Chegamos à 13ª objeção* que é: dar um texto que prove a existência do Purgatório. A esta objeção ajuntaremos a 15ª, provando que devemos orar pelos mortos, e a 18ª, que se refere ao limbo.
Estas três objeções referem-se ao mesmo assunto e constituem uma mesma verdade. Satisfaremos plenamente ao amigo protestante, falando: 1º do Purgatório; 2º do Limbo; 3º da oração pelos mortos. Provada a existência do Purgatório, que é, para os pecadores (de faltas leves), como o pórtico do céu, e demonstrada a necessidade de uma completa pureza conservada ou adquirida para entrar no céu, chegaremos logicamente à existência do limbo e à necessidade de orar pelos defuntos.
I. A existência do Purgatório
É uma verdade positivamente revelada por Deus, que não admite dúvida. Só um cego não enxerga, e só um homem obcecado não compreende textos claros e positivos da Bíblia, os quais estabelecem e formam este dogma católico. Escute, meu caro protestante, verificando bem os textos. Disse Jesus um dia, à multidão do povo que acabava de ouvir o sublime sermão das bem-aventuranças: 'Reconcilia-te com teu adversário. Enquanto estás no caminho com ele, para não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao ministro e te encerrem na prisão. Em verdade te digo que, de modo nenhum, sairás dali enquanto não pagares o último ceitil' (Mt 5, 25-26).
Examine bem este texto, e com sinceridade diga-me de que é que se trata aqui. É claro, pelo texto e pelo contexto, os antecedentes e as conclusões, que não se trata aqui de uma comparação. Jesus acaba de dizer que os seus discípulos devem ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5, 13), continuando a traçar as normas a seguir para evitar o inferno e chegar ao céu. 'Digo-vos', diz o Mestre, 'que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no céu' (Mt 5, 20). Eis o céu bem indicado.
O inferno não o é menos: 'Se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um de teus membros do que todo o teu corpo seja lançado no inferno' (Mt 5, 29). Eis como, na mesma instrução, Nosso Senhor trata do céu, do inferno e do purgatório; pois o texto citado refere-se claramente ao purgatório. De fato, não pode tratar-se de uma prisão imposta pela justiça humana: isso é da autoridade policial, e o Mestre não trata disso nem nunca tratou; fala do seu reino espiritual.
Aliás o contexto mostra claramente que não se trata de uma cadeia material – pois com um advogado, protetores e amigos retira-se da cadeia até um criminoso, ou mitiga-lhe a pena. Não se tratando, pois, nem do inferno nem de uma cadeia material, deve-se tratar de uma prisão onde o pecador entra, e só sai depois de ter pago até ao último ceitil. Ninguém sai do inferno, porque é eterno: 'Retirai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno' (Mt 25, 41).
Trata-se, pois, de uma prisão temporária onde as almas sofrem, por certo tempo, em expiação de seus pecados; onde são purgadas das suas faltas leves, que não merecem o inferno, mas impedem de entrar no céu. Non intrabit eam coinquinatum (Ap 21, 27) – Nada de impuro entrará no céu. Pode-se resumir este argumento, dizendo que há almas que não são bastante santas ou puras para entrar no céu, e santas e puras demais para serem condenadas ao inferno.
Nem céu, nem inferno: para onde irão elas então? Peço ao meu amigo protestante dar uma resposta. A única resposta a dar é esta que o divino Mestre dá no texto citado: 'Será lançado na prisão, donde não sairá enquanto não tiver pago o último ceitil' (Mt 5, 26). Esta prisão não pode ser o céu. O céu não pode ser uma prisão, nem lugar de expiação. Não é o inferno, pois o inferno é eterno, e ninguém dali sai. Este lugar é o purgatório.
A palavra purgatório não figura textualmente na bíblia como aí não figura a palavra Bíblia; porém o lugar está claro e positivamente indicado: é uma prisão onde a alma é purgada de suas faltas leves. Onde expia e paga até o último ceitil. Ninguém pode contradizer esta doutrina. O protestante, protestando contra o purgatório, porque tal palavra não figura na bíblia, deve também protestar contra a bíblia, pois em lugar nenhum tal palavra figura na sagrada escritura, como aí não figuram as palavras evangelista, presbiteriano, batista, sabatista, etc.
