saber, o que pode ter passado na alma de um ou de outro nos seus últimos momentos, assim nenhum homem pode pronunciar com certeza que a alma de um ou de outro estará irremedivalmente perdida.

P. 28 -  Mas, no caso proposto, se uma pessoa, em seus últimos momentos, receber a luz da fé de Deus e abraçá-la com todo o seu coração, isso seria suficiente para torná-la um membro da verdadeira Igreja aos olhos de Deus?

Sem dúvida; o caso é o mesmo neste como no caso do batismo. Embora Jesus Cristo diga expressamente: 'Se alguém não nascer de novo da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus' (Jo 3,5), tal premissa estabelece a necessidade absoluta do batismo para a salvação; contudo, suponhamos que um pagão seja instruído na fé de Cristo e a abrace de todo o coração, mas morra subitamente sem batismo, ou seja levado por amigos infiéis, ou colocado na impossibilidade absoluta de receber o batismo, e morra nas disposições acima com arrependimento sincero e desejo de batismo, essa pessoa receberá indubitavelmente de Deus todos os frutos do batismo, e por isso se diz que foi batizada em desejo. Da mesma forma, suponhamos que uma pessoa educada em uma religião falsa abraça de todo o coração a luz da verdadeira fé, que Deus lhe dá nos seus últimos momentos, uma vez que lhe é absolutamente impossível, nesse estado, juntar-se à comunhão externa da Igreja aos olhos dos homens, no entanto, será certamente considerada unida a ela aos olhos de Deus, por meio da verdadeira fé que abraça e do seu desejo de se unir à Igreja, se isso estiver ou estivesse ao seu alcance.

P. 29 - Há alguma razão para acreditar que Deus Todo-Poderoso muitas vezes concede a luz da fé, ou a graça do arrependimento, na hora da morte, àqueles que viveram toda a sua vida em heresia ou em pecado?

Que Deus pode, num único instante, converter o coração mais obstinado à verdadeira fé ou ao arrependimento, é manifesto pelos exemplos de São Paulo, do publicano Zaqueu, do apóstolo São Mateus e de muitos outros; e, em particular, de São Pedro, a quem revelou, num instante, a divindade de Jesus Cristo, que lhe disse: 'Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus' (Mt 16,17). Que Ele pode fazer isso na hora da morte, tão facilmente quanto em qualquer momento da vida, não pode ser duvidado, como vemos no caso do bom ladrão na cruz. Ele é o mesmo Deus todo-poderoso em todos os momentos. Mas é preciso reconhecer que há muito pouca razão para pensar que isso seja frequentemente o caso. Certamente não há a menor base da revelação para pensar assim. Não, as Escrituras, como vimos acima, ameaçam o contrário. Tudo o que pode ser dito é que, como Deus é capaz, Ele pode fazê-lo; e como Ele é misericordioso, Ele pode fazê-lo: e a possibilidade disso é suficiente para nos impedir de julgar o estado de qualquer alma que tenha deixado este mundo: mas seria certamente o cúmulo da loucura, e uma manifesta tentação de Deus, uma pessoa se agarrar a isso e continuar em um caminho mau na esperança de encontrar tal misericórdia no final da vida.

P. 30 - Não vemos, mesmo entre as falsas religiões, muitas pessoas sérias e bem-dispostas, que vivem bem, e são até mesmo devotas e piedosas à sua própria maneira; não é difícil pensar que tais pessoas não serão salvas?

Mas não é muito mais razoável em si mesmo, bem como mais conforme a todo o teor do que Deus revelou, dizer que se eles são verdadeiramente tais diante de Deus como eles aparecem aos olhos dos homens, e tais como Ele sabe que continuarão a corresponder às graças que Ele lhes dá, Ele não permitirá que eles morram em sua falsa religião, mas sem dúvida os trará para a verdadeira fé antes que morram? A porta da salvação não está de modo algum fechada a essas pessoas por nada do que aqui foi dito; a única dificuldade está no modo como podem chegar a ela. Supor que eles podem alcançá-la, embora morram em sua falsa religião, é supor que Deus age contrariamente a si mesmo, e em oposição a tudo o que Ele tem revelado aos homens sobre este assunto.

Mas aderindo à sua santa Palavra, e acreditando firmemente que Deus 'acrescenta diariamente à Igreja aqueles que serão salvos', sem dúvida acrescentará aqueles aqui mencionados, se eles forem desse número feliz, não tornando a sua salvação mais difícil nem para eles mesmos nem para Deus; assim, evitamos a terrível consequência de supor que Deus poderia agir contrariamente a si mesmo e à sua própria vontade revelada. Se essas pessoas são realmente tais aos olhos de Deus como aparecem aos homens e se Jesus Cristo, prevendo a sua perseverança em melhorar as graças que lhes concede, as reconhece entre o número de suas ovelhas, 'às quais dá a vida eterna', então é evidente que elas estão no estado daquelas de quem Ele diz no Evangelho: 'Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco' (Jo 10,16).

