domingo, 29 de setembro de 2019

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Tu, que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado
(1Tm 6,11-12)

sábado, 28 de setembro de 2019

29 DE SETEMBRO - SÃO MIGUEL ARCANJO

(São Miguel com elmo e armadura medieval - Catedral de Bruxelas)

'Houve uma batalha no Céu: Miguel e os seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado e não se encontrou mais um lugar para eles no Céu' (Ap 12, 7-8).

'Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande Príncipe, constituído defensor dos filhos do seu povo e será tempo de angústia como jamais houve' (Dn 12, 1).

Assim como Lúcifer é o chefe dos demônios, Miguel é o maior dentre os anjos, Príncipe das milícias celestes, protetor da Santa Igreja e da humanidade contra as forças do inferno. Assim, a designação de arcanjo (oitavo coro dos anjos) tem sentido genérico e nominativo, pois certamente São Miguel, sendo o primeiro dentre os Anjos, é o maior dos serafins. Dentre os vários santuários destinados ao Arcanjo São Miguel, Príncipe das milícias celestes, destaca-se aquele localizado no Monte Saint Michel na França, cuja foto constitui a abertura e o símbolo deste blog.

(Santuário de São Miguel - Monte Saint Michel/França)

São Miguel, rogai por nós!
Intercedei a Deus por nós!

SOBRE A CONFISSÃO

(adaptação de ilustração original publicada no blog Senza Pagare)

'O pecado não é vergonhoso senão quando o fazemos mas, sendo convertido em confissão e penitência, é honroso e saudável. A contrição e a Confissão são tão formosas e de tal fragrância que apagam a fealdade e desvanecem o mau cheiro do pecado'.
(São Francisco de Sales)

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE DORÉ (II)

PARTE II (Gn 12 - 27)

[Abraão a caminho da Terra de Canaã (Gn 12)]

 [Abraão com os Três Anjos (Gn 18)]

 [Fuga da família de Lot de Sodoma (Gn 19)]

[A expulsão de Hagar e Ismael por Abraão (Gn 21A)]

 [Hagar e Ismael no deserto (Gn 21B)]

  [Abraão submetido ao teste de fé (Gn 22)]

  [O sepultamento de Sara (Gn 23)]

  [Eliezer e Rebeca no poço (Gn 24A)]

  [O encontro de Isaac e Rebeca (Gn 24B)]

 [Isaac abençoa Jacó (Gn 27)]

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

SOBRE A DOR

A criação foi obra de amor. O bem tende a comunicar-se. Deus, o ser infinitamente bom, quis espalhar em torno de si algo de sua bondade; infinitamente rico, quis distribuir as suas riquezas; infinitamente feliz, quis tornar felizes a outros. As criaturas, que lhe saíram das mãos divinas, criaturas angélicas e criaturas humanas, foram logo cumuladas por Ele de benefícios; uma doce felicidade, isenta de dor, foi o quinhão dos anjos e dos homens durante o período de provação. Em troca, o Senhor pede às criaturas que O amem; Ele as amou, em primeiro lugar, com amor gratuito, ipse prior dilexit nos; a justiça, a honra divina, exigem que elas lhe paguem amor com amor.

Ai de nós! em vez de amor e reconhecimento, Deus só recebe, de grande parte das criaturas, ingratidão e pecado. O amor divino é um fogo devorador que não pode permanecer sem efeito; se não provocar no coração da altura um incêndio de amor, que lhe seja alegria e felicidade, tornar-se-á um fogo vingador ao serviço de sua justiça. Essa justiça, portanto, sucede ao amor desprezado, enquanto os castigos sucedem aos benefícios.

Os anjos rebeldes foram os primeiros a fazer tão triste experiência; em seguida, os homens, após o pecado, viram dissipar-se a alegria e surgir a dor. Tanto nos anjos rebeldes, como nos condenados, a justiça divina defronta o ódio e a obstinação; longe de aceitar a expiação exigida pela honra divina, erguem-se contra Deus, no orgulho e na revolta; então a pena que atraem sobre si torna-se numa tortura que lhes excita o rancor e aumenta o ódio. Na terra, ao contrário, o homem pode reconhecer sua falta, detestá-la e submeter-se ao castigo; a pena assume então um caráter inteiramente diverso: é a dor resignada e amorosa, amorosa, porque o amor que os benefícios de Deus não puderam produzir, a dor o fará brotar do coração.

Tal é, pois, o escopo da dor, reparar a honra de Deus, punir o pecado, destruir todas as consequentes corrupções. O fogo terrestre purifica, devorando tudo quanto é corruptível e separando as escórias dos elementos incorruptíveis. Edificamos, diz o apóstolo, firmados em Cristo, um edifício em que se mesclam ouro e prata, pedras preciosas e lenha, feno e palha; o fogo porá esse vício à prova, revelando tudo quanto continha de puro e sólido. É o fogo da justiça, o fogo da dor, que produz semelhante efeito; no inferno, no purgatório, o fogo vingador atinge tudo quanto está maculado; não atua, porém, sobre o que se conservou puro.

A dor é, pois, filha do pecado. O Deus de toda bondade que poderia não a ter excluído a princípio do plano divino, só a introduziu, de fato, no mundo, em seguida ao pecado. Antes da queda original, o homem não sofria a tirania das paixões e só devia esperar alegrias do convívio com sua companheira e as criaturas só lhe proporcionavam prazeres, enquanto elevavam o seu coração a Deus pelo reconhecimento.

Mas o pecado desmoronou toda a ordem da natureza. Para colher, o homem deve primeiro semear no labor e na fadiga; deve ganhar o pão com o suor de seu rosto. As rosas que o encantam estão cercadas de espinhos, aptos a ferir quem as quiser colher. Cada criatura parece dizer em sua linguagem muda: Que uso pretendes fazer de mim? Fui encarregada, pelo nosso comum Criador, de te por à prova. Ou então: sou de tal natureza que o só fato de me encontrares em teu caminho, será penoso para ti. Ou ainda: se te sou útil, obrigo-te a esforços árduos e, não raras vezes, sou rebelde a esses esforços e te imponho cruéis privações. 