II. Outras provas
Desenvolvi este primeiro texto, não por ser o mais expressivo, mas por estar mais ao alcance de todos. Há muitos outros textos comprovativos que exprimem a mesma verdade. Eis um outro, de não menos valor: 'O que disser uma palavra contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no outro' (Mt 12, 32). Donde se deve concluir que há pecados que são perdoados neste mundo, e outros, no outro mundo.
De fato, por que falar de perdão no outro mundo, se não houvesse? No céu? Impossível! O pecado não entra no céu; nada de contaminado pode entrar aí, diz São João (Ap 21, 27). No inferno? Aí já não há mais perdão nem remissão. Onde então? É no purgatório... no lugar de purgação. Este purgatório foi descrito por São Paulo; escute bem esta descrição, amigo protestante: 'A obra de cada um manifestar-se-á: porque o dia a declarará, porquanto pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um' (1 Cor 3, 13).
O fogo do inferno castiga, não descobre nada, nem purifica. Não é, pois, deste que fala São Paulo; é, pois, do fogo do purgatório. O Apóstolo continua: 'Se a obra de alguém se queimar sofrerá detrimento; porém o tal será salvo, todavia pelo fogo' (1 Cor 3, 15). E para que se torne bem óbvio que se trata aqui do homem e suas obras, o Apóstolo explica: 'Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?' (1 Cor 3, 16). Note bem a expressão do apóstolo: o tal será salvo, todavia como pelo fogo: de novo não é do céu, onde não há fogo, nem no inferno, onde não pode ser salvo: é no purgatório, onde se purifica, como pelo fogo para ser salvo (1 Cor 3, 15).
III. Mais uns argumentos
Quer mais provas, amigo protestante? Escolhemos mais uma, bem textual. São Paulo descreve aos Filipenses: 'Ao nome de Jesus se dobra todo joelho dos que estão no céu, na terra' (Fp 2, 10). Os amigos protestantes falsificaram o texto e traduziram: no céu, na terra e debaixo da terra; porém isso pouco importa, e até fornece mais uma prova.
Qual é este lugar, debaixo da terra, onde os joelhos se dobram ao nome de Jesus? O inferno? É impossível: os demônios são uns revoltosos que blasfemam e não dobram o joelho para adorar. Estes infernos, ou o lugar debaixo da terra, é pois, o purgatório. No segundo livros dos Macabeus, conclui o inspirado autor: 'É um santo e louvável pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados' (2 Mc 12, 46). Os protestantes rasgaram até o livro, porque condena os seus erros! Porém não deixa de existir e ser a palavra de Deus, para os católicos.
Que quer dizer isso? Quer dizer que os mortos podem estar num lugar que não é nem o céu, nem o inferno, dois lugares onde não precisam mais de orações; mas num lugar de expiação, onde devem pagar, como diz o Salvador, até o último ceitil; e este lugar é o purgatório. Paremos aqui com os textos. As provas citadas são positivas, irrefutáveis e estabelecem, em termos claros, a existência do purgatório. Pouco importa que o nome não figura na Bíblia, basta o lugar estar indicado. E este lugar existe, deem a ele o nome que quiserem.
IV. A existência do limbo
Vamos agora às provas da existência de outro lugar, que não é nem o céu, nem o inferno, nem o purgatório. A existência do limbo é igualmente negada pelos protestantes, embora esta negação seja contra o bom senso e contra a Bíblia. A razão é sempre a mesma: o catolicismo diz que o limbo existe; é o bastante para que o protestante negue a asserção. Por que nega? Porque a palavra limbo não figura na Bíblia.
Bela razão; então tudo o que não figura na Bíblia não existe? A Bíblia não fala de aviões, nem de submarinos, nem de carabinas, nem de canhões, entretanto tais objetos existem, e nenhum protestante teria a coragem de negá-lo. As armas de defesa são aí nomeadas. É o bastante. São armas, e, embora o nome próprio não figure na Bíblia, as armas então conhecidas aí figuram.