Mas, sobre estas, Ele imediatamente acrescenta: 'Também as hei-de trazer e elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor'. Não era suficiente para a sua salvação serem reconhecidas como suas ovelhas; mas porque o eram, era necessário que fossem reunidas ao aprisco ao qual então não pertenciam. O mesmo deve ser então o caso daqueles de quem aqui falamos: são ovelhas de Jesus Cristo, porque Ele prevê que serão finalmente salvas; mas como não estão atualmente no aprisco da sua Igreja, a fim de assegurar a sua salvação, 'também é necessário que Ele as traga para ela' antes de morrerem, para que haja 'um só rebanho e um só pastor'.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

terça-feira, 22 de abril de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XII)

P. 25 - Ninguém é trazido à fé e à Igreja de Cristo senão aqueles que correspondem como devem às graças recebidas anteriormente?

Deus não permita; pois, embora seja certo que Deus nunca deixará de trazer à fé e à Igreja de Cristo todos aqueles que correspondem fielmente às graças que Ele lhes concede, ainda assim Ele não se obrigou em lugar algum a conceder essa singular misericórdia a nenhum outro. Se fosse esse o caso, quão poucos de fato a receberiam! Mas Deus, para mostrar as riquezas infinitas da sua bondade e misericórdia, concede-a a muitos dos mais indignos. Ele a concedeu até mesmo a muitos dos judeus endurecidos que crucificaram Jesus Cristo e aos sacerdotes que o perseguiram até a morte, embora eles tivessem se oposto obstinadamente a todos os meios que Ele havia usado anteriormente por meio da sua doutrina e milagres para convertê-los. 

Nisso, Ele age como Senhor e Mestre, e como um livre disponente dos seus próprios dons; Ele dá a todos os auxílios necessários e suficientes para o estado atual deles; àqueles que cooperam com esses auxílios, Ele nunca deixa de dar mais abundantemente; e, a fim de mostrar as riquezas da sua misericórdia, em um número dos mais indignos, Ele concede seus favores mais singulares para a conversão deles. Portanto, ninguém tem motivo para reclamar; todos devem ser solícitos em operar com o que têm; ninguém deve se desesperar por causa de sua ingratidão passada, mas ter a certeza de que Deus, que é rico em misericórdia, ainda terá misericórdia deles, se voltarem para Ele. Só devem temer e tremer aqueles que permanecem obstinados em seus maus caminhos, que continuam a resistir aos apelos da sua misericórdia e adiam sua conversão dia após dia. Pois, embora sua infinita misericórdia não conheça limites no perdão dos pecados, por mais numerosos e graves que sejam, se nos arrependermos, ainda assim as ofertas da sua misericórdia são limitadas e, se excedermos esses limites por nossa obstinação, não haverá mais misericórdia para nós. 

O tempo da misericórdia é determinado para cada um e, se deixarmos de aceitar suas ofertas dentro desse tempo, as portas da misericórdia se fecharão contra nós. Quando o noivo entra na câmara nupcial, as portas são fechadas, e as virgens tolas que não estavam preparadas são excluídas para sempre, com esta terrível reprovação de Jesus Cristo: 'Não vos conheço; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade'. Portanto, visto que nenhum homem sabe quanto tempo durará o tempo de misericórdia para ele, não deve demorar um momento sequer; se negligenciar a presente oferta, pode ser a última. Essa hora virá como um ladrão na noite, quando menos esperarmos, como o próprio Cristo nos assegura, e por isso Ele nos ordena que estejamos sempre prontos.

P. 26 - Que opinião, então, pode ser formada sobre a salvação de qualquer pessoa, em particular, que esteja fora da verdadeira Igreja de Cristo e viva em uma religião falsa?

Em resposta a isso, pode-se fazer outra pergunta: Que opinião você formaria sobre a salvação de alguém que esteja vivendo em estado aberto de pecado mortal, como adultério, roubo, impureza ou algo semelhante? Ninguém poderia presumir dizer que esse homem certamente se perderá; mas todos podem dizer que, se ele morrer nesse estado, sem arrependimento, não poderá ser salvo. Se for a vontade de Deus salvá-lo positivamente, Ele, antes que ele morra, lhe dará a graça do arrependimento sincero; porque o Deus Todo-Poderoso exige expressamente dos pecadores um arrependimento sincero como condição sem a qual eles não podem ser salvos: 'Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis' (Lc 13,3). 

