quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

SOBRE A PENITÊNCIA

INTRODUÇÃO

A partir da quarta feira de cinzas começa a Quaresma e, com ela, recordamos o jejum de Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto durante quarenta dias. Portanto, o caráter deste tempo é o da penitência. Daí a exortação ao jejum, à mortificação e de recolhimento; daí os convites mais prementes aos pecadores para que voltem a Deus, para que se purifiquem dos seus pecados e obtenham o perdão.

Entretanto, em muitos lugares, muitas pessoas de diferentes fés cristãs e inclusive muitos católicos questionam, dizendo: Para que a Quaresma e tanta oração e penitência? Jesus não morreu por todos e pagou todas as nossas dívidas? É um insulto acreditar que não foi o suficiente o que Ele fez para nos salvar a todos. Se já estamos salvos pela morte de Cristo, para que os seus pastores para nos evangelizar? ... Em resposta a essas objeções, somente nos cabe dizer que, como católicos, não devemos nos apegar ao que estes dizem, mas no que Jesus fez e disse. Pois Ele, o nosso único Redentor, é também o nosso mestre e modelo, e como católicos assim o cremos.

E assim é. O Evangelho de S. Mateus (4,2), que é a leitura da Igreja no primeiro domingo da Quaresma, nos diz que o Senhor passou 40 dias em oração e penitência. Por que não devemos de imitá-lO, à nossa maneira, nos quarenta dias da Quaresma?

Além disso, em certa ocasião, os discípulos de João e os fariseus perguntaram a Jesus: 'Por que os teus discípulos não jejuam?" E ele usou a comparação das bodas em que, em se estando com o esposo, não era este o tempo propício para se jejuar. 'Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então jejuarão.' (Mc 2, 20). Como a esposa de Jesus, a Igreja fez e faz depois de sua ascensão.

É verdade que Jesus morreu por todos e pagou toda a dívida do pecado, mas também nos deu por sua Igreja os meios de salvação. Não deveria, pois, os homens usá-los para obtê-la? Exigiu tão claramente que enviou os seus apóstolos para pregar a todas as nações, e fazer-lhes ver o que havia ordenado, dizendo: 'Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado.' (Mc 16,16). Quantos se condenaram ou se condenam por não crerem ou não cumprirem este mandato...

Por isso, quando os apóstolos começaram suas pregações, e os judeus, 'compungidos de coração', lhes perguntaram: 'O que devemos fazer ?' não responderam: 'Alegrai-vos, Jesus morreu por todos e sereis salvos' mas o que Pedro falou: 'Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados' (Atos 2, 38). Não lhes bastava a sua fé em Jesus Cristo pela pregação ouvida.

E Paulo ensinou coisas sublimes sobre a nossa redenção: 'Cristo morreu por nós ... deu a si mesmo em resgate por todos ... cancelou o decreto firmado contra nós, etc, etc. Ainda assim, ponderou a necessidade da fé para a justificação e a salvação. Ele certamente tinha uma fé muito grande e muito forte em Cristo, pois pregava que nada nem ninguém poderia separá-lo de seu amor (Romanos 8, 35-39).

Entretanto, disse aos coríntios: 'castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros.' (I Cor 9, 27). Se peço penitência e que se mortifique, é para vencer e garantir a sua salvação! ... Em outra carta, ele diz que, se seus oponentes vangloriam de ser ministros de Cristo, assim também o era, e ainda mais do que eles, pelos trabalhos sofridos por Cristo, pelas muitas fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, freqüentes jejuns, frio e nudez!' (II Cor 11, 27). Antes ele havia assinalado que as privações devem marcar os ministros de Deus (II Cor 6, 5).

Mais ainda, o mesmo Apóstolo chega a dizer aos Colossenses: 'O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo(místico) que é a Igreja.' (Col 1,24).

Isso nos mostra que, apesar de ter Cristo morrido por todos e ter satisfeito todos os nossos pecados, há que se padecer os membros de seu corpo místico, que somos nós. E é isso que deseja a Igreja na Quaresma: que o jejum, a abstinência e outras privações, nestes padecimentos do corpo místico de Cristo, possam assegurar, como diz São Pedro, nossa vocação e eleição, a nossa salvação por meio de boas obras; 'procedendo deste modo, não tropeçareis jamais; assim vos será aberta largamente a entrada no reino eterno' (2 Pe, 10-11).

Até agora temos tratado sobre a correta interpretação que a Igreja dá à penitência; agora vamos analisar o seu conceito, suas classes e sua importância como meio eficaz para realizar a nossa salvação. Para isso, a Igreja recorda-nos que, para se salvar, há dois caminhos: a inocência e a penitência. Para quantos, é este o único caminho! E por causa da importância do mesmo, vamos, com a ajuda de Deus, ilustrar das melhor maneira esta virtude.

