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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (VII)

    

PARTE II - O JUÍZO FINAL

II. Sobre a Ressurreição dos Mortos

O leitor talvez não leve muito a sério o que foi dito no capítulo anterior, porque nutre a esperança de não estar vivo durante esse período terrível. Mas o que estamos prestes a falar diz respeito a todos, seja quem for. Portanto, que se leia isso com atenção e com séria reflexão.

O primeiro evento que se seguirá ao fim do mundo é a ressurreição geral dos mortos. Todos os homens, sejam eles quem forem, e onde quer que tenham vivido, sem excluir os bebês cuja existência foi apenas um breve momento, ressuscitarão. Com o som solene de uma trombeta, Deus fará com que todos os homens sejam convocados para o Juízo Final. A respeito disso, Cristo disse: 'Ele enviará os seus anjos com trombeta e grande voz, e eles reunirão os seus eleitos dos quatro cantos, desde a extremidade do céu até os confins da terra' (Mt 24,31). E São Paulo nos diz: 'Todos ressuscitaremos, mas nem todos seremos transformados. Num momento, num piscar de olhos, ao som da última trombeta; pois a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis: e nós seremos transformados' (1Cor 15,51-52).

Após a grande conflagração, Deus enviará os seus anjos, que tocarão suas trombetas com um som tão poderoso que ecoará por todo o mundo. O som dessa trombeta será tão solene que fará a terra tremer. Sua voz poderosa despertará os mortos, chamando-os: 'Levantai-vos, ó mortos, e vinde ao julgamento! Levantai-vos, ó mortos, e vinde ao julgamento! Levantai-vos, ó mortos, e vinde ao julgamento!' Alto, contínuo e solene será o som dessa trombeta.

Quão aterrorizados ficarão todos os espíritos malignos e as almas perdidas quando ouvirem esse chamado! Eles uivarão e lamentarão, pois a hora fatal finalmente chegou, a hora que eles esperavam há tanto tempo e com um medo indescritível. Haverá tanta comoção no inferno, tanta raiva, fúria e terror, que se poderia imaginar que os demônios estivessem se despedaçando uns aos outros. 'Ai, ai!' - gritarão em seu desespero -  'Como poderemos enfrentar o rosto de nosso Juiz irado? Como poderemos suportar a vergonha, a agonia que será a nossa parte? Se pudéssemos permanecer aqui, com que alegria o faríamos, por maiores que sejam os tormentos que agora temos de suportar!' Mas todos os seus desejos serão vãos, todas as suas lutas serão inúteis.

Eles não podem escolher, pois devem obedecer à voz da trombeta. A ressurreição geral começa enquanto seu som ainda ecoa por todo o globo. Não pare para perguntar como isso pode ser, pois sabemos que assim será, com base na autoridade irrefutável da onipotência de Deus e a sua palavra, que não pode enganar. Por mais tempo que o corpo de um homem tenha se transformado em pó, quaisquer que sejam as mudanças pelas quais tenha passado, cada parte e cada partícula se unirão para formar novamente o mesmo corpo que era dele durante sua vida. 'E o mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o inferno entregaram os mortos que neles havia' (Ap 20,13).

Considere esta verdade solene, ó cristão, pois ela lhe diz respeito diretamente. Tão certo quanto você está vivo agora, tão certo é que um dia você ressuscitará da sepultura. Coloque este momento terrível vividamente diante de você. Mesmo que você seja piedoso e termine seus dias na graça de Deus, ainda assim, de acordo com o testemunho da Sagrada Escritura e da Igreja Católica, o medo e o tremor se apoderarão de você. Considerando o quão inconcebivelmente rigoroso Deus será em seu julgamento dos homens, até mesmo os justos terão motivos para temer ao comparecerem diante do seu tribunal, como mostraremos a seguir. E se os homens bons e justos têm medo, qual será o medo que você, pobre pecador, sentirá quando a trombeta o chamar para o julgamento! Portanto, corrija seus caminhos e faça as pazes agora com seu Juiz severo, por meio de obras de penitência, enquanto ainda há tempo. Agora, para que te prepares para essa terrível hora da ressurreição, descreveremos primeiro a ressurreição dos bons e, em seguida, a dos réprobos.

Despertadas pelo som solene da trombeta, todas as almas dos justos descerão do Céu e, acompanhadas por seus Anjos da Guarda, se dirigirão ao local onde seus restos mortais foram enterrados. Os túmulos estarão abertos e neles os corpos serão vistos deitados, incorruptos, mas sem vida. O corpo de cada homem bom repousará no túmulo como se estivesse adormecido; estará florido como uma rosa, perfumado como um lírio, brilhante como uma estrela, belo como um anjo e perfeito em todos os seus membros. O que dirá a alma quando contemplar o corpo que lhe pertence deitado diante dela com tanta beleza? Ela dirá: 'Salve, corpo abençoado e amado, como me alegro mais uma vez por me reunir a ti! Como és adorável, como és glorioso, como és agradável, como és perfumado! Vem a mim, para que eu possa casar-me contigo por toda a eternidade'. Então, pelo poder de Deus, o corpo se reunirá à alma e, naquele mesmo instante, voltará à vida.

Ó meu Deus, qual será o espanto do corpo quando se encontrar vivo novamente e moldado em uma forma tão bela! A alma e o corpo se cumprimentarão com amor e se abraçarão com afeto e emoção sincera. A alma dirá assim ao corpo: 'Como eu ansiava por ti, como eu desejava ver este dia! Agora vou conduzi-lo às regiões da bem-aventurança celestial para que possamos nos regozijar juntos para sempre'. E o corpo responderá: 'Bem-vinda, querida alma; é realmente uma alegria sincera para mim estar com você novamente. Quanto maior foi a dor que nossa separação passada me causou, maior é o prazer que nossa reunião agora proporciona'.

Então a alma falará novamente e dirá ao corpo: 'Bendito sejas, meu companheiro escolhido, que me foste tão fiel. Benditos sejam teus sentidos e todos os teus membros, pois sempre se abstiveram do mal'. E o corpo responderá: 'Bendita sejas tu, ó alma querida, pois foi por tua instigação que assim fiz, e tu me incitaste a tudo o que era bom. É a ti que devo minha felicidade atual, portanto, eu te louvo e te engrandeço, e te louvarei e engrandecerei por toda a eternidade'. Assim, o corpo e a alma se regozijarão juntos com uma satisfação inexprimível.

Então, os santos anjos guardiões felicitarão esses seres abençoados e exultarão com eles por sua alegre ressurreição. Em todos os cemitérios e lugares onde muitas pessoas estão enterradas, os abençoados ressuscitarão primeiro com corpos glorificados resplandecentes. Que eles terão precedência sobre os outros pode ser deduzido das palavras de Cristo, quando Ele diz: 'Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus. E os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, mas os que fizeram o mal ressuscitarão para o juízo' (Jo 5, 28-29).

E como em todo cemitério há muitas pessoas para ressuscitar, e entre elas uma proporção considerável será boa e justa, imagine o prazer que será para elas se verem novamente, revestidas de corpos tão brilhantes e gloriosos. Que Deus permita que eu seja contado entre o número desses indivíduos felizes! Como eu lhe agradecerei de coração se Ele atender ao meu pedido!

A ressurreição dos ímpios seguirá imediatamente a dos justos; mas, como será diferente! Em todos os cemitérios, todas as almas perdidas cujos corpos foram enterrados ali se reunirão e serão obrigadas a assumi-los novamente e a se reunir a eles. Mas quanta relutância, que repulsa elas sentirão ao fazer isso! Quando a alma vir seu próprio corpo, ela recuará com a maior repulsa, tão hediondo ele será, e sentirá que prefere ir direto para o inferno a se unir novamente a ele. Pois os corpos dos réprobos se assemelharão mais a demônios do que a homens, tão assustadores, tão repugnantes, tão ofensivos serão. No entanto, por mais que a alma resista e se oponha à reunião com seu corpo, agora tão hediondo, ela deve se submeter a isso, pois Deus a obriga a isso.