Mais acerbos ainda que os sofrimentos exteriores são os sofrimentos íntimos; angústias do coração dilacerado pelas separações, pelos lutos, pela visão dos males de nossos irmãos; dores da alma causadas pelos nossos insucessos, pelas nossas próprias misérias, pelos nossos defeitos e pecados. Esses sofrimentos visam todos corrigir e reparar as consequências do pecado; são uma força destruidora e é isto que os torna tão pungentes. Há na alma humana, maculada pelo pecado original, tendências egoístas, apegos maus que se desenvolveram e se fortaleceram com as faltas individuais; são outros tantos obstáculos que impedem e tolhem as santas inclinações depositadas em nós pela graça. O fogo da dor visa devorar essas impurezas; Deus que consumir em nós o que lhe ofende a pureza do olhar e, sobre as cinzas de nossos defeitos, fazer germinar belas virtudes.

Quão viva e penetrante é por vezes a dor da alma cheia de imperfeições, mas que procura purificar-se! Dir-se-ia uma fogueira que consome muitas achas e, em cujo montão de cinzas, esperamos encontrar ocultas algumas moedas de ouro. Levará muito tempo para consumir todo esse lenho que, verde ainda, gemerá ao torcer-se e ao lançar ondas de fumaça; e só se deixará destruir depois de opor viva resistência às chamas. Assim também as almas imperfeitas têm tanto afeto às coisas deste mundo e tanto apego à sua opinião e à sua vontade, têm um amor próprio tão desenvolvido que, tudo quanto tende a consumir esses defeitos, isto é, as privações, as contradições, as humilhações mais insignificantes, tudo lhes parece extremamente penoso. E tal sofrimento, que perdurará enquanto não fizerem reais progressos na renúncia, é necessário às almas imperfeitas.

A sensualidade será destruída pela dor física; a avareza, pela perda ou diminuição dos bens; o orgulho, dos desprezos, pelas críticas, ou pelas calúnias; o egoísmo, pelo abandono, pela indiferença do próximo. Quando ao contrário, a alma está livre de tais apegos, cheia de amor de Deus e disposta a tudo aceitar de suas mãos, aquilo que outrora lhe fazia sofrer, agora a deixa indiferente; suas dores são menos acerbas; o fogo devorador tem nela pouco alimento; encontrando apenas um lenho seco ou já meio queimado, acaba de consumi-lo em silêncio. Isso não significa que essa alma purificada esteja isenta de toda dor, mas essa dor é geralmente suscitada por causas mais nobres e assim sofrerá pelas ofensas feitas a Deus. Ademais, a essas penas une-se uma paz cheia de doçura e uma resignação total que alivia e que torna amáveis as próprias dores.

(Excertos da obra 'O Caminho que leva a Deus', do cônego Augusto Saudreau)

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'O Senhor, de modo divino, também te ensinou a bondade do Pai que sabe dar coisas boas, para que ao Bom peças tudo o que é bom. E aconselhou a orar com instância e repetidamente; não em prece fastidiosa pela duração, mas continuada pela frequência. Futilidades afogam, as mais das vezes, a longa oração e, na muitas vezes interrompida, facilmente se insinua o descuido. Exorto ainda a que, quando lhe pedes perdão para ti, saibas que será concedido sobretudo aos outros, na medida em que apoiares o pedido com a voz das tuas obras. O Apóstolo também ensina que se deve orar sem ira nem contestação, para que não se turve, não se altere tua súplica. E ainda ensina que se há de rezar em todo lugar (1Tm 2,8), pois disse o Salvador: 'Entra em teu quarto' (Mt 6,6). Não entendas, porém, um quarto cercado de paredes, onde teu corpo fica fechado, mas o quarto que existe dentro de ti, onde são encerrados teus pensamentos, onde moram teus sentimentos. Este quarto de tua oração em toda parte está contigo, em toda parte é secreto, sem outro juiz que não somente Deus'.

(Santo Ambrósio)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

VERSUS: DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS


OS SINAIS DO ESPÍRITO MAU

Ao contrário do espírito divino, o espírito diabólico conduz à exaltação do orgulho e, em seguida, lança a alma na confusão e no desespero, assim como ocorreu ao demônio, que pecou por orgulho e segue no desespero eterno e no ódio de Deus.

Para conhecer este espírito mal, é preciso portanto considerar sua influência no que diz respeito à mortificação, à humildade e à obediência e, em seguida, no que diz respeito às virtudes teologais. O espírito demoníaco não nos afasta sempre da mortificação; ele difere, assim, do espírito de natureza e, por vezes, até o contraria e conduz a uma mortificação exterior exagerada, visível a todos, que entretém o orgulho espiritual e enfraquece a saúde. Mas não inclina à mortificação interior da imaginação, do coração, da vontade própria e do julgamento próprio, ainda que estimule, por vezes, inspirando escrúpulos quanto à pequenos detalhes e laxismo quanto às coisas de maior importância, como os principais deveres de estado, por exemplo. Ele inspira assim a hipocrisia : 'jejuo duas vezes na semana' (Lc 18, 12).

Este espírito não nos conduz à humildade, mas nos engana pouco a pouco, para que nós nos estimemos mais do que devíamos, mais do que aos outros, com o objetivo de nos fazer rezar ao modo do fariseu: 'Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens: ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano' (Lc 18, 11). Este orgulho espiritual é acompanhado de uma falsa humildade, do fato de confessarmos um pecado pessoal, para que os outros não nos acusem de uma falta ainda mais grave e nos considerem humildes. O espírito mal faz ainda com que confundamos a humildade com a timidez, que é filha do orgulho e teme o desprezo. Do mesmo modo, não engendra a obediência, mas a desobediência ou o espírito servil, conforme as circunstâncias.

