FÁTIMA EM 100 FATOS E FOTOS

Fátima é o acontecimento sobrenatural mais extraordinário de Nossa Senhora e a mais profética das aparições modernas. No ano do centenário das aparições, SENDARIUM apresenta nesta página uma releitura sintética, didática e objetiva destes fatos singulares na forma de pequenos textos e imagens históricas.



FÁTIMA EM 100 FATOS E FOTOS

1. Qual era a situação política de Portugal no início do século XX?

O início do século XX foi marcado por uma profunda mudança política do regime de governo em Portugal que, suprimindo a monarquia, culminou com a implantação da República, a 5 de outubro de 1910. Baseado na trilogia 'liberdade, igualdade, fraternidade' da Revolução Francesa, o novo regime se assentava nos ideais do iluminismo e do racionalismo, proclamava um cenário de 'libertação nacional' para o povo português e a separação formal entre Igreja e Estado, endossada por uma política de confronto e feroz perseguição aos princípios e crenças da Igreja Católica.

Afonso Costa (ao centro): mentor da implantação da República em Portugal e responsável pela pasta da Justiça no primeiro governo pós-monárquico.

2. Qual era a condição social do Estado Português à época das aparições?

Os primeiros anos da Primeira República foram marcados pela instabilidade de sucessivos governos, golpes de estado, tentativas de ditaduras, greves, divisões e lutas civis entre as várias cisões do Partido Republicano (democráticos, evolucionistas e unionistas) e outros movimentos monárquicos e mesmo anárquicos. Sob uma constante instabilidade política pós-1910 e em meio a turbulências sociais de toda ordem, o país se viu envolvido nos conflitos da Primeira Guerra Mundial, o que agravou ainda mais a frágil conjuntura econômica e financeira então existente, aumentando em grande escala a miséria e o sofrimento do povo português. Desta forma, em 1917, Portugal vivia um dos períodos mais tenebrosos da sua história.


3. Qual era a situação da Igreja Católica de Portugal à época?

Imediatamente após a proclamação da República, todos os conventos, mosteiros e ordens religiosas do país foram suprimidos, religiosos foram expulsos e seus bens confiscados. Os jesuítas foram obrigados a desistir da cidadania portuguesa. Aprovaram-se diversas leis e decretos cujo único intento era o de destruir os valores católicos no país: implantação da lei do divórcio; permissão para a cremação dos corpos, secularização dos cemitérios, proibição do ensino religioso nas escolas, supressão da celebração pública das festas religiosas, etc. Em 1911, as perseguições culminaram com a promulgação da Lei da Separação da Igreja e do Estado. O governo maçônico encontrou, entretanto, uma feroz resistência por parte do papa São Pio X e da hierarquia católica da Igreja de Portugal. Muitos portugueses não apenas perseveraram na fé como empreenderam orações e súplicas aos Céus pela salvação de Portugal.


Afonso Costa: 'Graças a esta Lei da Separação, em duas gerações, o Catolicismo será completamente eliminado em Portugal'.

4. Qual era a situação geográfica de Fátima à época das aparições?

A Freguesia de Fátima pertencia então ao Concelho (assim mesmo, com c) de Vila Nova de Ourém, do distrito de Santarém; porém estabelecia ligações sociais e comerciais muito mais intensas com a cidade de Leiria, distante cerca de vinte quilômetros, do que com a sede do distrito, situada a mais de sessenta quilômetros. Predominantemente rural, Fátima está localizada ao longo de um maciço calcário entre serras e vales da Serra de Aire, em terreno árido e com poucas nascentes de água. A aldeia de Aljustrel, onde viviam as três crianças videntes, ficava cerca de 800 metros ao sul de Fátima. A chamada Cova da Iria, onde ocorreram as aparições, constituía uma das muitas depressões do terreno local e era propriedade dos pais de Lúcia, e ficava localizada cerca de dois quilômetros de Fátima.


5. Quais eram as populações locais à época?

Segundo o Censo de 1911, no início da República, a população portuguesa era da ordem de seis milhões de pessoas, tendo o distrito de Santarém cerca de 300 mil pessoas, o concelho de Ourém por volta de 30 mil, a freguesia de Fátima 2.348 pessoas e a aldeia de Aljustrel, 123 habitantes. A nível nacional, 83% da população vivia em zonas rurais; nos distritos de Leiria e Santarém, essa média subia para 95,06% e 94,44%, respectivamente.*

* Dados constantes da obra 'A Fátima dos inícios do século XX: a freguesia de Fátima (1900-1917)', de José Manuel Poças Neves, 2005. 

6. Quem foram os videntes das aparições?

Nossa Senhora se manifestou em Fátima, em seis aparições consecutivas e sempre no dia 13 de cada mês, no período entre maio e outubro de 1917, a três crianças - Lúcia, Francisco e Jacinta - que tinham idades de 10, 9 e 7 anos, respectivamente, nas datas das aparições. Lúcia dos Santos nasceu em 28 de março de 1907 (o registro foi feito equivocadamente com a data de 22 de março). Francisco Marto nasceu no dia 11 de junho de 1908, tendo sido batizado no dia 20 de junho, enquanto Jacinta Marto nasceu em 11 de março de 1910 e foi batizada em 19 de março de 1910. A foto clássica dos três videntes juntos (mostrada abaixo) foi tirada com eles dispostos na frente de um muro de pedras, situado a pequena distância da casa da Família Marto, na aldeia de Aljustrel.


7. Qual era a relação familiar e social existente entre os videntes de Fátima?

Francisco e Jacinta eram irmãos entre si e primos de Lúcia. As duas famílias moravam muito próximas e, assim, desde muito cedo,  as crianças passavam muito tempo juntas. Aos sete anos, Lúcia começou a pastorear o rebanho da sua família, o que levou os primos a acompanhá-la nesta função, guardando também o rebanho da família deles. Desta forma, os três passavam boa parte do seu tempo conduzindo as ovelhas pela Serra do Aire e, particularmente no lugar conhecido como Cova da Iria, propriedade rural dos pais de Lúcia.

8. Quem eram as famílias dos videntes?

Lúcia era filha de Antônio dos Santos (falecido em 1919) e de Maria Rosa (falecida em 1942), pequenos agricultores e criadores de ovelhas que possuíam algumas terras na região da Serra do Aire, em Aljustrel. O casal teve 7 filhos, sendo Lúcia a filha mais nova.

 

Casa e família de Lúcia. Em primeiro plano: Maria Rosa (1869-1942); Lúcia (1907-2005); em segundo plano: Manuel dos Santos (1895-1977); Maria dos Anjos (1891-1986); Glória, filha de Maria dos Anjos (1917-1934); Carolina de Jesus (1902-1992) e Glória de Jesus (1898-1971)

Francisco e Jacinta eram os dois filhos mais novos de Manuel Pedro Marto (falecido em 1957) e Olímpia de Jesus (falecida em 1956), que tiveram também 7 filhos. Ao casar com Marto, Olímpia era viúva e tivera dois outros filhos de um primeiro casamento, com José Fernandes Rosa.



Casa, pais e família de Francisco e Jacinta Marto. Em primeiro plano: Manuel Pedro Marto (1879-1957) e Olímpia de Jesus (1869-1956); em segundo plano: Antônio dos Santos Rosa (1889-1971); Manuel dos Santos Rosa (1895-1976); José dos Santos Marto (1899-1990); João dos Santos Marto (1906-2000) e Florinda de Jesus (1901-1920); os dois primeiros são filhos do primeiro casamento de Olímpia de Jesus. 

9. Como se deu a iniciação cristã dos videntes de Fátima? 

Nascidos na aldeia de Aljustrel, os irmãos Francisco e Jacinta e a sua prima Lúcia cresceram num ambiente familiar bastante modesto, numa terra agreste, pacata e isolada do mundo. Não sabiam ler nem escrever e desconheciam o ambiente social, histórico e político que se desdobrava em Portugal à época, pelo isolamento e repercussão praticamente nula dos eventos da revolução portuguesa naquela região (enquanto vários prelados da alta hierarquia católica portuguesa foram destituídos e expulsos do país, por exemplo, o pároco de Fátima continuava normalmente as suas atividades pastorais na comunidade). Assim, receberam uma educação católica muito simples e foi a própria mãe da Lúcia que introduziu a filha e os sobrinhos na catequese, e foi a própria Lúcia quem, sendo um pouco mais velha que os primos, que se incumbiu de lhes contar os ensinamentos e as orações que aprendera da mãe. Contudo, apesar da simplicidade da sua iniciação cristã, os pais não deixaram de lhes oferecer um exemplo de vida de fé comprometida: a participação dominical na eucaristia, a oração em família, a verdade e o respeito por todos e a caridade para com os pobres e os mais necessitados.

10. Como ocorreu a primeira manifestação sobrenatural em Fátima?

Lúcia dos Santos fez a sua primeira comunhão excepcionalmente com a idade de apenas 6 anos, por intervenção direta do Padre Cruz (padre Francisco Rodrigues da Cruz, falecido em 1948), visitante na paróquia e oriundo de Lisboa, uma vez que o senhor prior (Pe. Pena) considerava a menina ainda muito nova para receber a eucaristia. Foi o Padre Cruz que ouviu a primeira confissão de Lúcia. Ao receber a hóstia consagrada das mãos do senhor prior, Lúcia fez a seguinte súplica: 'Senhor, fazei de mim uma santa, guardai o meu coração sempre puro, só para Vós'. E pareceu ouvir internamente, no fundo do coração: 'A graça que hoje te é concedida permanecerá viva em tua alma, produzindo frutos de vida eterna'.* O Céu começava a preparar ali o maior evento do século XX.

*Irmã Lúcia, Segunda Memória.


11. Quem foi o anjo mensageiro das aparições de Fátima?

Um anjo é um mensageiro de Deus destinado a realizar, em Seu nome, uma missão particular e são inúmeras as intervenções das entidades angélicas nos acontecimentos da história humana. Sabemos, do livro de Daniel, que eles são muitos ('mil milhares O serviam e miríades e miríades O assistiam') e que as Sagradas Escrituras incluem nas hostes celestiais, além dos anjos, também os arcanjos, os principados, as potestades, as virtudes, as dominações, os tronos, os querubins e os serafins. Entretanto, destas miríades de anjos, só nos foram dados a conhecer os nomes de três anjos: Gabriel, Miguel e Rafael. Que os anjos intercedem pelos homens, é matéria de fé e que cada um de nós tem um anjo da guarda pessoal, embora não seja matéria de fé, é crença comumente aceita por todos os católicos. As aparições de Fátima confirmam que não somente pessoas, mas grupos específicos de pessoas (no caso, países) têm a proteção específica de uma entidade angélica. E, em Fátima, o anjo mensageiro dos Céus se identificou como o Anjo da Paz em sua primeira aparição e como Anjo de Portugal, em sua segunda aparição. 

12. Qual foi a missão específica do Anjo de Portugal nas aparições prévias de Fátima?

A missão específica do Anjo de Portugal, nas suas aparições entre 1915 e 1916, foi a de preparar as crianças para as futuras aparições e revelações de Nossa Senhora: '... Orai! Orai muito! Os corações de Jesus e de Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia...' No papel do precursor das extraordinárias revelações e mensagens proféticas que Nossa Senhora daria à humanidade do século XX através dos três pastorzinhos de Fátima, as aparições iniciais do anjo propiciaram às crianças a experiência prévia de contato com o sobrenatural, a vivência de uma atmosfera sobrenatural, o êxtase da presença intensa e íntima com Deus, o conhecimento do valor meritório das orações, sacrifícios e penitências, a sensação de uma profunda paz interior e uma crescente mobilização interior no sentido de uma reorientação completa da vida espiritual.

13. Como ocorreu a primeira manifestação sobrenatural do anjo mensageiro de Fátima?

Lúcia encontrava-se na encosta do Cabeço, em presença de três outras meninas: Teresa Matias, a irmã dessa, Maria Rosa Matias e Maria Justino, num dia em que não soube precisar, mas provavelmente entre abril e outubro de 1915. Do alto da encosta, as quatro crianças viram ao longe, sobre o arvoredo do vale que se estendia abaixo, uma estranha nuvem, mais branca que a neve e algo transparente, de forma caracteristicamente humana. Lúcia teve essa mesma visão mais duas vezes depois, em dias diferentes, que causaram uma certa impressão no seu espírito, mas das quais sempre manteve absoluto silêncio à época e que tenderia provavelmente a se desvanecer por completo no tempo, segundo ela, se não fossem os eventos posteriores das aparições formais do Anjo e de Nossa Senhora. 

14. Como se deu a primeira aparição do Anjo da Paz?

As crianças tinham levado o rebanho de ovelhas para pastar no lugar chamado 'Loca (Gruta) do Cabeço', nos arredores de Aljustrel, num certo dia da primavera de 1916. Uma chuvinha miúda pela manhã forçou as crianças a buscar um abrigo para o rebanho em uma das inúmeras grutas existentes no local, em meio a um extenso olival. Ali passaram o dia, mesmo após a chuva ter cessado e o dia ter ficado luminoso e ensolarado. 

('Loca do Cabeço', perto da aldeia de Aljustrel)

Após rezarem o terço, começaram uma brincadeira de lançar pedrinhas à distância. Neste momento, uma forte ventania chamou a atenção imediata de todos e todos os olhares se concentraram no olival à distância. Sobre o arvoredo, elevava-se a figura de um jovem de cerca de 14 ou 15 anos 'mais branco que a neve e transparente como o cristal atravessado pelos raios do sol e muito belo' (Segunda Memória), movendo-se em direção a elas. Ao chegar junto às crianças, disse a elas:

'Não tenhais medo. Eu sou o Anjo da Paz. Rezai comigo.'



Ajoelhou-se então e inclinou o rosto até ao chão; movidos por um impulso sobrenatural, as três crianças o imitaram e repetiram três vezes as palavras que o ouviam pronunciar (Lúcia e Jacinta ouviam o que o Anjo dizia, Francisco apenas o via): 

'Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão pelos que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam.' 

Depois, levantou-se e disse:

'Orai assim. Os corações de Jesus e de Maria estão atentos à voz das vossas súplicas.'

E, após dizer estas palavras, desapareceu da vista das crianças.

15. Quais foram as impressões remanescentes das crianças após essa primeira aparição do Anjo?

A aparição do Anjo deixou os pastorzinhos envolvidos numa aura sobrenatural tão intensa que os fizeram perder a percepção da própria realidade em volta. Nenhum deles ousou falar sobre a aparição ou sequer discutir se manteriam ou não segredo sobre o que tinham visto, uma vez que tal sentimento se impôs de forma tão incisiva no íntimo das crianças, que elas sentiam-se impedidas de fazer quaisquer comentários sobre a aparição, mesmo entre eles. De acordo com o testemunho posterior de Lúcia, 'no dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo' (Irmã Lúcia, Quarta Memória). A percepção deste recolhimento anterior foi mantido pelas crianças por longo tempo e, mesmo Francisco que não escutara as palavras do Anjo, permaneceu sempre em reserva profunda após a primeira aparição do Anjo. 

(Irmã Lúcia na 'Loca do Cabeço')


16. Como se deu a segunda aparição do Anjo da Paz?

A segunda aparição do Anjo ocorreu poucas semanas depois da primeira, num dia muito quente do verão de 1916. Nestes dias de muito calor, as crianças deixavam o rebanho pastar na Cova da Iria e retornavam às suas casas, para só buscá-lo de volta à tardinha. Neste dia em particular, sob o sol a pino, por volta do meio dia, as crianças foram brincar nos fundos da casa dos pais de Lúcia. Este local, cercado de árvores e com muita sombra e onde existia um poço raso que era utilizado para acumular as águas das chuvas (chamado Poço do Arneiro), era muito utilizado pelas crianças para brincar e descansar do calor.

De repente, o Anjo estava com eles e lhes disse:

'Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações Santíssimos de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios'.

Tolhida pela aparição repentina, Lúcia respondeu ao Anjo: 'Como nos havemos de sacrificar?'

O Anjo lhe respondeu:

'De tudo o que puderdes, oferecei a Deus sacrifício, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim sobre a vossa pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar'.

E, dizendo isso, desapareceu.

(Poço do Arneiro)

(monumento local em memória da segunda Aparição do Anjo)

17. Quais foram as impressões das crianças diante esta segunda aparição do Anjo?

A mesma atmosfera sobrenatural envolveu os pastorzinhos depois da aparição e, como da primeira vez, Francisco, embora tenda visto perfeitamente o Anjo, nada ouvira do que ele havia dito, no seu diálogo com Lúcia. Questionando insistentemente sobre isso, o menino queria que Lúcia explicasse em detalhes o significado de palavras como 'Altíssimo', 'desígnios de misericórdia', 'súplica' e, muito particularmente, sobre 'fazer sacrifícios'. Uma vez adquirida a percepção dos ensinamentos do Anjo, ele, bem como as duas meninas, adotaram, a partir de então, uma contínua e perseverante prática de renúncia a pequenos prazeres e constantes atos de mortificação pela conversão dos pecadores. E, entre uns e outros, passaram a repetir exaustivamente a oração ensinada pelo Anjo em sua primeira aparição.

18. Qual é a natureza do Anjo de Portugal?

A autodenominação da aparição angélica como 'Anjo de Portugal' revela a natureza de um Anjo da Guarda associado a um país, sendo esta a única manifestação histórica de sua existência na história dos homens. E o Anjo de Portugal tem uma referência histórica bem conhecida e documentada. Com efeito, por um pedido especial do rei Dom Manuel e dos bispos portugueses, o Papa Leão X instituiu, em 1504, a festa do 'Anjo Custódio do Reino', cujo culto já era antigo pelos portucalenses, assumido como sendo o Arcanjo São Miguel. Desde então, a celebração tornou-se tradicional em Portugal, permeando os séculos XVI, XVII e XVIII e decaindo fortemente ao longo do século XIX. Existem inúmeras evidências que atestam esta generalizada devoção ao Anjo de Portugal ao longo de séculos, sendo especialmente notáveis as imagens existentes no mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, no convento de Cristo em Tomar, a pintura da Misericórdia em Évora e a iluminura do chamado 'Livro de Horas de Dom Manuel'. Na época do Papa Pio XII, a festa do Anjo de Portugal foi restaurada em todo o país, passando a ser comemorada conjuntamente com o Dia de Portugal, no dia 10 de junho. 

(imagens do Anjo de Portugal)

Nesta data, os portugueses pedem a intercessão do Anjo de Portugal sobre a sua pátria com invocações como estas:

Vinde, Anjo de Portugal, livrar a Pátria e os portugueses de todo o mal.

* * *
Vinde, Anjo de Portugal, afastar da Pátria a vós confiada os males espirituais assim como tudo o que puder perturbar a paz dos portugueses.

* * *
Deus eterno e onipotente, que destinaste a cada nação o seu Anjo da Guarda, concedei que, pela intercessão e patrocínio do Anjo de Portugal, sejamos livres de todos os adversários. Por nosso Senhor. 

19. Como se deu a terceira aparição do Anjo de Portugal?

No fim do verão ou princípio do outono (meados de setembro a início de outubro) de 1916, ocorreu a terceira aparição do Anjo às crianças, novamente no lugar chamado 'Loca do Cabeço'. As crianças tinham deixado o rebanho pastar (e já não retornavam à casa como na época do verão) e decidido irem até lá para rezar. Logo que chegaram, prostrados de joelhos e rostos em terra, começaram a rezar repetidas vezes a oração do Anjo: 'Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e Vos amo...' quando viram uma luz resplandecente e, em seguida, o Anjo suspenso no ar.

Desta vez, trazia na mão esquerda um cálice e, sobre ele, segurava com a mão direita uma hóstia, da qual caíam algumas gotas de sangue dentro do cálice. Deixando, então, o cálice e a hóstia suspensos no ar, o Anjo prostrou-se em terra e rezou:

'Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da Terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos de seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores'.


Repetiu três vezes esta oração com as crianças. Em seguida, levantou-se e tomando novamente o cálice e a hóstia nas mãos, lhes disse:

'Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus'.


O Anjo deu, então, a hóstia à Lúcia e ofereceu o cálice para Jacinta e Francisco beber. Prostrou-se em terra, mais uma vez, e rezou novamente, mais três vezes, a oração à Santíssima Trindade, no que foi acompanhado pelas crianças. Como Francisco não ouvia o que o Anjo dizia, acompanhava a oração após ouvir as repetições feitas por Lúcia e Jacinta. Ao final, o Anjo desapareceu em meio à mesma luz resplandecente da sua aparição.

20. Quais são as mensagens explícitas a todos os homens na terceira aparição do Anjo?

O Anjo oferece ao Pai o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, presentes no Santíssimo Sacramento, em expiação e reparação dos pecados dos homens, uma vez que isso só é possível e agradável a Deus por meio dos méritos infinitos de Nosso Senhor. E, depois, vai suplicar pela conversão dos pecadores invocando as graças dos Corações Imaculados de Jesus e de Maria.

E exorta às crianças e a todos nós, como Filhos de Deus, a praticar insistentemente orações de súplica, desagravo e reparação, por Cristo, com Cristo e em Cristo, aos pecados cometidos contra Nosso Senhor Jesus Cristo presente no Santíssimo Sacramento. Estes pecados que demandam atos incessantes de reparação e desagravo pelas nossas orações podem ser de três naturezas:

- os ultrajes cometidos pelas nossa falta de zelo, desatenção e impiedade à sacrossanta dignidade de Nosso Senhor Eucarístico;

- os sacrilégios demandados pelas comunhões indignas, pela profanação das sagradas espécies, pelas aberrações do rito litúrgico, pela imodéstia dos trajes e do comportamento durante a procissão eucarística;

- os pecados da indiferença no recebimento do Senhor na Eucaristia com desmazelo, frieza e negligência, sem quaisquer anelos de contrição, penitência, agradecimento, louvor e adoração.