O mesmo deve ser dito de uma pessoa que está fora da Igreja verdadeira e vive em uma religião falsa. Se ela morrer nesse estado, não poderá ser salva; e se for a vontade de Deus salvá-la de fato, Ele sem dúvida a trará para a verdadeira fé e a tornará membro da Igreja de Cristo antes que ela deixe este mundo; e a razão é a mesma que no outro caso. Deus, como vimos acima, exige que todos os homens estejam unidos à Igreja pela fé verdadeira como condição de salvação e, portanto, diariamente 'acrescenta à Igreja aqueles que serão salvos' (At 2,47). Agora, embora um homem seja um grande adversário da Igreja de Cristo no momento ou um grande pecador, embora seja membro da Igreja, ainda assim, como nenhum homem pode saber o que Deus pode querer fazer por qualquer um deles antes de morrer, então nenhum homem pode declarar e dizer que um ou outro estará perdido; pois, se Deus quiser, Ele pode dar a luz da verdadeira fé a um e a graça do verdadeiro arrependimento ao outro, mesmo em seus últimos momentos, e salvá-los.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 7 de abril de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XI)

P. 23 -  Mas suponhamos que uma pessoa esteja nas regiões selvagens da Tartária ou da América, onde o nome de Cristo nunca foi ouvido; suponhamos também que essa pessoa atenda aos ditames da consciência, iluminada pelas graças que Deus se agrada em lhe conceder, e os cumpra constantemente; ainda assim, como é possível que ela seja levada ao conhecimento e à fé em Jesus Cristo?

Esse caso é certamente possível; e, se isso acontecer, não se deve duvidar de que Deus Todo-Poderoso, dos tesouros da sua infinita sabedoria, providenciaria algum meio de levar essa pessoa ao conhecimento da verdade, mesmo que Ele enviasse um anjo do céu para instruí-la. A mão do Senhor não está recolhida, para que Ele não possa salvar uma pobre alma, em quaisquer dificuldades que possa estar; Ele fez, em tempos passados, coisas maravilhosas em casos desse tipo e Ele não é menos capaz de fazer o mesmo novamente. Uma vez que Ele ordenou tão claramente que, fora da verdadeira Igreja e sem a verdadeira fé em Cristo, não há salvação, não pode haver dúvida de que, no caso proposto, Ele cuidaria efetivamente de trazer tal pessoa para essa felicidade.

P. 24 - Existe alguma autoridade nas Escrituras para provar isso?

Não pode haver prova mais forte nas Escrituras do que alguns fatos ali relatados. Temos nas Escrituras dois belos exemplos de Deus agindo dessa maneira em casos semelhantes, o que mostra que Ele faria o mesmo novamente, se algum caso o exigisse. O primeiro é o caso do eunuco de Candace, rainha da Etiópia. Ele, seguindo as luzes que Deus lhe deu, embora vivendo a uma grande distância de Jerusalém, familiarizou-se com a adoração do verdadeiro Deus e estava acostumado a ir de tempos em tempos a Jerusalém para adorá-lo. Quando, porém, o Evangelho começou a ser publicado, a religião judaica não pôde mais salvá-lo; mas estando bem disposto, por fidelidade às graças que havia recebido até então, ele não foi abandonado pelo Deus Todo-Poderoso; pois quando ele estava voltando de Jerusalém para seu país, o Senhor enviou uma mensagem por um anjo a São Filipe para encontrá-lo e instruí-lo na fé de Cristo, e batizá-lo (At 8,26).

O outro exemplo é o de Cornélio, que era um oficial do exército romano do grupo itálico e foi criado na idolatria. No decorrer dos acontecimentos, quando seu regimento chegou à Judéia, ele viu ali uma religião diferente da sua, a adoração de um único Deus. A graça moveu o seu coração, ele acreditou nesse Deus e, seguindo os movimentos posteriores da graça divina, deu muitas esmolas aos pobres e orou fervorosamente a esse Deus para que o orientasse sobre o que fazer. Deus o abandonou? De modo algum; Ele enviou um anjo do céu para lhe dizer a quem se dirigir a fim de ser totalmente instruído no conhecimento e na fé de Jesus Cristo e ser recebido em sua Igreja pelo batismo. 