Quanto à fé, o espírito mau não inclina nosso espírito a considerar no Evangelho o que é ao mesmo tempo mais simples e mais profundo, por exemplo, não nos faz dizer com atenção e devoção a oração dominical, meditar os mistérios do santo rosário, mas apenas nos interessa ao que é extraordinário e favorece a ostentação, como quando disse ao Salvador: 'Se és filho de Deus, lança-te daqui abaixo, porque está escrito que Deus mandou aos seus anjos que te guardem, e que te sustenham em suas mãos, para não magoares o teu pé em nenhuma pedra'. Ao que Jesus respondeu: 'Também foi dito: Não tentarás o Senhor teu Deus'.

O espírito mau, do mesmo modo, nos incita ao que é contrário à nossa vocação; por exemplo, leva um monge cartuxo a querer evangelizar os infiéis ou um missionário à vida solitária dos cartuxos. Ou ainda, no que diz respeito à devoção, inspira a rezar à revelia da liturgia, por exemplo, rezar a sexta-feira santa como se fosse Natal ou vice-versa. Do mesmo modo, nas coisas da fé, conduz a novidades dogmáticas, como, por exemplo, no tempo do modernismo, a ler os livros dos protestantes liberais sob pretexto de adaptar nossa fé ao pensamento moderno. 

Ou, ao contrário, se nossa inclinação natural está em sentido oposto, nos incita a um arcaísmo imoderado, para provocar o conflito entre católicos ; assim, levava os israelistas recém convertidos ao Cristianismo a voltar à lei mosaica; é contra esta tentação que foi escrita a Epístola aos Hebreus, onde está dito (Hb 3, 13): 'Exortai-vos uns aos outros todos os dias, para que nenhum de vós se endureça, seduzido pelo pecado'. Do mesmo modo, o espírito mau altera os dogmas: por exemplo, o da predestinação, quando surge no calvinismo; então se realiza o adágio: corruptio optimi pessima. A corrupção do melhor é a pior das coisas. 

O demônio conhece muito bem este provérbio e trabalha para a perversão da fé sobrenatural. Ele sabe, com efeito, que não há nada pior, nada de mais perigoso que o cristianismo falseado, que conserva uma certa aparência de verdade, e ele age, por vezes, como um falso Cristo antes de aparecer como Anticristo. Tal como existiu no pensamento de Lutero e Calvino (não nos protestantes de boa fé), o protestantismo é então alguma coisa de pior e de mais perigoso que o naturalismo, pois é mais sedutor e abusa ainda mais da sagrada Escritura. É verdade que aceita a Escritura, mas para um uso depravado.

O naturalismo prático e, em seguida, teórico, provém muitas vezes do espírito da natureza decaído, mas a pervertíssima corrupção dos dogmas sobrenaturais, como no calvinismo, vem do espírito do demônio. Alterar a fé divina é, portanto, podemos dizê-lo, utilizar-se de uma arma de grande precisão, não contra os inimigos, mas contra os próprios irmãos e contra si próprio – é um fratricídio e um suicídio. Assim se explica, em grande parte, a história da pseudo-Reforma quanto ao seu espírito, ainda que muitos protestantes estejam de boa fé, pelo fato de ignorarem o verdadeiro espírito do protestantismo.

Quanto à esperança, o espírito mau trabalha para fazer com que nossa esperança degenere em presunção; por exemplo, quer-se chegar rápido demais à santidade e não pouco a pouco subindo os degraus necessários, nem pela via da humildade e nem da abnegação. Ele inspira igualmente uma certa impaciência quanto à nós mesmos, uma vez que nossos defeitos parecem grandes demais. Por consequência, produz em nós a indignação no lugar da contrição, uma indignação que é filha do orgulho e contrária à contrição. Ora, a presunção conduz ao desespero, quando se verifica a impossibilidade de chegar por suas próprias forças ao fim visado: o bem árduo parece então quase inacessível – é a desesperança.

Quanto à caridade, o espírito mau favorece os simulacros que são como um falso diamante; assim, conforme as inclinações variadas e opostas de nossa natureza, ele inclina algumas a esta falsa caridade para com o próximo que é o sentimentalismo, com uma indulgência excessiva sob pretexto de misericórdia e de generosidade. Em outros engendra um falso zelo: queremos sempre corrigir os outros, mas não a nós mesmos e, vendo a aresta no olho de nosso irmão, não vemos a trave no nosso olho.

De tudo isto resulta o contrário da paz, ou seja, a discórdia. O homem conduzido por este espírito não pode suportar a contradição, não vê senão a si mesmo em sua ofuscante personalidade, e se coloca, inconscientemente, acima de todos os demais, como uma estátua sobre o seu pedestal. Se este homem cai em um pecado grave e manifesto que não pode esconder, ele se deixará vencer pela confusão, indignação, desespero e, enfim, pela cegueira do espírito e pelo endurecimento do coração. Antes desta falta, o demônio escondia as consequências desencorajantes do pecado e inspirava o relaxamento; agora, após a falta, fala da justiça inexorável de Deus, para nos conduzir ao desespero. É assim que forma as almas à sua imagem: após o arrebatamento do orgulho, vem o desespero.

Portanto, se alguém tem uma grande devoção sensível na oração, mas sai dela com maior amor próprio, julgando-se acima dos outros, sem obediência aos superiores, desprovido de simplicidade no que toca seu diretor espiritual, isto é sinal da presença do espírito mau na sua devoção sensível. A falta de humildade, obediência e caridade fraterna é o indício de que se está privado do espírito de Deus.


OS SINAIS DO ESPÍRITO DE DEUS

Estes sinais opõem-se aos do espírito da natureza e do espírito demoníaco. O espírito de Deus inclina à mortificação exterior, no que difere do espírito de natureza, mas à mortificação exterior regrada pela prudência cristã e pela obediência, e que não atrai a atenção para nós nem enfraquece a saúde. Este espírito nos ensina, por outro lado, que a mortificação exterior é coisa pequena, se não há, ao mesmo tempo, a mortificação da imaginação, da memória (lembrança dos erros que cometemos), do coração, da vontade própria e do julgamento próprio. Inspira igualmente a verdadeira humildade, que dispõe à perfeita obediência, nos impede preferirmos a nós mesmos que aos outros, não teme o menosprezo, guarda silêncio sobre nossas qualidades; no entanto, ela não os nega, se existem, mas rende glória a Deus por elas.

