O cristão que possui bens devem utilizá-los com humildade, sem orgulho, como coisa emprestada, não própria. Dou-vos os bens para o uso. Tanto possuis, quanto concedo; tanto conservais, quanto permito; e tanto permito, quanto julgo útil à vossa salvação. Tal há de ser a vossa atitude quanto ao uso dos bens materiais. Assim fazendo, o cristão obedece aos mandamentos - amando-me sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo - e conserva o coração desapegado das riquezas, afetivamente, como nada possuindo. Não se apega aos bens, não os possui em oposição aos meus desígnios.
Possui externamente, ao passo que seu íntimo é pobre. Tais pessoas, como disse, eliminam o veneno do egoísmo. São os cristãos da 'caridade comum'. Os bens materiais são bons em si mesmo; foram criados por mim, bondade infinita. Os homens hão de usá-los como lhes aprouver, mas no temor e no amor autênticos. Os cristãos não devem virar escravos dos prazeres sensíveis. Se querem ter posses, as temham; mas como dominadores delas, não como dominados. O afeto do coração deve estar em mim, não nas coisas externas; elas não pertencem aos homens, são dadas em empréstimo. Não tenho preferência por pessoas ou posição social, somente pelos desejos do coração.
Quem afastar de si o apego desregrado e se orientar para mim na caridade e no santo temor, tal pessoa poderá escolher o estado de vida que quiser. Em qualquer um deles alcançará a vida eterna. Suponhamos que seja mais perfeito e mais agradável a mim que o homem viva interior e exteriormente despojado dos bens materiais. Se uma pessoa não sentir a coragem de abraçar tal perfeição devido a alguma fraqueza pessoal, que permaneça 'na caridade comum' qualquer que seja seu estado de vida. Em minha bondade dispus que assim fosse para que nenhuma pessoa viesse a desculpar-se por pecados cometidos em determinadas situações. Ninguém poderá dar desculpa, Sou condescendente com as tendências e fraquezas humanas. Se as pessoas desejam viver no mundo, possuir bens, ocupar altas posições sociais, casar-se, ter filhos, trabalhar por eles, façam-no. É lícito viver em qualquer posição social; contanto que se evite o veneno da sensualidade, o qual pode conduzir à morte perpétua.
Se prestares atenção verás que quase todos os males procedem do desordenado apego e ganância da riqueza. Disto nasce o orgulho de quem pretende ser maior que os outros, a injustiça para consigo mesmo e o próximo. A riqueza empobrece e destrói a vida da alma, torna o homem cruel consigo mesmo, prejudica sua dignidade espiritual infinita, faz amar as coisas transitórias. Todos têm obrigação de amar-me, bem infinito. Com a riqueza, o homem perde o gosto pela virtude, o amor da pobreza, o domínio sobre si, torna-se escravo dos bens materiais. Ao amar realidades inferiores a si, torna-se insaciável. Só a mim deve o homem servir, pois sou o seu fim último.
Quantos perigos enfrenta o homem, por terra e por mar, a fim de adquirir riqueza e poder voltar à sua cidade natal entre satisfações e honras; já para conseguir a virtude, é incapaz do menor esforço, não aceita dificuldade alguma! E dizer que as virtudes são a riqueza da alma. Diz meu Filho no Evangelho que 'é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que o rico entrar na vida eterna' (Mt 19,24) quando referia-se àqueles que possuem ou desejam possuir riquezas com desordenado e pecaminoso apego a elas. Afirmei também existirem pobres que, se pudessem, possuiriam com desordenado apego o mundo inteiro. Também eles não passarão pela porta estreita e baixa (agulha). Se não se abaixarem até o chão, se não dominarem o próprio apego, se não dobrarem humildemente a cabeça, como poderão atravessá-la? Outra porta não existe que conduza à vida eterna. Pelo contrário, é larga aquela que conduz à eterna condenação (Mt 7,13).
As realidades terrenas são menores que o homem, para ele foram criadas, não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não o satisfazem; somente Eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de mim, e sofrem... Querem saber como sofrem? Quando alguém perde algo com que se identificara, seu apego faz sofrer. É o que acontece com os pecadores, identificados por vários modos, com os bens materiais. Eles se materializam. Uns se identificam com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles assim se nutrem de bens terrenos. Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. Passam como o vento. São perdidas por ocasião da morte e de outros acontecimentos dispostos por mim. Diante de tais perdas, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara a desordenada afeição à posse.
Todos estes se carregam com a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem doentes e, se não se corrigirem, vão para a morte eterna. São homens feridos pelos espinhos das contradições a torturarem-se interna e externamente. E, por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, nada merecem; é sem paciência que padecem estes males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor. É preciso encher a alma de virtudes sob o alicerce da caridade.
(Das Revelações de Santa Catarina de Sena)