Quem pode descrever o desespero que toma conta do corpo quando, reanimado pelo retorno da alma, ele desperta para a consciência de que está perdido para sempre? Com um grito de raiva, ele exclamará: 'Ai de mim, ai de mim por toda a eternidade! Melhor teria sido para mim mil vezes nunca ter nascido, do que ter chegado a esta ressurreição de miséria!' Então a alma responderá: 'Corpo amaldiçoado, já tive de suportar durante várias centenas de anos os tormentos do Inferno, e agora devo regressar contigo ao fogo eterno. Tu és o culpado por toda esta infelicidade; dei-te bons conselhos, mas tu não os seguiste. Por isso, estás perdido para sempre. Ai de mim, alma infeliz que sou! Ai de mim, agora e para sempre! Tu foste o meio que me trouxe a esta miséria sem fim. Por isso, execro a hora em que vim morar contigo pela primeira vez'. E então o corpo responderá à alma desta maneira: 'Ó alma amaldiçoada, que direito tens de me anatematizar, quando tu mesma és a causa de toda essa miséria? Tu deverias ter me governado com mais firmeza e me impedido de praticar o mal, pois foi com esse objetivo que Deus te uniu a mim. Em vez de te associares a mim em obras de penitência, tu te deleitavas comigo em prazeres pecaminosos. Cabe a mim, portanto, amaldiçoar-te por toda a eternidade, porque foste tu quem nos levou a ambos à perdição eterna'. Assim, a alma e o corpo se amaldiçoarão mutuamente. Tais são as circunstâncias infelizes que acompanharão a ressurreição dos corpos dos condenados em todos os cemitérios e sepulcros, quando eles deixarem a sepultura e entrarem em uma segunda vida.

E agora, leitor, tente imaginar a vergonha e a confusão que pesarão sobre essas pobres criaturas quando se virem novamente pela primeira vez. Maridos e esposas se encontrarão, irmãos e irmãs, pais e filhos, amigos e conhecidos; aqueles que viveram na mesma cidade ou na mesma aldeia e se conheceram desde a infância. Sua vergonha será tão avassaladora que preferirão suportar qualquer tortura física a serem expostos a ela. E seus corpos serão tão horrivelmente feios, tão repugnantes na aparência, que eles estremecerão ao se verem. Quem pode descrever o luto e o lamento que prevalecerão entre essas criaturas infelizes! Sua miséria é realmente indescritível.

Pense, quem quer que seja que leia ou ouça isto, que desespero terrível tomaria conta de você se estivesse entre essas almas perdidas. Em que tom lamentável você choraria com eles seu destino infeliz. 'Ai de nós! O que fizemos? Ai de nós, os mais miseráveis; quem dera nunca tivéssemos nascido! Maldita seja você, minha esposa, que me provocou ao pecado! Malditos sejam vocês, meus filhos, que são a causa da minha condenação! Malditos sejam vocês, meus amigos e conhecidos, pois vocês foram a causa desta calamidade que se abateu sobre mim! Malditos sejam para sempre todos aqueles que foram parceiros da minha vida e parceiros do meu pecado!'

Pense nisso, ó pecador, e deixe seu coração endurecido se abrandar. Sempre que passares pelo cemitério do lugar onde vives, lembra-te de que talvez em breve sejas colocado ali para descansar na sepultura até à ressurreição geral. Por isso, faz bom uso do breve período da vida, para que sejas contado entre os justos e ressuscites com eles para a felicidade eterna, e não com os réprobos para os tormentos eternos. Reze frequentemente assim em seu coração: 'Ó meu Jesus, pela vossa infinita misericórdia, eu vos imploro, pela vossa amarga Paixão e morte e pelo Juízo Final, no qual sereis o Juiz de todo o mundo, concedei-me a graça de viver de tal maneira que, na ressurreição, eu possa ressuscitar na vossa alegria e não na vergonha da perdição. Amém'.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (VI)

   

PARTE II - O JUÍZO FINAL

I. Sobre os Sinais que Precederão o Juízo Final

Jesus Cristo, Juiz dos vivos e dos mortos que, na sua primeira vinda apareceu na terra com toda  quietude e tranquilidade, sob uma forma gentil e humilde, voltará pela segunda vez para julgar os homens com grande majestade e glória.

Para que a sua vinda não nos encontre despreparados, Ele enviará antecipadamente muitos e terríveis sinais para nos alertar a abandonar nossa vida pecaminosa. Sobre esses sinais, Ele mesmo diz: 'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; e, na terra, angústia das nações, os homens desfalecendo de medo e expectativa do que sobrevirá ao mundo inteiro' (Lc 21, 25-26)... Porque então haverá grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá. E, se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria' (Mt 24,21-22). Que anúncio terrível! Que profecia terrível!

Poderia haver alguma previsão mais terrível para nós do que esta que vem dos lábios da Verdade Eterna? Quando Deus estava prestes a destruir a cidade de Jerusalém, Ele anunciou sua queda por meio de vários sinais. Um cometa, semelhante a uma espada de fogo, brilhou sobre a cidade, e exércitos de guerreiros armados foram vistos lutando no ar. Jerusalém poderia, no último momento, ter interpretado corretamente esses sinais e feito penitência para a salvação. Mas Jerusalém não soube o tempo da sua visitação. Se Deus fez com que sinais tão maravilhosos aparecessem antes da destruição de uma única cidade, não anunciará Ele o fim do mundo que se aproxima e os castigos que virão sobre ele, por meio de sinais terríveis e assustadores? 

Há, portanto, todas as razões para acreditar que, um tempo considerável antes do Dia do Juízo Final, sinais temíveis aparecerão em toda a terra e nos céus. Cristo parece indicar isso nas palavras: 'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; os homens definharão de medo e expectativa do que virá sobre o mundo inteiro'. Esses sinais se tornarão mais numerosos a cada dia, e os homens ficarão tão aterrorizados que, se Deus não encurtasse esses dias, até mesmo os eleitos começariam a se desesperar. Então, como diz São Jerônimo, os céus ficarão nublados com nuvens pesadas e uma tempestade terrível se levantará.

A força do vento derrubará os habitantes da terra e os lançará no ar; árvores serão arrancadas, casas ficarão sem telhado. Longos estrondos de trovões ressoarão nos céus, os relâmpagos, como serpentes de fogo, iluminarão o céu e, com suas línguas bifurcadas, brincando ao redor das moradias da humanidade, acenderão uma conflagração geral, em meio ao estrondo dos trovões. As águas do oceano ficarão tão agitadas que suas ondas se elevarão como montanhas, quase alcançando as nuvens. O rugido e a fúria das ondas varridas pela tempestade durarão algum tempo. Todos os animais da terra levantarão a voz, e seus uivos sombrios encherão o ar, de modo que os corações dos homens ficarão paralisados de terror.

No entanto, isso é apenas o começo da tristeza, diz-nos Nosso Senhor. O que acontecerá a seguir, Ele descreve com estas palavras: “Imediatamente após a tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu e os poderes do céu serão abalados' (Lc 21, 25-26). Este escurecimento do sol ocorrerá em plena luz do meio-dia. E assim como seus raios dourados iluminando a face da natureza alegram tanto os homens quanto os animais, a retirada repentina de sua luz causará tristeza e angústia a toda a criação. E isso ainda mais porque a lua deixará de brilhar, e sua luz suave e pacífica não mais iluminará as sombras da noite. Todas as estrelas que salpicam o firmamento e lançam um brilho sobre a terra desaparecerão de seu lugar habitual. Essa terrível escuridão causará tal alarme e angústia no coração de todas as criaturas vivas, tanto homens quanto animais, que o luto e o lamento serão universais.

Com o lamento de angústia que ascende dos habitantes da Terra, os uivos dos espíritos malignos no ar se misturarão em um concerto hediondo, pois eles perceberão por esses sinais que o Dia do Juízo Final está próximo; eles sabem que em breve terão que comparecer perante o rigoroso tribunal de Deus; eles sabem que serão lançados no Inferno por toda a eternidade. Daí sua fúria, sua raiva e seus delírios frenéticos.

Aqui podemos repetir as palavras ditas por Cristo: 'Este é apenas o começo da dor', e podemos acrescentar que não haverá fim para ela. Pois, após a terrível escuridão, tudo estará perturbado e em desordem, e os elementos serão liberados, de modo que os homens temerão que os céus caiam e a terra afunde sob seus pés. É isso que Cristo quer dizer quando afirma: ' Os poderes do céu serão abalados e as estrelas cairão do céu'. Pois, de acordo com a vontade divina, o firmamento com todas as suas estrelas, o sol com seus planetas, a atmosfera com seu véu de nuvens, serão tão fortemente abalados e feitos tremer que sons terríveis de colisões, quebras e explosões assustadoras serão ouvidos em todos os lugares. As estrelas serão expulsas de suas órbitas e, assim, os grandes poderes do céu entrarão em conflito uns com os outros.