O espírito de Deus alimenta nossa fé com o que há de mais simples e profundo no Evangelho como, por exemplo, o Pai Nosso, fazendo-nos fugir às novidades pela fidelidade à tradição. Esta verdadeira fé sobrenatural nos revela a presença de Deus nos nossos superiores; assim, aperfeiçoa-se o espírito de fé, porque tudo julgamos à luz dessa virtude. O espírito de Deus torna a esperança firme, preservando-a da presunção; diz-nos, por exemplo: é preciso desejar ardentemente a água viva da oração, que conseguimos pela via da humildade, da abnegação e da cruz. Por conseguinte, dá-nos uma santa indiferença pelo sucesso humano.

O espírito de Deus aumenta o fervor da caridade, dá o zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas, o esquecimento de si mesmo. Assim, pensamos antes de tudo em Deus, depois em nosso benefício. Inclina igualmente ao amor eficaz ao próximo; nos ensina que a caridade fraterna é o principal indício do progresso no amor de Deus. Impede o julgamento temerário, o escândalo sem motivo. Inspira o zelo, certamente, mas um zelo paciente, doce e prudente, que edifica pela oração e pelo exemplo e não se irrita pelas repreensões intempestivas. Produz uma grande paciência nas adversidades, o amor pela cruz, o amor pelos inimigos. Propicia a paz com Deus, com os outros, com nós mesmos e, frequentemente, a paz interior.

Se ocorre uma queda acidental, então o espírito de Deus nos fala em misericórdia. São Paulo diz (Gl 5, 22-23): 'O fruto do Espírito é a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a longanimidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade', com a humildade e a obediência. Se se trata de um ato particular, é mais difícil discernir se provém ou não de Deus. No entanto, se, encontrando-se antes na tristeza, a alma reza e recebe uma consolação profunda, é o sinal da visita de Deus, se esta consolação incita à obediência humilde e à caridade fraterna. Mas é preciso distinguir o primeiro momento da consolação do tempo seguinte, onde, por vezes, a alma julga por si mesma sobre esta consolação e o pode fazer conforme seu amor próprio.

Haverá presunção se desejar graças propriamente extraordinárias, como visões ou palavras interiores; mas se a alma vive e persevera na humildade, abnegação e recolhimento quase contínuo, não é raro que, em virtude dos sete dons do Espírito Santo, ela receba inspirações pelas quais se conciliam a simplicidade e a prudência, a humildade e o zelo, a firmeza e a doçura. Esta conciliação e esta harmonia constituem sinal claríssimo do espírito de Deus. O segredo, o silêncio e a cruz são absolutamente necessários àqueles a quem Deus conduz verdadeiramente por vias extraordinárias e estes não as devem manifestar senão ao seu pai espiritual; caso contrário, há grande perigo de orgulho espiritual.

Particularmente perigosa é a disposição de se comprazer nas revelações, de forma dogmática ou profética; pois elas se acompanham facilmente de ilusões e, mesmo se a primeira inspiração vem de Deus, frequentemente vem a ela se acrescentar uma interpretação humana, mais ou menos errônea, geralmente compreendida de modo extremamente material. Enfim, o espírito que procura êxtases e revelações, se não aperfeiçoa os costumes e a vida e não faz o homem desconfiar-se de si mesmo, é um espírito de ilusão, sobretudo se tudo isto impede a realização do dever de estado e engendra discórdias. Os sinais do espírito de Deus são, portanto, a obediência humilde, a caridade fraterna, a paz e a alegria espiritual radiantes.

(Pe. Garrigou-Lagrange)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXXIX)

VII

DA CIÊNCIA DE CRISTO ENQUANTO HOMEM: CIÊNCIA BEATÍFICA, INFUSA E ADQUIRIDA

Além da graça que o Filho de Deus concedeu à natureza humana, unida à sua divina Pessoa, dotou-a também com outras prerrogativas?
Sim, Senhor; e em primeiro lugar, com as de ciência (IX-XII)*.

Quantas classes de ciência possuía o Filho de Deus Encarnado?
Três: aquela, em virtude da qual são felizes os santos no céu ou ciência da visão beatífica; a ciência infusa ou inata, derivada do Verbo, a qual põe na alma as noções e idéias necessárias para saber e compreender todas as coisas de um só relance e de um modo natural e a ciência experimental ou adquirida, resultado do exercício ordinário das faculdades mentais que assimilam o mundo exterior por meio dos sentidos (IX, 2, 3, 4).

Foi especial e perfeitíssima a ciência de visão beatífica de Cristo Nosso Senhor?
Foi tão grande que excede sem proporção a de todos os anjos e homens bem-aventurados; desde o primeiro instante de sua Encarnação, pode Jesus Cristo, enquanto homem, conhecer no Verbo todas as coisas, de sorte que nada houve, presente, passado ou futuro, fossem ações, palavras ou pensamentos, qualquer que fosse a sua causa ou motivo, que o Filho de Deus não conhecesse, segundo a natureza humana a Ele unida hipostaticamente (X, 2-4).

Foi também, singularmente perfeita, a ciência infusa de Jesus Cristo?
Sim, Senhor; visto que Jesus Cristo, enquanto homem. sabia quanto pode conhecer a inteligência humana, utilizando as suas luzes naturais e, além disso, quantos conhecimentos pode a revelação proporcionar a qualquer inteligência criada mediante o dom de sabedoria, de profecia ou de qualquer outro dos dons do Espírito Santo, e isto com uma perfeição e abundância absolutamente transcendentais, não só em comparação com a ciência dos outros homens, mas também com a dos espíritos angélicos (XI, 1. 3. 4).