As mensagens do Anjo de Portugal são cristalinas e endereçadas, de forma explícita e contundente, aos homens de todos as ápocas mas, principalmente, aos homens perseverantes na fé destes tristes tempos em que vivemos!

21. Como se deu a primeira aparição de Nossa Senhora?

No dia 13 de maio de 1917, pouco depois do meio-dia de um domingo de sol luminoso, Lúcia, Jacinta e Francisco estavam brincando de 'casinha' no alto da Cova da Iria, fazendo uma paredinha de pedras no entorno de uma moita, enquanto as ovelhas pastavam mais além. De repente, pareceu-lhes envolver um lampejo na forma de um relâmpago muito próximo. Assustados, e sem se darem conta da falta de sentido de se vislumbrar um relâmpago em dia tão ensolarado, correram precipitadamente encosta abaixo, até se abrigarem sob uma grande azinheira. Mal chegaram ali, foram surpreendidos por um segundo relâmpago, que os fizeram imediatamente afastarem-se da árvore em direção ao campo aberto à frente. E foram, então, que viram Nossa Senhora pela primeira vez.

Bem diante deles, sobre a copa de uma pequena azinheira, de cerca de um metro de altura, envolvida por uma esfera de luz, estava uma 'senhora vestida toda de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente' [Lúcia dos Santos, Quarta Memória]. A luz que cobria o rosto da senhora era tão intensa que cegava a visão direta das crianças que se encontravam, então, mudas e deslumbradas, dentro do círculo de luz que emanava da aparição, a menos de dois metros de distância. 

('azinheira grande' da primeira aparição)

22. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta primeira aparição?

Nossa Senhora se dirigiu inicialmente às crianças, com voz suave e tranquilizadora:

- Não tenhais medo. Eu não vos faço mal.

As três crianças viam Nossa Senhora, mas Francisco, embora percebendo que ela conversava com Lúcia, não a ouvia; Jacinta a via e ouvia, mas não lhe falava, enquanto Lúcia via, ouvia e falava com a Santíssima Virgem. Lúcia perguntou então:

- De onde é Vossemecê?
- Sou do Céu.
- E que é que Vossemecê quer?
- Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois, voltarei ainda aqui uma sétima vez.

Lúcia continuou as suas perguntas:

- E eu vou para o Céu?
- Sim, vais.
- E a Jacinta?
- Também.
- E o Francisco?
- Também; mas tem que rezar muitos terços. 

Lúcia lembrou-se então de perguntar à Virgem por duas moças suas amigas que haviam falecido pouco tempo antes:

- A Maria das Neves já está no Céu?
- Sim, está.
- E a Amélia?
- Estará no Purgatório até o fim do mundo.

Neste momento, Nossa Senhora assumiu o controle do diálogo e fez um convite explícito aos pastorinhos:

- Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?
- Sim, queremos.
- Ide, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.

Ao dizer estas palavras, abriu as mãos e delas saiu uma luz tão intensa que penetrou no mais íntimo das almas das crianças, 'fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, mais claramente do que nos vemos no melhor dos espelhos' [Lúcia dos Santos, Quarta Memória]. Por um impulso irresistível, as crianças prostraram-se de joelhos e começaram a rezar intimamente: 'Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento'. Quando terminaram, Nossa Senhora lhes disse:

- Rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra. 

Em seguida, começou a se elevar serenamente nos ares em direção ao nascente, até desaparecer na imensidão da distância.


23. Quais foram as reações das crianças e suas famílias diante esta primeira aparição de Nossa Senhora?

Jacinta foi tomada de tal ansiedade e contentamento que manifestou a aparição à sua mãe, assim que chegou em casa. Francisco mostrou-se muito mais reservado neste aspecto e Lúcia nada revelou em casa. Uma vez revelada, a primeira aparição de Nossa Senhora, inicialmente restrita ao domínio das duas famílias, passou a ser de conhecimento mais ou menos amplo de toda a aldeia de Aljustrel, o que levou especialmente Lúcia a ser confrontada e contestada tanto publicamente como em casa, principalmente pela mãe e pelas suas irmãs.

Lúcia começava a aprender, de forma quase imediata, as palavras de Nossa Senhora: 'ides ter muito que sofrer'. A busca da via da santificação pessoal, a mortificação e a conversão dos pecadores haviam de lhes impor um elevado custo de retaliações, sofrimentos e tribulações. Lúcia iria experimentar este caminho por toda uma vida. Francisco e Jacinta iriam doar precocemente as suas vidas como vítimas escolhidas por Deus.



24. Qual é a 'mensagem esquecida de Fátima'?

Certamente é o trecho desta primeira aparição que faz referência ao destino eterno de Amélia, amiga de Lúcia, então recém-falecida. Maria das Neves e Amélia eram duas amigas de Lúcia que frequentavam a sua casa 'para aprender a tecer com sua irmã mais velha' e teriam falecido pouco antes das aparições (Maria das Neves faleceu em 26/02/1917 e Amélia faleceu a 28/03/1917, ambas com 20 anos de idade). A resposta de Nossa Senhora quanto ao destino eterno de Amélia é categórico: 'Estará no Purgatório até o fim do mundo'.

São palavras duras e preocupantes quando revelam a justiça de Deus aplicada a uma jovem portuguesa que vivera apenas 20 anos, no início do século XX, em um lugar isolado e deserto, perdido nos contrafortes da Serra do Aire, descendente de um povo bom e ordeiro, católicos praticantes e devotos do terço diário. Fátima, em 1917, representava provavelmente um ambiente de extrema religiosidade e de prática corrente da moral cristã. Que pecados terríveis teriam sido cometidos por esta moça de modo a ter que pagar as penas e danos devido a eles no Purgatório até o fim do mundo? 

25. Quais são as relações entre o pecado e a justiça divina implícitas na 'mensagem esquecida de Fátima'?

A primeira questão que surge desta revelação deveria ser a de uma reflexão profunda sobre o pecado e a justiça divina. É evidente que morar em Fátima em 1917 não constituiu garantia de salvação a ninguém e que é possível que alguma alma tenha, inclusive, sido condenada eternamente. Mas isto é uma absoluta elucubração; o destino de Amélia, ao contrário, é fato, é uma revelação direta de Nossa Senhora aos homens. Qual seria a nossa reflexão sobre a justiça divina transferindo a realidade do destino eterno de Amélia à realidade dos homens e mulheres, jovens e crianças das nossas grandes e pequenas cidades, às Amélias (almas) do nosso tempo? Não deveríamos nós reavaliarmos profundamente os conceitos de misericórdia e justiça de Deus e começarmos a praticar, na vida diária de cada um, o preceito lógico de São Domingos Sávio: 'antes morrer do que pecar?'

Uma segunda questão que se apresenta refere-se ao próprio destino final de Amélia. A alma no Purgatório nada pode fazer para diminuir ou abreviar os seus sofrimentos, mas as orações daqueles que ainda vivemos na terra podem intervir profundamente nesta condição, por graça e obra da misericórdia divina. Esta interação de bens espirituais dos filhos de Deus constitui a comunhão dos santos e o tesouro da Igreja, obtido através dos méritos infinitamente satisfatórios da redenção de Cristo. 

Assim, pois, deve-se entender que Amélia estará no Purgatório até o fim do mundo se não houver quem reze por ela ou mande celebrar missas em sua intenção. E novamente, a mensagem de Fátima mostra a sua unidade perfeita ao relacionar o exemplo de Amélia com o apelo fervoroso de Nossa Senhora em outra aparição: 'Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o Inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas'. Reconheçamos definitivamente o valor imponderável das orações, penitências e sofrimentos no plano salvífico de Deus. 

Todas as grandes obras de Deus, e em particular àquelas relacionadas à conversão e salvação das almas, são feitas com a dor e o sacrifício de algumas almas privilegiadas. Em Fátima, estas foram as missões específicas desempenhadas por Jacinta e Francisco Marto – as duas crianças morreram em circunstâncias extremamente sofridas e dolorosas - almas escolhidas por Deus como vítimas da expiação e reparação dos pecados de Amélia e de todos nós.

26. Como se deu a segunda aparição de Nossa Senhora?

No dia 13 de junho de 1917, Festa de Santo Antônio, pouco antes do meio-dia, as três crianças já estavam de prontidão na Cova da Iria, diante da pequena azinheira da primeira aparição. Cerca de 50 pessoas acompanhavam as crianças neste dia, espalhadas no entorno delas, após terem feito pequenas refeições; muitas delas tinham acompanhado as crianças desde Aljustrel. As crianças mantinham os olhos fixos na direção do nascente, enquanto se rezava o terço.

De repente, Lúcia levantou-se de prumo ao perceber o mesmo lampejo de relâmpago da aparição anterior e as três crianças correram imediatamente para junto da azinheira. As pessoas presentes se ajoelharam em torno delas, formando um círculo compacto. Neste momento, as crianças de Fátima viram Nossa Senhora suspensa sobre a copa da pequena azinheira, tal como ocorrera na primeira aparição.


27. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta segunda aparição?

Assim que viu Nossa Senhora, Lúcia deu início ao diálogo:

– Vossemecê que me quer? 
– Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que aprendam a ler. Depois direi o que quero.

Lúcia pediu então pela cura de um doente.*
– Se se converter, curar-se-á durante o ano.
– Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu.
– Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração.
– Fico cá sozinha? – perguntei, com pena.
– Não, filha. E tu sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.

Lúcia narra então o que aconteceu a seguir:

'Foi no momento em que disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para o Céu e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora, estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação' [Lúcia dos Santos, Quarta Memória].

Elevando-se então nos ares, a aparição, envolta na luz que irradiava, deslocou-se suavemente para o leste, até desaparecer por completo no horizonte.

* Cinco anos mais tarde, a 5 de janeiro de 1922, no Asilo de Vilar, Porto, Lúcia detalhou mais, ao seu confessor, esta passagem: 'Pedi-lhe para curar um coxo e algumas pessoas que me tinham pedido, umas por doentes, outras pela conversão de alguns pecadores. Recebi como resposta que em um ano, elas estariam curadas'.

28. Qual é o 'segredo' contido nesta segunda aparição de Nossa Senhora?

Na segunda aparição, as crianças experimentaram outra vez a intimidade com Deus nos reflexos da luz irradiante da Virgem e na visão do Imaculado Coração de Maria, cravejado de espinhos, símbolos dos ultrajes cometidos pelos pecados do homem e que demandavam reparação. A rigor, Nossa Senhora não estabeleceu formalmente que tal visão e percepção do divino deveria ser mantida em segredo, mas as próprias crianças pressentiram que isto não devia ser revelado naquele momento [Lúcia dos Santos, Quarta Memória].


29. Quais foram as impressões das crianças diante o 'segredo' da segunda aparição de Nossa Senhora?

Por não ouvir as palavras de Nossa Senhora, Francisco questionou Lúcia mais tarde:

– Por que estava Nossa Senhora com um coração na mão, espalhando pelo mundo essa luz tão grande que é Deus? Tu estavas com Nossa Senhora na luz que descia para a terra, e a Jacinta, comigo, na que subia para o Céu. 
– É que tu, com a Jacinta, vais breve para o Céu e eu fico com o Coração Imaculado de Maria mais algum tempo na terra. 
– Quantos anos cá ficas? 
– Não sei; bastantes. 
– Foi Nossa Senhora que o disse? 
– Foi. E eu vi isso nessa luz que ela nos meteu ao peito. 

E a Jacinta confirmava isto mesmo, dizendo: 
– É assim, é! Eu também assim o vi! 

Em outras ocasiões, dizia:
– Esta gente fica tão contente só por a gente dizer que Nossa Senhora mandou rezar o terço e que aprendêssemos a ler! O que seria, se soubessem o que ela nos mostrou em Deus, no Seu Imaculado Coração, nessa luz tão grande! Mas isso é segredo, não se lhes diz. É melhor que ninguém o saiba.



30. Neste contexto, qual foi a missão específica destinada à Lúcia?

Diante o pedido de Lúcia que as levassem para o Céu, Nossa Senhora assim se expressou: 'Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração'. A missão dada à Lúcia é cristalina: divulgar a devoção especial à Mãe de Deus e particularmente a consagração ao seu Imaculado Coração. Através de Lúcia, esta devoção deveria assumir amplitude mundial e ser instrumento privilegiado de conversão e salvação de muitas almas. Tal propósito é ratificado plenamente quando, mais tarde, depois de uma visão em Pontevedra, Espanha, em 17 de dezembro de 1927, a Irmã Lúcia revelou palavras complementares de Nossa Senhora expressas nesta segunda aparição depois da frase 'Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração': 'A quem a abraçar, prometo a salvação, e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o Seu trono'. 


31. Como se deu a terceira aparição de Nossa Senhora?

A terceira aparição de Nossa Senhora, no início da tarde de 13 de julho de 1917, ocorreu de forma similar às duas primeiras, mas na presença de uma multidão muito maior que as anteriores, estimada desta vez em mais de duas mil pessoas. No centro da multidão e diante da azinheira, as três crianças rezavam o terço e olhavam ansiosas o céu em direção ao nascente. O pai de Francisco e Jacinta, Manuel Marto, encontrava-se ao lado das crianças desde o início da aparição e é dele o testemunho de ter visto uma espécie de nuvem de fumo se debruçar sobre a azinheira no momento em que Lúcia alertou a multidão para que se tirassem os chapéus ante a chegada de Nossa Senhora.

32. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta terceira aparição?

Assim como na segunda aparição, assim que viu Nossa Senhora, Lúcia perguntou:

– Vossemecê que me quer? 
– Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem; que continueis a rezar o terço todos os dias em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra porque só Ela lhes poderá valer.
–  Queria pedir-lhe para nos dizer quem é e para fazer um milagre com que todos acreditem que Vossemecê nos aparece.
– Continueis a vir aqui todos os meses. Em outubro direi quem sou, o que quero e farei um milagre que todos hão de ver para acreditarem.

Lúcia fez então uma série de pedidos em intenções pela cura ou conversão de algumas pessoas, ao que Nossa Senhora responde que os pedidos deverão ser atendidos no prazo de um ano, mas insiste sempre na oração do terço, principalmente em família. No final deste diálogo de pedidos de intenções, Nossa Senhora, com expressão muito séria, diz à Lúcia:

– Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: 'Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria'.

Ao dizer estas últimas palavras, abriu de novo as mãos, como nos dois meses passados; o reflexo da luz que espargiam de suas mãos parecia penetrar a terra. Na sequência, as três crianças experimentaram a visão do inferno, assim descrita pelas palavras de Lúcia:

Vimos como um mar de fogo. Mergulhados nesse fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa... [Lúcia, Quarta Memória]

Suspensa a visão aterradora do inferno e estremecidos de medo, as crianças volveram imediatamente os olhos para Nossa Senhora em busca de conforto que, as contemplando com imensa ternura, revelou à Lúcia um longo testemunho:

– Vistes o inferno para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar. Mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. 

Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração e a Comunhão Reparadora dos Primeiros Sábados. Se atenderem aos meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz. Se não, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia que se converterá e será concedido ao mundo algum tempo de paz. Em Portugal conservar-se-á sempre o dogma da fé , etc.

Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo. Quando rezardes o terço, dizei depois de cada mistério: 'Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem'

Seguiu-se um instante de silêncio, quebrado então por Lúcia:

– Vossemecê não me quer mais nada?
– Não, hoje não te quero mais nada.

E como de costume, Nossa Senhora começou a elevar-se em direção ao nascente até desaparecer na imensa distância do firmamento [Lúcia, Quarta Memória].

33. O que constitui os chamados Primeiro Segredo e Segundo Segredo de Fátima?


Do conjunto de mensagens que Nossa Senhora e Mãe de Deus revelou ao mundo em Fátima, as revelações feitas nesta terceira aparição foram sistematizadas em três partes distintas, numa abordagem que ficou mundialmente conhecida como Segredo de Fátima. As duas primeiras partes do Segredo foram formalmente reveladas por Lúcia em 1941, nas suas Terceira e Quarta Memórias e são as seguintes: 

(i) Primeiro Segredo: a perda eterna das almas e a visão do inferno 

Nossa Senhora, após ensinar às crianças uma oração pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos, abriu as mãos e o reflexo dos raios de luz, que delas emanavam, pareceu penetrar a terra, revelando as visões do Inferno e do espantoso número de almas que são condenadas à danação eterna pela submissão ao pecado, assim descritas nas terríveis palavras de Lúcia: 

'... e vimos como que um mar de fogo: mergulhados neste fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas, que delas mesmo saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das fagulhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa...' 

(foto dos três videntes na tarde de 13/07/1917, após a visão do inferno)

(ii) Segundo Segredo: castigos universais e os meios para evitá-los

A segunda parte do Segredo, revelada às crianças na sequência imediata da visão do Inferno, consiste no anúncio do advento de grandes castigos para a humanidade, caso os homens não se convertessem e, principalmente, os meios de salvação colocados à disposição de todos e capazes de reorientar e modificar completamente as perspectivas previstas para as futuras gerações: a oração do Rosário, a prática dos Cinco Primeiros Sábados, a Devoção ao Imaculado de Maria e, de forma muito particular, a Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, fato que, uma vez não ocorrendo, implicaria que os erros da Rússia seriam espalhados pelo mundo inteiro, levando inclusive ao aniquilamento de algumas nações.

34. O que se pode inferir sobre a terceira parte do Segredo de Fátima? 

A terceira parte do segredo, escrita por Lúcia em janeiro de 1944, nunca foi inserida no contexto de suas memórias publicadas. Mas a última frase das mensagens reveladas é bastante singular: 'Em Portugal se conservará sempre o dogma da fé, etc...'. Este etc... sugere que o texto da terceira parte do Segredo estaria a seguir (lembrando que a segunda parte sucedeu imediatamente a revelação da primeira parte). Mas a própria frase parece desconectada do contexto anterior, pois a referência específica (situação em Portugal) confronta com o texto prévio (dimensão universal dos castigos), de forma que pode se interpretar esta frase já no contexto da terceira parte do Segredo.

Se em Portugal o dogma da fé será mantido (e se esta afirmativa assume um caráter de tal relevância que mereça uma menção especial na mensagem), é razoável deduzir que este fato – a perda da fé – atingirá dimensões inconcebíveis no âmbito da história humana e terá proporções mundiais. Nesta concepção, a terceira parte da mensagem referir-se-ia à questão de uma apostasia generalizada e sem paralelo na história da humanidade. Uma crise de fé de tal relevância deveria estar intimamente relacionada a uma gravíssima crise da própria Igreja de Cristo e isto explicaria a não divulgação pública desta terceira e última parte do Segredo. 

A terceira parte do segredo constitui essencialmente, portanto, a revelação de uma profunda crise de fé e crise da Igreja, com a perda substancial da Verdade revelada, substituída por um sem número de doutrinas heréticas no campo dogmático e da moral e implementação de falsas liturgias, com profundo impacto nos valores do cristianismo autêntico e concessões crescentes ao permissivismo moral, ao agnosticismo e ao ateísmo. 


35. Que correlação interliga diretamente os Três Segredos de Fátima?

Na própria mensagem de Fátima, o Segredo aparece como três partes distintas de um todo, ou seja, existe uma relação direta e comum interligando as três partes do Segredo em uma única mensagem. Numa síntese geral, o primeiro segredo teve como foco a salvação pessoal do homem; o segundo segredo teve como foco a salvação da humanidade e o terceiro segredo teve por foco a salvação da cristandade, da própria fé cristã, da própria Igreja.

Neste contexto, a crise de fé e a apostasia universal (terceira parte do Segredo) seriam os fatores de condenação ao Inferno de um grande número de almas (primeira parte) e a causa fundamental para a sucessão de castigos que se abateriam sobre o mundo (segunda parte). Desta forma, a terceira parte constituiria, na verdade, a causa dos eventos descritos nas primeiras duas partes reveladas (perda das almas, representada nas aparições pela Visão do Inferno e os castigos universais, caso não se concretizassem a conversão dos homens). Para evitar e desfazer esta sincronia de males e tragédias, os meios disponibilizados por Nossa Senhora seriam, então, o Santo Rosário, a Consagração dos Cinco Primeiros Sábados e a Devoção ao Imaculado Coração de Maria.

36. Por que Nossa Senhora permitiu a Visão do Inferno às três crianças?

Porque o Primeiro Segredo tinha como foco a salvação pessoal do homem e Nossa Senhora queria comunicar à humanidade pecadora o valor incomensurável da oração, dos sacrifícios e penitências dos Filhos de Deus como instrumentos da graça divina para a reparação dos pecados e escudo contra a perda eterna de milhões de almas: 'Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria'.

A salvação de muitíssimas almas que não se salvariam por si próprias depende das orações e dos sacrifícios dos bons e das penitências dos santos! É preciso rezar, portanto, por aqueles que não rezam; é preciso fazer sacrifícios por aqueles que se perdem nos prazeres do mundo; é preciso fazer penitência como desagravo a tantos pecados cometidos contra os mistérios da graça divina. Nossa Senhora está dizendo: preciso de almas fieis, preciso de santos! Com eles e por meio deles, as graças divinas continuam fluindo pelos abismos do mundo e resgatando muitas almas que poderiam parecer, a princípio, irremediavelmente perdidas. A misericórdia divina é infinita, mas demanda como contrapartida o amor humano: as talhas precisam estar cheias de água para que sejam transformadas em vinho! O preço de uma alma perdida é infinito e a sua perda gera um dano infinito e, por isso, é que o inferno é o Inferno...