A PENITÊNCIA

Esta pode ser considerada como Sacramento, ou como virtude ou ato de virtude; dela nos diz Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais - é sentir dor pelos seus pecados, com a firme determinação de não cometer aqueles e nem outros mais. O Concílio de Trento a chama 'contrição': ' uma vez que que ocupa o primeiro lugar entre os atos do penitente, e consiste em uma dor intensa e ódio ao pecado cometido, com o propósito de não pecar mais.'

Dor dos pecados - Esta é um dos principais frutos da Quaresma: condoer-se, arrepender-se dos próprios pecados, com um sincero arrependimento que chegue, embora não se sinta, ao mais íntimo da alma. Para isso, é necessário que se peça ao Senhor e também considerar cuidadosamente o que é o pecado em si mesmo e em relação a Deus, e seus efeitos desastrosos sobre a alma. Quando olhamos os efeitos funestos de certas doenças do corpo, como não as abominarmos? ... Se pudéssemos ver o que faz o pecado na alma! ... O pior é que nem mesmo se quer pensar sobre isso! ... Daí o pouco fruto de nossas poucas confissões e o fracasso de certas 'conversões' ...

Propósito de não pecar - Novamente muitos têm a mesma dificuldade, pelo mesmo motivo de não considerar suficientemente a malícia e as punições do pecado. Às vezes acontece o que sucedeu à cidade de Nínive: seus habitantes aterrorizados ante a ameaça da destruição da cidade, correram a fazer penitência (Jonas 3, 5). Mas quanto tempo dura isso? ...

A PENITÊNCIA EFICAZ

Para isso, recordemos outra vez o que dizia São Paulo: ' castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros.' (I Cor 9, 27). Se isso fazia São Paulo, o que nós devemos fazer? ... Para fazer uma penitência eficaz, é essencial:

Combater o pecado - 'Cada um é tentado, atraído e lisonjeado pela própria concupiscência", diz Santiago (I, 14). A raiz do pecado está em nós mesmos e a luta para evitá-lo deve começar pelo 'escravizar a carne', ou seja, dominar as próprias paixões. São Paulo chega a dizer que 'os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências.' (Gal 5,24). Para isso, eles devem refrear seus instintos e sentidos, que são como janelas por onde entra a morte do pecado (Jer 9,21).

Reparar os efeitos do pecado - 'Fazendo frutos dignos de penitência'. Quais são esses frutos? ... Os que são diretamente contrários ao pecado: reparar o furto ou roubo com a restituição; contra a murmuração e a calúnia, com a restauração da honra e da reputação; da raiva e injúrias, com a humildade da satisfação; contra os pecados da inimizade e do ódio, com a sinceridade da reconciliação, e assim todos os demais. Assim como o remédio é aplicado para sarar a parte doente, a penitência visa corrigir o que está defeituoso. Tem-se a língua demasiado solta? ... Aplica-se a ela o remédio.

Evitar as ocasiões de pecado - Os moralistas distinguem a ocasião próxima e a remota, segundo a facilidade ou dificuldade de cair em pecado diante dela; a voluntária ou a fortuita, etc, etc... Se somos cuidadosos o suficiente para evitar ocasiões que colocam em risco a saúde ou a vida do corpo, por que não as da alma?

A PENITÊNCIA FALSA

Existem vários tipos de penitência falsa:

Penitência Suspeita - A penitência interna, ou seja, a contrição indispensável à confissão, é sempre sincera, verdadeira? Não se reduz, muitas vezes, a uma mera formalidade externa, superficial, inadequada? A rapidez que é praticada e a facilidade com que se volta a cometer os mesmos pecados não são sinais de que tal 'penitência' deixa a desejar? ...

Penitência Frágil - é aquela baseada em motivos sólidos. Durante a Quaresma, muitos se arrependem verdadeiramente, choram, lamentam e detestam os seus pecados e parecem ter um desejo sincero de evitá-los, mas se apoiam em uma sincera convicção de mudar suas vidas para se salvarem ou em impressões fugazes, que logo se desvanecem? ... 'A penitência que evita a ocasião de pecado traz consigo as nuances de uma penitência falsa'.

Penitências Inúteis - Muitos se queixam de que não podem manter o jejum, e às vezes com razão, por razões de trabalho. Porém, quanta 'penitência' é feita hoje em dia em dietas de emagrecimento, para garantir padrões de beleza, para preservar a saúde, em uma palavra, por puras razões temporais... se houvesse mais fé e amor de Deus, não haveria mais espírito de penitência e sacrifício? ...

Peço a Deus que estas reflexões os ajudem, queridos irmãos, para viver da melhor maneira e de acordo com a graça de Deus, esta Quaresma que está apenas começando. 

Sinceramente em Cristo,

Mons. Martin Davila Gandara (Superior de La Sociedad Sacerdotal Trento, tradução do autor)