Quais serão os sentimentos do homem que viver esses eventos? Como toda a humanidade, todos os seres criados lamentarão! O próprio Cristo nos diz que assim será: 'Na terra haverá angústia das nações, por causa da confusão do rugido do mar e das ondas; os homens definharão de medo e expectativa do que virá sobre o mundo inteiro' (Lc 21,25-26). E em outro lugar Ele diz: 'Haverá então grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá. E, se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria' (Mt 24, 21-22). Nosso Senhor não poderia ter usado expressão mais forte para descrever a miséria absoluta dos mortais infelizes do que dizer que eles definharão de medo e apreensão pelas coisas que ainda estão por vir sobre o mundo. 

Como é possível que os homens que estarão vivos naquela época não desanimem, não se desesperem, diante de tamanha miséria insondável? Mesmo a fé e a coragem de um apóstolo seriam duramente provadas para suportar tamanha infelicidade indescritível. Todos os homens terão a aparência de quem viu um fantasma. Seus cabelos ficarão em pé, seus joelhos baterão um no outro, eles tremerão de medo, seu terror os privará da capacidade de falar, seus corações morrerão dentro deles por causa da tribulação, perderão a razão e a consciência, ninguém ajudará o seu vizinho, ninguém confortará o seu próximo, ninguém trocará uma palavra com os seus amigos; apenas todos se unirão em choro e lamentação, e correrão para se esconder nas cavernas da terra.

Quando essa lamentação tiver durado algum tempo, o Deus da justiça porá fim à sua miséria, e tudo o que estiver sob o firmamento do Céu será destruído pelo fogo. Pois o fogo cairá do Céu e incendiará tudo com que entrar em contato. Em muitos lugares, também, chamas brotarão do solo e aterrorizarão os mortais infelizes a tal ponto que eles não saberão como escapar delas. Alguns buscarão abrigo em porões e cavernas, outros mergulharão em rios e lagos. As chamas devoradoras se espalharão tão rapidamente que as florestas serão incendiadas, e as cidades e vilas serão incluídas na destruição. Por fim, toda a Terra estará em chamas e ocorrerá uma conflagração geral, como nunca se viu ou se ouviu falar. O calor das chamas violentas será tão intenso que as pedras e rochas derreterão, e o mar e todas as águas da terra ferverão e se converterão em vapor.

Todos os homens então vivos, todos os animais da terra e todos os peixes do mar serão destruídos nesta conflagração universal. Assim, o mundo inteiro chegará a um fim terrível, e tudo nesta terra será consumido ou purificado pelo fogo. Depois que tudo isso acontecer, a aparência da terra será completamente renovada.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (V)

   

PARTE I - SOBRE A MORTE

V. Sobre o Julgamento

Além de tudo o que até agora consideramos como contribuindo para tornar a morte terrível para nós, está o pensamento de que devemos comparecer perante o tribunal de Deus e prestar contas de tudo o que fizemos e deixamos de fazer. Quão terrível é esse julgamento, aprendemos com estas palavras de São Paulo: 'É coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo' (Hb 10, 31). Pois, se é muito alarmante cair nas mãos de um homem irado, quanto mais terrível não será cair nas mãos de um Deus onipotente! 

Todos os santos tremiam antecipando a sentença que Deus lhes aplicaria, pois sabiam muito bem como são severos os seus julgamentos. O salmista real diz: 'Não entres em juízo com o teu servo, ó Senhor, pois diante de ti nenhum homem vivo será justificado' (Sl 142,2). E o santo Jó exclama: 'O que farei se Deus se levantar para me julgar? Quando me interrogar, o que responderei? ' (Jó, 31,14).

Mais uma vez, São Paulo diz: 'Não tenho consciência de nada contra mim, mas não estou por isso justificado; mas aquele que me julga é o Senhor' (1Cor 4,4). Lemos também nas vidas dos Padres que o santo abade Agatão ficou dominado pelo medo quando o seu fim se aproximava. Os seus irmãos disseram-lhe: 'Por que temes, reverendo pai, tu que levaste uma vida tão piedosa?' Mas ele respondeu-lhes: 'Os julgamentos de Deus são muito diferentes dos julgamentos dos homens'. O santo abade Elias costumava dizer: 'Há três coisas que temo. Primeiro, temo o momento em que minha alma terá que deixar meu corpo; segundo, o momento em que terei que comparecer perante o tribunal de Deus; terceiro, o momento em que a sentença será proferida sobre mim'. 

Ninguém pode deixar de concordar com as palavras desse homem santo, pois, de fato, além do julgamento geral, não há nada tão temível quanto essas três coisas. Todos os homens bons e santos as temeram, todos as temem. Aqueles que não as temem provam que sabem muito pouco sobre elas ou que quase não meditaram sobre elas. Para o benefício de alguém que possa ser tão pouco esclarecido, darei uma breve instrução sobre o assunto.

Considere, em primeiro lugar, que sensação estranha e nova será para a sua alma quando ela se encontrar separada do corpo, em um mundo desconhecido. Até então, ela não conhecia nenhuma existência separada do corpo; agora, de repente, está separada dele. Até então, ela estava no tempo; agora, passou para a eternidade. Agora, pela primeira vez, seus olhos se abrem e ela vê claramente o que é a eternidade, o que é o pecado, o que é a virtude, quão infinito é o ser da Divindade e quão maravilhosa é sua própria natureza.

Tudo isso lhe parecerá tão maravilhoso que ela ficará quase petrificada de espanto. Após o primeiro instante de admiração, ela será conduzida perante o tribunal de Deus, para que preste contas de todas as suas ações; e o terror que então se apoderará da alma infeliz ultrapassa nossa capacidade de compreensão. Não é de se admirar que o infeliz pecador recue diante de comparecer a um tribunal onde será condenado por todos os seus erros e severamente punido por eles! Não preferiria ele ser jogado em um calabouço escuro e alimentado com pão e água, a ter que comparecer diante desse tribunal e ser exposto à vergonha pública?

Se é tão odioso para um criminoso ser levado perante um magistrado terreno, bem pode a pobre alma tremer de medo quando for apresentada à presença de Deus, o Juiz rigoroso e onisciente, e for obrigada a prestar contas com a maior precisão de todos os pensamentos, palavras, ações e omissões de sua vida passada. O santo Jó reconhece isso quando diz: 'Quem me concederá isso, que Tu me protejas no inferno e me escondas até que a Tua ira passe' (Jó 14,13). Observe que mesmo o paciente Jó prefere ficar deitado em um poço escuro e ficar escondido em uma caverna sombria e lúgubre do que aparecer diante da face de um Deus irado.

Há seis coisas que causam terror na alma, quando ela é chamada ao julgamento particular.

(i) A alma teme porque sabe que seu Juiz é onisciente; que nada pode ser ocultado dele, nem Ele pode ser enganado de forma alguma.

(ii) Porque seu Juiz é onipotente; nada pode resistir a Ele, e ninguém pode escapar dele.

(iii) Porque seu Juiz não é apenas o mais justo, mas o mais rigoroso dos juízes, para quem o pecado é tão odioso que Ele não permitirá que a menor transgressão passe impune.

(iv) Porque a alma sabe que Deus não é apenas seu juiz, mas também seu acusador; ela provocou a sua ira, ofendeu-o, e Ele defenderá a sua honra e vingará cada insulto oferecido a ela.

(v) Porque a alma está ciente de que a sentença, uma vez proferida, é irrevogável; não há recurso para ela em um tribunal superior, é inútil que ela reclame da sentença. Ela não pode ser revertida e, seja ela adversa ou favorável, ela precisa aceitá-la.

(vi) A razão mais poderosa de todas pelas quais a alma teme comparecer perante o tribunal é porque ela não sabe qual será a sentença do Juiz. Ela tem muito mais motivos para temer do que para ter esperança. E todo pensamento de ajuda agora acabou. Uma vez perdida para sempre, é para sempre; uma vez condenada para sempre, é para sempre!

Esses seis pontos enchem a alma de uma angústia e um terror tão indescritíveis que, se ela fosse mortal em vez de imortal, estaria disposta a morrer da morte mais cruel e violenta como forma de escapar.