37. Como ocorreu a Visão do Inferno para as crianças?

No processo de santificação pessoal, o ser humano é levado a experimentar graças divinas tão excepcionais que abandona completamente os valores do mundo para passar a viver uma vida espiritual plena. Esse estado pode ser o que Santa Teresa de Ávila chamou de 'quarta morada', pode ser a pequena via de Santa Teresa de Lisieux, pode ser a passagem pela 'noite escura dos sentidos' de São João da Cruz. No caso dos três pastorinhos de Fátima, esta 'passagem pela noite escura' foi a Visão do Inferno. Por meio de uma visão ao mesmo tempo tão extraordinária e tão impressionante, as crianças alcançaram a santificação quase que imediata, tornando-se extremamente fervorosas na prática da oração e da penitência, pela salvação dos pecadores.

Trata-se de uma via tão excepcional de santificação que exigiu uma abordagem excepcional. Não seria possível às três crianças (e a qualquer ser humano) ter uma visão direta do Inferno, sem a intercessão divina. As crianças viram o Inferno sob a infusão especialíssima da graça divina e amparados pela presença de Nossa Senhora; com efeito, as três crianças viram o Inferno sob a proteção segura dos reflexos da luz divina que espargiam das mãos abertas de Nossa Senhora. 

Por outro lado, Nossa Senhora já havia assegurado anteriormente às crianças que as levariam para o Céu (na Segunda Aparição), após pedido neste sentido de Lúcia: 'Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu'. – 'Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo'. Sem esta revelação explícita de Nossa Senhora e sem a infusão da luz divina, as crianças teriam simplesmente morrido de pavor diante de uma visão tão espantosa.

38. Quais foram os impactos da Visão do Inferno sobre as crianças?

Os impactos foram tão tremendos que levaram as crianças a partilharem, a partir de então, uma contínua e sistemática prática de penitências e atos de mortificação e a repetirem, até a exaustão, a oração ensinada por Nossa Senhora. Isto é extremamente espantoso ao se levar em conta que estamos falando de três crianças, com idades de 7, 9 e 10 anos! Os testemunhos de Lúcia sobre a ação dos seus primos a este respeito dão uma ideia clara dessa imersão espiritual tremenda das crianças nos mistérios da graça [excertos da obra 'A Verdadeira História de Fátima', do Pe. João de Marchi]:

Numa dada ocasião, cuidando das ovelhas, as crianças sentiram muita sede num dia particularmente quente. Em vez de se queixar, a Jacinta, que tinha apenas 7 anos, parecia feliz. 'Que bom!' – dizia ela – 'Tenho tanta sede! Mas ofereço tudo pela conversão dos pecadores'. Lúcia foi pedir água a uma casa ali perto e voltou com uma jarra. Ofereceu a água em primeiro lugar ao Francisco. que respondeu: 'Não quero beber. Quero oferecer o sacrifício pela conversão dos pecadores'. 'Bebe tu, Jacinta!' ao que a menina respondeu: 'Também quero oferecer este sacrifício pelos pecadores'. Lúcia derramou, então, a água na concavidade de uma pedra para que as ovelhas a bebessem e foi devolver a vasilha à sua dona.

Jacinta sentiu-se então muito fraca e parecia quase a desfalecer. O barulho rítmico das cigarras, dos grilos e das rãs soavam em seus ouvidos como um barulho ensurdecedor. Com a cabecinha dolorida entre as mãos, não se aguentava mais: 'Dói-me tanto a cabeça! Diz aos grilos e às rãs que se calem!' Francisco a interpelou então: 'Não queres sofrer isto pelos pecadores?' A menina foi taxativa na resposta: 'Sim, quero. Deixa-os cantar!' 


A ideia do Inferno e das almas que sofriam no meio do fogo encheu de tal modo a mente da Jacinta que ela se esforçava inutilmente por compreender a causa de tão terrível castigo. E questionava então a prima mais velha: 'Ó Lúcia, que pecados são estes que essa gente faz para ir para o Inferno?' – ''Não sei! Talvez o pecado de não ir à missa aos domingos, de roubar, de dizer palavras feias, rogar pragas, jurar…” – 'E assim, por uma palavra, vão para o Inferno?' – 'Se essa palavra for um grande pecado…' Jacinta ficava então mortificada: 'Que lhes custavam estarem calados e irem à missa? Que pena que eu tenho dos pecadores! Se eu pudesse mostrar-lhes o Inferno!'

39. Qual é a mensagem de Fátima relativa ao Primeiro Segredo para nós cristãos?

Essencialmente, atuarmos no mundo, independentemente de idade, condição ou lugar, como testemunhas fieis do nosso batismo e apostolado cristãos. Milhares de almas estão se perdendo para sempre no Inferno todos os dias, porque não há quem reze ou se sacrifique pela salvação delas. As três crianças, que mal tinham entrado na idade da razão, aprenderam de Nossa Senhora o que podiam fazer neste sentido: ficaram sedentas, fizeram jejum e se empenharam duramente em fazer orações, penitências e sacrifícios pelos pecadores.

Na Primeira Aparição, Nossa Senhora já os havia convocado a este chamado da graça: 'Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?' – 'Sim, queremos' – 'Ide, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto', foi a resposta da Senhora. Este diálogo é a síntese do primeiro Segredo que foi revelado na Terceira Aparição, dirigido às crianças e a todos nós, cristãos. A Mensagem de Fátima nos conclama a responder, tal qual os pastorinhos, a este chamado dos Céus, aqui e agora: 'Quereis oferecer-vos a Deus...?' O que temos feito efetivamente pela salvação das almas?

40. Qual era a situação em Fátima a esta altura dos acontecimentos?

As notícias sobre as aparições já haviam se espalhado pela região e chegado inclusive a nível nacional de divulgação pela grande imprensa. O primeiro jornal a noticiar, em âmbito nacional, os eventos ocorridos na Cova da Iria foi 'O Século', principal diário de Lisboa e fundado em 1881, na edição de 23 de julho de 1917, com um título bastante sarcástico: 'Uma embaixada celestial… especulação financeira?' Esta primeira reportagem consistiu no relato de um correspondente regional que, após mencionar as aparições ocorridas e as opiniões de pessoas presentes em Fátima, concluiu que por trás daquelas manifestações, podia estar 'uma premeditada especulação financeira, cuja fonte de receita existe nas entranhas da serra, em qualquer manancial de águas minerais' [?], recentemente descobertas [Documentação Crítica de Fátima, p. 34]. O jornal 'O Mensageiro' de Leiria, que possuía então apenas dois anos e meio de criação, republicou na íntegra o texto do diário 'O Século', apenas com o título alterado para 'Aparição Miraculosa?', na sua edição de 25 de Julho de 1917.


Assim, particularmente após a aparição de julho, ocorreu um aumento significativo do fluxo de peregrinos e de curiosos para Fátima, oriundos de todas as regiões de Portugal. As consequências imediatas deste estado de coisas foi a promoção de uma mudança completa dos hábitos locais; o grande afluxo de pessoas gerou a necessidade de uma adaptação da infraestrutura local e afetou a paz da região e, muito particularmente, o sossego e o recolhimento das crianças, que eram sempre o alvo da investida de todos e em todas as ocasiões.

A posição da Igreja não era muito diferente então. Com raríssimas exceções, os padres que se deslocavam à Fátima viam as aparições com absoluto ceticismo e muitas vezes até com hostilidade. O próprio Padre Manuel Marques Pereira, pároco de Fátima à época das aparições e que conduzia pessoalmente interrogatórios aos videntes sobre os fatos (por exemplo, os interrogatórios com Lúcia e Jacinta sobre a Terceira Aparição ocorreram no dia 14 de julho de 1917), era ainda bastante incrédulo em relação aos acontecimentos da época. Não muito diferente era a percepção destes fatos pelos pais dos videntes e pelos demais moradores de Aljustrel.

41. Qual é a mensagem de Fátima relativa ao Segundo Segredo para nós cristãos?

Conhecer, praticar e divulgar universalmente os meios que a Providência Divina coloca à disposição dos homens, nestes tempos derradeiros, para a salvação da humanidade, diante da perspectiva de uma perda da fé cristã e apostasia universais: a oração do Rosário, a prática dos Cinco Primeiros Sábados e, particularmente, a Devoção ao Imaculado de Maria. Estas orações e devoção têm um particularíssimo efeito sobre a vida espiritual: traduzem de forma admirável a entrega total do amor humano ao Pai Eterno, produzindo frutos extraordinários de reparação dos pecados e salvação das almas por meio dos Imaculados Corações de Jesus e de Maria. Neste propósito, a própria Mãe de Deus ensina os seus filhos a rezarem pela salvação das almas, fazendo a seguinte invocação após cada mistério do terço: 'Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem'.

Diante de uma perspectiva negativa de se utilizar estas graças, a humanidade se distancia da misericórdia e se submete aos rigores da justiça divina, que são expostos explicitamente: 'Deus... vai punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre'. Neste sentido, Nossa Senhora acena para o fim da Primeira Guerra Mundial em andamento, mas anuncia uma outra pior, caso os homens não se convertessem, no pontificado do papa Pio XI e que seria prenunciada com 'um grande sinal' nos céus.

42. Qual foi o sinal dado por Deus que prenunciava a Segunda Guerra Mundial?

'A noite alumiada por uma luz desconhecida', nas palavras de Nossa Senhora foi o grande sinal que iluminou os céus da Europa Ocidental na noite de 25 de janeiro de 1938, na forma de uma aurora boreal de dimensões excepcionais que cobriu a abóbada celeste de cores brilhantes e avermelhadas, à feição de um fornalha incandescente em movimento singular por longas extensões. 

Uma aurora boreal (ou uma aurora austral, no caso do hemisfério sul) é o fenômeno causado pelo choque do plasma solar com partículas da atmosfera após o contato com o campo magnético da Terra. Auroras boreais são comuns na região do polo norte e áreas limítrofes, e muitíssimo raras abaixo da latitude de 50°. Embora possam apresentar cores diversas, a sua cor dominante é verde e não vermelha e abrangem extensões limitadas, na forma de faixas que se estendem por alguns quilômetros.


Entretanto, a aurora boreal que iluminou o hemisfério norte, desde o Canadá até à Checoslováquia, incluindo Portugal e França e chegando ao norte da África, na noite de 25 para 26 de janeiro de 1938, ocorreu em circunstâncias nada naturais. Caracterizar tal fenômeno como sendo uma 'aurora boreal' é inapropriado. Com efeito, foi um evento de proporções e magnitude jamais vistas, sendo visível como uma bola de fogo gigantesca de coloração predominantemente vermelha por milhões de pessoas de diferentes países, separados por milhares de quilômetros. As reações das pessoas foram completamente atípicas. Em Portugal, por exemplo, existem inúmeros relatos de que as pessoas correram para as igrejas julgando estarem perante o fim do mundo. No Mar do Norte, os pescadores simplesmente não se atreveram a lançar as suas redes, tão impressionados ficaram na ocasião com a calmaria extraordinária do mar e com o aspecto do céu incandescente.

43. Por que Nossa Senhora pediu expressamente a consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração? 

Porque a conversão da Rússia seria reconhecida mundialmente como fruto direto de uma intervenção divina e um triunfo absoluto do Coração Imaculado de Maria. A partir deste fato, tomaria expressão mundial a devoção ao Imaculado Coração de Maria conjuntamente à devoção ao Imaculado Coração de Jesus (Aliança dos Dois Corações). 

Por outro lado, com esta consagração, os homens encontrariam, em escala universal, os caminhos da conversão e da paz: 'Se atenderem aos meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz' e evitariam o advento de grandes castigos para a humanidade, que teriam como origem e fonte a implantação da ideologia comunista na Rússia que tenderia a espalhar seus erros pelo mundo inteiro, produzindo sequelas gigantescas contra a civilização cristã: 'Se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja ...', de tal forma que, nenhum país, nenhum povo, nenhum cristão ficaria incólume a essa ação devastadora e universal: 'Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas'. 


Ao final, a Mãe de Deus, profetizou que o 'Santo Padre' há de consagrar a Rússia ao seu Imaculado Coração e, por isso, seria concedido ao mundo algum tempo de paz. Nossa Senhora pediu, então, explicitamente à Lúcia e à Jacinta, a manutenção deste segredo, que poderia ser repassado apenas ao Francisco (que não ouvia o que Nossa Senhora dizia): 'Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo'.

A situação da Rússia, à época das aparições, era totalmente imprevisível em termos de sua enorme influência geopolítica no cenário mundial no decorrer do século XX. Com efeito, à época, a Rússia era um imenso país de regime czarista, governada de forma absolutista pelo czar Nicolau II e com cerca 80% de sua economia dependente exclusivamente da produção de gêneros agrícolas. Neste sentido, a mensagem de Nossa Senhora tendia a ser praticamente ininteligível à época, mesmo porque a Rússia ainda não se tornara comunista, uma vez que a revolução marxista-leninista somente iria se irromper em novembro daquele ano. 

Estas profecias que anunciam eventos geopolíticos de um futuro inimaginável e fenômenos naturais extraordinários observados por um grande número de testemunhas dão às aparições em Fátima uma autenticidade que também é excepcional e que lhes confere um lugar completamente único na história das aparições marianas. E nos consolam com a mais extraordinária das profecias de Nossa Senhora dadas em Fátima: 'Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará'.

44. Quais foram as visões particulares que Jacinta teve nesta época sobre o Santo Padre?

Num certo dia depois desta Terceira Aparição, as crianças foram passar a sesta junto ao Poço do Arneiro como lhes era um hábito comum. Lúcia e Francisco se afastaram um pouco para procurar mel silvestre nas imediações, enquanto Jacinta ficou sentada à beira do poço. Num dado momento, ela chamou os outros dois ansiosa:

– 'Lúcia! Francisco! Não vistes o Santo Padre?'
– 'Não'.
– 'Não sei como foi' – continuou Jacinta – 'Vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos diante de uma mesa com as mãos no rosto a chorar. Fora da casa havia muita gente, uns atiravam-lhe pedras, e outros rogavam-lhe pragas e lhe diziam muitas palavras feias. Coitadinho do Santo Padre! Temos de pedir muito por ele!'

Em outra ocasião, as crianças se encontravam na Loca do Cabeço e haviam rezado a oração ensinada pelo Anjo. Jacinta levantou-se então e, com os olhos cheios de lágrimas, falou à prima: 'Ó Lúcia, não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente a chorar com fome e não tendo nada para comer? E o Santo Padre numa igreja diante do Imaculado Coração de Maria a rezar? E tanta gente a rezar com ele?'


45. Quais foram os erros que Nossa Senhora disse que a Rússia espalharia pelo mundo?

Os erros que a Rússia espalhou pelo mundo inteiro são os flagelos da ideologia comunista que consistem basicamente na violação completa da vida sobrenatural nas almas e no projeto de aniquilamento (Nossa Senhora usou esse termo para designar o que aconteceria com várias nações) da Igreja e da civilização cristã. Neste propósito maligno, haveria de empregar tanto os meios bélicos (a guerra propriamente dita) como a subversão completa das mentes e almas, num redemoinho convergente de políticas e estratégias ideológicas, que visam: 

∎ desacreditar e corromper a Igreja de Cristo de todas as formas e modos, particularmente 'por dentro';
◼estabelecer o projeto de uma religião ecumênica, social e universal;
◼eliminar qualquer tipo de cultura religiosa cristã, em nome da diversidade cultural, direitos individuais e princípio da separação entre a Igreja e o Estado;
◼eliminar, distorcer e corromper as práticas de orações, sacramentos, penitências ou retiros espirituais;
◼corromper até os limites do imponderável a instituição da família, incentivando a ideologia do gênero, o homossexualismo, o aborto e o divórcio;
◼estabelecer o conflito de gerações, fazendo a apologia da educação pelo Estado e postulando o fim da atuação opressora e impositiva dos pais;
◼favorecer a indústria da pornografia, banalizando os temas sexuais e incentivando os escândalos, as obscenidades e a promiscuidade como 'coisas normais';
◼corromper os padrões culturais da ética e do ordenamento moral, promovendo a exposição maciça de desvios e aberrações de toda ordem na literatura, na televisão e no cinema;
◼promover os princípios do relativismo e do indiferentismo religioso;
◼fomentar ao máximo a proliferação de seitas e doutrinas heréticas que corrompam, distorçam e subvertam os princípios e os dogmas da fé cristã autêntica;
◼promover o socialismo fraterno e ecumênico entre os povos, na construção de um mundo sem barreiras e incensado pela agenda marxista do 'paz e amor';
◼promover o surgimento de uma nova era, calcada apenas na liberdade e na capacidade humana, num mundo sem Deus.

Há alguma dúvida de que milhões de almas foram tangidas como ovelhas sem pastor para este turbilhão de fogo e desvario, porta escancarada do inferno? Que a Igreja foi devastada por males sem conta e que os bons foram e estão sendo martirizados no mundo todo? Ou que nações como Cuba, Coreia do Norte, Síria, países dos Bálcãs e a Venezuela foram literalmente aniquiladas por este rolo compressor? Que povo, que comunidade, que família podem dizer que estão livres e incólumes a estes flagelos? Há alguma dúvida hoje sobre o vaticínio do Terceiro Segredo em relação às consequências destes males sobre o destino da Igreja e da própria civilização cristã?

46. Qual foi o motivo da intimação do interrogatório feito aos pais das crianças antes da data prevista para a quarta aparição de Nossa Senhora?

O administrador do Concelho de Ourém (ao qual Fátima era integrante), Artur de Oliveira Santos, era um inimigo ferrenho da Igreja Católica e, como presidente da Loja Maçônica de Ourém, era o chefe de uma brigada cuja missão era desmoralizar a Igreja e a vida religiosa. As supostas aparições de Nossa Senhora em Fátima já eram de de conhecimento generalizado em todo o concelho e chegado inclusive à grande imprensa e produzido desconforto e perturbação nos quadros maçônicos locais. Era, pois, imperativo atuar com autoridade neste cenário de 'obscurantismo religioso' e de divulgação de tantas 'superstições'. Neste propósito, o administrador intimou os pais dos videntes, exigindo também a presença das crianças, para prestarem depoimento pessoal a ele sobre as 'aparições'. O depoimento foi marcado para o dia 11 de agosto de 1917, na Câmara de Vila Nova de Ourém, cerca de 10 km de Fátima.

Na data marcada, além dos pais das crianças, compareceu apenas a Lúcia, uma vez que o Tio Marto se recusou a levar suas duas crianças pequenas a se deslocar de Aljustrel até Vila de Ourém, para um interrogatório daquela natureza. No interrogatório, o administrador arguiu a menina sobre a natureza do Segredo, cuja revelação foi peremptoriamente negada pela menina. Ao interrogar os pais, Antônio dos Santos manifestou que não acreditava no que chamou 'histórias de mulheres' ao passo que o Tio Marto foi enfático ao dizer que acreditava no que os seus filhos diziam. Sem mais questionamentos, o tal 'depoimento' acabou por ali, e os 'depoentes' retornaram de pronto a Aljustrel. Mas o administrador certamente já tomara a firme decisão de impedir a continuidade daqueles eventos.


(Artur de Oliveira Santos)

47. O que aconteceu com as crianças em 13 de agosto?

Na manhã do dia 13 de agosto, o administrador do Concelho de Ourém deslocou-se de carro até Fátima e, sinuoso na fala e na dissimulação, conseguiu separar as crianças dos pais e levá-las de carro até a casa paroquial de Fátima, onde o prior as estariam esperando 'para lhes fazer umas perguntas'. Isto não surpreendeu as crianças porque, com efeito, o padre Manuel Marques Pereira, pároco de Fátima à época das aparições, as tinham submetido a interrogatórios pessoais em todas as aparições. Além disso, o administrador prometeu que depois as levaria até a Cova da Iria, pois queria também estar lá com as crianças durante a aparição, para 'ver para crer'.

Na casa paroquial, somente Lúcia foi interrogada pelo prior (que não tinha conhecimento dos planos maquiavélicos do administrador), enquanto Jacinta e Francisco esperavam do lado de fora. Terminado o rápido interrogatório, o administrador fez Lúcia subir à charrete com os outros e, sem mais delongas, tomou o rumo de Vila Nova de Ourém, conduzindo as crianças sem esforço até a sua casa. Ali as manteve sob a sua custódia por todo o resto do dia e pela noite seguinte. No tresloucado propósito de impedir uma nova aparição a qualquer custo e, embora tenha tratado bem as crianças na sua casa, julgou bastante pertinente e aceitável o procedimento de simplesmente raptar as crianças naquele dia. E levou ao paroxismo este comportamento brutal, submetendo as crianças nestes dias a ameaças de todo tipo e mesmo à prisão.


(antiga casa do administrador, atualmente reformada como Museu Municipal de Ourém)

48. Como se deram os interrogatórios e a prisão das crianças nos dias seguintes?

No dia seguinte, 14 de agosto, o administrador submeteu as crianças a táticas de puro terrorismo por meio de provações de todo tipo: longos e exaustivos interrogatórios, ameaças de morte terrível, prisão. Assim, fez conduzir as três crianças a uma cela da prisão de Ourém, sob a companhia de malfeitores de toda sorte. E foi com esta gente que os pequenos rezaram o terço, diante de uma medalha de Nossa Senhora que Jacinta trazia ao pescoço e que foi então dependurada num prego na parede!

Liberadas da prisão, as crianças foram expostas a mais interrogatórios e depois a mais confinamento na casa do administrador. Em todos os momentos, as crianças se mantiveram firmes no propósito de não revelar jamais o Segredo, conforme tinham prometido a Nossa Senhora. Desta forma, sem sucesso nas suas investidas, o administrador ordenou finalmente o retorno das crianças a Fátima e que elas fossem deixadas diante da casa paroquial, o que efetivamente ocorreu ao final da manhã do dia 15 de agosto de 1917, dia da Assunção de Nossa Senhora.



