AS QUATORZE MESAS
Encontravam-se todos os meus jovens num lugar agradável como o mais bonito dos jardins, sentados em mesas que, elevando-se do chão, iam tão alto que quase não se podia vê-las claramente. Eram ao todo quatorze mesas, arranjadas em semicírculo e posicionadas em três níveis diferentes.
No chão, ao redor de uma mesa desprovida de todo enfeite e sem talheres, via-se um grupo de jovens. Eram tristes, comiam sem animação e tinham diante de si um pão mal preparado, seco, e tão sujo que causava nojo. O pão na mesa estava no meio da sujeira e de frutas estragadas. Aqueles coitados se encontravam como animais comendo porcarias. Eu queria dizer-lhes que jogassem fora tudo aquilo, que não se alimentassem daquela comida nojenta. Responderam-me: 'Devemos comer o pão que nós mesmos preparamos porque não temos outro'. Era a situação de jovens em pecado mortal. Diz o livro dos provérbios no capítulo I: 'Odiaram a disciplina e não seguiram o temor do Senhor, e não prestaram ouvidos aos meus conselhos e não fizeram caso das minhas correções. Ouviram portanto os frutos das suas obras e se saciarão com os seus conselhos!'
Á medida que as mesas se elevavam, os jovens nelas eram mais alegres e comiam pão bem mais caprichado e eram cada vez mais bonitos. As mesas eram muito bem enfeitadas, com toalhas bem trabalhadas, com castiçais, taças e vasos de flores esplêndidas, pratos com iguarias finas e talheres de metais preciosos. O número destes jovens era enorme. Era a situação dos pecadores arrependidos e convertidos.
As mesas mais elevadas tinham um pão que não consigo descrever. Parecia amarelo, parecia vermelho, e a mesma cor do pão era o das roupas e do rosto dos jovens, que resplandeciam com uma luz muito intensa. Estes experimentavam uma alegria extraordinária e cada um procurava transmiti-la aos outros colegas. A beleza, a luz e o esplendor destas mesas superavam de muito todas as outras. Era a situação de inocência. Aos inocentes e dos convertidos, diz o Espirito Santo no livro dos Provérbios no Capítulo 1º: 'Quem me ouve, terá repouso sem medo e viverá na abundância, livre do medo dos pecados!'
A PASTORA DA ESTRANHA GREI [1844]
Sonhei que estava no meio uma multidão de lobos, cordeiros, ovelhas, cães, aves e muitos outros animais. Todos juntos faziam uma grande algazarra, uma tão grande confusão que amedrontaria até os mais corajosos. Eu queria fugir, quando uma Senhora, bem vestida à moda de uma pastora, fez-me um sinal para segui-la e acompanhá-la junto com com todos aqueles animais, enquanto ela caminhava à frente.
Fomos andando por vários lugares e fizemos três paradas; a cada parada, muitos daquele animais mudavam-se em cordeiros, cujo número aumentava sempre. Depois de ter caminhado bastante, encontrei-me em um campo, onde aqueles animais pulavam e pastavam juntos, sem se morderem uns aos outros. Quis sentar-me para descansar, mas a pastora convidou-me a continuar caminhando.
Percorrido mais um espaço de caminho, encontrei-me em um grande pátio ao redor de uma espaçosa varanda, em cuja extremidade havia uma igreja; aqui percebi que 4/5 daqueles animais haviam se transformado em cordeiros, que tinham se tornado numerosíssimos. Naquela hora apareceram alguns pastorinhos para guiá-los, mas eles permaneciam pouco e logo se afastavam. Então deu-se uma maravilha: muitos cordeiros transformaram-se em pastorinhos que se dividiram, indo para outros lugares para ajuntar outros estranhos animais e guiá-los para outros apriscos.
Eu queria ir embora, porque parecia que estava na hora de celebrar a missa, mas a pastora convidou-me para olhar para o sul; olhando naquela direção, vi um campo plantado com trigo, beterrabas, milho, feijão e uma porção de outras coisas. 'Olhe outra vez' - ela me disse. Olhei novamente, e vi uma magnífica e majestosa igreja com uma orquestra de música instrumental e vocal que me convidava para celebrar a missa. No interior da igreja havia uma faixa branca, onde estava escrito: hic domus mea inde gloria mea - Esta é a minha casa, daqui sairá a minha glória.
Continuando o sonho, quis perguntar a pastora onde me encontrava, o que significava aquele caminhar com paradas e aquelas duas igrejas: 'Você compreenderá tudo', respondeu-me, 'quando com os olhos materiais vier a ver tudo isso que está vendo agora com os olhos da mente'. Achando que estava acordado, disse: 'Eu estou vendo claramente, e vejo com estes meus olhos materiais, sei aquilo que faço e para onde vou'. Naquele mesmo instante, tocou o sino da 'Ave Maria' da Igreja de São Francisco de Assis e eu acordei.