O que Deus fez nesses dois casos, Ele não é menos capaz de fazer em todos os outros, e tem mil maneiras em ua sabedoria de conduzir as almas que estão realmente empenhadas no conhecimento da verdade e na salvação. E ainda que tal alma estivesse nas mais remotas regiões selvagens do mundo, Deus poderia enviar um Filipe ou um anjo do céu para instruí-la, pela superabundância da sua graça interna ou por inúmeras outras maneiras desconhecidas para nós, poderia infundir em sua alma o conhecimento da verdade. O mais importante é que façamos cuidadosamente a nossa parte, cumprindo o que Ele nos dá, pois temos certeza de que, se não lhe faltarmos, Ele nunca faltará a nós, mas, assim como começou a boa obra em nós, também a aperfeiçoará, se tivermos o cuidado de corresponder e não colocar obstáculos aos seus desígnios.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 31 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (X)

P. 21 - Como se demonstra que se um homem resistir ou negligenciar as graças de Deus, elas lhe serão tiradas? E ainda: se ele se perder, que a culpa é sua?

Isto também é manifesto em toda a Escritura, mas para que este ponto possa ser completamente compreendido, devemos considerar as diferentes consequências fatais que fluem de um abuso obstinado destas graças.

(i) Estas graças são retiradas deles; não, de fato, de uma só vez, pois Deus, em sua infinita misericórdia, espera pacientemente pelos pecadores, e repete os seus esforços para sua conversão; mas se eles ainda resistem ou abusam de suas graças, estas são diminuídas e dadas mais raramente. Assim diz o nosso Salvador do servo inútil: 'Tirai-lhe a moeda... porque ao que não tem, até o que tem lhe será tirado' (Lc 19,24.26). Como assim? Se ele não tem, como é que alguma coisa lhe pode ser tirada? O sentido é: aquele que não melhorou o que tem, até o que tem lhe será tirado. O mesmo é repetido em várias outras ocasiões.

(ii) Quanto mais as graças de Deus são enfraquecidas ou retiradas dos pecadores por seu repetido abuso delas, mais suas paixões são fortalecidas em seus corações, adquirindo maior domínio sobre eles, até que finalmente se tornam seus miseráveis escravos; 'Meu povo não ouviu minha voz' - diz o Deus Todo-Poderoso - 'Israel não me ouviu: então eu os deixei ir de acordo com os desejos de seu coração; eles andarão em suas próprias invenções (Sl 80,12). E São Paulo assegura-nos que, embora os sábios entre as nações pagãs, pela luz da própria razão, chegaram a um claro conhecimento da existência de Deus e do seu poder e divindade, mas 'porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato... Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imun­dície' (Rm 1,21.24).

(iii) Se a obstinação deles ainda aumenta, e eles continuam a fechar os olhos para a luz da verdade que Deus lhes oferece, Ele então permite que eles sejam seduzidos pela falsidade, por 'dar ouvidos a espíritos de erro e doutrinas de demônios' (1Tm 4,1). Assim, 'Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem, por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar. Por isso, Deus lhes enviará um poder que os enganará e os induzirá a acreditar no erro. Desse modo, serão julgados e condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas consentiram no mal' (2T 2,10-12). 10. Este texto forte mostra claramente duas grandes verdades; primeiro, que Deus oferece a verdade a todos; e, segundo, que a fonte da condenação deles é inteiramente deles mesmos, ao se recusarem a recebê-la.

(iv) Se, portanto, eles ainda continuarem em sua perversidade, e morrerem em seus pecados, uma terrível condenação será sua porção para sempre; para eles 'Por isso, jurei na minha cólera: não hão de entrar no lugar do meu repouso (Sl 94,11). Sobre eles, Ele pronuncia aquela terrível sentença: 'Uma vez que recusastes o meu chamado e ninguém prestou atenção quando estendi a mão, uma vez que negligenciastes todos os meus conselhos e não destes ouvidos às minhas admoestações, também eu rirei do vosso infortúnio e zombarei, quando vos sobrevier um terror, quando vier sobre vós um pânico, como furacão; quando se abater sobre vós a calamidade, como a tempestade; e quando caírem sobre vós tribulação e angústia. Então me chamarão, mas não responderei; eles me procurarão, mas não atenderei. Porque detestam a ciência sem lhe antepor o temor do Senhor, porque repelem meus conselhos com desprezo às minhas exortações; comerão do fruto dos seus erros e se saciarão com seus planos, porque a apostasia dos tolos os mata e o desleixo dos insensatos os perde' (Pv 1, 24-32). 