49. O que aconteceu no local das aparições no dia 13 de agosto?

Com a ausência das crianças e a consequente não aparição de Nossa Senhora, a multidão então reunida em torno da azinheira (estimada em mais de 6000 pessoas) foi testemunha de dois fenômenos diversos, pouco depois do meio dia:


(i) as pessoas ouviram inicialmente um som contínuo e fraco seguido por um ruído mais pesado de trovão e um relâmpago, após o qual perceberam uma nuvenzinha branca e transparente flutuando no ar sobre as suas cabeças até pousar sobre a azinheira para, pouco depois, elevar-se novamente e dissipar-se no céu azul;

(ii) depois deste evento, as pessoas notaram que os rostos, as roupas, o chão, os arbustos e tudo o mais em volta ficaram como que irisados, brilhantes e espargindo as cores do arco-íris em todas as direções.

Nesta ocasião, os peregrinos depredaram de tal forma a azinheira, arrancando-lhe as folhas e até mesmo galhos inteiros tomados como relíquias, que esta ficou praticamente destruída. Mais tarde, com a notícia da prisão das crianças, a multidão ficou revoltada e tendenciosa a marchar para Vila Nova de Ourém para libertá-las, mas foi contida pela presença e pronta intervenção do Tio Marto em favor da pacificação dos ânimos. A multidão então se dispersou em paz.

50. Em que consistiu o chamado 'tesouro de Maria Carreira'?

Na antevéspera da quarta aparição, uma camponesa chamada Maria dos Santos ou Maria Carreira*, natural da aldeia de Moita Redonda e peregrina assídua à Cova da Iria, tinha preparado um arco rústico e uma mesinha com flores nas proximidades do local das aparições. Muitos peregrinos que tinha ido à Cova da Iria naquele dia tinham depositado moedas sobre a mesinha, que acabou por ser derrubada durante a confusão que se seguiu à notícia do rapto e escondimento das crianças. A velha senhora recolheu o dinheiro numa bolsa e tentou repassá-lo primeiramente ao Tio marto, depois à Lúcia e até ao prior, sem sucesso em todas estas tentativas. Por fim, guardou o dinheiro em casa mas, preocupada, procurou Lúcia outra vez, pedindo a ela que intercedesse junto a Nossa Senhora sobre o melhor destino a ser dado ao dinheiro arrecadado na Cova da Iria. Lúcia, com efeito, perguntaria isso à Virgem na quarta aparição, ocorrida a 19 de agosto de 1917.

* uma das personagens mais curiosas da história das aparições de Fátima, começou a frequentar a Cova da Iria a partir da aparição de 13 de junho e se tornou a primeira grande entusiasta da preservação do sítio da pequena azinheira, bem como da construção da primeira capelinha no local das aparições, pelo que ficou conhecida como 'Maria Capelinha'.

51. Como se deu a quarta aparição de Nossa Senhora?

Na manhã de 19 de agosto de 1917, um domingo, as crianças tinham ido à missa em Fátima e, depois da missa, seguido até à Cova da Iria, para rezarem o terço com outras pessoas. Retornando a Aljustrel, depois do almoço, Lúcia, Francisco e João (irmão mais velho de Francisco) foram levar o rebanho para pastar nas paragens dos Valinhos. Jacinta não tinha ido porque a mãe não o tinha permitido. Em torno das quatro horas da tarde, Lúcia percebeu claramente a mudança do ambiente e as sensações atípicas que antecediam as aparições de Nossa Senhora. Pediram, então, a João que fosse imediatamente chamar Jacinta, enquanto esperavam ansiosos pelos acontecimentos. Jacinta chegou pouco depois, ofegante da corrida inesperada e cheia de perguntas. Logo em seguida, as crianças perceberam o mesmo relâmpago e a mesma luz brilhante e então viram, mais uma vez, Nossa Senhora pousada sobre uma pequena azinheira situada ali perto, pouco maior que a da Cova da Iria, numa manifestação em tudo similar às aparições anteriores. 



52. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta quarta aparição?

Como nas aparições precedentes, assim que viu Nossa Senhora, Lúcia iniciou o diálogo:

– Que é que Vossemecê me quer?
– Quero que continueis a ir à Cova da Iria no dia 13; que continueis a rezar o terço todos os dias. No último mês, farei o milagre para que todos acreditem.

– Que é que Vossemecê quer que se faça ao dinheiro que o povo deixa na Cova da Iria?
– Façam dois andores: um leva-o tu com a Jacinta e mais duas meninas, vestidas de branco; o outro que o leve o Francisco, com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa Senhora do Rosário, e o que sobrar é para a ajuda de uma capela que hão de mandar fazer.
– Queria pedir-lhe a cura de alguns doentes.
– Sim, curarei alguns durante o ano.

Então, fez uma pausa e, com uma expressão muito séria, recomendou enfaticamente às crianças:

– Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas.

E como de costume, Nossa Senhora começou a elevar-se em direção ao nascente até desaparecer na imensa distância do firmamento [Lúcia, Quarta Memória].

53. O que aconteceu no local após a aparição de Nossa Senhora?

A quarta aparição foi a única que não ocorreu na Cova da Iria, mas em Valinhos, um sítio de propriedade de um dos tios de Lúcia e situada a cerca de 500 m de Aljustrel. As próprias crianças cortaram alguns ramos da azinheira sobre a qual Nossa Senhora lhes tinha aparecido e levaram-nos para casa. Os ramos exalavam um perfume sobrenatural e singularmente suave. A mãe de Lúcia, ao sentir este perfume tão particular, teve um lume de convencimento e, a partir de então, limitou bastante o seu ferrenho descrédito em relação às revelações da filha. 

A pequena azinheira foi protegida inicialmente por um círculo de pedras, mas em pouco tempo foi levada pelos fieis e desapareceu por completo. Em 1956, foi edificado no local um monumento evocativo à quarta aparição, de autoria de Maria Amélia Carvalheira da Silva.  


54. Nossa Senhora não fez nenhuma menção ao rapto das crianças e à não aparição do dia 13 de agosto?

Na transcrição formal do diálogo da quarta aparição feito por Lúcia, em sua Quarta Memória, não há nenhuma referência a estes fatos. Entretanto, durante o interrogatório da vidente sobre a correspondente aparição, feito ao pároco de Fátima, Pe. Manuel Marques Ferreira, em 21 de agosto de 1917, Lúcia assinala, sim, a manifestação de Nossa Senhora sobre a enorme gravidade destes acontecimentos. 

Após ratificar a previsão do milagre para a sua última aparição, como já revelara na aparição anterior, Nossa Senhora faz uma severa admoestação em termos da limitação deste mesmo milagre como consequência dos fatos ocorridos: 'se não tivessem abalado contigo para a Aldeia [Aldeia da Cruz, antigo nome de Vila Nova de Ourém, atualmente Nossa Senhora da Piedade], o milagre seria mais conhecido; havia de vir São José com o Menino Jesus para dar a paz ao mundo e havia de vir Nosso Senhor benzer o povo, vinha Nossa Senhora do Rosário com um anjo de cada lado e Nossa Senhora com um arco de flores à roda'.  

Assim, em função dos desdobramentos dos fatos ocorridos, o milagre prometido na última aparição seria mitigado e 'menos conhecido'. Tal admoestação constitui um claro indício da suma gravidade do pecado cometido naquele dia com os videntes de Fátima.


55. Quais foram as impressões sentidas pelas crianças após essa quarta aparição de Nossa Senhora?

A impressão mais marcante sentida pelas crianças nesta aparição foi o apelo final feito pela Virgem, com semblante compenetrado e sério: 'Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas'. Isto produziu nas crianças um apego ainda maior às penitências e um ardor ainda mais intenso à prática de sacrifícios pela salvação das almas, certamente frutos da santificação delas e fonte de muitas graças dos Céus.

Um episódio desta época que retrata de forma bastante clara estes esforços é o achado de um pedaço de corda grossa e áspera pelas três crianças em uma das estreitas ruas de Aljustrel. Percebendo que a aspereza da corda lhes machucava as mãos, decidiram cortá-la em três pedaços menores e trazê-los amarrados à cintura, quais cilícios improvisados, mesmo durante o sono. Por muitos dias e noites usaram este artifício como instrumento de sacrifício pelas almas, até que Nossa Senhora as recomendou, quando da quinta aparição, que abrissem mão desta penitência, pelo menos durante a noite.

56. Como se deu a quinta aparição de Nossa Senhora?

Na manhã do dia 13 de setembro de 1917, uma enorme multidão se comprimia por todos os caminhos e estradas que interligavam Aljustrel à Fátima e à Cova da Iria, incluindo peregrinos de aldeias próximas e lugares distantes, pessoas doentes, padres e seminaristas, gente do povo e de mais fortuna. As três crianças tiveram grandes dificuldades para fazer o percurso desde Aljustrel até a azinheira das aparições, tantas foram as interrupções durante a caminhada, diante de tanta gente querendo vê-las, falar com elas, fazer-lhes chegar à Nossa Senhora pedidos incessantes de curas e conversões... 

Chegando finalmente ao local das aparições, as três crianças começaram a rezar o terço junto com toda a multidão (estimada em mais de 20.000 pessoas). Perto do meio dia de um dia ensolarado e sem nuvens no céu, o silêncio da Cova da Iria somente era quebrado pelo suave murmúrio da prece comum de uma grande multidão. E, então, as crianças perceberam o mesmo relâmpago e a mesma luz brilhante* das outras vezes e, em seguida, viram Nossa Senhora pousada sobre a pequena azinheira.


* muitas pessoas presentes perceberam claramente o movimento suave de um globo luminoso deslocando-se no espaço, vindo do nascente até o local das aparições (um testemunho formal deste fato foi dado pelo Monsenhor João Quaresma, então vigário geral da diocese de Leiria); muitas outras pessoas, entretanto, não perceberam este evento no local (um deles foi o Cônego Manuel Nunes Formigão, da Catedral de Lisboa e professor do Seminário de Santarém).

57. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta quinta aparição?

A quinta aparição foi a mais breve de todas; assim que as crianças lhe viram, Nossa Senhora disse à Lúcia:

– Continuem a rezar o terço, para alcançarem o fim da guerra. Em outubro virá também Nosso Senhor, Nossa Senhora das Dores e do Carmo, São José com o Menino Jesus, para abençoarem o mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda. Trazei-a só durante o dia.
– Têm-me pedido para lhe pedir muitas coisas; a cura de alguns doentes, de um surdo mudo...
– Sim, alguns curarei, outros não. Em outubro, farei o milagre para que todos acreditem.

E, como das outras aparições, começou a se elevar suavemente até desvanecer-se por completo na distância.

58. Em que consistiram os interrogatórios do Cônego Manuel Nunes Formigão com as crianças?

O Cônego Manuel Nunes Formigão Júnior* estivera presente na Cova da Iria por ocasião da quinta aparição, como enviado do Patriarcado de Lisboa para averiguar a natureza dos acontecimentos que estavam ocorrendo em Fátima e que, então, já haviam se tornado públicos por todo o país. Diante da assertiva da visão do 'globo luminoso' testemunhado por outros sacerdotes presentes à aparição de setembro e da manifesta expectativa de um milagre na aparição seguinte, resolveu investigar mais a fundo os acontecimentos interrogando diretamente os próprios videntes. Neste propósito, em duas ocasiões distintas, 27 de setembro e 11 de outubro de 1917, deslocou-se de Lisboa até Aljustrel, à casa das famílias dos videntes, para interrogá-los diretamente sobre os acontecimentos locais das aparições de Nossa Senhora.


Nasceu em Tomar a 1 de janeiro de 1883. Foi professor do Seminário e do Liceu de Santarém. Em 1922, foi nomeado bispo de Leiria e membro da Comissão Canônica para o estudo dos acontecimentos de Fátima, sendo o autor do Relatório Final destas investigações. Em 1926, fundou a Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora Dores de Fátima. Faleceu, em Fátima, a 30 de janeiro de 1958.

59. Como se deu o primeiro interrogatório* do Cônego Manuel Nunes Formigão com as crianças?

O primeiro interrogatório foi feito aos videntes Lúcia, Francisco e Jacinta e também a Maria Rosa, mãe de Lúcia, em 27 de setembro de 1917: 'Eram três horas da tarde quando me apeei do trem que de Torres Novas me conduzira por Vila Nova de Ourém à humilde povoação... À distância de dois quilômetros da igreja paroquial e do presbitério, num insignificante lugarejo chamado Aljustrel, pertencente à freguesia, ficam situadas perto uma da outra, as modestas habitações das famílias dos videntes' [Doc. 10 - Documentação Crítica de Fátima].


O cônego dirigiu-se primeiro à casa das duas crianças mais novas, mas estas estavam ausentes. Dirigiu-se, então, à casa da Lúcia, que também estava fora, a vindimar numa pequena propriedade de sua família. Alguém se prestou logo a ir chamá-la de ordem da mãe. Neste período, chegaram à casa de Lúcia as duas crianças mais novas, informadas pelos vizinhos da presença do sacerdote. O cônego interrogou primeiro a Francisco e depois a Jacinta e assim descreve as crianças:

'A menina chama-se Jacinta de Jesus, tem sete anos de idade e é filha de Manuel Pedro Marto e de Olímpia de Jesus. Bastante alta para a sua idade, um pouco delgada sem se poder dizer magra, de rosto bem proporcionado, tez morena, modestamente vestida, descendo-lhe a saia até à altura dos artelhos, o seu aspecto é o de uma criança saudável, acusando perfeita normalidade no seu todo físico e moral. Surpreendida com a presença de pessoas estranhas, que me tinham acompanhado e que não esperava encontrar, a princípio mostra um grande embaraço, respondendo, por monossílabos, e num tom de voz quase imperceptível, às perguntas que eu lhe dirijo. O irmão, rapaz de nove anos de idade, entrou com um certo desembaraço no quarto, onde estávamos, conservando o barrete na cabeça, decerto por não se lembrar de que o devia tirar... Convidei-o a sentar-se numa cadeira ao meu lado, obedecendo imediatamente sem nenhuma relutância'. 

Lúcia chegou meia hora depois de terminado o interrogatório de Jacinta de Jesus, e foi interrogada na sequência, sendo descrita pelo sacerdote nos seguintes termos: 'Mais alta e mais nutrida que as outras duas crianças, de tez mais clara, robusta e saudável, apresenta-se diante de mim com um desembaraço que contrasta singularmente com o acanhamento e a timidez excessiva da Jacinta. Singelamente vestida como esta, a sua atitude não denota e o seu rosto não traduz nenhum sentimento de vaidade nem de confusão. Sentando-se, a um aceno meu, numa cadeira, ao meu lado, presta-se da melhor vontade a ser interrogada sobre os acontecimentos de que ela é a principal protagonista, sem embargo de se sentir visivelmente fatigada e abatida, mercê das visitas incessantes que recebe e dos inquéritos repetidos e prolongados a que é submetida'

* a versão completa dos diálogos deste primeiro interrogatório será publicada em postagem independente neste blog.


60. Como se deu o segundo interrogatório* do Cônego Manuel Nunes Formigão com as crianças?

O segundo interrogatório foi aplicado à Lúcia e à sua mãe no dia 11 de outubro de 1917. Outras pessoas foram entrevistadas pelo cônego no sentido de fornecer informações gerais sobre a religiosidade e os costumes das famílias dos videntes: 'Uma charrete me transportou a Vila Nova de Ourém, de onde depois de haver trocado impressões com o Rev. Pároco daquela Vila sobre os acontecimentos que motivavam a minha viagem, segui noutra charrete para a Fátima, onde me apeei às 11 horas da noite, dirigindo-me imediatamente para o lugar de Montelo, a dois quilômetros de distância.•.. No dia seguinte de manhã propus-me ir interrogar novamente os videntes a Aljustrel ... chegado àquele lugar, dirigi-me imediatamente a casa da Lúcia' [Doc. 11 - Documentação Crítica de Fátima].

Nesta altura, o Cônego Formigão já assumia claramente uma posição de firme crença nas aparições de Fátima, a qual já designava como  'a Lourdes ou a La Salette Portuguesa': 'Embora receasse que as crianças fossem vítimas de uma alucinação, hipótese que aliás tudo me fazia repelir, ou que os acontecimentos extraordinários que ali se realizavam fossem provocados pelo espírito das trevas para fins desconhecidos, no meu espírito ia-se radicando cada vez mais a convicção de que a Fátima era o local destinado pela Rainha do Céu, Padroeira de Portugal, para teatro de novos prodígios da sua bondade e misericórdia' [Doc. 11 - Documentação Crítica de Fátima].

 * a versão completa dos diálogos deste segundo interrogatório foi publicada em postagem independente neste blog.

61. Como se deu a sexta aparição de Nossa Senhora?

A Cova da Iria foi invadida por uma imensa multidão naquela manhã do dia 13 de outubro de 1917, movidos pela aparição em si e pela promessa do milagre da Virgem. Cerca de 70 mil pessoas se aglomeravam no local, muitos deles desde a noite anterior, protegidos da chuva incessante por roupas grossas e  botas (como era costumeiro na época, muitas mulheres estavam descalças). As pessoas ficavam praticamente confinadas pelas outras e pelo terreno completamente encharcado e lamacento. 

Por volta das dez horas da manhã, a chuva tornou-se um aguaceiro e um mar de guarda-chuvas pretos se esparramou pela charneca de Fátima. Por volta do meio dia, a chuva tornara-se mais fina e irregular e o povo agora rezava em silêncio. Um arco rústico, ladeado por um arranjo retangular de pedras arrumadas e com uma pequena abertura frontal, havia sido montado diante da pequena azinheira, a esta altura praticamente reduzida ao seu tronco central e enfeitada por flores e fitas por Maria da Capelinha. 


Lúcia foi acompanhada pela mãe que temia de fato pela vida da filha. Os pais de Francisco e Jacinta também se colocaram junto à azinheira. Passou o meio dia. Uma certa apreensão começou a tomar conta dos mais próximos às três crianças. Mas, então, olhando para o nascente, Lúcia vislumbrou o relâmpago e se pôs de joelhos, pedindo a Jacinta que fizesse o mesmo. Em seguida, viram Nossa Senhora, envolvida numa torrente de luz, pairando sobre as grinaldas de flores que ornavam a pequena azinheira.

62. Como foi o diálogo de Lúcia com Nossa Senhora nesta sexta aparição?

Com os olhos fixados na Virgem, Lúcia deu início ao diálogo da sexta aparição:

– Que é que Vossemecê me quer?
– Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o Terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para as suas casas.
– Eu tenho muitas coisas para Lhe pedir: a cura de uns doentes e a conversão de alguns pecadores... 
– Uns sim, outros não. É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados. 

E tomando um aspecto singularmente triste, continuou: 

– Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido!
– Não quer mais nada de mim?
– Não quero mais nada.
– E eu também não quero mais nada.

Nossa Senhora abriu então as mãos e se elevou numa torrente de luz tão intensa, que parecia espargir pelo firmamento e empalidecer a própria luz solar. Em êxtase, as crianças viram Nossa Senhora desaparecer em meio a um turbilhão de luz.

(reconstituição ilustrativa da aparição)

63. Quais foram as visões de Lúcia ao final da sexta aparição?

Foram três as visões de Lúcia, em quadros sucessivos que se desvaneciam em sequência: 

(i) Visão da Sagrada Família: São José e o Menino Jesus em seus braços faziam gestos com as mãos em forma de cruz, como que abençoando o mundo; ao lado deles, Nossa Senhora estava vestida de branco e coberta com um manto azul (como Nossa Senhora do Rosário);

(ii) Visão de Jesus e Nossa Senhora: Jesus Cristo, como o Divino Redentor, vestido de vermelho e a abençoar o Mundo, junto a Nossa Senhora, vestida de roxo como Nossa Senhora das Dores; 

(iii) Visão de Nossa Senhora: Nossa Senhora como Nossa Senhora do Carmo.

Somente a primeira destas visões foi compartilhada pelos demais videntes. Ninguém da multidão foi testemunha de quaisquer destas visões. 

64. Quais foram os eventos que se seguiram então na Cova da Iria?

Ao final da aparição, no lado oposto do céu, as nuvens pesadas abriram-se de repente e o sol apareceu radiante. A multidão reunida na Cova da Iria, volvendo-se para trás, foi testemunha, então, de uma série extraordinária de fenômenos  que ficou conhecida como 'o milagre do sol', que podem ser assim sintetizados:

(i) o sol tinha a forma de um disco luminoso, com a borda claramente delineada por uma faixa luminosa e podia ser visado diretamente por longo tempo, sem cegar ou ofuscar a visão das pessoas;

(ii) o sol pareceu dançar no firmamento, passando a girar aceleradamente sobre o seu eixo para, em seguida, interromper e recomeçar outras vezes esse movimento vertiginoso; 


(iii) o sol começou a irradiar luzes diferentes e cambiantes, que foram disseminadas e refletidas sobre todo o ambiente da Cova da Iria (sobre as pessoas, a paisagem, os montes e as árvores);

(iv) ao final dos eventos, o sol pareceu precipitar-se sobre a terra num movimento apocalíptico que produziu nas pessoas um enorme temor e uma impressão geral de 'fim do mundo'; interrompendo esse processo de arremetida em ziguezague, o sol retornou então à sua posição natural e passou a ser visto na sua conformação original e ofuscante à visão direta;

(v) os mesmos fenômenos foram vistos por inúmeras outras pessoas, muitas delas a quilômetros de distância da Cova da Iria.

(fotografia publicada pelo jornal  L'Osservatore Romano em 1951)

65. Como foi publicada à época a reportagem mais famosa do 'milagre do sol'?

A reportagem à época mais famosa dos extraordinários acontecimentos ocorridos em Fátima em 13 de outubro de 1917 foi feita pelo jornalista Avelino Almeida*, testemunha ocular dos acontecimentos, e publicada no dia 15/10/1917 pelo jornal 'O Século' de Lisboa. 

*  nasceu em Sintra em 10 de novembro de 1873 e faleceu em Lisboa em 2 de de agosto de 1932.