Que devemos pensar da ciência adquirida pelo Filho de Deus feito homem?
Que possuía toda quanta a inteligência humana pode alcançar trabalhando sobre os dados dos sentidos; que esta ciência foi progredindo e aperfeiçoando-se, à medida que o entendimento reflexionava sobre os novos dados que iam aflorando aos sentidos, sem que jamais tivesse aprendido qualquer verdade dos lábios de um mestre, porque à medida que se ia desenvolvendo, aprendia por si mesmo nas obras de Deus, tudo o que um mestre poderia explicar-lhe (XII, 1,3).

Aprendeu alguma coisa dos anjos?
De maneira nenhuma, pois toda a ciência que, enquanto homem, possuía, adquiriu-a ou imediatamente do Verbo ao qual pessoalmente estava unido ou no exercício de suas faculdades naturais, e qualquer outro modo de adquiri-la teria sido indigno Dele (XII, 4).

VIII

DO PODER DE JESUS CRISTO ENQUANTO HOMEM

Possuiu Jesus Cristo, enquanto homem, alguma outra prerrogativa, além da ciência?
Sim, Senhor, a do poder (XIII).

De que poderes estava investida a alma humana de Cristo?
Em primeiro lugar, do poder que tem toda alma pelo fato de ser forma substancial do corpo; além disso, do poder próprio e exclusivo da alma de Cristo na ordem da graça, visto que está destinada a comunicá-la a todos os que hajam de possuí-la; por último, a natureza humana de Cristo participa instrumentalmente do poder do Filho de Deus que, unido pessoalmente a ela, transformará e restaurará todas as coisas no céu e na terra, conforme o plano fixado por Deus e em harmonia com o fim da Encarnação (XIII, 1-4).

IX

DOS DEFEITOS DA NATUREZA HUMANA UNIDA HIPOSTATICAMENTE AO FILHO DE DEUS  DEFEITOS POR PARTE DO CORPO E POR PARTE DA ALMA

Foi conveniente que, ao lado das prerrogativas de ciência, graça e poder, tomasse o Filho de Deus a natureza humana com alguns defeitos de alma e corpo?
Pensando que o fim intentado pelo Filho de Deus na Encarnação foi satisfazer pelos nossos pecados, aparecer no mundo como um dentre os homens, reservando todo o seu mérito para a fé, e dar-nos exemplo com a prática das mais sublimes virtudes de paciência e imolação, sim, Senhor.

Que defeitos corporais tinha a natureza humana assumida pelo Verbo?
As misérias e debilidades inerentes a toda a natureza humana, como pena do pecado de nossos primeiros pais, tais como a fome, a sede e a a morte; não, porém, os defeitos consequentes de pecados pessoais, nem os hereditários, nem os acidentalmente contraídos na concepção (XIV, 1).

Logo o corpo de Jesus Cristo, com a exceção das debilidades mencionadas, era soberanamente formoso e perfeito?
Sim, Senhor; porque assim convinha à dignidade do Verbo divino e à ação do Espírito Santo, que diretamente o modelou nas entranhas da Santíssima Virgem, como mais tarde diremos.

Que defeitos de alma tinha a natureza humana unida ao Filho de Deus?
Em primeiro lugar, a possibilidade de experimentar dor sensível, especialmente a que produziriam as lesões corporais que havia de padecer no curso de sua paixão; em segundo lugar, o sentir a contrariedade produzida pelos movimentos interiores da ordem afetiva sensível e intelectual que supõem sempre um mal iminente, tais como a tristeza, o temor e a cólera, tendo em vista que esses movimentos em Cristo nunca estiveram em desacordo com a razão, à qual estavam em tudo submetidos (XV, 1-9).

Podemos dizer que Jesus Cristo, enquanto homem, era ao mesmo tempo 'compreensor' por estar em termo e 'viador' por achar-se no caminho da bem-aventurança?
Sim, Senhor; o primeiro, porque gozava plenamente da visão da essência divina e o segundo porque, suspensa milagrosamente a derivação da glória da alma para a parte sensível, como o fim de não impedir a obra da redenção, conquistou e mereceu, durante a sua vida mortal, a glorificação do corpo que começou a desfrutar depois da Ressurreição e da Ascensão (XV, 10).

X

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS — DE QUE MANEIRA PODEMOS EXPRESSAR-NOS AO FALAR DO VERBO ENCARNADO

Que proposições podemos sustentar referindo-nos ao adorável mistério da Encarnação?
Podemos dizer com verdade que Deus é homem porque uma pessoa de natureza divina é homem; também podemos dizer que o homem é Deus, porquanto uma pessoa, que é realmente homem, se identifica com a pessoa de Deus; e, em geral, podemos atribuir a Deus todas as propriedades da natureza humana, porque se realizam numa pessoa divina, e as da natureza divina podem dizer-se do homem Verbo Encarnado, porque aquele homem é pessoa de Deus. Ao contrário, não podemos atribuir à divindade os predicados da humanidade, nem a esta os daquela porque, na pessoa do Filho de Deus Encarnado, permanecem inconfusas as duas naturezas, conservando cada uma as suas propriedades (XVI, 1,2).

Podemos dizer: Deus se fez homem?
Sim, Senhor; porque uma pessoa divina, que não era homem, começou a sê-lo no tempo (XVI, 6).

Podemos dizer que o Verbo Encarnado é uma criatura?
Em absoluto, não, Senhor; porque tal locução faria supor que um puro homem chegou a transformar-se em Deus (XVI, 7); porém, acrescentando: em atenção à natureza humana que assumiu hipostaticamente, sim, porque a natureza humana, unida à pessoa do Verbo, é uma criatura (XVI, 8).