A condenação deles é prefigurada na de Jerusalém, que havia sido rebelde a todos os apelos de Deus, e sobre cujo destino nosso Salvador lamenta com estas palavras tocantes: 'Jerusalém, Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados; quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a tua casa te será deixada deserta' (Mt 23,37-38). 'Eu quis, e tu não quiseste!' Este é o grande crime cometido por eles. 'Enviei-vos os meus profetas e servos, as minhas graças, luzes e intenções sagradas, mas vós os matastes e destruístes, e não lhes destes ouvidos!' O destino miserável de todos esses infelizes pecadores, prefigurado em Jerusalém, arrancou lágrimas dos olhos de Jesus, quando Ele chorou sobre aquela cidade e disse: 'Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas não, isso está oculto aos teus olhos. Virão sobre ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; eles destruirão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada' (Lc 19,42-44). São aqueles que, tendo sido convidados para a ceia nupcial do grande Rei, rejeitaram o seu convite e mataram os seus servos; por isso 'Ele enviou os seus exércitos e destruiu aqueles assassinos, e queimou a sua cidade' (Mt 22,7), declarando depois que 'o banquete está pronto, mas os convidados não foram dignos' (Mt 22,8).

P. 22 - Qual é a consequência de todas essas verdades?

A consequência é muito clara, a saber: embora Deus Todo-Poderoso tenha se agradado em ordenar que ninguém será salvo uma vez que não tenha a verdadeira fé em Jesus Cristo, e não esteja em comunhão com a sua santa Igreja, ainda assim isso não é de forma alguma inconsistente com a infinita bondade de Deus, porque Ele dá a todos as graças suficientes, pelas quais eles podem, se corresponderem a elas, ser trazidos para a verdadeira fé e Igreja de Cristo; e que, se alguém se perde, não é devido a qualquer falta de bondade em Deus, mas ao seu próprio abuso das graças que lhes foram concedidas. A alguns, na verdade, Ele concede essas graças mais abundantemente, dando-lhes cinco talentos; a outros, Ele dá mais parcimoniosamente, dois talentos e a outros apenas um; mas Ele dá a todos o suficiente para suas necessidades atuais, e dará mais se estas forem melhoradas, até que finalmente Ele os leve ao conhecimento da verdade e à salvação.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 21 de março de 2025

SOBRE A ATIVIDADE HUMANA NO MUNDO

Por seu trabalho e inteligência, o homem procurou sempre desenvolver mais a sua vida. Hoje em dia, porém, ajudado antes de tudo pela ciência e pela técnica, ele estendeu continuamente o seu domínio sobre quase toda a natureza; e, principalmente, graças aos meios de transporte de toda espécie entre as nações, a família humana pouco a pouco se regulariza e se constitui como uma só comunidade no mundo inteiro. Por isso, muitos bens que o homem esperava antigamente obter sobretudo de forças superiores, hoje os conseguem pelos seus próprios meios.

Diante deste enorme esforço, que já penetra em toda a humanidade, surgem muitas perguntas entre os homens. Qual é o sentido e o valor desta atividade? Como todas essas coisas devem ser usadas? Quais são esses esforços, sejam eles individuais ou coletivos? A Igreja, guardiã do depósito da palavra de Deus, que é a fonte dos seus princípios de ordem religiosa e moral, embora ainda não tenha uma resposta imediata para todos os problemas, deseja no entanto unir a luz da revelação à competência de todos, para iluminar o caminho no qual a humanidade entrou recentemente.

Para os fiéis é pacífico que a atividade humana individual e coletiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decorrer dos séculos, buscaram melhorar suas condições de vida, consideradas em si mesmo, correspondem ao plano de Deus. Com efeito, o homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de dominar a terra com tudo o que ela contém e de governar o mundo na justiça e na santidade, isto é, confirmando a Deus como Criador de todas as coisas, orientando para ele o seu ser e todo o universo; assim, com todas as coisas impostas ao homem, o nome de Deus seja glorificado na terra inteira.

Isto diz respeito também aos trabalhos cotidianos. Pois os homens e as mulheres que, ao procurarem o sustento para si e suas famílias, exercem suas atividades de maneira a bem servir à sociedade, têm razão para ver no seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço aos seus irmãos e uma contribuição pessoal para a realização do plano de Deus na história.

Portanto, bem longe de pensar que as obras produzidas pelo talento e esforço dos homens se opõem ao poder de Deus, ou consideram a criatura racional como rival do Criador, os cristãos, pelo contrário, são reforçados de que as vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza de Deus e fruto dos seus inefáveis ​​​​desígnios. Quanto mais, porém, cresce o poder dos homens, tanto mais aumenta a sua responsabilidade, seja pessoal seja comunitária. Conclui-se, pois, que a mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo nem os leva a negligenciar o bem de seus semelhantes; mas, antes, os impele a sentir esta obrigação como um verdadeiro dever.

(Excertos da Constituição Pastoral Gaudium et Spes)