O texto descrevia o ambiente local, a chuva torrencial, a grande multidão e o chamado 'milagre do sol'. A manchete principal e os respectivos subtítulos da reportagem eram os seguintes:

COISAS ESPANTOSAS! COMO O SOL BAILOU AO MEIO DIA EM FÁTIMA

As aparições da Virgem – Em que consistiu o sinal do céu – Muitos milhares de pessoas afirmam ter-se produzido um milagre – A guerra e a paz


Seguia-se então uma fotografia com os três videntes e o texto extenso, do qual são destacados os seguintes excertos relativos ao chamado 'milagre do sol':

... 'A manifestação miraculosa, o sinal visível anunciado está prestes a produzir-se – asseguram muitos romeiros... E assiste-se então a um espetáculo único e inacreditável para quem não foi testemunha dele. Do cimo da estrada, onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas de pessoas, a quem escasseou valor para se meter à terra barrenta, vê-se toda a imensa multidão voltar-se para o sol, que se mostra liberto de nuvens, no zênite. 

O astro lembra uma placa de prata fosca e é possível fitar-lhe o disco sem o mínimo esforço. Não queima, não cega. Dir-se-ia estar-se realizando um eclipse. Mas eis que um alarido colossal se levanta, e aos espetadores que se encontram mais perto se ouve gritar: – 'Milagre, milagre! Maravilha, maravilha!' Aos olhos deslumbrados daquele povo, cuja atitude nos transporta aos tempos bíblicos e que, pálido de assombro, com a cabeça descoberta, encara o azul, o sol tremeu, o sol teve nunca vistos movimentos bruscos fora de todas as leis cósmicas – o sol 'bailou', segundo a típica expressão dos camponeses...

... 'E, a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o que viram. O maior número confessa que viu a tremura, o bailado do sol; outros, porém, declaram ter visto o rosto risonho da própria Virgem, juram que o sol girou sobre si mesmo como uma roda de fogo de artifício, que ele baixou quase a ponto de queimar a terra com os seus raios... Há quem diga que o viu mudar sucessivamente de cor...'

Um relato adicional pormenorizado dos eventos feito pelo mesmo jornalista, mas complementado por um grande número de fotografias da multidão presente na Cova da Iria, foi publicado posteriormente pela revista 'Illustração Portugueza', na sua edição de 29 de outubro de 1917, sob o título 'O Milagre de Fátima'.


66. Qual era a realidade das mensagens de Fátima ao final do ano de 1917?

Após a última aparição ocorrida em 13 de outubro de 1917 e o chamado 'milagre do sol', a Cova da Iria nunca mais foi a mesma; a toda hora chegavam peregrinos e Fátima não tinha uma infraestrutura adequada para acessos, nem para alimentação e nem para hospedagem de tanta gente, problemas que iriam perdurar por vários anos após as aparições. Para os três pastorinhos, a vida da rotina anterior passara a ser impossível, tantas e tantas eram as manifestações para vê-los e para interrogá-los. Francisco e Jacinta, entretanto, já se preparavam para o sacrifício iminente, ao passo que Lúcia estava sendo moldada para ser a testemunha final dos grandes eventos de Fátima.

(peregrinação a Fátima, em 13 de outubro de 1926)

Em termos gerais, a opinião pública portuguesa estava profundamente mobilizada em relação aos eventos ocorridos em Fátima que eram, então, praticamente desconhecidos fora de Portugal. No entanto, essa mobilização era fruto direto do testemunho público e da ampla divulgação pela imprensa do chamado 'milagre do sol' porque as mensagens de Nossa Senhora, tão difundidas e repetidas atualmente em todo o mundo, eram totalmente desconhecidas à época, protegidas sob o selo do que ficou conhecido mundialmente depois como 'Segredo de Fátima'.

Com efeito, depois da primeira Aparição de Nossa Senhora, as três crianças prometeram entre si guardarem, sob escondimento completo, o teor das revelações marianas; a princípio provavelmente por receio humano e, mais tarde, movidos por um sentimento de obediência a um desígnio de natureza divina [Irmã Lúcia, Primeira Memória]. Esta intuição das crianças de guardarem segredo sobre as revelações de Nossa Senhora foi confirmada posteriormente pela própria Virgem, na aparição de 13 de julho, quando, após lhes ter revelado a primeira e a segunda parte do Segredo, lhes exortou enfaticamente: 'Isto não o digais a ninguém'. Assim, ao final de 1917 e nas décadas seguintes [as duas primeiras partes do Segredo somente foram formalmente reveladas publicamente por Lúcia em 1941, quando da publicação de sua Terceira e Quarta Memórias], a 'mensagem de Fátima' estava essencialmente restrita a um apelo urgente de Nossa senhora à humanidade por oração e penitência.

67. Qual foi a posição da Igreja após as aparições de Fátima?

De uma maneira geral, a posição da Igreja Católica em Portugal foi de silêncio, respeito e prudência. De um lado, os fatos extraordinários da aparição de 13 de outubro foram notórios e registrados por testemunhas bastante idôneas, inclusive muitos sacerdotes; por outro lado, o clero português estava bastante ciente dos riscos e perigos de novas sanções e perseguições por parte de um governo francamente hostil, maçônico e anti-católico. Certamente a segunda condição impôs uma norma de controle mais efetiva e praticamente geral (muitos sacerdotes desaconselhavam explicitamente as manifestações então favoráveis às mensagens de Fátima) que pouco foi alterada mesmo quando, em fevereiro de 1918, o presidente Sidónio Pais suspendeu muitas das leis anti-católicas estabelecidas pela chamada Lei de Separação entre as Igrejas e o Estado, o que suscitou reações diversas por parte da maçonaria e de grupos republicanos históricos (o presidente foi assassinado pouco depois, em dezembro de 1918). 

Em termos locais, em janeiro de 1918, apenas três meses depois da última aparição, a Santa Sé restabeleceu, após 60 anos, a Diocese de Leiria, à qual pertencia a aldeia de Fátima. O Reverendo José Alves Correia da Silva (1872 - 1957) foi nomeado bispo e tomou posse da sua Sé Episcopal em 5 de agosto de 1920. Apesar desse posicionamento inicial da Igreja de Portugal, contido e distante, e mesmo sem uma aprovação eclesiástica oficial, as peregrinações e romarias a Fátima começaram a se impor naturalmente pelo povo católico português, e em magnitude crescente nos anos seguintes. 

Em 3 de maio de 1922, um novo e importante marco se estabelece na história das aparições de Fátima D. José Alves Correia da Silva, bispo de Leiria, publica a 'Provisão sobre os acontecimentos da Fátima', em que faz uma reflexão sobre os milagres de Cristo, resume os acontecimentos ocorridos em Fátima nos últimos anos, salientando a enorme adesão popular apesar das perseguições das autoridades civis e do alheamento das autoridades religiosas e nomeia uma Comissão Especial, designando os seus vários membros*, com a missão de 'estudar este caso, e organizar o processo segundo as leis canônicas'.

* Rev. João Quaresma, Vigário Geral da Diocese; Rev. Faustino José Jacinto Ferreira, Prior do Olival e Vigário da Vara de Ourém; Rev. Dr. Manuel Marques dos Santos, Professor do Seminário; Rev. Dr. Joaquim Coelho Pereira, Prior da Batalha; Rev. Dr. Manuel Nunes Formigão Júnior, Professor do Seminário Patriarcal com autorização de S. Em.cia.; Rev. Joaquim Ferreira Gonçalves das Neves, Prior de Santa Catarina da Serra; Rev. Agostinho Marques Ferreira, Pároco da Fátima.

D0000155
D. José Alves Correia da Silva (bispo de Leiria entre 1920 e 1957)

68. Qual foi a posição do governo português logo após as aparições de Fátima?

A posição de antagonismo e franca hostilidade do governo português às aparições de Fátima foi claramente expressa desde a época das próprias aparições, com o lamentável episódio de sequestro dos três videntes durante a aparição prevista para o dia 13 de agosto de 1917, perpetrada pelo então administrador do Concelho de Ourém (ao qual Fátima era integrante), Artur de Oliveira Santos, inimigo ferrenho da Igreja Católica e presidente da Loja Maçônica de Ourém. As manifestações contrárias recrudesceram violentamente após o 'milagre do sol', inicialmente com séries de matérias tendenciosas e escarnecedoras sobre os eventos de Fátima pela mídia maçônica, depois com inúmeras tentativas de inibir e esvaziar as peregrinações à Cova da Iria, sem muitos resultados concretos. Estas atitudes de hostilidade declarada culminaram com o atentado à capelinha originalmente construída no local das aparições, em 1922.

69. Como foi construída a capelinha original das aparições?

Particularmente a partir da antevéspera da quarta aparição, uma camponesa chamada Maria dos Santos ou 'Maria da Capelinha', natural da aldeia de Moita Redonda e peregrina assídua à Cova da Iria, tinha recolhido os valores doados por inúmeros peregrinos quando de suas idas à Cova da Iria [ver Fato 50]. Além da preservação do sítio da pequena azinheira, cuidou zelosamente pela construção da primeira capelinha no local das aparições, tal como pedido por Nossa Senhora [ver Fato 52]:

– Que é que Vossemecê quer que se faça ao dinheiro que o povo deixa na Cova da Iria?
– Façam dois andores: um leva-o tu com a Jacinta e mais duas meninas, vestidas de branco; o outro que o leve o Francisco, com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa Senhora do Rosário, e o que sobrar é para a ajuda de uma capela que hão de mandar fazer.

Com efeito, pela intervenção assídua e perseverante da Maria da Capelinha e após muitos percalços e dificuldades, o pai de Lúcia doou o terreno da Cova da Iria e uma capelinha foi construída no local das aparições, em pouco mais de um mês. A igrejinha modesta ficou concluída em 15 de junho de 1919 e foi executada pelo pedreiro Joaquim Barbeiro de Santa Catarina da Serra, e ficou conhecida por Capelinha das Aparições. 


A imagem de Nossa Senhora de Fátima (foto abaixo), feita segundo as orientações da irmã Lúcia, foi oferecida por Gilberto Fernandes dos Santos, feita em madeira de cedro do Brasil, medindo 1,10 m de altura, tendo sido benzida no dia 13 de maio de 1920 na Igreja Paroquial de Fátima, e passando a ocupar o lugar na Capelinha das Aparições a 13 de junho do mesmo ano.


70. Em que consistiu o atentado à capelinha original das aparições?

Em função dos boatos frequentes de atentados e tentativas de roubo, a imagem de Nossa Senhora era retirada toda noite do nicho da capela e guardada na casa de Maria da Capelinha. Esses cuidados mostraram-se bastante razoáveis pois, em 6 de março de 1922, a capelinha foi destruída por explosivos, o que resultou num grande buraco do telhado, embora nem todos os artefatos colocados tenham sido detonados. De maneira similar, uma outra bomba que havia sido colocada junto à azinheira das aparições não chegou a explodir. 


Estes eventos contribuíram apenas para aumentar ainda mais o fervor dos peregrinos e a magnitude das romarias à Cova da Iria, bem como crescentes protestos contra o governo. Por motivos de precaução, o Bispo de Leiria proibiu a reconstrução da capela. Neste contexto, a capelinha foi simplesmente recoberta por um telheiro improvisado, tornando-se então o centro do culto às aparições e mensagens de Fátima. Somente em 13 de maio de 1928, seria feito o lançamento e a bênção da pedra fundamental que daria origem ao Santuário de Fátima.


71. Qual foi o fator primordial da santificação de Francisco Marto?

O ponto central da espiritualidade do Francisco Marto foi o sentido de reparação, a compreensão intuitiva de que a prática do bem pode consolar os pecados cometidos contra Deus. Os pastorinhos receberam de Deus uma luz extraordinária sobre o mistério do pecado e o castigo eterno do inferno; eles viram as almas que se condenam, e foram convidados a rezar e a fazer penitência reparadora. Esta visão marcou-os profundamente; daí por diante a sua grande preocupação era a visão do inferno, não por medo pessoal de lá caírem, mas por caridade para com os muitos incautos que ofendem a Deus e se condenam. 


Francisco foi ainda mais longe: todo o seu empenho passou a ser primariamente destinado a consolar Nosso Senhor. Este carisma da graça o absorveu por completo no pouco tempo de vida que lhe restou após as aparições da Virgem. Francisco Marto tinha apenas 10 anos de idade quando se afastou da rotina do mundo e passou a viver fazendo oração e penitência pela salvação dos pecadores, por causa das almas que ofendem a Deus, sentindo-se especialmente atraído pelo amor divino e na entrega completa e definitiva à sua missão na terra: esta foi a missão de Francisco, o Consolador: consolar Nosso Senhor dos nossos pecados!

72. Como e quando ocorreu a morte de Francisco?

Nossa Senhora havia prometido que levaria Francisco e Jacinta 'em breve' para o Céu [Segunda Aparição]. Assim, quando Francisco ficou doente em outubro de 1918, vítima da epidemia da gripe pneumônica que assolava Portugal inteiro, teve certeza de que Nossa Senhora estava a cumprir fielmente a sua promessa e, longe de se penalizar, enfrentou com nobreza e mortificação completa a enfermidade que foi longa e penosa.

(quarto onde faleceu Francisco Marto)

O quadro clínico da doença avançou rapidamente para um estágio grave de broncopneumonia, que fez o pequeno jazer prostrado por longo tempo na cama. Pela época do Natal e da passagem do Ano Novo, apresentou uma sensível melhora apenas para, em seguida, cair novamente doente, condição esta que então se agravou continuamente até a sua morte, ocorrida no dia 04 de abril de 1919, por volta das dez horas da noite. No dia anterior, havia recebido a comunhão por deferimento especial do Padre Manuel Bento Moreira, pároco de Fátima, uma vez que ainda não tinha feito a Primeira Comunhão. E, nesta ocasião, vai revelar à Lúcia um testamento de graças: 'hoje sou mais feliz que tu, porque tenho dentro do meu peito Jesus escondido'.

Foi sepultado no cemitério de Fátima, em campa rasa e num funeral sem quaisquer pompas, com o seu terço entre as mãos. Em 17 de fevereiro de 1952, seus restos mortais foram exumados e reconhecidos pelo pai pelo terço que colocara em suas mãos e posteriormente transladados para a o transepto direito da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em 13 de março de 1952. A lápide contém a seguinte inscrição: 'Francisco Marto, a quem Nossa Senhora apareceu'.

(túmulo de Francisco Marto)

73. Quais foram os fatores primordiais da santificação de Jacinta Marto?

Os fatores essenciais da espiritualidade de Jacinta Marto eram a compaixão, especialmente pelos que sofriam e pelos que viviam afastados de Deus, e um amor extremado a Jesus e Maria, que a levou a se impor, mesmo criança, como uma cópia fiel das virtudes da Virgem Santíssima. Mais que os outros videntes, ela ficou profundamente impressionada pela visão do inferno e pelo mistério da eternidade e, desde então, estabeleceu uma senda de sacrifícios e mortificações pela conversão dos pecadores.


No enfrentamento de sua dolorosa doença, manteve inabalável estas crenças e esse propósito de santificação plena, numa atitude de fortaleza e perseverança extremas, marcadas pela paciência, aceitação compassiva de suas dores e pela alegria de servir-se delas para a conversão dos pecadores. Esse conhecimento íntimo da noção do pecado como ofensa ao Senhor e a necessidade imperiosa de salvação das almas são os postulados fundamentais da espiritualidade elevada de Jacinta, de quem a própria Lúcia escreveu: 'Jacinta era também aquela a quem, me parece, a Santíssima Virgem deu a maior plenitude de graças, conhecimento de Deus e da virtude. Ela parecia refletir em tudo a presença de Deus'.

74. Como e quando ocorreu a morte de Jacinta?

Jacinta adoeceu no mesmo período que Francisco, cerca de um ano depois das aparições da Cova da Iria. Depois de um longo tempo aparentemente estagnada, a doença evoluíra para uma pneumonia bronquial e depois para um abcesso nos pulmões, efeitos que lhe causaram muito sofrimento. Em julho de 1919, foi transferida para um hospital de Ourém, retornando a Aljustrel em agosto, bastante magra e debilitada. Novamente em Fátima, tal como Francisco, pareceu ter uma melhora súbita para, em seguida, recair na gravidade da doença. Teve visões particulares de Nossa Senhora nesta ápoca, a última delas em dezembro de 1919, que revelou a Lúcia as palavras ditas pela Virgem nos seguintes termos: 'Disse-me que vou para Lisboa, para outro hospital... que, depois de sofrer muito, morro sozinha, mas que não tenha medo que Ela vai lá me buscar para o Céu.' Isso era algo praticamente inimaginável pois os Marto de Aljustrel estavam longe de ter os recursos necessários para viabilizar o tratamento longo e demorado da filha em um hospital de Lisboa.


(quarto onde ficou doente Jacinta Marto)

Contudo, foi exatamente isso que ocorreu por iniciativa do Cônego Manuel Formigão, com o auxílio financeiro do Dr. Eurico Lisboa, do Barão de Alvaiázere e de outras pessoas abastadas da capital. A menina  foi acolhida temporariamente no Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres (atual Mosteiro do Imaculado Coração de Maria, junto ao Jardim da Estrela), o qual foi fundado e dirigido pela Madre Maria da Purificação Godinho. Constatada a gravidade do caso (Jacinta padecia de pleurisia, inflamação avançada das membranas pulmonares), foi transferida para o Hospital de Dona Estefânia em 2 de fevereiro de 1920, para se submeter à delicada cirurgia de drenagem do pus e das inflamações, apenas com anestesia local, sob coordenação do Dr. Castro Freire, sem sucesso. Padeceu dores violentas nos dias subsequentes e, sob uma nova visão da Virgem que lhe anunciou a morte iminente, pediu e recebeu os sacramentos da confissão do Padre Pereira dos Reis, da Igreja dos Anjos, que lhe prometeu trazer a comunhão na manhã seguinte. Mas não houve tempo pois naquela mesma noite, em torno das 10:30h, Jacinta faleceu.


(Dr. Eurico Lisboa e enfermeiras Leonor da Assunção e Aurora Gomes que cuidaram de Jacinta)

Coberta com um vestido branco e um manto azul, como as cores de Nossa Senhora, o sepultamento foi previsto inicialmente para Lisboa, ficando o corpo disponível para visitação pública para um enorme contingente de pessoas entre os dias 21 até a manhã de 24 de fevereiro, onde todos testemunharam o odor agradável exalado do corpo, mesmo após três dias de sua morte. Com a intervenção do Barão de Alvaiázere, que ofereceu um jazigo de sua propriedade em Vila Nova de Ourém, o local do sepultamento foi alterado para aquele local, sendo realizado em 24 de fevereiro de 1920. Em 12 de setembro de 1935, os seus restos mortais foram trasladados para o cemitério de Fátima, data em que a urna foi aberta e revelado o seu rosto incorrupto. Em 01 de maio de 1951, os restos mortais de Jacinta foram depositados no transepto esquerdo da Basílica de Nossa Senhora do Rosário em Fátima.

(rosto incorrupto e túmulo de Jacinta, ao lado do túmulo de Lúcia)

75. Como e quando se deram os processos de canonização de Francisco e Jacinta Marto?

Embora a fama de santidade dos dois pastorinhos fosse reconhecida por muitos logo após as suas mortes, somente muitos anos depois, com a descoberta do corpo incorrupto de Jacinta em setembro de 1935 e a posterior publicação das chamadas 'Memórias de Lúcia', tornou-se possível estabelecer a dimensão da fé heroica dos videntes de Fátima e dar início aos pedidos para investigação da santidade das duas crianças. 

Os processos de canonização de Francisco e Jacinta Marto foram introduzidos pelo Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, em 1952, sendo nomeado Postulador o Cônego João Pereira Venâncio em ambos os processos. Os processos foram concluídos em 2 de julho de 1979 e em 3 de agosto de 1979, para a Jacinta e Francisco respectivamente. Como o Cônego João Pereira Venâncio fora nomeado bispo em 1954 e assumira a Diocese de Leiria em 1958, ele nomeou para novo Postulador das Causas dos dois pastorinhos o sacerdote húngaro Luís Kondor, que ocupará esta função desde 1960 até 2009, ano do seu falecimento.

Em 1979, os processos foram encaminhados à Roma e, depois de um longo debate sobre a possibilidade da espiritualidade de uma criança alcançar maturidade de fé – já que, até então, apenas se canonizara crianças cristãs martirizadas – a Congregação para a Causa dos Santos emite um parecer sobre a 'idoneidade dos adolescentes para o exercício heroico das virtudes e do martírio', no qual se mostra favorável à possibilidade da canonização de crianças no uso da razão. Com esse parecer favorável, as Positio sobre as virtudes do Francisco e da Jacinta foram redigidas e apresentadas à Congregação para a Causa dos Santos em 1988. A 13 de Maio de 1989, o Santo Padre João Paulo II decretou solenemente a Heroicidade de Virtudes dos Servos de Deus Francisco e Jacinta Marto, concedendo-lhes o título de Veneráveis.

A 22 de junho de 1999, foi aprovado um milagre de cura pela intercessão de Francisco e de Jacinta, abrindo-se, assim, o caminho da beatificação de ambos por meio de um único processo que culminou com a beatificação dos videntes em Fátima, em 13 de maio de 2000, ano jubilar, pelo Papa João Paulo II. Com a confirmação de um segundo milagre em março de 1917, considerado como resultado da intercessão direta dos videntes de Fátima e que envolveu a cura inexplicável de uma criança brasileira vítima de grave acidente com traumatismo crânio-encefálico (evento ocorrido em 2013), cumpriu-se a exigência complementar para a canonização das duas crianças, evento que ocorreu finalmente na data do centenário das aparições, em 13 de maio de 2017.