Considera, além disso, de que forma aparecerás diante do teu Juiz e como ficarás confuso por causa dos teus pecados. Se um homem, em punição por suas más ações, fosse condenado a ser despido até ficar nu na presença de toda uma multidão, quão envergonhado ele se sentiria! Mas se alguma ferida repugnante e nojenta em seu corpo fosse assim revelada à vista, ele ficaria ainda mais envergonhado. Assim será contigo, quando estiveres diante do teu Juiz na presença de muitas hostes de Anjos. Não apenas todas as tuas más ações, pensamentos, palavras e obras serão revelados, mas todas as tuas propensões malignas serão manifestadas a ti, e tu serás exposto a uma vergonha terrível por causa delas.

Não podes negar que essas inclinações malignas se apegam a ti, pois não és dado à ira, à impaciência, à vingança, ao ódio, à inveja, ao orgulho, à vaidade, à sensualidade, à preguiça, à ganância, ao amor próprio, à avareza, à mundanidade e a toda malícia? Essas e outras tendências ruins se apegam à tua alma e a desfiguram de forma tão terrível que, após a morte, ficarás alarmado ao ver a tua própria alma e sinceramente envergonhado de todas as manchas presentes nela.

Em seguida, considera de que maneira o teu santo Juiz te receberá, quando apareceres diante dele não apenas carregado com uma multidão incontável de pecados, mas em um estado de impureza indescritível. Tu ficarás diante dele na maior confusão, sem saber para onde olhar. Sob teus pés está o inferno; acima de ti está o rosto irado do teu Juiz. Ao teu lado, tu vês os demônios que estão lá para te acusar. Em teu interior, tu contemplas todos os teus pecados e más ações. É impossível te esconderes; e, no entanto, essa exposição é intolerável.

Este seria um momento oportuno para explicar como o inimigo maligno irá acusá-lo, como ele trará todos os seus pecados à luz e invocará sobre eles a vingança de Deus; e também como o Deus justo exigirá o relato mais preciso de todas as suas ações. Mas isso tem sido tema tão frequente dos pregadores que, por uma questão de brevidade, não vou me alongar sobre essa parte do meu assunto, mas concluirei com a seguinte historieta.

Dois amigos íntimos combinaram que aquele que morresse primeiro apareceria ao sobrevivente, desde que Deus lhe permitisse fazê-lo. Quando finalmente um deles foi levado pela morte, fiel à sua promessa, ele apareceu ao seu amigo, mas com um aspecto triste e abatido, dizendo: 'Ninguém sabe! Ninguém sabe! Ninguém sabe!' 'O que é que ninguém sabe?', perguntou seu amigo. E o espírito respondeu: 'Ninguém sabe quão rigorosos são os julgamentos de Deus e quão severos são os seus castigos!'

Sendo assim, o que devemos fazer para não cair nas mãos de um Juiz tão irado? Não posso dar-te melhor conselho do que este: arrepende-te dos teus pecados, faz uma confissão sincera, corrige os teus caminhos e começa a pensar seriamente na tua salvação eterna. Enquanto ainda estás de boa saúde, pensa às vezes na morte e prepara-te para ela. Não adie isso até que a velhice chegue ou uma doença mortal o alcance. Não há arte maior nem mais importante na terra do que a arte de ter uma boa morte. Toda a sua eternidade depende disso: uma eternidade de felicidade incomparável ou de tormento indescritível.

Apenas uma prova lhe é concedida; se você não passar por essa única prova, tudo estará perdido, e uma eternidade de miséria estará diante de você. E se você não aprendeu essa arte tão importante durante sua vida, quando estava bem e forte, como poderá praticá-la para seu ganho eterno quando estiver em seu leito de morte? Será totalmente impossível para você fazer isso, a menos que Deus faça um milagre de misericórdia em seu favor. Você não pode contar com isso; Deus não prometeu isso, nem você mereceu um favor tão grande. Portanto, deixe-me implorar que siga meu conselho amigável e se prepare frequentemente para a morte enquanto estiver com plena saúde e força; pois este é o único meio pelo qual você pode esperar tornar-se proficiente na arte de morrer bem e passar com sucesso pela única provação que o espera, e pela qual o seu destino eterno será determinado.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

VERSUS: A HERESIA DO ARREBATAMENTO


Origem e Proposição: heresia de natureza protestante que prega que, pouco antes da grande tribulação descrita no Livro do Apocalipse, os cristãos fieis serão 'arrebatados' por Cristo antes do julgamento final e, assim, ficarão livres dos castigos e eventos terríveis da grande tribulação [o chamado arrebatamento pré-tribulação].

'Assim será no dia em que se manifestar o Filho do Homem. Naquele dia, quem estiver no terraço e tiver os seus bens em casa não desça para os tirar; da mesma forma, quem estiver no campo não torne atrás. Lembrai-vos da mulher de Ló. Todo o que procurar salvar a sua vida irá perdê-la; mas todo o que a perder irá encontrá-la. Digo-vos que naquela noite dois estarão em uma cama: um será tomado e o outro será deixado; duas mulheres estarão moendo juntas: uma será tomada e a outra será deixada. Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado' (Lc 17, 30-36).


Contraposição Católica: O texto bíblico refere-se diretamente à Segunda Vinda de Jesus, enfatizando a necessidade de se estar vigilante e preparado para o dia em que o Filho do Homem se manifestar em sua vinda gloriosa. E o texto alerta que esta Segunda Vinda ocorrerá de forma súbita e inesperada, como nos tempos de Noé e Ló, quando tudo parecia seguir sem sobressaltos a rotina dos tempos. Quando o Filho do Homem se manifestar então, a humanidade será dividida em dois destinos antagônicos e irremediáveis: 'um será levado e o outro deixado'.

A heresia do arrebatamento nasce da livre interpretação do texto: 'um será levado e o outro deixado': neste contexto, de duas pessoas próximas, uma seria arrebatada ao Céu e a outra seria deixada para trás, como personagens parceiras, mas como testemunhas completamente distintas dos eventos da grande tribulação (os arrebatados estariam seguros e isentos deste período singular da humanidade). Essa interpretação é absurda, porque o próprio Senhor nos alertou que este tempo de provação extremada seria imposto a todos os homens, sem distinção alguma entre 'mulheres grávidas' ou 'criaturas':

Ai das mulheres que estiverem grávidas ou amamentarem naqueles dias! Rogai para que vossa fuga não seja no inverno, nem em dia de sábado; porque então a tribulação será tão grande como nunca foi vista, desde o começo do mundo até o presente, nem jamais será. Se aqueles dias não fossem abreviados, criatura alguma escaparia; mas, por causa dos escolhidos, aqueles dias serão abreviados (Mt 24,19-22).

Mais ainda: exatamente por causa dos escolhidos, os dias da tribulação serão diminuídos para que os escolhidos possam se salvar [durante e sob os tremendos eventos da grande tribulação e não por meio de um arrebatamento prévio]. Os justos não serão salvos antes da tribulação, mas estes tempos serão abreviados para que possam ser salvos. Ou seja, todos os homens e mulheres serão igualmente testemunhas destes eventos espantosos, porém, com destinos finais muito distintos: aqueles que perderam as suas vidas pelo evangelho [contra o mundo] serão salvos e aqueles que tentarem salvar suas vidas [sem o evangelho] perderão a vida eterna.

'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia irão apoderar-se das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definha­rão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas. Então, verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade. Quando começarem a acontecer essas coisas, reani­mai-vos e levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação' ( Lc 21, 27-28).

A Igreja Católica professa que Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos, no fim dos tempos, de forma visível e gloriosa, mediante a ressurreição dos cristãos já falecidos e pela transformação gloriosa dos fieis em vida, sendo só então todos levados - arrebatados - ao encontro do Senhor para com Ele desfrutar da vida eterna. Ou seja, a comunhão visível da humanidade fiel com Cristo é o último capítulo do fim dos tempos e este 'arrebatamento' é o fruto final da ressurreição [dos justos falecidos de todos os tempos] e da transfiguração [dos escolhidos vivos do fim dos tempos].

'Eis o que vos declaramos, conforme a palavra do Senhor: por ocasião da vinda do Senhor, nós que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro do Se­nhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor' (1Ts 4,15-17).