Podemos dizer: este homem (indicando a Cristo) começou a existir?
Não, Senhor; porque daríamos a entender que quem começou a existir foi a pessoa divina. Poderíamos, apesar disto, empregar a frase, ajuntando: 'enquanto homem ou em atenção à natureza humana' (XVI, 9).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

domingo, 22 de setembro de 2019

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Ele quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, que se entregou em resgate por todos' (1Tm 2,4-6)

sábado, 21 de setembro de 2019

DA PRÁTICA DA PACIÊNCIA NAS TRIBULAÇÕES

1. Passar por tribulações nesta vida é um grande sinal de predestinação. Como disse São Gregório: 'Viver no meio de aflições, neste mundo, é próprio dos eleitos, aos quais está reservada a bem-aventurança eterna'. Assim vemos nas vidas dos santos que todos, sem exceção, foram sobrecarregados de cruzes nesta terra. É o que escreveu São Jerônimo a Santa Eustóquia: 'Procura e verás que todos e cada um dos santos sofreram as tribulações; só Salomão viveu no meio dos prazeres, e talvez por isso se condenou'. O apóstolo diz que todos os predestinados devem ser semelhantes a Jesus Cristo (Rm 8, 29). Ora a vida de Jesus Cristo foi um contínuo padecer; por conseguinte, diz ainda o Apóstolo, para sermos glorificados com Jesus Cristo, é preciso que com ele passemos pelos sofrimentos (Rm 8, 17). 

2. Mas sofrer com Jesus Cristo é sofrer com paciência, como nosso divino Salvador que não repelia injúria com afronta, conforme nota São Pedro (I Pe 2,23). Diz São Gregório que, assim como sofrer com paciência é sinal de predestinação, assim sofrer com impaciência é presságio de condenação. Por isso nos adverte o Senhor que nós não alcançaremos a salvação senão nos sofrimentos tolerados com paciência (Lc 21, 19). E fiquemos bem persuadidos que se Deus nos envia tribulações, é unicamente porque nos quer bem: desse modo procura desapegar-nos dos prazeres terrenos, que nos podem fazer perder a salvação eterna. 

Diz Santo Agostinho: 'O mundo é tão amargo que todas as suas delícias são incapazes de satisfazer o coração do homem e todas se reduzem a amarguras e remorsos de consciência; e ainda assim é amado. Avaliai, pois, quanto mais o seria, se fosse doce, e como então nos esqueceríamos da alma, do paraíso e até de Deus!' ... O testemunho mais certo do amor é padecer pela pessoa amada; e o sacrifício mais agradável a Nosso Senhor é abraçar com paciência todas as cruzes que nos envia (I Cor 13,4). O amor é paciente, suporta tudo: as cruzes exteriores, como a perda da saúde, das honras, dos parentes, dos amigos; as cruzes interiores, como as ansiedades, as tentações, as dores, as desolações espirituais. A virtude se prova com a paciência. 

É por isso que, nas vidas dos santos, costuma-se fazer especial menção da sua paciência nas adversidades. É assim que o Senhor prova a nossa fidelidade. O demônio nos tenta, e Deus também, mas o demônio o faz para nos perder e Deus para nos salvar. Assim como o ouro se prova pelo fogo, assim Deus experimenta os seus servos pelo fogo das tribulações (Sb 3,6)... Ó Deus! Quem olha para o crucifixo e vê Deus morto em um mar de dores e de desprezos, como é possível, se o ama, não suportar de boa vontade, ou antes não desejar sofrer todos os males por seu amor? Santa Maria Madalena de Pazzi dizia: 'Todas as penas, por maiores que sejam, tornam-se suaves, quando se olha para Jesus na cruz'. 

3. ...Visto que nesta vida, de boa ou má vontade todos hão de sofrer, procuremos sofrer com merecimento, isto é, com paciência. Esta virtude é um escudo que nos defende de todas as penas que nos causam as perseguições, as enfermidades, as perdas e quaisquer outros trabalhos. Quem estiver sem este broquel, está sujeito a todos os sofrimentos. Procuremos, portanto, antes de tudo, pedir a Deus a paciência; sem isto não alcançaremos tão cedo este precioso dom. Quando pois nos assaltarem as adversidades, esforcemo-nos, de nossa parte, e façamos o possível para não prorromper em palavras de impaciência e de lamentos. O fogo que arde na fornalha, logo se apaga, quando se lhe tira a possibilidade de se exalar. 

Não tardaremos a gozar o fruto desta vitória: ao vencedor darei o maná escondido, diz o Senhor (Ap 2,17). Quando uma pessoa se faz violência para se vencer nas contrariedades, abraçando logo a cruz que Deus lhe envia, ó que doçura o Senhor lhe faz experimentar logo na mesma tribulação porque está passando, doçura oculta aos espíritos mundanos, mas não às almas que amam a Jesus Cristo! Como dizia Santo Agostinho: 'É mais doce gozar da boa consciência no meio dos trabalhos, do que estar com a consciência má no meio das delícias'.

4.  Falando em geral de todas as tribulações, que nos podem sobrevir, São Tomás nos adverte que ajuda muito a recebê-las com fortaleza e preveni-las antes que venham. Assim prepara Jesus Cristo os seus discípulos para as mesmas, dizendo: 'Meus filhos, sabei que no mundo sereis aflitos e humilhados; mas tende confiança em mim que venci o mundo' (Jo 16, 33). A razão é que a previsão de um trabalho, com a resolução de o suportar com paciência, nos faz formar a ideia, não de um mal, mas de um bem com vistas à vida eterna; e, desta arte, a consideração prévia do trabalho tira da nossa alma o temor que consigo traz. Assim praticaram os santos: abraçaram as cruzes de longe, antes que chegassem. Deste modo se acharam preparados para sofrê-las com calma, mesmo quando lhes vieram de improviso. Acostumai-vos, pois, na oração, a abraçar as tribulações que provavelmente vos hão de ocorrer. 

5. Quando as provações vos assaltarem, parecendo superiores às vossas forças, orai ao Senhor que venha em vosso auxílio, e confiai nele, dizendo: 'Eu tudo posso naquele que me conforta' (Fp 4,13)...  Quem deu aos santos mártires o vigor para suportar tantos tormentos e mortes tão dolorosas, senão o orar e recomendar-se a Deus? Quando vos achardes já sob o peso da cruz, de novo recorrei logo a oração, segundo o conselho de São Tiago: 'Se algum de vós sofre alguma aflição, trabalho ou padecimento, ore, e não deixe de orar, enquanto o coração não tornar à calma'. O Senhor mesmo disse: 'Quando fordes atribulados, chamai-me em vosso auxílio; eu vos livrarei das vossas penas, e vós me honrareis' (Sl 49, 15).