(missa da canonização dos videntes em 13/05/2017)

Francisco e Jacinta Marto foram canonizados numa missa presidida pelo Papa Francisco, em Fátima, com o recinto do santuário tomado por uma multidão de fiéis. A canonização teve lugar logo no início da missa. O bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, começou por fazer ao papa a petição nos seguintes termos:  'inscreva os beatos Francisco Marto e Jacinta Marto no catálogo dos santos e, como tais, sejam invocados por todos os cristãos'. Em seguida, D. António Marto apresentou uma biografia sucinta de cada um dos novos santos. 

Seguiu-se a litania dos santos, em que a Igreja pede a intercessão de uma longa lista de santos e santas e a leitura, pelo papa, da fórmula tradicional de canonização:  'Para honra da Santa e Indivisível Trindade, para exaltação da fé católica e incremento da vida cristã, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e nossa, depois de termos longamente refletido, implorado várias vezes o auxílio divino e ouvido o parecer de muitos irmãos nossos no Episcopado, declaramos e definimos como santos os beatos Francisco Marto e Jacinta Marto e inscrevemo-los no Catálogo dos Santos, estabelecendo que, em toda a Igreja, sejam devotamente honrados entre os santos. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo'. Eram 10h26 do dia 13/05/2017 quando Francisco e Jacinta foram declarados os santos não-mártires mais jovens da Igreja Católica.


As imagens oficiais dos dois santos são da pintora Sílvia Patrício e são baseadas em fotografias das crianças feitas em 1917, incluindo-se cores às vestes da época e atributos adicionais como o terço nas mãos, a candeia e os detalhes nas auréolas em formato de peças de ourivesaria; na de Francisco, aparecem a silhueta do Anjo de Fátima e as espécies eucarísticas; na de Jacinta, as figuras do Papa e da Virgem Maria, representada pelo seu Imaculado Coração.

76. Qual foi a missão específica destinada a Lúcia dos Santos?

A missão imposta particularmente à Lúcia, por Nossa Senhora em Fátima, foi a difusão da devoção ao Imaculado Coração de Maria, expressa claramente durante a Segunda Aparição da Virgem, no diálogo com a vidente:

– Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu.
– Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração.
– Fico cá sozinha? – perguntei, com pena.
– Não, filha. E tu sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.

Ao sublinhar a missão dada à Lúcia, pelo que ficaria na terra 'mais algum tempo', Nossa Senhora assegura que esta missão seria sempre acompanhada por ela e que seria por esta via de santificação que Lúcia herdaria a eternidade de Deus.

Essa missão tem dimensão mundial e impõe, portanto, alcançar todos os povos e todos os lugares da terra, ou seja, à humanidade inteira, como explicitado por Nossa Senhora na Terceira Aparição:

– Vistes o inferno para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.


77. Lúcia cumpriu a missão que Nossa Senhora lhe destinou?

A resposta é obviamente sim, não apenas porque Nossa Senhora já lhe havia previsto que isso aconteceria, por uma intervenção direta da própria Mãe de Deus – 'Eu nunca te deixarei' – mas também porque, cem anos depois, é fácil constatar que os eventos de Fátima são reconhecidos mundialmente, que as mensagens de Fátima estão presentes no cotidiano das pessoas em todo o mundo, que multidões de peregrinos invocam Nossa Senhora em Fátima todos os dias, todos os anos e que os papas e a Igreja desde então foram sistematicamente impelidos a falar, a manifestar e a divulgar as mensagens de Fátima para o mundo inteiro. 

78. Como Lúcia cumpriu essa missão de difusão mundial se viveu praticamente em clausura toda a sua vida?

Em primeiro lugar, seria humanamente inviável a realidade atual de Fátima se tal divulgação fosse feita exclusivamente pela ação humana, ainda que Lúcia fosse uma popstar. Se tal divulgação dependesse de arrastar multidões e ser patrocinada por uma personagem de retórica excepcional, Lúcia não teria sido a vidente de Fátima. Nossa Senhora foi buscar na miséria humana de Aljustrel a serva gentil e obediente para fazer ecoar por ela as trombetas da glória divina e, tal como uma pequena anunciação, Lúcia definiu também o seu 'sim' aos desígnios da graça (Primeira Aparição):

- Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?
Sim, queremos.
Ide, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.

Ao sim de Lúcia, impôs-se a missão de Lúcia, tangida não pelas reverberações do mundo, mas moldada pelo sofrimento – 'Ide, pois, ter muito que sofrer' – e, mais que isso, Nossa Senhora vislumbrou à vidente que o cumprimento dessa missão passaria pelo ostracismo, penitência e oração. Se Lúcia não ganharia o Céu de imediato, também não teria mais o mundo. Com efeito, ao perder em breve os primos tão queridos, estava como que perdendo definitivamente qualquer apego às coisas do mundo e sua vida daí em diante, sempre na obscuridade e completa reclusão, foi consequência disso. Neste escondimento e anonimato, entretanto, nunca esteve realmente sozinha, pois Nossa Senhora sempre a amparou – O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus. Com uma vida inteiramente dedicada à oração, penitências e sacrifícios, Lúcia cumpriu a sua missão, não como fonte irradiadora da luz divina, mas como espelho débil e generoso de que se valeu Nossa Senhora para nele refletir os portentosos desígnios da Providência divina.


79. Por que Nossa Senhora pediu em Fátima a Consagração ao seu Imaculado Coração?

Porque Deus quis que assim fosse, como instrumento propício aos seus desígnios para salvação dos pecadores e obtenção da paz para toda a humanidade: – 'Vistes o inferno para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz'. Consagração e reparação que são devidas ao Coração de Maria, como medianeira das graças divinas e como que antecipam o triunfo definitivo da Mãe de Deus: – 'Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará' (Terceira Aparição).

A devoção ao Imaculado Coração de Maria remonta aos primórdios da Igreja, às raízes mais profundas nas Sagradas Escrituras: 'Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração ' (Lc 2,19) ou 'Em seguida, desceu com eles a Nazaré e lhes era submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração' (Lc 2,51). Guardava, meditava, amava como nenhum outro coração humano jamais foi capaz de amar Jesus. O Coração de Maria é plenitude de graças, é o refúgio seguro, o caminho mais suave e direto para se chegar ao Coração de Jesus. E Deus, Bondade Infinita, nos deu a conhecer em Fátima – e quis que esse conhecimento fosse um legado aos homens do mundo inteiro  – as sublimes graças e privilégios extraordinários que ornam o Imaculado Coração de Maria. 

Essa admirável condição de Nossa Senhora pode ser bem compreendida pelas palavras da Bula Ineffabilis Deus de Pio IX: 'Deus tão admiravelmente a cumulou, muito acima dos espíritos angélicos e de todos os santos da abundância dos carismas celestiais extraídos dos tesouros de Sua Divindade, que a fez possuidora de uma plenitude de inocência e santidade qual não existe abaixo de Deus e que só o próprio Deus pode compreender'.

(Papa Pio IX)

80. Quais são os princípios comuns que associam as devoções ao Imaculado Coração de Maria e ao Sagrado Coração de Jesus?

Há uma íntima e profunda associação entre ambas as devoções, que se conformam numa unidade singular, baseada em três princípios absolutamente similares: o espírito de reparação, a prática da consagração e a certeza do triunfo da Graça. 


Em Paray-le-Monial, Santa Margarida Maria Alacoque, modelo de devoção ao Sagrado Coração, teve sua vida marcada pelas práticas reparadoras. Esse culto de reparação está tão presente na devoção ao Sagrado Coração de Jesus que, naquela ocasião, Jesus pediu a Hora Santa Reparadora das Quintas-feiras, a Comunhão Reparadora na Sexta-feira após a Oitava do Santíssimo Sacramento e instituiu a prática das nove Primeiras Sextas-feiras. 

Em Fátima, esse espírito de reparação é expressamente colocado aos pastorinhos logo na Primeira Aparição:

Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?
- Sim, queremos.
- Ide, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.

Numa acepção estritamente vinculada às devoções prévias de reparação dadas por Nosso Senhor, Nossa Senhora pediu às crianças e ao mundo a Comunhão Reparadora dos Cinco Primeiros Sábados.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é expressa primordialmente por um Ato de Consagração pessoal ou pelas famílias, comunidades, povos, nações (como o pedido para a consagração particular da França ao Sagrado Coração de Jesus, feito ao rei Luís XIV em 1689, que não foi cumprido) e até por todo o gênero humano, como proclamado na encíclica Annum Sacrum do papa Leão XIII, em 1899. Em Fátima, tal proposição se repete igualmente: a consagração pessoal, das famílias e das nações ao Imaculado Coração de Maria, com ênfase agora na consagração da Rússia, pedido este que também não foi atendido integralmente.

O triunfo final da Graça é o terceiro elemento comum e focal das duas devoções. Em Paray-le-Monial, Nosso Senhor afirmou a Santa Margarida Maria: 'Não temas nada; vencerei apesar de meus inimigos e de todos os que se opuserem a esta devoção'. A mesma assertiva categórica permeia as revelações de Nossa Senhora em Fátima: 'Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará'.

81. Como se deu a saída de Lúcia de Aljustrel?

Dom José Alves Correia da Silva, então bispo de Leiria, em reunião realizada com Lúcia e a sua mãe em 13 de junho de 1921, convidou a menina a sair de Aljustrel e se transferir para a cidade do Porto, para estudar no Colégio das Irmãs Doroteias. A solicitação encontrou grande acolhida tanto pela menina como pela sua mãe, tanto pela oportunidade de estudo oferecida como pela possibilidade concreta de se isolar a vidente da enorme exposição às caravanas cada vez mais numerosas de romeiros que chegavam a Fátima. 

Dois pedidos lhe fez o bispo, que ela atendeu prontamente: não dizer a ninguém para onde estava indo e, no colégio, não dizer a ninguém que era a vidente de Fátima e nem falar sobre as aparições. Quatro dias depois, em 17 de junho de 1921, Lúcia dos Santos deixou Aljustrel em direção à Leiria, onde tomou o trem para a cidade do Porto. Estava com 14 anos, era e tinha feições de uma camponesa rude, com sobrancelhas espessas e lábios grossos, tímida e com um certo ar de alheamento, o que não a tornava uma pessoa particularmente carismática. 


82. Como foi a vida de Lúcia no Colégio de Santa Doroteia?

Lúcia passou cerca de quatro anos no Asilo do Vilar, como era conhecido o Asilo das Irmãs de Santa Doroteia, no Vilar, subúrbio do Porto. No completo escondimento do mundo e no anonimato de suas colegas, viveu lá desde o primeiro momento como 'Maria das Dores', procedente de 'perto de Lisboa'. Ali dedicou-se à rotina intensa de uma aluna interna de um colégio de freiras: estudos, missa matinal, trabalhos manuais, oração. Ali se dedicou às atividades de costura, bordado, datilografia, serviços de cozinha e no refeitório, limpeza e passeios pelos jardins. Ali entrou como uma camponesa rude e saiu como uma moça prendada e de boas maneiras. Ali se entregou à oração, à consagração a Nossa Senhora e à generosa missão de servir a todos. Depois de cinco anos, estava pronta para assumir em definitivo a sua vocação como religiosa. Inicialmente, pensou ingressar na Ordem do Carmelo, mas a madre superiora a instigou a ser religiosa na própria instituição das Irmãs de Santa Doroteia, o que aceitou prontamente sendo, então, aceita como postulante no Convento de Tuy, em Pontevedra / Espanha, perto da fronteira com Portugal.

83. Como foi a vida de Lúcia no Convento de Tuy?

Lúcia ingressou no Convento de Tuy em 1925 e, em novembro do ano seguinte, tornou-se noviça. Em 3 de novembro de 1928, fez os primeiros votos como irmã leiga e, somente seis anos mais tarde, em 3 de outubro de 1934, pronunciou os votos perpétuos que a tornaram Irmã Maria Lúcia das Dores das Irmãs de Santa Doroteia. A mãe e duas irmãs, a quem não via então há anos, vieram de Aljustrel para assistir a cerimônia. Em Tuy, a Irmã Maria Lúcia das Dores vai permanecer até 1946, vivendo uma vida de clausura e de oração, sem quaisquer privilégios ou liberdades, como qualquer outra religiosa conventual. Retornou a Portugal em 1946 e, em março de 1948, depois de receber uma autorização especial do papa para se libertar de seus votos perpétuos, entrou no convento carmelita de Santa Teresa em Coimbra, onde viveu até a sua morte.

(Convento das Doroteias em Tuy e Carmelo de Coimbra)

84. Como e por que Lúcia escreveu as suas Memórias?

Desde 1922, o bispo de Leiria Dom José Alves Correia da Silva criara a Comissão Especial para estudar os eventos de Fátima, os quais considerava, cada vez com maior ênfase e reconhecimento, como autênticos, tanto que presidiu os eventos comemorativos das aparições já em 1927. Em 1930, fez reconhecer oficialmente a devoção e o culto a Nossa Senhora de Fátima pela provisão 'A Divina Providência' e, no ano seguinte, realizou a consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria, com a adesão de todo o episcopado português. 

A revelação do rosto incorrupto de Jacinta, quando da  transladação dos seus restos mortais de Ourém para Fátima em setembro de 1935, foi o fato que deu origem às chamadas  'Memórias da Irmã Lúcia', escritos registrados pela vidente com caligrafia singular em vários cadernos pautados comuns. 


Com efeito, nesta ocasião, Dom José enviou algumas fotos para Lúcia em Pontevedra. Agradecendo o gesto do bispo, Lúcia lhe remete uma carta que inclui algumas recordações da prima. Estas observações deram ensejo ao que o bispo a intimasse a escrever, então, tudo o mais que ela pudesse recordar de Jacinta, o que deu origem à chamada 'Primeira Memória'. A Primeira Memória foi escrita em dezembro de 1935 e constitui basicamente uma transcrição geral das recordações de Lúcia sobre fatos e palavras de sua prima Jacinta Marto. A partir do conhecimento e da divulgação deste primeiro texto, ficou claro que Lúcia poderia dar um testemunho muito mais completo e abrangente dos extraordinários eventos de Fátima ocorridos em 1917 e, neste propósito, foi instada pelo bispo a escrever mais detalhadamente sobre estes fatos.


A Segunda Memória foi escrita na forma de um documento de 38 folhas, escritas em frente e verso, em apenas 14 dias, entre 7 e 21 de novembro de 1937 e que gerou muitas expectativas e rediscussões sobre os eventos ocorridos. Isto porque  nesta Memória, os temas foram surpreendentes: as aparições do Anjo da Paz, o relato das graças extraordinárias na sua primeira comunhão, as aparições do Coração Imaculado de Maria em junho de 1917 e muitas outras circunstâncias que eram absolutamente inéditas até então. 

(Jacinta do Pe. José Galamba de Oliveira: edição de 1938, 90p. e edição de 1943, 220p.)

Em 26 de julho de 1941, o Bispo de Leiria escreve a Lúcia anunciando-lhe que o Pe. José Galamba de Oliveira (considerado hoje um dos escritores mais importantes da história de Fátima) estava escrevendo uma nova edição do livro sobre Jacinta e pede, então, que ela registre tudo o mais que possa lembrar sobre a prima, de modo a ser incluído no livro. O texto de resposta de Lúcia deu origem à chamada Terceira Memória, escrita quase que integralmente em agosto de 1941 e que incorpora muitos detalhes adicionais sobre a vida de Jacinta (objetivo preliminar do texto), mas que inclui também a extraordinária revelação das duas primeiras partes do Segredo, incluindo a edição de um capítulo sobre o inferno e de outro capítulo dedicado ao Imaculado Coração de Maria. Estas novas revelações indicaram a necessidade urgente de um relato muito mais completo e mais detalhado de Lúcia sobre os eventos ocorridos em Fátima em 1917, o que veio a constituir o texto da chamada Quarta Memória.

A Quarta Memória constitui o documento mais extenso de todos e foi escrita, sempre na estrita obediência às solicitações do Bispo de Leiria, para responder a um contingente de quesitos muito mais abrangente: recordações de Lúcia sobre Francisco, tal como pedido previamente para Jacinta; mais recordações de Jacinta; as aparições do Anjo da Paz; um relato completo das aparições de Nossa Senhora e ainda questões diversas. Com notável esforço e limpidez admirável, Lúcia trata de todas essas questões no longo texto, compilado em dois cadernos que foram enviados ao bispo em 25 de novembro e em 8 de dezembro de 1941. A única parte explicitamente não revelada nesta Memória trata da terceira parte do Segredo.


85. Como foram os anos finais de Lúcia no Carmelo de Coimbra?

Mais de duas décadas depois da estadia na Espanha, em 24 de março de 1948, Lúcia ingressou no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, tomando então o nome de Irmã Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, fazendo os votos perpétuos em 31 de maio de 1949. No Carmelo de Coimbra entrou com a idade de 40 anos, após a reestruturação das ordens religiosas, tendo ajudado na recuperação de toda a estrutura local, que teve de ser adaptada por se tratar previamente de um quartel. Ali, em clausura quase que absoluta, viveu os mais de 50 anos finais da sua longa vida.


No Carmelo de Coimbra, viveu como uma mulher adulta e consciente, que cumpria rigorosamente as funções do convento, como qualquer uma das outras religiosas. Como atividade adicional e bem distinta das demais religiosas. Lúcia escrevia (e recebia) cartas para o mundo inteiro (este acervo é estimado atualmente em 11.000 cartas). Sabia ler espanhol e italiano e as cartas em outras línguas lhe eram previamente traduzidas. Visitas só eram possíveis mediante autorização expressa por parte do Vaticano. Durante todo este período em Coimbra, somente voltou a Fátima por ocasião de quatro visitas papais, a última delas para participar da cerimônia de beatificação de seus primos Francisco e Jacinta, realizada pelo Papa João Paulo II em 13 de maio de 2000. Nos últimos anos, com a saúde muito debilitada, ficou praticamente reclusa e, depois, prostrada na cama. Morreu em 13 de fevereiro de 2005, aos 97 anos de idade.  


86. A quem foi dirigida e em que consiste a devoção reparadora dos Primeiros Sábados pedida por Nossa Senhora?

A devoção reparadora dos Primeiros Sábados (associada diretamente à recitação do Rosário) foi um pedido de Nossa Senhora dirigido a todos os católicos do mundo, como tributo de oração e devoção para a salvação das almas e para a obtenção da paz do mundo. 

Nesse pedido, Nossa Senhora ratificava a prática piedosa de considerar o sábado como dia consagrado especialmente à Santíssima Virgem desde provavelmente os primeiros séculos da Igreja (fato concreto é que tal devoção já era praticada pelas Confrarias do Rosário, na forma de uma consagração especial a Nossa Senhora durante quinze sábados consecutivos, e que tal devoção já constava expressamente no missal romano de São Pio V, de 1570). Em 10 de julho de 1905, o papa São Pio X indulgenciou pela primeira vez esta devoção nos seguintes termos:

'Todos os fiéis que, no primeiro sábado ou primeiro domingo de doze meses consecutivos, consagrarem algum tempo com a oração vocal ou mental em honra da Virgem Imaculada em sua Conceição ganham, cada um desses dias, uma indulgência plenária. – condições: confissão, comunhão e oração nas intenções do soberano pontífice'.

Exatamente 5 anos (exatos!) antes da aparição e do pedido de Nossa Senhora, em 13 de junho de 1912, o papa São Pio X concedia novas indulgências à devoção dos primeiros sábados do mês, enfatizando a intenção reparadora inerente a esta devoção:

'A fim de promover a devoção dos fiéis para a gloriosa e imaculada Mãe de Deus, e para favorecer o piedoso desejo de reparação dos fiéis diante das blasfêmias execráveis proferidas contra o seu augusto nome e as celestes prerrogativas desta mesma bem-aventurada Virgem, Pio X, papa pela divina Providência, dignou-se conceder uma indulgência plenária, aplicável às almas dos defuntos, no primeiro sábado de cada mês, por todos aqueles que, nesse dia, se confessarem, comungarem, cumprirem exercícios particulares de devoção em honra da bem-aventurada Virgem Maria, em espírito de reparação como indicado acima e rezarem nas intenções do soberano pontífice' (Acta Apostolicae Sedis 4, 1912).

São Pio X (1835 - 1914)

Assim, o pedido de Nossa Senhora consolida, reforça e fomenta a ampliação de uma das mais belas práticas de devoção mariana já enraizada na mais pura tradição católica e no acervo litúrgico da Santa Igreja.

87. Quais foram os termos, as condições e as promessas inerentes à devoção reparadora dos Primeiros Sábados feita por Nossa Senhora?

Os termos e as condições inerentes à devoção reparadora dos Primeiros Sábados pedida por Nossa Senhora foram detalhados por Nossa Senhora, em aparição ocorrida na noite de 10 de dezembro de 1925, quando Lúcia, então postulante na casa doroteana em Pontevedra/Espanha, encontrava-se sozinha na sua cela após o jantar. Na aparição, Nossa Senhora trazia numa das mãos um coração cravado de espinhos e tinha, ao seu lado, o Menino Jesus suspenso sobre uma nuvem luminosa, que falou inicialmente:

'Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe que está coberto de espinhos, que os homens ingratos a todos os momentos lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar'.

Em seguida, Nossa Senhora disse a Lúcia:

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no Primeiro Sábado, se confessarem, receberem a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos quinze Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação destas almas'.



Constata-se, portanto, ser Lúcia a depositária expressa da divulgação mundial desta devoção. Com efeito, em 15 de fevereiro de 1926, ocorreu uma nova aparição do Menino Jesus. Ele perguntou então à Lúcia se ela já tinha difundido a devoção à sua Santíssima Mãe. A Irmã Lúcia apresentou a dificuldade que algumas almas tinham de se confessar ao sábado, e pediu para ser válida a confissão de oito dias. Eis a resposta de Jesus: 'Sim, pode ser de muitas [maneiras] mais ainda, contanto que, quando Me receberem, estejam em graça, e que tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria'.