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (IV)

   

PARTE I - SOBRE A MORTE

IV. Sobre o Medo do Inferno

A morte ainda se torna mais amarga para nós pelo medo do inferno e pela visão clara da eternidade diante de nós. Pois quando estamos gravemente doentes e a morte nos encara, o terror que nos invade diante da perspectiva da eternidade é tão avassalador que ficamos cheios de medo. Pois vemos claramente que, em poucos dias, talvez poucas horas, devemos entrar na eternidade, e não sabemos o que nos espera lá. O medo de nos perdermos para sempre é tão grande que nos faz estremecer.

Além disso, o alarme que nos tortura é aumentado pela lembrança dos pecados pelos quais muitas vezes merecemos o inferno; pois nenhum homem pode ter certeza se fez penitência corretamente e se realmente obteve o perdão. Isso é explicado por uma passagem dos escritos do já mencionado Papa São Gregório, que descreve esse medo com as seguintes palavras: 'O homem justo que se preocupa verdadeiramente com sua salvação eterna pensará de tempos em tempos em seu futuro Juiz. Ele meditará, antes que a morte o alcance, sobre o relato que terá de fazer de sua vida. Se não houver grandes pecados pelos quais sua consciência o repreenda, ele ainda terá motivos para se alarmar por causa dos pecados diários aos quais talvez dê pouca atenção. Pois quantas vezes não pecamos em pensamento? É relativamente fácil evitar más ações, mas é muito mais difícil manter o coração livre de pensamentos desordenados. No entanto, lemos na Sagrada Escritura: Ai de vós, que concebeis o que é inútil e praticais o mal em vossos pensamentos (Mq 2,1) ou ainda: 'Em vosso coração praticais iniquidades' (Sl 62,3).

'Por isso, os justos estão sempre com medo dos terríveis julgamentos de Deus, pois estão conscientes de que todos esses pecados secretos serão levados a julgamento, como diz São Paulo: 'Naquele dia, Deus julgará os segredos dos homens' (Rm 2,16). E embora durante toda a sua vida um homem bom ande com medo do julgamento, esse medo aumentará notavelmente à medida que ele se aproxima do fim de seus dias. Diz-se de Nosso Senhor que, quando se aproximava a hora desua morte, Ele começou a ficar triste e com medo e, estando em agonia, orou por mais tempo. Não foi isso para nos ensinar como seria conosco no nosso fim, e que angústia e aflição nos dominariam?

Tais são as palavras do Papa São Gregório, calculadas para inspirar não só os pecadores, mas também os justos com medo, pois, como diz o santo, mesmo aqueles que não têm consciência de ter cometido pecados graves, estão cheios de apreensão em relação à sentença que lhes será imposta. Se os justos não estão isentos de alarme, o que podemos fazer nós, pobres pecadores, que sabemos ser culpados de muitas e múltiplas transgressões e que todos os dias acrescentamos pecado ao pecado? O que será de nós? O que podemos fazer? Não há nenhum meio que possamos empregar para obter a misericórdia de Deus? Não conheço melhor conselho do que aquele que o próprio Cristo nos dá nas palavras: 'Vigiai, pois, orando em todo o tempo, para que sejais considerados dignos de escapar de todas estas coisas que hão de acontecer, e de estar diante do Filho do homem' (Lc 21,36).

Visto que Cristo nos indica a oração como o melhor e mais fácil meio, que cada um siga fielmente esta exortação e invoque diligentemente o Deus Todo-Poderoso e sua Santíssima Mãe, e todos os santos, implorando-lhes dia após dia que o protejam e confiando-lhes o seu fim último.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

sábado, 27 de setembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (III)

  

PARTE I - SOBRE A MORTE

III. Sobre a Aparição dos Espíritos das Trevas

Além do que já foi mencionado, a terrível aparência dos espíritos malignos torna a morte ainda mais assustadora para nós. É opinião de muitos dos Padres que todos, ao expirar, veem o inimigo maligno, pelo menos no momento de dar o último suspiro, se não antes. Quão assustadora é essa visão e com que terror ela deve inspirar os moribundos, excede o poder das palavras para descrever. 

Conta-se que certo dia, quando o irmão Giles estava rezando em sua cela, o diabo apareceu para ele com uma aparência tão assustadora que o irmão perdeu a capacidade de falar e pensou que sua última hora havia chegado. Como seus lábios não conseguiam emitir nenhum som, ele elevou seu coração em humilde súplica a Deus, e a aparição desapareceu. Depois, ao relatar o que lhe havia acontecido aos seus irmãos monges, ele tremia da cabeça aos pés ao descrever a aparência hedionda do adversário da humanidade. Então, indo até São Francisco, ele lhe fez esta pergunta: 'Padre, você já viu alguma coisa neste mundo cuja visão fosse tão horrível cuja contemplação fosse o bastante para matá-lo'? E o santo respondeu: 'Eu realmente vi tal coisa; não é outra coisa senão o diabo, cuja aparência é tão repugnante que ninguém poderia olhar para ele, mesmo que por um breve momento, e sobreviver, a menos que Deus lhe concedesse essa capacidade especial'.

São Cirilo também, escrevendo a Santo Agostinho, diz que um dos três homens que foram ressuscitados dos mortos lhe disse: 'Quando a hora da minha partida se aproximava, uma multidão de demônios, incontáveis em número, veio e ficou ao meu redor. Suas formas eram mais horríveis do que qualquer coisa que a imaginação possa conceber. Era preferível ser queimado no fogo do que ser obrigado a olhar para eles. Esses demônios se colocaram ao meu redor e me repreenderam por todos os erros que eu havia cometido, pensando em me levar ao desespero. E, de fato, eu teria cedido diante deles, se Deus, em sua misericórdia, não tivesse vindo em meu socorro'.

Aqui temos o testemunho de alguém que realmente aprendeu por experiência própria como é assustadora a aparência do inimigo maligno e que declara que nada pode ser mais horrível do que a forma que o demônio assume. 

PETIÇÃO

Ó meu Deus! Quão avassaladores são os terrores que se apoderam do infeliz indivíduo que se encontra à beira da morte quando o dragão infernal aparece, cheio de raiva, ameaçando engoli-lo em suas mandíbulas de fogo. Nesta hora de suprema angústia, eu vos peço, ó meu Deus, envia-me o meu Anjo da Guarda para que ele afaste o inimigo maligno pois, caso contrário, cairei infalivelmente no desespero e perderei toda a esperança da minha salvação. Ó Virgem Maria bendita, que esmagaste a cabeça da serpente, fica comigo na hora da minha morte e não permitas que a presença do cruel adversário cause a minha perdição eterna.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (II)

 

PARTE I - SOBRE A MORTE

II. Sobre os Ataques de Satanás na Hora da Morte

Embora a morte seja em si mesma muito amarga, sua amargura é ainda mais intensificada pela lembrança vívida dos pecados de nossa vida passada, pelo pensamento do julgamento que está por vir, da eternidade que temos diante de nós e pelos ataques de Satanás. Essas quatro coisas enchem a alma de tal terror que ela inevitavelmente se desesperaria, a menos que fosse fortalecida pela ajuda de Deus. Vamos entrar em algumas explicações sobre cada uma dessas quatro coisas e também indicar alguns meios de combater os medos que elas inspiram.

Com relação aos ataques de Satanás, saiba que o Deus totalmente justo permite que ele tenha grande poder para nos atacar na hora da morte; não para nossa perdição, mas para nossa provação. Antes de expirar, o cristão ainda tem que provar que nada pode fazê-lo abandonar seu Deus. Por essa razão, o inimigo maligno emprega todo o poder que recebeu e usa todas as suas forças contra o homem quando ele está morrendo, na esperança de fazê-lo pecar e empurrá-lo para o inferno. Durante toda a nossa vida, ele nos ataca ferozmente e não negligencia nenhum meio pelo qual possa nos enganar. Mas todas essas perseguições não se comparam ao ataque final com o qual ele se esforça para nos vencer no fim. Então ele se enfurece no limite, como um leão rugindo, procurando quem possa devorar.