Escute, amigo protestante, e juntos vamos descobrir o famoso limbo. Cristo, morrendo na cruz, disse ao bom ladrão: 'Na verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso' (Lc 23, 43). O amigo protestante nunca se lembrou talvez do que seria tal paraíso? Será o céu? Impossível, pois o céu estava fechado para o pecado original, e só seria aberto na ocasião da ascensão do Salvador.
Subindo ao alto, diz o Apóstolo, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens. Ora, isto, que subiu, que é, senão o que também antes tinha descido às partes baixas da terra?Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas (Ef 4, 8-10).Será o Purgatório que prometeu ao bom ladrão? Impossível, pois o Purgatório é ainda um castigo, e o salvador prometeu uma recompensa.
Qual é então o tal paraíso, que não é nem o céu, nem o purgatório? A Igreja Católica responde: é o limbo. Está vendo que o tal limbo não é uma invenção, uma inovação e uma criação da Igreja: é uma verdade claramente expressa no evangelho. A verdade aí está: falta só o nome. E a Igreja, para evitar a confusão na doutrina, deu a este paraíso provisório o nome de limbo. O limbo, do latim limbus – auréola, é pois, o lugar de espera, o paraíso provisório, onde os justos da antiga lei esperavam a vinda do Messias e a abertura do céu, e onde hoje crianças mortas sem batismo gozam de uma felicidade natural.
V. Outras provas ainda
Há muitas outras provas de igual valor comprobatório. Na história do mau rico e do pobre Lázaro, o evangelho fala do 'seio de Abraão' (Lc 16, 22) como lugar de felicidade, onde estava Lázaro, em recompensa dos sofrimentos da vida, e indica que o mau rico estava no inferno e entre os dois lugares havia, diz Abraão, 'um grande abismo' (Lc 16, 26). Lázaro não estava no céu, é certo; pela mesma razão que o bom ladrão, estava num paraíso, aqui chamado seio de Abraão: qual é este lugar? É o limbo! Só pode ser o limbo. Podem chamar este lugar paraíso, seio de Abraão, ou limbo; pouco importa o vocábulo empregado, o lugar está claramente indicado no evangelho.
VI. Crianças mortas sem batismo
A doutrina católica ensina que as crianças mortas sem batismo não vão para o céu, nem para o inferno. O bom senso e as escrituras nos indicam as razões. Jesus Cristo disse que só entra no céu quem renascer da água e do Espírito Santo (Jo 3, 5). Ora, as crianças não renasceram na água e no Espírito Santo, o que se faz pelo batismo, que não receberam. Não podem, pois, entrar no céu.
Não podem, tampouco, serem condenadas ao inferno. Os réprobos ou réus do eterno delito são blasfemadores do Espírito Santo (Mc 3, 19); os escandalosos (Mt 18,8); os transgressores de sua lei de justiça e de amor (Mt 25, 46). Ora, as crianças, sem a discrição de razão, são incapazes desses pecados passíveis de condenação eterna, embora não tenham recebido, pelo batismo, a promessa da vida eterna. Não podem, pois, ser condenadas ao inferno.
Para onde irão então? Irão para o limbo. Irão para um lugar onde não há as delícias do céu, nem as penas do inferno e este lugar é designado pela Igreja: o limbo. Doutrina bela, consoladora, lógica, apoiada sobre as Sagradas Escrituras, embora o vocábulo aí não se encontre; porém é o bastante que a verdade esteja aí expressa, cabendo aos homens dar um nome a esta verdade, a fim de evitar confusões e erros.
Eis o resumo desta bela doutrina: o céu é o lugar onde Deus se manifesta face a face e o dá como recompensa aos justos ou santos. O limbo, onde não se sofre, nem se gozam as delícias sobrenaturais do céu, mas onde as almas vivem felizes, numa beatitude natural. É aí que os justos da antiga lei esperavam a redenção; e onde hoje são recolhidas as crianças sem batismo. O purgatório, ou lugar de purgação, de expiação, onde as almas pagam até o último ceitil as faltas leves cometidas. O inferno, ou lugar de reprovação, onde os réprobos são horrivelmente atormentados num fogo que nunca se apaga, e num desespero que nunca terá fim.