Quando a Irmã Lúcia perguntou mais tarde a Nosso Senhor (na noite do dia 29 para 30 de maio de 1930) a razão da devoção abranger Cinco Primeiros Sábados, Ele respondeu:

'Minha filha, o motivo é simples: são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria:
  • contra a Imaculada Conceição;
  • contra a Sua Virgindade;
  • contra a Maternidade Divina, recusando, ao mesmo tempo, recebê-La como Mãe dos homens;
  • contra os que procuram publicamente infundir, nos corações das crianças, a indiferença, o desprezo, e até o ódio para com esta Imaculada Mãe;
  • contra os que A ultrajam diretamente nas Suas sagradas imagens.
A intenção primária da devoção é estas ações de reparação dos pecados que ultrajam e blasfemam contra a Mãe de Deus, atestado pelas palavras de Jesus a Lúcia após elencar as cinco espécies de ofensas a serem reparadas: 

'Eis, minha filha, porque motivo o Imaculado Coração de Maria me inspirou para pedir esta pequena reparação e em consideração a ela, comover minha misericórdia para perdoar as almas que tiveram a infelicidade de ofendê-lo. Quanto a ti, procure sem cessar, por tuas orações e teus sacrifícios, comover minha misericórdia em relação às pobres almas'.

Em revelação adicional, em carta da irmã Lúcia dirigida ao bispo titular de Gurza, de 27 de maio de 1943, a vidente enfatiza as promessas do poder e da eficácia sobrenatural da devoção aos Santíssimos Corações de Jesus e Maria:

Os Santíssimos Corações de Jesus e Maria amam e desejam este culto [para com o Coração de Maria] porque dele se servem para atrair todas as almas a eles e isto é tudo o que desejam: salvar as almas, muitas almas, todas as almas. Nosso Senhor me dizia, há alguns dias: 'Desejo ardentemente a propagação do culto e da devoção ao Coração de Maria porque este Coração é o ímã que atrai as almas para mim, a fornalha que irradia na terra os raios de minha luz e de meu amor, fonte inesgotável de onde brota na terra a água viva de minha misericórdia'.


88. O pedido de Nossa Senhora quanto à devoção reparadora dos Primeiros Sábados foi atendido pelos homens?

Parcialmente, sim, mas certamente muito aquém do tesouro inesgotável de graças propostas pelos Céus para 'salvar as almas, muitas almas, todas as almas'. Com efeito, a devoção já consistia de prática comum pela Igreja há muito tempo, porém sem os frutos abundantes de salvação prescritos. O diálogo (locução interior) entre a Irmã Lúcia e o Menino Jesus, em 5 de fevereiro de 1926, nos dá a dimensão deste descompasso:

–  Meu confessor dizia em sua carta que esta devoção não fazia falta ao mundo porque já havia muitas almas que vos recebia todo primeiro sábado, em honra de Nossa Senhora e dos quinze mistérios do rosário.

– É verdade, minha filha, que muitas almas começam, mas poucas vão até o fim; e aquelas que perseveram, não fazem para receber as graças que estão prometidas. As almas que fazem os cinco primeiros sábados com fervor e com o fim de reparar o Coração de tua Mãe do Céu me agradam mais do que aquelas que fazem quinze, sem ardor e indiferentes.

Eis, portanto, as premissas necessárias da devoção: um profundo fervor, humildade e firme propósito de reparação contra os pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria. Estas premissas e os termos da devoção são praticados por almas reparadoras no mundo inteiro. Mas seriam tantas para apagarem as inúmeras blasfêmias, os sacrilégios e as nefandas injúrias contra a dignidade, as honras e os privilégios da Santíssima Virgem? Não são estes pecados tão disseminados, tão incentivados e tão explorados nos nossos tristes tempos em nome do ecumenismo, do respeito humano e do ódio a Igreja de Cristo? E, tragicamente, muitos deles não são cometidos pelos próprios católicos e até mesmo por certos setores da Igreja Católica?


89. A quem foi dirigida e como deveria ser realizada a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria?

Ao contrário da devoção anterior, o pedido do ato de consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria foi dirigido explicitamente às autoridades hierárquicas da Igreja (papa e bispos). Os termos e as condições inerentes ao pedido da consagração da Rússia foram expostos por Nossa Senhora em uma nova aparição a Lúcia no Convento de Tuy, ocorrida em 13 de junho de 1929:

'É chegado o momento em que Deus pede ao Santo Padre fazer, em união com todos os bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio. São tantas as almas que a Justiça de Deus condena por pecados contra Mim cometidos, que venho pedir reparação; sacrifica-te por esta intenção e ora'.

Ou seja, o ato de consagração se inclui na mesma medida de reparação da devoção dos Primeiros Sábados e deveria compreender três princípios indissociáveis:
  • a consagração deve ser feita expressamente em nome da Rússia (e não genericamente em nome do mundo inteiro);
  • a consagração deve ser conduzida pelo Santo Padre;
  • a consagração deve ser feita em conjunto com todos os bispos do mundo.
Em carta dirigida ao seu diretor espiritual, datada de 18 de maio de 1936, Lúcia revelou que havia perguntado recentemente a Nosso Senhor (por locução interior) porque Ele mesmo não fazia esta consagração independentemente da vontade da Igreja, ao que Jesus lhe havia respondido:

'Porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Imaculado Coração de Maria, para depois estender o seu culto e para por, ao lado da devoção do meu Divino Coração, a devoção deste Imaculado Coração'.

Insistindo, Lúcia havia argumentado que o Santo Padre não daria crédito aos seus apelos se não fosse movido por uma inspiração especial dos Céus, ao que Jesus respondeu:

'O Santo Padre! Ora muito pelo Santo Padre! Ele há de fazê-la, mas será tarde*! No entanto, o Imaculado Coração de Maria há de salvar a Rússia, pois esta lhe está confiada.

* em outra carta da vidente, datada de 19 de agosto de 1931, Lúcia esclarece que o termo revelado foi 'tarde' e não 'muito tarde' porque 'nunca será tarde demais para recorrer a Jesus e a Maria'.

90. O pedido de Nossa Senhora quanto à consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração foi atendido pela Igreja Católica?

Considerando as condições exigidas em conjunto, a resposta é infelizmente NÃO. Todas as tentativas levadas a cabo nesse sentido nos últimos 88 anos (1929 - 2018) por diferentes pontífices foram parciais ou incompletas e não cumpriram todas as exigências impostas. É um paradoxo estranho e singular que Aquela que abriu com seu Fiat sem vacilações o caminho da salvação humana não tenha recebido um Fiat generoso da Igreja à última e extraordinária graça de salvação oferecida por Ela a toda a humanidade. Muito ao contrário.

A síntese abaixo apresenta o histórico dos eventos relativos ao não cumprimento dessa manifestação da Senhora de Fátima para os diferentes mandatos pontifícios no período 1929 - 2018:

⁜ Pio XI (1922 - 1939):  não foi feita nenhuma tentativa de consagração da Rússia;

⁜ Pio XII (1920 - 1958): em 31 de outubro de 1942, em mensagem via rádio, o Papa Pio XII realizou a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, renovando-a em 8 de dezembro de 1942, sem fazer uma menção explícita à Rússia. 

A natureza incompleta desta consagração foi exposta pela própria Lúcia, em carta dirigida ao bispo de Gurza, em 28 de fevereiro de 1943: 'O Bom Deus tinha-me mostrado já o seu contentamento pelo ato, ainda que incompleto, segundo o seu desejo, do Santo Padre e de vários bispos. Em troca, promete acabar breve a guerra. A conversão da Rússia não será já'.


(Leitura do ato de consagração do Papa Pio XII realizado em 31 de outubro de 1942) 


Em maio de 1952, Nossa Senhora ratificava a condição parcial desta consagração à Irmã Lúcia: 'Faz saber ao Santo Padre que Eu ainda estou à espera da Consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração. Sem a Consagração da Rússia, a Rússia não poderá converter-se e o mundo não terá paz'.

Pio XII escreveu então a carta apostólica Sacro Vergente Anno, em que ele consagra e, de forma especial, confia todos os povos da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Nomeou-se a Rússia no texto, mas não se realizou nenhuma cerimônia pública e solene, nem houve a conclamação dos bispos do mundo inteiro para que se unissem ao ato.

⁜ João XXIII (1958 - 1963): não foi feita nenhuma tentativa de consagração da Rússia;

⁜ Paulo VI (1963 - 1978): não foi feita nenhuma tentativa de consagração da Rússia;

⁜ João Paulo I (1978 - 1978): não foi feita nenhuma tentativa de consagração da Rússia;

⁜ João Paulo II (1978 -  2005): em 7 de junho de 1981, o papa João Paulo II realiza em Roma um ato de consagração de 'toda a família humana' à 'Mãe dos Homens e dos Povos'; este ato seria ratificado em Fátima posteriormente, em 13 de maio de 1982 e, evidentemente, não cumpriram os pressupostos do pedido feito por Nossa Senhora. 

Em Roma, em 25 de março de 1984, diante de 250.000 pessoas e tendo solicitado expressamente aos bispos do mundo inteiro que compartilhassem o ato, João Paulo II oferece e consagra o mundo à 'Mãe dos Homens e dos Povos', mas também não faz nenhuma menção específica à Rússia.

⁜ Bento XVI (2005 -  2013): não foi feita nenhuma tentativa de consagração da Rússia;

⁜ Francisco (2013 - ): não foi feita nenhuma tentativa de consagração da Rússia até o momento.

Conclui-se, portanto, que o ato de consagração ainda não foi feito como pedido por Nossa Senhora em Fátima e, apesar de algumas assertivas deste fato alegadamente expressas pela própria Irmã Lúcia, é muito fácil demonstrar o contrário. Com efeito, como consequências imediatas do ato de consagração, Nossa Senhora havia prometido a conversão da Rússia, um tempo de paz para o mundo e a salvação de muitas almas. Nenhuma destas promessas é efetivamente corroborada pelos fatos e pelos tristes tempos em que vivemos. Mas, há uma certeza absoluta e definitiva de que o Imaculado Coração de Maria há de prevalecer no final e que 'nunca será tarde demais para recorrer a Jesus e a Maria'. 


91. O que se entende e como foi escrito o chamado Terceiro Segredo de Fátima?

O chamado Terceiro Segredo é de fato a terceira e última parte do segredo profético que foi revelado por Nossa Senhora, de forma conjunta e sequencial, às três crianças videntes na aparição de 13 de julho de 1917. As duas primeiras partes do Segredo - a perda eterna das almas / visão do inferno e a previsão de castigos universais / difusão mundial da doutrina comunista pela Rússia foram reveladas publicamente pelos textos da Terceira Memória e, pouco depois, pela Quarta Memória da Irmã Lúcia, ambos publicados em 1941. A única parte explicitamente não revelada nestas Memórias trata exatamente da terceira parte do Segredo*. 

* Na Quarta Memória, de 8 de Dezembro de 1941, a Irmã Lúcia escreveu: '... Excetuando a parte do segredo que por agora não me é permitido revelar, direi tudo; advertidamente não deixarei nada. Suponho que poderão esquecer-me apenas alguns pequenos detalhes de mínima importância'.

Em setembro de 1943, a Irmã Lúcia (então com 36 anos) encontrava-se muito doente no Convento de Tuy e o Bispo de Leiria, Dom José Alves Correia da Silva, temendo pela sua morte, deu-lhe recomendações para escrever o Terceiro Segredo, que foram ratificadas a seguir por uma ordem formal. Ainda que obediente a esta disposição, a Irmã Lúcia não conseguiu passar para o papel a revelação do Terceiro Segredo, mesmo até o final do ano. Ela só o conseguiria fazer quando isso lhe foi confiado pela própria Virgem Maria, em nova aparição, ocorrida em 3 de janeiro de 1944. Em 9 de janeiro de 1944, a vidente escreveu ao bispo comunicando-lhe que finalmente atendera o pedido feito e que agora o Terceiro Segredo estava revelado por escrito.

(Irmã Lúcia com o Bispo de Leiria, Dom José Alves Correia da Silva)

Lúcia escreveu o Terceiro Segredo em uma única página de papel, num texto com cerca de 25 linhas e margens de 7,5 milímetros de cada lado, que foi inserida sem dobras num envelope posteriormente lacrado*, o qual foi enviado a Dom José Alves Correia da Silva somente em 17 de junho de 1944 por meio de portador autorizado (Dom Manuel Maria Ferreira da Silva, então bispo de Gurza). Quando Dom José Alves recusou-se a abrir a carta, Lúcia insistiu com ele pela promessa de que a carta seria efetivamente aberta e divulgada publicamente após a morte da vidente ou em 1960, na hipótese dos dois fatos que ocorresse primeiro**. O envelope permaneceu guardado na Diocese de Leiria durante vários anos. Em 1 de março de 1957, foi encaminhado à Nunciatura de Portugal e, em 16 de abril de 1957, foi finalmente transferido para o Vaticano e guardado em um cofre, nos próprios aposentos do papa.

* depoimento dado por Dom João Pereira Venâncio, à época Bispo Auxiliar de Leiria, ao direcionar o envelope lacrado contra a luz de uma lâmpada, pouco antes de enviar o documento à Nunciatura de Portugal: 'remeti a carta à Nunciatura às 12 horas de 1 de Março de 1957. A carta maior corresponde à medida do envelope exterior, com a data de 8-12-1945 (14,5 x 22 cm). A segunda carta corresponde ao que foi visto no interior em contraluz (12 x 18 cm). A carta – que podia ser vista também em transparência – é de formato um pouco menor, a 7,5 mm da parte superior e o lado direito. Nos outros lados, adapta-se à medida do envelope exterior [logo o formato da carta é 11,25 cm x 17,25 cm]. O envelope exterior tinha detrás o sinete de Mons. José em lacre vermelho. À transparência não se via nada do seu interior, mas sentia-se que estava lacrado nos quatro ângulos'.

** depoimento dado pelo Cônego Galamba, amigo e conselheiro do Bispo de Leiria, Dom José Alves Correia da Silva.

92. Por que o Terceiro Segredo deveria ser revelado publicamente apenas em 1960?

Esta pergunta foi feita à Irmã Lúcia por diferentes pessoas e a sua resposta foi sempre a mesma: 'porque então o Segredo tornar-se-ia mais claro para todos'. Ou seja, antes desta data, os termos do Segredo não seriam suficientemente claros e plenamente compreendidos ou, de outra forma, a partir de 1960, pela intervenção especial de alguma circunstância, evento ou acontecimento característico, a interpretação do texto profético tenderia a se tornar de muito mais fácil percepção e projeção. Assim, uma das mais intrigantes questões relativas ao Terceiro Segredo de Fátima é exatamente esta: antes de 1960, a sua revelação seria pouco efetiva para o bem da Igreja e do mundo, porque lhe faltaria uma conexão singular com alguma coisa que só seria de conhecimento público generalizado em 1960.

Pelo caráter interativo e indissociável do Segredo de Fátima como uma única e completa revelação extraordinária dos Céus, interligada por três partes distintas, há muito já se podia inferir a natureza da terceira parte do Segredo num contexto de uma profunda crise de fé e de difusão de uma apostasia universal, capazes de comprometer gravemente os fundamentos da cristandade e da própria civilização cristã (Questão 35).

Mas existe uma comprovação muito mais efetiva neste sentido, oriunda das próprias revelações conhecidas e constante do texto da Quarta Memória escrita pela Irmã Lúcia. Com efeito, na sequência imediata dos textos relativos às revelações do Primeiro e Segundo Segredo, a Irmã Lúcia acrescentou uma única frase: 'Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé etc'. É de consenso geral que esta frase solta introduz a terceira parte do Segredo e que o termo etc engloba as palavras restantes que compõem o Terceiro Segredo. Ora a frase é uma promessa contundente de que a verdadeira fé seria conservada em Portugal e, neste contexto, é uma clara admoestação de que isto certamente não iria ocorrer em outros lugares e países que viveram o triunfo da cristandade no mundo (A Europa Católica? As Américas? Mais provavelmente, o mundo inteiro).

Assim, 1960 representa uma data referencial para esta crise de fé universal, tão crítica e tão tremenda que é capaz de abalar os fundamentos da Igreja; caso contrário, não implicaria os eventos de Fátima e tão decisiva intervenção da Providência Divina na história da humanidade. Nos termos propostos pela Virgem, a mensagem profética deveria ser objeto de revelação pública em 1960 e não a partir de 1960. Tal fato pressupõe que o seu conhecimento nesta data era de fundamental importância para o bem da Igreja e do mundo no sentido de uma plena compreensão (e consequente tomada de posição) contra fatos, circunstâncias ou eventos que tenderiam a ser particularmente graves e deletérios para a Santa Igreja e para toda a humanidade.

Que fato, circunstância ou evento, ocorrido logo após 1960, mas que já seria de conhecimento prévio nesta data, atuou ou contribuiu de forma decisiva para fomentar a perda da fé cristã, uma apostasia universal e uma crise sem precedentes da Igreja? A resposta parece bastante óbvia em recair sobre o Concílio Vaticano II, concílio ecumênico convocado pelo Papa João XXIII em 25 de dezembro de 1961, inaugurado em 11 de outubro de 1962 e concluído pelo seu sucessor, o Papa Paulo VI, em 8 de dezembro de 1965. O concílio que introduziu a Missa Nova na Igreja. No discurso na abertura solene do CV II, ao fazer alusão sobre a origem de sua proposição, assim se expressou o Papa João XXIII:

'No que diz respeito à iniciativa do grande acontecimento que agora se realiza, baste, a simples título de documentação histórica, reafirmar o nosso testemunho humilde e pessoal do primeiro e imprevisto florescer no nosso coração e nos nossos lábios da simples palavra 'Concílio Ecumênico'. Palavra pronunciada diante do Sacro Colégio dos Cardeais naquele faustíssimo dia 25 de janeiro de 1959, festa da Conversão de São Paulo, na sua Basílica. Foi algo de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos olhos e no coração. E, ao mesmo tempo, um fervor, um grande fervor que se despertou, de repente, em todo o mundo, na expectativa da celebração do Concílio'.

(Missa de Abertura do Concílio Vaticano II rezada pelo Papa João XXIII)

O Papa João XXIII proclamava neste evento que tivera uma singular inspiração especial para anunciar subitamente um novo concílio ecumênico em 25 de janeiro de 1959, diante do Sacro Colégio de Cardeais, a mais alta hierarquia da Igreja. Uma proposta que demandou a partir de então mais de 1000 dias ou quase três longos anos de preparação antes da sua convocação formal (ou 3 anos e 8 meses até a sua solene inauguração). Um período que teve 1960 no meio do tempo, mas que não teve a mensagem de Fátima no meio do caminho. Um pequeno detalhe complementar: foi exatamente em um dia 25 de janeiro (25/01/1938) que uma luz desconhecida iluminou os céus da Europa, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, tal como predita por Nossa Senhora de Fátima como um sinal de que Deus iria punir o mundo com os eventos que haviam sido revelados na segunda parte do segredo, uma vez que os homens continuavam obstinados no pecado. Seria tal fato uma mera coincidência dos Céus?

93. Como e qual foi o texto do Terceiro Segredo revelado publicamente pelo Vaticano no ano 2000?

Em 13 de maio de 2000, o Papa João Paulo II, em visita a Fátima para a beatificação dos dois videntes Francisco e Jacinta Marto, anunciou então a iminente publicação do Terceiro Segredo de Fátima pelo Vaticano. Em 26 de junho de 2000, o Vaticano publicou o texto do Terceiro Segredo, constante de uma folha dobrada ao meio e escrita nos seus quatro lados [cerca de 62 linhas], junto a uma série de outros documentos anexos: um texto de apresentação escrito pelo Monsemhor (depois Cardeal) Tarcisio Bertone, então secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, uma carta do Papa João Paulo II dirigida à Irmã Lúcia, a transcrição de uma conversa mantida entre a Irmã Lúcia e o Cardeal Bertone em 27 de abril de 2000, o discurso pronunciado em Fátima pelo Cardeal Ângelo Sodano (então secretário de estado do Papa João Paulo II) e um comentário teológico do texto do Terceiro Segredo, pelo Cardeal Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.



O texto revelado nesta oportunidade foi o seguinte:

[J.M.J. 

A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima. 

'Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe. 

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus'. 
Tuy-3-1-1944]

Folha com o texto do Terceiro Segredo, nas mãos do Monsenhor (depois Cardeal) Bertone

94. O texto revelado do Terceiro Segredo pelo Vaticano em 2000 é autêntico?

As controvérsias em relação ao texto revelado do Terceiro Segredo pelo Vaticano em 2000 são enormes. O próprio processo da sua publicação é estranho e algo desconexo, sendo o texto profético, tão ansiosamente aguardado, anexado em meio a um calhamaço de 34 páginas de documentos de todo tipo. Há questões de incongruência e contestações de toda ordem: em relação à natureza dos envelopes que guardavam a carta de Lúcia, sobre o formato da própria carta (uma folha de papel agora com 62 linhas), a projeção forçada da figura do 'Bispo vestido de branco' e as referências desconexas do seu martírio com o atentado praticado contra o Papa João Paulo II em 13 de maio de 1981, as afirmações repetidas e reiteradas dos cardeais Bertone e Sodano de que o Terceiro Segredo nada tinha a ver com a apostasia ligada ao Concílio II, nem com a Missa Nova ou com os papas conciliares e que o mesmo constituiria basicamente um registro de acontecimentos do passado, sem projeções para a história futura a qualquer tempo, etc.