Desde que uma alma atribulada se encomenda a Deus, ou ele a livra do mal que padece, ou lhe dá a graça de suportá-lo com paciência; e com isso a alma honra o Senhor. Santo Inácio de Loiola dizia que a maior aflição que ele podia sofrer neste mundo, teria sido ver destruída a Companhia; mas esperava que, nesse caso, lhe bastaria um quarto de hora de oração para recobrar a calma anterior. Além disso, nos tempos da tribulação, procurai comungar mais frequentemente. Durante as perseguições, os antigos cristãos se preparavam para o martírio pela comunhão frequente. 

Além disso, conferenciai então com o vosso diretor ou com outra pessoa espiritual, porque uma palavra de conforto vos ajudará muito a levar a cruz com paciência. Guardai-vos, porém, de conferenciar com alguma pessoa imperfeita; porque esta poderá inquietar-vos mais e lançar-vos em confusão, principalmente quando houverdes recebido alguma afronta ou sofrerdes atualmente qualquer perseguição. Mas, sobretudo, repito, recorrei a oração, voltai-vos especialmente para Jesus sacramentado e rogai-lhe a graça de em tudo conformar-vos com sua santa vontade. Ele prometeu consolar a todos os atribulados que nele confiam, dizendo: 'Vinde a mim todos vós que sofreis e estais acabrunhados, e eu vos aliviarei (Mt 11, 28).

(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)

 

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

FOTO DA SEMANA

'Não temas a sentença da morte; lembra-te dos que te precederam, e de todos os que virão depois de ti: é a sentença pronunciada pelo Senhor sobre todo ser vivo' (Eclo 41,5)

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

ATO DE OFERECIMENTO E ACEITAÇÃO PELA MINHA MORTE

'Jesus, Senhor Deus de bondade e Pai de misericórdia, eu me apresento diante de Vós com o coração humilhado, contrito e confuso; imploro a vossa misericórdia para a minha última hora e para o que depois dela me espera. 

Quando meus pés imóveis me advertirem que a minha carreira neste mundo está próxima de terminar: ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Quando minhas mãos, trêmulas e entorpecidas, não puderem sustentar mais a vossa imagem crucificada e, a meu pesar, a deixar cair sobre o leito de minhas dores: ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Quando meus olhos, já vidrados e ofuscados pelo horror da morte eminente, se fixarem em Vós, com um olhar lânguido e moribundo: ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Quando meus lábios, frios e trêmulos, pronunciarem pela última vez vosso adorável Nome e o de vossa Mãe Santíssima: ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Quando meu débil coração, oprimido pelas dores da enfermidade, exausto de forças pelos esforços que tiver feito contra os inimigos de minha salvação, estiver tomado dos horrores da morte: ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Quando a alma, saindo, abandonar meu corpo e o deixar pálido, frio, sem movimento e sem vida aceitai, Senhor, a destruição de meu ser, como homenagem que presto a vossa divina Majestade, e naquela hora: ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Quando, finalmente, minha alma comparecer em vossa divina presença, e ver, pela primeira vez, o esplendor de vossa glória, não a expulseis de vossa presença, mas dignai-Vos recebê-la benignamente, no seio de vossa misericórdia, para que cante eternamente vossas misericórdias; e então, agora e sempre, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Pelos merecimentos e intercessão de Maria Santíssima, Mãe e Advogada dos pecadores, que espero rogará por mim na hora de minha morte; ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.

Jesus, Maria e José, eu vos dou meu coração e a minha alma. Jesus, Maria e José, assisti-me em minha última agonia. Jesus, Maria e José, fazei que descanse em paz a minha alma'.

(Santo Antonio Maria Claret)

terça-feira, 17 de setembro de 2019

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE DORÉ (I)

Gustave Doré (1832 - 1883) foi um artista francês especializado em ilustrações de livros de diferentes gêneros literários, caracterizadas por esboços tanto singulares como inconfundíveis. Sua fama é maior, entretanto, devido particularmente às suas representações de inúmeras cenas da Bíblia (tanto do Antigo como do Novo Testamento). Estas ilustrações foram publicadas pela primeira vez em 1865 na França e reimpressas em diversas outras edições e línguas desde então. A sequência deste Breviário Digital reproduz as ilustrações de Doré relativas ao Antigo Testamento e ao Novo Testamento (especialmente os Evangelhos).

PARTE I (Gn 1 - 11)

 [A Criação da Luz (Gn 1)]

  [A Criação de Eva (Gn 2)]

  [Adão e Eva são expulsos do Paraíso (Gn 3)]

 [A oferta dos sacrifícios por Caim e Abel (Gn 4A)]

 [A morte de Abel (Gn 4B)]

 [O Dilúvio - I (Gn 6)]

 [O Dilúvio - II (Gn 7)]

 [Uma pomba é enviada à Arca (Gn 8)]

 [A maldição de Noé sobre Canaã (Gn 9)]

[A Torre de Babel (Gn 11)]

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

DA PRÁTICA DA PACIÊNCIA COMO SACRIFÍCIO PERFEITO

1. A obra da paciência é uma obra perfeita. Pela paciência, oferecemos a Deus um sacrifício perfeito; porque sofrendo as tribulações e contrariedades, nada fazemos de nosso, senão aceitar de suas mãos as cruzes que o Senhor nos envia. Donde diz o Sábio: 'Quem padece com paciência, é melhor do que o varão forte' (Pv 16, 32). Um será forte em promover e sustentar alguma obra pia, mas depois não terá paciência de sofrer as adversidades; melhor seria para ele, se fosse mais valoroso em sofrer tudo com paciência, do que em empreender grandes obras. 