Isso aprendemos na seguinte passagem do Apocalipse: 'Ai da terra e do mar, porque o diabo desceu a vós, tendo grande ira, sabendo que tem pouco tempo' (Ap 12,12). Essas palavras têm uma aplicação especial para os moribundos, contra os quais o diabo concebe uma grande ira e a quem ele faz todos os esforços para seduzir. Pois ele sabe muito bem que, se não os colocar sob seu poder agora, nunca mais terá a chance de fazê-lo. Ouça o que São Gregório diz sobre esse ponto: 'Considerem bem como é terrível a hora da morte e como será assustadora a lembrança de nossas más ações naquele momento. Pois os espíritos das trevas recordarão todo o mal que nos fizeram e nos lembrarão dos pecados que cometemos por sua instigação. Eles não irão apenas ao leito de morte dos ímpios, mas estarão presentes com os eleitos, esforçando-se para descobrir algo pecaminoso de que possam acusá-los. Ai de nós! Como será para nós, mortais infelizes, naquela hora, e o que poderemos dizer em nossa defesa, vendo quantos são os pecados que nos serão imputados? O que poderemos responder aos nossos adversários, quando eles colocarem todos os nossos pecados diante de nós, com o objetivo de nos levar ao desespero?'

Os espíritos malignos tentarão sua infeliz vítima no momento da morte em vários pontos, mas especialmente no que diz respeito aos pecados em que ela mais frequentemente caiu. Se durante sua vida ela nutriu ódio por alguém, eles conjurarão diante de seus olhos moribundos a imagem dessa pessoa, relembrando tudo o que ela fez para prejudicá-la, a fim de reavivar a chama do ódio contra esse inimigo ou acendê-la novamente. Ou, se alguém transgrediu contra a pureza, eles lhe mostrarão o cúmplice de seu pecado e se esforçarão para despertar a paixão culpada que sentia por essa pessoa. Se ele foi atormentado por dúvidas sobre a fé, eles lhe lembrarão o artigo de crença que ele tinha dificuldade em aceitar, representando-o como falso. Se um homem tem tendência à pusilanimidade, os espíritos malignos a incentivarão nela, para que possam roubar-lhe a esperança da salvação. O homem que pecou por orgulho e se gabou de suas boas obras, procurarão enganar com bajulação, assegurando-lhe que ele está em alta graça com Deus e que tudo o que fez não pode deixar de garantir-lhe um lugar no céu. Novamente, se durante sua vida um homem cedeu à impaciência, permitindo-se ficar zangado e irritado com cada ninharia, eles fazem com que sua doença pareça mais incômoda para ele, para que se torne impaciente e se rebele contra Deus por ter lhe enviado uma doença tão dolorosa.

Ou, se ele foi indiferente e pouco devoto, sem fervor na oração ou assiduidade em seus exercícios religiosos, eles tentarão manter em sua alma esse estado de apatia, sugerindo-lhe que sua fraqueza física é grande demais para permitir que ele se junte às orações que seus familiares fazem por ele. Finalmente, eles tentarão aqueles que levaram uma vida ímpia e repetidamente caíram em pecado mortal, levando-os ao desespero, representando suas transgressões como sendo tão grandes que estão além do perdão. Em uma palavra, os espíritos do mal atacam os mortais no momento da morte com mais ferocidade em seu ponto mais vulnerável, assim como um general habilidoso atacará uma fortaleza pelo lado onde percebe que as muralhas são mais fracas.

Mas os demônios nem sempre se limitam a tentar o homem em relação às suas principais falhas e defeitos predominantes; frequentemente o tentam a cometer pecados dos quais ele até então não era culpado. Pois esses inimigos astutos não poupam esforços para enganar os moribundos e, se falham de uma maneira, tentam ter sucesso de outra. Essas tentações não são de caráter comum. Às vezes são tão violentas que é impossível para os mortais fracos resistir a elas sem ajuda sobrenatural. Se tudo o que alguém em boa saúde pode fazer é resistir aos ataques do demônio, e mesmo assim muitas vezes é vencido por eles, quão difícil deve ser para alguém enfraquecido pela doença lutar contra inimigos tão poderosos!

Sobre este ponto, um escritor piedoso disse: 'A menos que o moribundo, antes de sua última doença, tenha se armado contra esses ataques e se acostumado a lutar contra seus adversários espirituais, ele tem poucas chances de prevalecer contra eles no momento da morte. Se o fizer, será apenas com a ajuda do Deus Todo-Poderoso, de Nossa Senhora, de seu anjo da guarda ou de um dos santos. Pois nosso Deus misericordioso e seus anjos e santos abençoados não abandonam o cristão na hora de sua maior necessidade; eles correm em seu auxílio, isto é, desde que ele seja digno de sua ajuda'. A fim de se preparar antes da última doença para combater essas tentações, é aconselhável recitar com a devida devoção a seguinte oração.

ORAÇÃO

Ó Jesus, compassivo Redentor da humanidade, recordando a tripla tentação que sofrestes do inimigo maligno vos  rogo, pela vossa gloriosa vitória sobre ele, que estejais ao meu lado no meu último conflito e me fortaleceis contra todas as suas tentações. Sei que, com minhas próprias forças, não posso lutar contra um inimigo tão poderoso e certamente serei vencido, a menos que Vós e vossos santos abençoados, me concedais a ajuda oportuna. Portanto, imploro sinceramente o vosso auxílio e a dos vossos santos, e proponho armar-me da melhor maneira possível com a vossa graça, para enfrentar as tentações que me aguardam. Prometo pois, diante de Vós, dos santos anjos e dos santos abençoados, que nunca me exporei voluntariamente a qualquer tentação, seja ela de que natureza for, mas com a ajuda da vossa graça, hei de combatê-las com todas as minhas forças. Amém.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (I)


PARTE I - SOBRE A MORTE

I. Sobre os Terrores da Morte

Parece-me desnecessário falar muito sobre os terrores da morte. O assunto já foi suficientemente abordado por vários escritores; além disso, todos sabem e sentem por si mesmos que a vida é doce e a morte é amarga. Por mais velho que seja um homem, por mais debilitada que seja sua saúde, por mais miseráveis que sejam suas circunstâncias, a ideia da morte é sempre desagradável. Há três razões principais pelas quais todas as pessoas sensatas temem tanto a morte:

Primeiro, porque o amor pela vida e o medo da morte são inerentes à natureza humana. Segundo, porque todo ser racional está bem ciente de que a morte é amarga e que a separação da alma e do corpo não pode ocorrer sem um sofrimento inexprimível. Terceiro, porque ninguém sabe para onde irá após a morte, ou como será seu julgamento no Dia do Juízo Final.

Será bom explicar a segunda e a terceira dessas razões de forma mais completa, a fim de que, por um lado, aqueles que levam uma vida descuidada possam talvez despertar para o medo da morte e aprender a evitar o pecado e, por outro, para que cada um de nós seja alertado a se preparar para a morte, para que não sejamos surpreendidos por ela sem estar preparados. Todos recuam instintivamente diante da morte, porque ela é amarga e dolorosa e além da percepção para a natureza humana. 

A alma do homem está sujeita a muitas ansiedades, apreensões e tristezas, e o corpo está sujeito a dores e doenças de todos os tipos, mas nenhuma dessas dores pode ser comparada à agonia da morte. Um homem que perde seu bom nome e seus bens sente uma dor aguda, mas não morre por causa disso. Todo sofrimento e doença, toda dor e angústia, por mais terríveis que sejam, são menos amargos do que a morte. Por isso, vemos a morte como um monarca poderoso, o mais cruel, o mais implacável, o mais formidável inimigo da humanidade. Observe um homem lutando contra a morte e você verá como o tirano domina, desfigura e prostra sua vítima. Agora, por que a morte é algo tão difícil, tão terrível?

É porque a alma tem que se separar do corpo. O corpo e a alma foram criados um para o outro, e sua união é tão íntima que a separação entre eles parece quase impossível. Eles suportariam quase tudo em vez de serem separados. A alma tem medo do futuro e da terra desconhecida para onde está indo. O corpo está consciente de que, assim que a alma se afastar dele, se tornará presa dos vermes. Consequentemente, a alma não suporta deixar o corpo, nem o corpo se separar da alma. O corpo e a alma desejam que sua união permaneça intacta e que juntos desfrutem das alegrias da vida.