VIII. A oração pelos mortos
A conclusão é a 15ª objeção protestante, pedindo um texto que prove que devemos orar pelos mortos.
Sim, amigo crente, devemos orar pelos mortos; é um dever de justiça e de caridade. Antes de tudo, convém notar o que nós chamamos a comunhão dos santos. Tal comunhão é como a base da obrigação de oração pelos mortos. A Igreja de Cristo é composta de três partes, ou de três categorias de membros: a Igreja triunfante, dos santos do céu; a Igreja padecente, das almas do purgatório; a Igreja militante, dos cristãos, na terra.
Estas três categorias formam uma única família de Deus na terra; um só corpo, cuja cabeça é Cristo. 'Ainda que muitos', diz São Paulo, 'somos um só corpo em Cristo, e cada um de nós membros uns dos outros' (Rm 5, 12). Esta união não é uma utopia, é uma realidade. Os santos do céu oram por nós, que aqui labutamos na terra; nós invocamos aos santos, que são nossos amigos e irmãos, e oramos pelas almas do purgatório que lá sofrem e expiam as faltas da vida. É o laço de caridade que une todos os que professam a mesma fé no mesmo Deus.
Eis o que a Igreja nos ensina, que o bom senso nos indica e o que a Bíblia nos mostra pelo seu ensino e pelos exemplos de santos. Escute bem este trecho, amigo protestante. Judas Macabeu mandou quase doze mil dracmas de prata para Jerusalém, a fim de serem oferecidos sacrifícios pelos pecados dos defuntos, dizendo ser um pensamento santo e salutar orar pelos defuntos, para que sejam livres de seus pecados (2 Mc 12, 46). É verdade que os protestantes, para se verem livres de um texto tão expressivo e esmagador, rasgaram os livros dos Macabeus.
Devemos orar pelos mortos, a exemplo de São Paulo, que implorou com fervorosa oração a misericórdia de Deus pelo seu intrépido amigo Onesíforo já falecido: 'o Senhor lhe conceda que, naquele dia, ache misericórdia diante do Senhor' (2 Tm 1, 18; 4, 19). Os eruditos e sinceros protestantes são obrigados a confessar a verdade deste dogma salutar. 'A oração pelos mortos' - diz Forbes - 'usada desde o tempo dos apóstolos, nunca deveria ser rejeitada como inútil pelos chefes da Reforma' (Cons. Controv., 1858).
E Tcheldon, outra sumidade intelectual, ajunta: 'A oração pelos mortos é uma das práticas mais eficazes da religião cristã' (Unterredung, 1822). O famoso Collier, grande teólogo protestante, remata todos, dizendo: 'Negando a oração pelos mortos, rompemos desta maneira com a igreja universal, mutilando nossa crença e repelindo um dos artigos da fé cristã'. Paremos aqui. A verdade é clara e refulgente demais, para precisar dar mais provas.
A caridade é eterna e não se apaga pela morte. É, pois, lógico que ela continue a derramar os seus benefícios sobre aqueles que nos deixam. São os nossos irmãos, sempre hão de ser; têm, pois, direito às nossas preces; e nós temos o dever de orar por eles. Eis provadas as três verdades em foco: a existência do purgatório; a existência do limbo; a necessidade de orar pelos mortos. Se o amigo crente não as compreender, é porque não quer. E contra a má vontade não há remédio. Brilhe a luz em todo o seu esplendor: o cego não a enxergará nunca!
* Estas 'objeções' foram propostas por 'um crente' como um desafio público ao Pe. Júlio Maria e que foi tornado público durante as festas marianas de 1928 em Manhumirim, o que levou às refutações imediatas do sacerdote, e mais tarde, mediante a inclusão de respostas mais abrangentes e detalhadas, na publicação da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', ora republicada em partes neste blog.
(Excertos da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', do Pe. Júlio Maria de Lombaerde)