Estamos neste mundo para adquirir merecimentos e, por isso, esta terra não é lugar de repouso, mas de fadigas e de padecimentos, porque os merecimentos não se ganham com descanso, mas com trabalhos; e todo aquele que aqui vive, seja justo, seja pecador, há de sofrer alguma pena. A este falta uma coisa, àquele falta outra; um será nobre mas baldo dos bens da fortuna; outro será rico e nobre, mas lhe faltará a saúde. Em suma, todos, ainda os soberanos tem que sofrer; e até para estes, porque são os maiores desta terra, maiores também são os seus trabalhos. Todo o nosso bem consiste pois em sofrer com paciência as nossas cruzes. 

É por isso que o Espírito Santo nos adverte que não imitemos os brutos, que se iram quando não podem conseguir satisfazer os próprios apetites . Não façais como o cavalo e o mulo destituídos de razão. E para que serve nos inquietarmos nas contrariedades, senão para aumentar os nossos males? O bom e o mau ladrão morreram ambos crucificados com as mesmas penas; mas porque aquele abraçou os sofrimentos com paciência, se salvou; e este porque os padeceu com impaciência e desespero, se condenou. Lá disse Santo Agostinho: 'o mesmo trabalho manda os bons para a glória, porque o aceitam com resignação, e os maus para o inferno, porque o sofrem com impaciência'. 

2. Muitas vezes acontece que aquele que foge da cruz que Deus lhe envia, encontra outra muito maior. Sucede-lhe o que dizia o santo Jó: 'Os que temem a neblina, ficam acabrunhados pela neve (Jó 6,16). Diz aquela religiosa: 'Tirai-me deste emprego e dai-me outro' [o texto foi dirigido originalmente à orientação espiritual de religiosas]. Não se lembra a mísera que vai sofrer muito mais no tal ofício do que no primeiro e com pouco ou nenhum merecimento. Não façais assim. Abraçai o trabalho e a tribulação que Deus vos impõe porque assim alcançareis mais merecimentos e sofrereis menos; ou ao menos sofrereis em paz, sabendo que fazeis a vontade de Deus e não a vossa. 

Fiquemos persuadidos do que diz Santo Agostinho: 'toda a vida do cristão há de ser uma contínua cruz'. Tal deve ser sobretudo a vida das religiosas que querem santificar-se. São Gregório Nazianzeno diz que as almas nobres põem sua riqueza em serem pobres, sua glória em serem desprezadas e seu prazer em se privarem dos prazeres terrenos. Por isso pergunta São João Clímaco: 'Qual é a verdadeira religiosa?' e responde que 'é aquela que se faz uma violência perpétua'. E quando terminará esta violência? Quando terminar a vida. Assim responde São Próspero nestes termos: 'o combate cessa quando está segura a vitória, pela entrada no reino eterno'. 

Além disso, se vos lembrais de ter ofendido a Deus no passado e desejais vos salvar, deveis regozijar-vos de ver que Deus vos faz sofrer nesta terra, segundo o pensamento de São João Crisóstomo: 'o pecado é um abcesso na alma; se o ferro da tribulação não vier tirar o humor corrompido, a alma está perdida. Ai daquele, que depois de ter pecado, não é punido nesta vida'. 

3. Compreendei bem, diz Santo Agostinho que, quando o Senhor vos envia padecimentos nesta vida, procede como o médico: a tribulação que vos manda, não é castigo resultante da vossa condenação, mas remédio para a vossa salvação . Pelo que deveis agradecer a Deus, quando vos castiga, porque é sinal que vos ama e recebe por filha. Deus castiga aqueles que ama, diz São Paulo, fere com a vara a todos os que põe no número de seus filhos. Dai esta advertência de Santo Agostinho: 'estais atribulados? Reconhecei o pai que vos corrige'. 

'Ao contrário', diz o mesmo santo doutor, 'ai de vós, se depois de terdes pecado, Deus vos isenta dos castigos nesta vida! É sinal que vos exclui do número de seus filhos'. Não continueis pois a dizer, quando vos virdes atribuladas, que Deus se esqueceu de vós: dizei antes que esquecestes dos vossos pecados. Todo aquele que ofendeu a Deus, deve fazer-lhe esta oração de São Boaventura: 'correi, Senhor, e feri os vossos servos com as feridas de amor e de salvação, para que não tenhamos de receber os golpes da vossa cólera e da morte eterna'. 

Estejamos bem convencidos, Deus não nos envia as tribulações e as cruzes para nos perder, mas para nos salvar; se nós não nos aproveitamos delas, a culpa é toda nossa. O Senhor disse pelo profeta Ezequiel que os israelitas se tornaram como ferro e chumbo no meio da fornalha. Eis como São Gregório explica estas palavras: 'Eu procurei purificá-los para os converter em ouro pelo fogo da tribulação, mas eles se tornaram de chumbo'. 

Tais são os pecadores que, depois de ter merecido muitas vezes o inferno, se impacientam por se verem flagelados, e se irritam e ousam até pretender acusar a Deus de injustiça e tirania. Destes há alguns que chegam a dizer: 'Senhor, eu não sou o único que vos ofendi, e parece que só de mim vos vingais: sou fraco e não tenho forças para suportar tamanha cruz!' Desgraçado, que quer dizer isto? Afirmais que não fostes o único que ofendeu a Deus? Se outros também o ofenderam, e Deus quer usar de misericórdia com eles, também os punirá nesta vida. Não sabeis que o maior castigo de Deus para o pecador, é não puni-lo nesta terra? 

Considerai as palavras que disse pelo profeta Ezequiel: 'Eu não tenho mais zelo pela tua alma, e por isso descansarei e não me verás irado contra ti, enquanto viveres' (Ez 16,42). Mas diz São Bernardo: 'Deus nunca está tão irado como quando não se irrita contra o pecador e não o castiga'. Daí o santo assim orava: 'Senhor, eu desejo que me trateis como Pai de misericórdia, e por isso vos rogo que me castigueis pelos meus pecados nesta terra e me preserveis das penas eternas'. Vós dizeis: Não tenho forças para suportar tamanha cruz? Mas, se vos faltam as forças, porque não as pedis a Deus? Ele prometeu dar auxílio a todos que o rogarem (Mt 7,7).

(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)