Em uma de suas epístolas a Santo Agostinho, São Cirilo, bispo de Jerusalém, relata o que lhe foi dito por um homem que havia ressuscitado dos mortos. Entre outras coisas, ele disse: 'O momento em que minha alma deixou meu corpo foi de uma dor e angústia tão terríveis que ninguém pode imaginar a angústia que eu então suportei. Se todos os sofrimentos e dores concebíveis fossem reunidos, eles seriam nada em comparação com a tortura que eu sofri na separação da alma e do corpo'. E para enfatizar suas palavras, ele acrescentou, dirigindo-se a São Cirilo: 'Tu sabes que tens uma alma, mas não sabes o que ela é. Tu sabes que existem seres chamados anjos, mas és ignorante quanto à sua natureza. Tu também sabes que existe um Deus, mas não consegues compreender o seu ser. Assim é com tudo o que não tem forma corpórea; nossa compreensão não consegue captar essas coisas. Da mesma forma, é impossível para ti compreender como eu pude sofrer uma agonia tão intensa em um breve momento'. E se algumas pessoas aparentemente partem de forma muito pacífica, isso é porque a natureza, exausta pelo sofrimento, já não tem forças para lutar contra a morte.

Sabemos, pelo testemunho do próprio Nosso Redentor, que nenhuma agonia se compara à agonia da morte. Embora ao longo de toda a sua dolorosa Paixão Ele tenha sido torturado de forma terrível, todo o martírio que Ele suportou não se compara ao que Ele sofreu no momento da sua morte. Isso é o que deduzimos dos Evangelhos. Em nenhum lugar encontramos que, em qualquer período da sua vida, a grandeza das dores que Ele suportou tenha arrancado de Nosso Senhor um grito de angústia. Mas quando chegou o momento de Ele expirar, e a mão implacável da morte rasgou o seu Coração, lemos que Ele gritou em alta voz e entregou o espírito. Portanto, é evidente que em nenhum momento da Paixão Cristo sofreu tão intensamente como na separação mais dolorosa da sua alma sagrada do seu corpo abençoado.

Para que a humanidade pudesse, pelo menos em certa medida, compreender quão terrível foi a morte que Cristo morreu por nós, Ele determinou que, ao morrermos, provássemos um pouco da amargura da sua morte e experimentássemos a verdade das seguintes palavras do Papa São Gregório: 'O conflito de Cristo com a morte representou nosso último conflito, ensinando-nos que a agonia da morte é a agonia mais intensa que o homem já sentiu ou jamais sentirá. É vontade de Deus que o homem sofra tão intensamente no fim de sua vida, para que possamos reconhecer e apreciar a magnitude do amor de Cristo por nós, o benefício inestimável que Ele nos conferiu ao suportar a morte por nossa causa. Pois teria sido impossível para o homem conhecer plenamente o amor infinito de Deus, a menos que ele também tivesse bebido, em certa medida, do cálice amargo que Cristo bebeu'.

Nesta passagem dos escritos do santo Papa Gregório, somos ensinados que Cristo ordenou que todos os homens, na hora de sua dissolução, sofressem as mesmas dores que Cristo sofreu por nós em sua última agonia, a fim de que pudessem adquirir algum conhecimento, por sua própria experiência, da natureza terrível da morte que Ele suportou por nós e do grande preço que Ele pagou pelo nosso resgate. Quão dolorosa, quão terrível, quão horrível será a morte para nós, se a nossa morte se assemelhar, em qualquer grau que seja, à morte agonizante de Cristo!

Que conflito severo está diante de nós, pobres mortais! Que tormentos nos aguardam em nossa última hora! Quase nos sentimos inclinados a pensar que teria sido preferível nunca ter nascido, a nascer para sofrer tal angústia. Mas é assim que o Céu deve ser conquistado e somente por esta porta estreita podemos entrar no Paraíso. Portanto, ó cristão, aceite o seu destino com alegria e tome a firme resolução de suportar sem reclamar a amargura da morte. Pois é um grande mérito entregar a vida que todo homem ama tanto e submeter-se com mente pronta e disposta às dores da morte. E com o objetivo de encorajá-lo a ganhar méritos em seus últimos momentos, deixe-me aconselhá-lo a tomar a seguinte decisão de sofrer a morte com coragem.

RESOLUÇÃO

Ó Deus de toda justiça, que determinaste que, desde a queda de nossos primeiros pais, todos os homens morressem, e também que fosse o destino de muitos entre nós provar em sua morte algo das dores que o teu Filho suportou na hora da sua morte, eu me submeto de boa vontade a este teu severo decreto. Embora a vida seja doce para mim e a morte pareça muito amarga, ainda assim, por obediência a Ti, aceito voluntariamente a morte com todas as suas dores e estou pronto para entregar minha alma quando, onde e da maneira que for do agrado da Divina Providência. E uma vez que fizeste a morte tão amarga para o homem, a fim de que pudéssemos sentir, em certa medida, por nossa própria experiência, quão dolorosa foi a morte que o teu amado Filho sofreu por nossa causa, aceito de bom grado a pena da morte, para que, pelo menos no meu fim, possa conhecer algo das dores que o meu abençoado Senhor sofreu por minha causa. Em honra, portanto, da sua amarga Paixão e morte, submeto-me agora alegremente a quaisquer sofrimentos que eu possa ser chamado a passar no momento da minha partida, e declaro minha determinação de suportá-los com toda a constância de que sou capaz. Rezo para que esta resolução da minha parte seja agradável aos teus olhos e que Tu me dês a graça de suportar minha última agonia com paciência. Amém.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

terça-feira, 12 de agosto de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (CVI/Final)

Capítulo LXV

Meios de se Evitar o Purgatório - A Santa Aceitação da Morte - O Exemplo do Padre Aquitanus - A Prudência de se Informar o Paciente de sua Condição Crítica - Resignação ou Não à Vontade Divina Diante da Morte: Exemplos Diversos - São João da Cruz e a Doce Morte da Alma que Ama a Deus 

O sexto meio de se evitar o Purgatório é a aceitação humilde e submissa da morte como expiação dos nossos pecados: é um ato generoso, pelo qual oferecemos nossa vida a Deus, em união com o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz.

Deseja um exemplo dessa santa resignação da vida nas mãos do Criador? Em 2 de dezembro de 1638, morreu em Brisach, na margem direita do Reno, o Padre Jorge Aquitanus, da Companhia de Jesus. Duas vezes ele havia dedicado sua vida ao serviço dos atingidos pela peste. Aconteceu que, em duas ocasiões diferentes, a peste se alastrou com tal fúria que era quase impossível aproximar-se dos doentes sem ser contaminado. Todos fugiram, abandonando os moribundos à sua infeliz sorte. Mas o Padre Aquitanus, entregando sua vida nas mãos de Deus, fez-se servo e apóstolo dos doentes; ocupava-se exclusivamente em aliviar seus sofrimentos e administrar-lhes os sacramentos.

Deus o preservou durante a primeira onda da peste; mas quando ela voltou com violência redobrada, e o homem de Deus foi chamado pela segunda vez a dedicar-se aos enfermos, Deus desta vez aceitou seu sacrifício. Quando, vítima de sua caridade, ele jazia em seu leito de morte, perguntaram-lhe se oferecia de bom grado sua vida a Deus. 'Oh!' - respondeu, cheio de alegria - 'se eu tivesse um milhão de vidas para oferecer a Ele, Ele sabe com que prontidão eu as daria'. Tal ato, como se pode compreender, é muito meritório aos olhos de Deus. Não se assemelha ele ao supremo ato de caridade realizado pelos mártires que morreram por Jesus Cristo e que, como o batismo, apaga todos os pecados e cancela todas as dívidas? 'Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida por seus amigos' (Jo 15,13), disse Nosso Senhor.

Para fazer esse ato durante uma enfermidade, é útil - senão necessário - que o paciente compreenda sua condição e saiba que o fim se aproxima. Por isso, é um grande erro esconder-lhe essa verdade por uma falsa delicadeza. 'Devemos' - diz Santo Afonso - 'com prudência informar o doente sobre o perigo que corre'. Se o paciente tenta se enganar com ilusões ou se, em vez de se resignar nas mãos de Deus, pensa apenas na cura, mesmo que receba todos os sacramentos, comete um grave erro.

Lemos na vida da Venerável Madre Francisca do Santíssimo Sacramento, religiosa de Pamplona, que uma alma foi condenada a um longo purgatório por não ter tido verdadeira submissão à Vontade Divina em seu leito de morte. Era uma jovem muito piedosa, mas quando a mão gelada da morte a tocou na flor da juventude, a natureza recuou, e ela não teve coragem de se entregar às mãos sempre amorosas de seu Pai Celeste – não queria morrer ainda. Morreu, contudo, e a Venerável Madre Francisca, que recebia visitas frequentes das almas do purgatório, soube que essa alma teria de expiar, com longos sofrimentos, sua falta de submissão aos decretos do Criador.