Entretanto, as maiores digressões entre a versão autêntica e a versão oficial do Terceiro Segredo estão evidentemente expostas pelo próprio texto publicado, independentemente de quaisquer outras análises e considerações, pelas seguintes razões principais:

(i) não há no texto oficial do Terceiro Segredo, nada que justifique ou corrobore a proposição incisiva de Nossa Senhora para a sua publicação somente em 1960 (nada!);

(ii) a frase da Irmã Lúcia: 'Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé etc', que o consenso estabelece não como sendo apenas uma frase solta mas a frase inicial da transcrição da terceira parte do Segredo simplesmente inexiste no texto apresentado;

(iii) A 'didática' adotada por Nossa Senhora nas revelações do Segredo de Fátima desaparece na exposição da terceira parte do Segredo; nas outras duas partes, os textos são claramente expostos e há sempre uma primeira fase que compreende uma visão ou aviso de um sinal (o 'mar de fogo'; 'a noite alumiada por uma luz desconhecida') e uma segunda fase que incorpora a interpretação da visão ou do sinal (a descrição do inferno e o advento de grandes castigos para a humanidade); no texto publicado, o texto é algo obscuro e a visão em si passa a assumir o contexto geral e abrangente de toda a mensagem.

(iv) nas revelações do Primeiro e do Segundo Segredo, a intervenção final de Nossa Senhora é sempre no sentido de que existe uma saída, um remédio, uma graça dos Céus para a superação do mal e para um tempo de conversão e de paz ('a devoção ao Meu Imaculado Coração' ...'e terão paz no Primeiro Segredo; 'a consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração e a Comunhão Reparadora dos Primeiros Sábados' ... 'e terão paz', novamente no Segundo Segredo); no texto publicado, não há menção sequer às palavras de Nossa Senhora.

(v) a mensagem faz uma clara alusão a um período especialmente crítico para a Igreja (a subida da 'montanha escabrosa' e a imagem dos dois anjos recolhendo o sangue dos mártires são bastante enfáticas neste sentido), mas não incorpora quaisquer conjecturas sobre as origens da profunda crise de fé e da apostasia universal, que seriam capazes de comprometer gravemente os fundamentos da cristandade e da própria civilização cristã.

Há uma outra variante bastante realista a considerar: a hipótese de que o texto publicado pelo Vaticano em 2000 tenha sido apenas parcial, e conteria, então, apenas a parte relativa à visão do Terceiro Segredo, sendo, portanto, incompleto, pois faltaria a segunda parte da mensagem incluindo a interpretação da visão, as palavras de Nossa Senhora e sua intervenção final. Mas tudo isso abrigaria também mais uma enorme interrogação: por que motivo uma tal manipulação?

95. Por que é razoável interpretar o segredo de Fátima em termos muito mais tormentosos e críticos do que o texto revelado em 2000?

É um princípio divino que a intervenção direta de Deus na história humana é precedida por numerosos sinais, variados e de amplitude universal. Neste contexto, pode-se afirmar que, quanto mais importante for a intervenção, maiores e mais abundantes deverão ser os sinais premonitórios e, principalmente, maior a expressão em Deus daquele pelo qual se faz o anúncio prévio desta intervenção. A vinda do Messias exigiu uma longa e cuidadosa preparação, permeando séculos de anunciação pelos profetas do Antigo Testamento. Em outros períodos críticos da história humana, gigantes como Santo Agostinho, São Vicente Ferrer ou São Luís Maria Grignion de Montfort foram arautos privilegiados das mensagens de Deus aos homens. 

Em Fátima, o arauto de Deus não foi um grande profeta, nem um santo e nem mesmo um anjo, mas a própria Mãe de Deus. Este fato, Nossa Senhora como Profetiza da intervenção do Pai na história contemporânea, constitui o drama e a bem-aventurança dos tempos que vivemos: drama porque sendo a Mãe de Deus a prenunciadora da ação divina, é de se esperar fatos e intervenções de uma gravidade sem paralelo na história da humanidade; bem-aventurança porque Ela não somente revela que o seu Imaculado Coração Triunfará como nos dá todos os meios para a nossa salvação e co-participação no triunfo do seu Imaculado Coração.


Toda e qualquer mensagem das aparições de Maria nos tempos atuais estão inseridas num contexto único e universal de preparação e salvação dos homens dos tempos finais. Com efeito,  as manifestações da Mãe de Deus, particularmente no nosso século, reforçam, esclarecem e complementam verdades  pré-anunciadas nos Evangelhos. Em inúmeras ocasiões, a Mãe de Deus tem reiterado a gravidade dos tempos em que vivemos e anunciado serem estes tempos os tempos finais. As mensagens bíblicas dos tempos finais (Apocalipse, Evangelhos, Segunda Carta aos Tessalonicences, Livro de Daniel, etc) são confirmadas e enfatizadas pelas mensagens prévias de La Salette (1846) e Lourdes (1858) e são ratificadas, sempre no contexto de uma mesma mensagem única e universal de conversão e salvação da humanidade, nas aparições e mensagens de Fátima. 

Esta concentração extremada de manifestações de Nossa Senhora e o caráter angustiado e aflito das suas mensagens são uma reafirmação cabal e impressionante de que estamos vivendo um período ímpar e crucial da humanidade e passível de uma intervenção divina sem precedentes na história humana. No contexto destas aparições e manifestações diversas, a mensagem é essencialmente a mesma, dirigida a todos os homens  e pode ser resumida nos seguintes pontos:

  • a perseverança inabalável nas verdades e na atualidade do Evangelho de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador e ao firme compromisso aos sacramentos da Igreja, em contraposição à perda generalizada da fé e a uma era de apostasia universal. Para isso, Ela se nos apresenta como o modelo a ser seguido – Maria, a Virgem fiel – conclamando-nos, em um apelo preocupante e aflito, à consagração ao seu Imaculado Coração;
  • a necessidade de conversão plena e imediata pelos caminhos da oração  (particularmente o Rosário), o jejum e a penitência, fazendo uso da confissão frequente, intensa vida eucarística, fuga do pecado a qualquer preço e vida íntima na graça de Deus, em contraposição a uma civilização ateia e materialista, forjada na adoração às falsas divindades do poder, do dinheiro e do prazer;
  • a conscientização da gravidade dos tempos atuais, do reinado do pecado e da apostasia generalizada, em contraponto à perda da fé e ao desmoronamento da civilização cristã;
  • o preço terrível que a Igreja e toda a humanidade haverão de pagar por forjarem, por covardia, malícia ou indiferentismo, um mundo incendido por novas eras, novas ciências, novas seitas e novas ideologias, que visam corromper o homem como criatura divina e prescrevem civilizações e sociedades alicerçadas por uma completa rejeição a Deus.

Assim, a terceira parte do Segredo constitui potencialmente a revelação de uma profunda crise de fé e crise da Igreja, com a perda substancial da Verdade revelada, substituída por um sem número de doutrinas heréticas no campo dogmático e da moral e implementação de falsas liturgias, com profundo impacto nos valores do cristianismo autêntico e concessões crescentes ao permissivismo moral, ao agnosticismo e ao ateísmo. E o preço que a Igreja e o mundo pagarão por isso.

96. Como se deu a implantação e o desenvolvimento do Santuário de Fátima?

No local das aparições, foi elevada inicialmente, pelo pedreiro Joaquim Barbeiro, uma modesta capela, concluída em 15 de junho de 1919 e que ficou conhecida como Capelinha das Aparições. A Capelinha foi destruída por explosivos em 6 de março de 1922 e reconstruída no mesmo ano e, muitos anos depois, ampliada por amplas varandas laterais. Para uma melhor acolhida dos peregrinos doentes, um albergue foi construído em 1924 e, em 1926, começou a funcionar o chamado  'Serviço de Verificações Médicas', ao qual se seguiu o projeto de implantação de um hospital de grande porte, para atender a demanda crescente dos peregrinos doentes.


(primeira Capelinha das Aparições)

Em 13 de maio de 1928, foi lançada a primeira pedra para a construção da Basílica de Nossa Senhora do Rosário (projeto de autoria do arquiteto holandês Gerardus van Krieken) e, no mesmo ano, foi feita a bênção da primeira pedra para o monumento da praça central do santuário ao Sagrado Coração de Jesus. Desde então, apesar de algumas tentativas de se estabelecer um plano geral de ordenamento urbanístico e arquitetônico para a área, o complexo se desenvolveu de forma aleatória, incorporando cada vez mais estruturas e edifícios, implantados com diferentes proposições e compondo hoje o chamado 'Santuário de Fátima'. 

(atual Capelinha das Aparições)

O atual 'Santuário de Fátima' é constituído pela Capelinha das Aparições, o Recinto e a Esplanada do Rosário, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Colunatas, a Casa de Nossa Senhora do Carmo e Reitoria, a Casa de Retiros de Nossa Senhora das Dores e o albergue para os doentes, a Praça Pio XII, o Centro Pastoral Paulo VI e a Igreja da Santíssima Trindade. Compõem ainda o espaço a Capela do Lausterene ('louvor perene'), onde está permanentemente exposto o Santíssimo Corpo  de Cristo na Hóstia Consagrada e a Capela da Reconciliação, destinada à celebração do sacramento da confissão. 

(Santuário e cidade de Fátima)

A atual Basílica de Nossa Senhora do Rosário tem 70,5m de comprimento e 37,0m de altura, sendo dotada de tribuna frontal e torre sineira de 65,0m de altura, arrematada por uma coroa de bronze e possuindo um carrilhão de 62 sinos. A Basílica da Santíssima Trindade constitui a mais recente construção do complexo do Santuário de Fátima, estando situada à entrada do complexo (e no extremo oposto à Basílica de Nossa Senhora do Rosário); com arquitetura circular, a construção ocupa uma área total de 8.700 m² e dispõe de 8.633 lugares sentados (projeto de autoria do arquiteto grego Alexandros Tombazis). Fátima é atualmente sede de freguesia na subdivisão do concelho de Ourém em Portugal e tornou-se um dos mais importantes destinos internacionais de turismo religioso do mundo, recebendo cerca de seis milhões de pessoas por ano.

97. Os castigos anunciados em Fátima serão integralmente cumpridos? 

Antes de mais nada, é importante caracterizar que a mensagem de Fátima possui atributos condicionais e incondicionais. Assim, ao discorrer sobre o advento de castigos para a humanidade pecadora, Nossa Senhora prescreve claramente que tais acontecimentos eram passíveis de ocorrer ou não, dependendo da resposta dos homens aos apelos de emenda e conversão, renúncia ao pecado e vida na graça de Deus. 

É importante compreender que Deus, independentemente de todos os seus atributos infinitos, não tem um única estratégia de atuação sobre a raça humana, pronta e fechada desde séculos imemoriais. Deus atua essencialmente em sintonia com o homem criado à sua imagem e semelhança e, assim, a sua intervenção na história humana traduz, em maior ou menor escala, a resposta concreta ou não de cada um nós, e da Igreja em particular, ao plano de salvação delineado para toda a humanidade. Deus guia a humanidade de acordo com o livre arbítrio de todos os homens e, por consequência, os planos de Deus são muitos e insondáveis ao homem. 


No contexto da grave crise moral dos nossos dias e levando-se em conta que os pedidos de Nossa Senhora não foram atendidos, pode-se então afirmar que os castigos anunciados em Fátima foram ou serão integralmente cumpridos: 'a Rússia espalhará seus erros pelo mundo... guerras e perseguições... o Papa teria muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas... a apostasia universal, a crise da Igreja, etc', eventos de longa duração e de abrangência universal. Embora estes eventos sejam hoje definitivos, nem assim são imutáveis: com certeza, a oração, a conversão e a devoção aos Imaculados corações de Jesus e de Maria por um número cada vez maior de homens e mulheres tem propiciado a mitigação e, principalmente, a abreviação de muitos destes castigos e, de uma forma mais geral, a própria abreviação deste período tenebroso da história humana. 

98. Como e em que termos Fátima foi atacada e combatida pelos inimigos da Igreja?


Pode-se dizer que a oposição a Fátima começou antes mesmo das aparições, quando o governo português, maçônico e anticlerical, já se vangloriava da missão pública de varrer a Igreja Católica do país em menos de duas gerações, como consequência óbvia da promulgação, em 1911, da famigerada Lei da Separação da Igreja e do Estado. As aparições de Fátima foram, então, um flagelo e um estorvo tremendo aos ideais maçônicos vigentes e, assim, desde o início, Fátima foi sempre alvo da ira e de ataques desvairados dos inimigos da Igreja, um sinal inequívoco da veracidade e magnitude deste evento para a história da humanidade. 

Desde as primeiras notícias das aparições, Fátima foi sempre alvo da ira e de ataques desvairados dos inimigos da Igreja, um sinal inequívoco da veracidade e magnitude deste evento para a história da humanidade. Estas manifestações tiveram inicialmente um cunho de ridicularização e de escárnio, diante de um cenário de 'obscurantismo religioso' e de divulgação de 'superstições'. Depois, os ataques ficaram mais incisivos, particularmente após o 'milagre do sol' (sexta aparição) e medidas extremas foram tomadas para cercear e prejudicar os videntes e diluir o impacto das aparições como o rapto dos videntes em agosto de 1917 e as obstruções sistemáticas do acesso de romarias à Cova da Iria, que culminaram com a explosão da capelinha das aparições, em 6 de março de 1922. 

Com o tempo, os ataques e as tentativas de desmoralização mudaram de tom, de tática e de magnitude, promovendo o descrédito da testemunha ocular ainda viva e seu confinamento completo, questionando a autenticidade dos escritos de Lúcia e das aparições e silenciando e difamando os arautos de Fátima. Esta oposição rendeu frutos também dentro da própria Igreja, de forma velada, inconsciente ou em investidas traiçoeiras, por diferentes autoridades religiosas em diferentes épocas (do infeliz pioneirismo dos ataques insidiosos do padre belga Édouard Dhanis, a partir de 1944, até a completa tentativa de prelados modernistas e maçônicos, dentro e fora do Vaticano, na desconstrução completa dos eventos de Fátima que, em vez de serem citados, merecem ser apenas literalmente ignorados). Diante destes ataques, em algumas vezes, as reações foram igualmente violentas e manipuladas, o que foi igualmente ofensivo à história de Fátima (um exemplo crasso disso é o do fantasioso e desvairado complô da Igreja em favor de uma segunda e falsa Lúcia, com base em supostas alterações nas feições do rosto da Lúcia original; a mera comparação fisionômica com parentes próximos de Lúcia, em idades próximas, mostraria a irrelevância destas suposições; por outro lado, é uma coisa bastante óbvia que uma simples camponesa de Fátima do início do século XX tivesse que se submeter a uma prótese dentária, para corrigir a evolução comprometedora da sua dentição irregular em avançada idade).

Mas, em contraposição, testemunhas fieis aos eventos de Fátima foram sistematicamente refutadas, criticadas e relevadas ao ostracismo. Um exemplo esclarecedor disso foram os ataques brutais e insidiosos contra o padre  mexicano Augustín Fuentes, postulador das causas da beatificação de Francisco e Jacinta Marto. No contexto dessa atuação, o padre Fuentes teve uma audiência particular com Lúcia em 26 de dezembro de 1957, no Convento de Coimbra. No seu retorno ao México, o padre Fuentes revelou detalhes da sua entrevista com Lúcia, que ratificavam aspectos cruciais das mensagens de Fátima: a preocupação com a proximidade do ano de 1960, indicado por Nossa Senhora como referência para a divulgação pública do Terceiro Segredo; a atuação tímida da Igreja diante das profecias reveladas; a necessidade de entendimento universal desta hora tremenda na história da humanidade, diante o embate final da Virgem contra o demônio; os últimos remédios e graças concedidas pelos Céus aos homens e a imperiosa necessidade da oração, mortificação e conversão dos pecadores. Entretanto, após a divulgação da entrevista, o padre Fuentes foi atacado ferozmente, caluniado como mentiroso e demitido da função de postulador da beatificação de Jacinta e Francisco (sendo substituído depois pelo Padre Luís Kondor).

(padre Augustín Fuentes, postulador das causas da beatificação de Francisco e Jacinta Marto)

O silêncio imposto sobre Fátima, entretanto, fica ainda mais claramente exposto pelo absurdo encobrimento da obra de revisão documental feita pelo padre Joaquín Maria Alonso, maior estudioso dos arquivos de Fátima. Nomeado para a função de escrever e sistematizar todo o acervo de documentos e arquivos de Fátima pelo bispo Dom João Venâncio, então segundo bispo de Fátima, Padre Alonso dedicou os dez anos seguintes de sua vida a estudar detalhadamente e compilar este material, trabalho que foi concluído em 1976, sob a forma de uma obra monumental, compreendendo 24 volumes de cerca de 800 páginas cada volume. O trabalho final nunca foi publicado até a morte do padre Alonso em 12 de dezembro de 1981. Somente no início dos anos 90, dois destes volumes foram publicados, após terem sido parcialmente editados; os outros 22 volumes permanecem ainda inéditos.

(Padre Joaquín Maria Alonso, arquivista oficial de Fátima)

99. O que seria e quando ocorreu (ou ainda ocorrerá) a sétima aparição de Fátima?

Logo na primeira aparição, ocorrida em 13 de maio de 1917, Nossa Senhora revelou à Lúcia que viria à Cova da Iria por seis meses seguidos, sempre no dia 13 e que depois voltaria ali uma sétima vez. Recordemos o diálogo registrado, então, entre a Mãe de Deus e a pequena vidente de Fátima:

- De onde é Vossemecê?
- Sou do Céu.
- E que é que Vossemecê quer?
- Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois, voltarei ainda aqui uma sétima vez.

Nesta ocasião, Nossa Senhora formulou a Lúcia duas promessas distintas, complementares e explícitas:

(i) seis aparições sequenciais: que venhais aqui seis meses seguidos é uma proposição que inclui as três crianças (que venhais...), que tem lugar definido (aqui e aqui é Fátima) e um tempo definido a partir da primeira aparição (sempre no dia 13 ao longo de seis meses seguidos, ou seja, no período compreendido entre 13/05 e 13/10/1917);

(ii) uma sétima aparição isolada: depois, voltarei ainda aqui uma sétima vez é uma proposição que inclui um acontecimento futuro (depois), sem sequência temporal com as aparições anteriores (voltarei) e nem com os videntes (venhais é um convite à participação das crianças nas primeiras seis aparições; voltarei ainda é um ato imperativo da Virgem na sétima aparição) e também com lugar definido (o mesmo aqui e aqui é Fátima, tal como na proposição anterior). 


Os elementos destacados nas proposições acima descaracterizam e eliminam algumas falsas suposições de que a sétima aparição de Nossa Senhora já teria ocorrido, e que são: 

(i) suposição de que a sétima aparição tenha ocorrido ou possa ocorrer fora de Fátima: aqui na mensagem de Nossa Senhora refere-se explicitamente à Fátima; a sétima aparição é um complemento (ou o fecho) das seis primeiras aparições e está inserida completamente no Segredo de Fátima;
(ii) suposição de que a sétima aparição tenha caráter privado: comumente esta 'sétima aparição' é associada àquela ocorrida à Lúcia no Convento de Tuy, na Espanha, em 10 de dezembro de 1925 (nesta ocasião, Nossa Senhora detalhou a Lúcia os termos e as condições inerentes à devoção reparadora dos Primeiros Sábados). A suposição é equivocada em termos da vidente, do lugar, da natureza da aparição e de conta, uma vez que Lúcia experimentou, durante toda a sua vida, inúmeras aparições em caráter privado e não só de Nossa Senhora (aparição de Nossa Senhora em 13 de junho de 1929; aparição de Nossa Senhora em 3 de janeiro de 1944; aparição do Menino Jesus em 15 de fevereiro de 1926; aparição e diálogo com Jesus na noite do dia 29 para 30 de maio de 1930, etc); a própria Jacinta teve diversas visões particulares de Nossa Senhora durante o período de sua doença e de sua estadia no hospital em Lisboa.
(iii) suposição de que a sétima aparição tenha que estar associada necessariamente à Lúcia como vidente: isso nunca foi explicitado pela Virgem e, claramente, o contexto da sétima aparição é bastante distinto das seis anteriores; neste sentido, tal suposição não tem consistência nem mesmo em relação às aparições precedentes, uma vez que estas incluíram as três crianças como videntes e não apenas Lúcia.

Portanto, a promessa de Nossa Senhora continua em aberto e ainda não se cumpriu e, assim, ela voltará à Fátima uma sétima vez. Talvez para falar ao mundo inteiro, talvez para dirigir-se a toda a humanidade. E, quem sabe, para a glória da cristandade, revelar ao mundo o triunfo do seu Imaculado Coração?

100. Qual é a mensagem decisiva e primordial das aparições de Fátima?

A mensagem decisiva – a definitiva e primordial mensagem de Fátima – é absoluta e celestialmente incondicional: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. É uma afirmação categórica, apaziguadora, essencial, conclusiva e extraordinariamente definitiva: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. Não existe aqui nenhuma margem para dúvidas, vacilações ou contestações, não se antepõe condição alguma e nem nenhum pré-requisito para a vitória final sobre a ação do demônio e sobre o pecado: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. Esta é a mensagem de Fátima, escrita para você e para mim, homens deste século XXI e na aurora do terceiro milênio: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. 


O triunfo do Coração Imaculado de Maria é o triunfo de Deus no mundo sob a forma de uma nova Terra, renovada e transformada como a água em vinho nas bodas de Caná, na abundância dos dons do Espírito Santo e com almas escolhidas que amarão e glorificarão Jesus Cristo com o coração de Maria. Neste tempo inserido nas mensagens de Fátima e, portanto, tão próximo de nós, estaremos vivendo o Reino de Maria, previsto por São Luís Maria Grignion de Montfort (1673 – 1716) duzentos anos antes de Nossa Senhora ratificar definitivamente em Fátima o triunfo do seu Imaculado Coração no mundo: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae: Que venha o Reino de Maria, para que assim venha o Reino de Jesus!
(Fim)