A vida do Venerável Padre Caraffa nos oferece um exemplo mais consolador. O Padre Vicente Caraffa, Geral da Companhia de Jesus, foi chamado para preparar para a morte um jovem nobre que havia sido condenado à execução e que acreditava ter sido condenado injustamente. Morrer na flor da idade, sendo rico, feliz, e quando o futuro sorri para nós, é algo difícil, devemos reconhecer; no entanto, um criminoso que é atormentado pelo remorso de consciência pode se resignar e aceitar a morte como um castigo expiatório por seu crime. Mas o que dizer de uma pessoa inocente?

O padre, portanto, tinha uma tarefa difícil a cumprir. Contudo, assistido pela graça divina, soube lidar com sabedoria com aquele infeliz jovem. Falou com tal unção sobre as faltas de sua vida passada e sobre a necessidade de satisfazer à Justiça Divina, fez-lhe compreender tão profundamente como Deus permitia aquele castigo temporal para o seu bem, que domou a natureza rebelde e transformou completamente os sentimentos de seu coração. O jovem passou a ver sua sentença como uma expiação que lhe obteria o perdão de Deus e subiu ao cadafalso não apenas com resignação, mas com verdadeira alegria cristã. Até o último momento, mesmo sob o machado do carrasco, bendizia a Deus e implorava por sua misericórdia, para grande edificação de todos os que assistiam à sua execução.

No momento em que sua cabeça caiu, o Padre Caraffa viu a sua alma subir triunfante ao Céu. Imediatamente foi até a mãe do jovem para consolá-la, relatando o que havia presenciado. Estava tão tomado de alegria que, ao retornar à sua cela, não cessava de exclamar: 'Ó homem feliz! Ó homem feliz!'  A família desejava mandar celebrar grande número de missas pelo repouso de sua alma. 'É supérfluo' - respondeu o padre - 'devemos antes agradecer a Deus e alegrar-nos, pois declaro-lhes que sua alma nem sequer passou pelo Purgatório'. Outro dia, enquanto trabalhava, ele parou de repente, seu semblante mudou, e ele olhou para o Céu; então foi ouvido exclamando: 'Ó sorte feliz! Ó sorte feliz!' E quando um companheiro lhe pediu explicação sobre essas palavras, respondeu: 'Ah! meu caro padre, era a alma daquele condenado que me apareceu em glória. Ó como foi proveitosa para ele sua resignação!'

A Irmã Maria de São José, uma das quatro primeiras carmelitas que abraçaram a reforma de Santa Teresa, foi uma religiosa de grande virtude. O fim de sua carreira se aproximava, e Nosso Senhor, desejando que a sua esposa fosse recebida no Céu em triunfo ao exalar seu último suspiro, purificou e embelezou sua alma pelos sofrimentos que marcaram o fim de sua vida. Durante os últimos quatro dias que passou na terra, perdeu a fala e os sentidos; foi atormentada por uma agonia terrível e as religiosas ficaram profundamente comovidas ao vê-la naquele estado. A Madre Isabel de São Domingos, priora do convento, aproximou-se da religiosa enferma e sugeriu-lhe que fizesse muitos atos de resignação e total abandono nas mãos de Deus. A Irmã Maria de São José ouviu-a e fez esses atos interiormente, embora não pudesse manifestar nenhum sinal exterior disso.

Morreu nessas santas disposições e, no próprio dia de sua morte, enquanto a Madre Isabel ouvia missa e rezava pelo repouso de sua alma, Nosso Senhor mostrou-lhe a alma de sua fiel esposa coroada de glória, e disse: 'Ela pertence ao número daqueles que seguem o Cordeiro'. A Irmã Maria de São José, por sua vez, agradeceu à Madre Isabel por todo o bem que lhe havia feito na hora da morte. Acrescentou que os atos de resignação que lhe havia sugerido lhe haviam merecido grande glória no Paraíso e a haviam isentado das penas do Purgatório.

Que felicidade é deixar esta vida miserável para entrar na única vida verdadeira e bem-aventurada! Todos nós podemos alcançar essa felicidade, se usarmos os meios que Jesus Cristo nos deu para satisfazer nesta vida e preparar nossas almas perfeitamente para comparecer diante dEle. A alma assim preparada é tomada, na última hora, pela mais doce confiança; ela tem, por assim dizer, um antegosto do Céu - experiências estas descritas por São João da Cruz na sua obra Chama Viva de Amor, ao falar da morte de um santo.

'O amor perfeito de Deus' - diz ele - 'torna a morte agradável, fazendo a alma experimentar a maior doçura naquele momento. A alma que ama é inundada por um torrente de delícias na aproximação daquele instante em que está prestes a entrar na posse plena de seu Amado. À beira de ser libertada desta prisão do corpo, ela já parece contemplar as glórias do Paraíso, e tudo dentro dela se transforma em amor'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 25 de julho de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (CV)

Capítulo LXIV

Meios de se Evitar o Purgatório - Confiança na Misericórdia de Deus - Palavras de São Francisco de Sales - São Filipe Néri: 'O Paraíso é seu!'

O quinto meio para obter o favor diante do tribunal de Deus é ter grande confiança em sua misericórdia. 'Junto de vós, Senhor, me refugio. Não seja eu confundido para sempre (Sl 30,2). Certamente Aquele que disse ao bom ladrão: 'Hoje estarás comigo no Paraíso', merece bem que tenhamos uma confiança ilimitada nele. São Francisco de Sales confessou que, se considerasse apenas a sua miséria, mereceria o inferno; mas, cheio de humilde confiança na misericórdia de Deus e nos méritos de Jesus Cristo, esperava firmemente compartilhar a felicidade dos eleitos. 'E o que Nosso Senhor faria com sua vida eterna' - disse ele - 'se não fosse dá-la a nós, pobres, pequenas e insignificantes criaturas que somos, que não temos outra esperança senão a sua bondade? Bendito seja Deus! Tenho esta firme confiança no fundo do meu coração, de que viveremos eternamente com Deus. Um dia estaremos todos unidos no Céu. Tenham coragem; em breve estaremos lá!'

'Devemos' - disse ele também - 'morrer entre dois travesseiros: um, da humilde confissão de que não merecemos nada além do inferno; o outro, da confiança total de que Deus, em sua misericórdia, nos dará o paraíso'. Tendo encontrado um dia um senhor que estava cheio de medo excessivo dos julgamentos de Deus, ele lhe disse: 'Aquele que tem um desejo verdadeiro de servir a Deus e evitar o pecado não deve, de forma alguma, permitir-se ser atormentado pelo pensamento da morte e do julgamento. Se eles devem ser temidos, não é com aquele medo que desanima e deprime o vigor da alma, mas com um medo temperado pela confiança e, portanto, salutar. Espere em Deus: quem espera nele nunca será confundido'.

Lemos na Vida de São Filipe Néri que, tendo ido um dia ao Convento de Santa Marta, em Roma, uma das religiosas, chamada Escolástica, desejou falar com ele em particular. Essa senhora estava há muito tempo atormentada por um pensamento de desespero, que não ousava revelar a ninguém; mas, cheia de confiança no santo, resolveu abrir seu coração a ele. Quando ela se aproximou dele, antes que tivesse tempo de dizer uma palavra, o homem de Deus disse-lhe com um sorriso: 'Você está muito enganada, minha filha, ao acreditar que está destinada às chamas eternas: o Paraíso pertence a você!' 'Não consigo acreditar, padre!' - respondeu ela com um profundo suspiro. 'Você não acredita? Isso é loucura da sua parte, você verá. Diga-me, Escolástica, por quem Jesus morreu?' 'Ele morreu pelos pecadores'. 'Então, pois, me diga, você é uma santa? 'Ai de mim!' - respondeu ela chorando, 'sou uma grande pecadora'. 'Portanto, Jesus morreu por você, e certamente foi para abrir o Céu para você. Assim, fica claro que o Céu é seu. Quanto aos seus pecados, você os detesta, não tenho dúvidas'. A boa religiosa ficou comovida com essas palavras. A luz entrou em sua alma, a tentação desapareceu e, a partir daquele momento, aquelas doces palavras - 'o Paraíso é seu!' - a encheram de confiança e alegria.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.