AS DEZ COLINAS [1864]
Pareceu encontrar-se em um extensíssimo vale ocupado por milhares e milhares de jovenzinhos; tantos eram, que o Servo de Deus não acreditou que houvesse tantos meninos no mundo. Entre aqueles jovens, viu os que estiveram, os que estavam e os que um dia estarão na Casa; juntos com eles estavam os sacerdotes e os clérigos da mesma. Uma montanha altíssima cercava aquele vale por um lado.
Enquanto Dom Bosco pensava no que havia de fazer com aqueles meninos, uma voz lhe disse: 'Vês aquela montanha? Pois bem, é necessário que tu e os teus cheguem até lá em cima'. Então, ele deu ordem a toda aquela multidão de encaminhar-se ao lugar indicado. Os jovens de puseram em marcha e começaram a escalar a montanha a toda pressa. Os sacerdotes da casa corriam na frente animando os meninos à subida, levantavam os caídos e carregavam sobre as costas os que não podiam prosseguir por causa do cansaço...
Em pouco mais de uma hora aquele numeroso grupo de jovens havia alcançado o cume da montanha; Dom Bosco também havia alcançado a meta. 'O que fazemos agora?' A voz acrescentou: 'Deves percorrer com os teus jovens essas dez colinas que contemplas diante de tua vista, dispostas uma detrás da outra'. 'Como poderemos suportar uma viajem tão longa, com tantos meninos tão pequenos e tão frágeis?' A voz acrescentou: 'Os que não podem caminhar com seus pés serão transportados'. E , com efeito, apareceu por um extremo da colina uma magnífica carruagem. Tão bonita era, que seria impossível descrevê-la, mas algo se pode dizer. Tinha forma triangular e estava dotada de três rodas que se moviam em todas as direções. Dos três ângulos partiam três hastes que se uniam em um ponto sobre a mesma carruagem formando como a cobertura de um alpendre. Sobre o ponto de união, levantava-se um magnífico estandarte em que estava escrito, a palavra: 'Inocência'. Uma franja bordava ao redor de toda a carruagem formando orla na qual aparecia a seguinte inscrição: Adjutorium Dei Altissimi Patris et Filii et Spiritus Sancti - Ajuda do Altíssimo Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
O veículo, que resplandecia como o ouro e que estava repleto de pedras preciosas, avançou até se colocar no meio dos jovens. Depois de recebida a ordem, muitos meninos subiram nele. Eram quinhentos. Apenas quinhentos, entre tantos milhares de jovens, eram, todavia inocentes! Uma vez ocupado o carro, Dom Bosco pensava por que caminho havia de se dirigir, quando viu abrir-se diante dos seus olhos um caminho largo e cômodo, mas todo coberto de espinhos. De repente, apareceram seis jovens que haviam morrido fazendo o Oratório, vestidos de branco e levantando uma belíssima bandeira em que se lia: 'Penitência'. Estes foram colocar-se à cabeça de todos aqueles grupos de meninos que haviam de continuar a viagem a pé.
Em seguida, deu o sinal de partida. Muitos sacerdotes lançaram-se atrás da carruagem e os seis jovens vestidos de branco lhes seguiram e, mais atrás, ia toda a multidão de garotos, acompanhados de uma música belíssima, indescritível... extasiado por aquela melodia do céu, ocorreu a Dom Bosco olhar para trás e comprovar que todos os jovens lhe seguiam. Porém, ó doloroso espetáculo! Muitos haviam caídos no vale e muitos outros haviam voltado atrás. Com indizível dor, decidiu refazer o caminho para persuadir àqueles imprudentes que continuassem na ação e para ajudar-lhes na caminhada. A voz, entretanto, o proibiu severamente. 'Mas, se não lhes ajudo, estes pobrezinhos vão se perder...' 'Pior para eles', lhe foi respondido, 'foram chamados como os demais e não quiseram seguir-te. Viram o caminho a seguir e isto lhes basta'. Assim, Dom Bosco teve que prosseguir o caminho.
Mal refeito deste sofrimento, sucedeu-se outro lamentável acidente. Muitos dos meninos que se encontravam na carruagem, caíam por terra pouco a pouco. Dos quinhentos, restavam agora apenas cento e cinquenta. Parecia que o seu coração ia partir no peito pela insuportável angústia. Abrigava, com tudo, a esperança de que aquilo fosse somente um sonho; fazia todo tipo de esforço para despertar-se porém cada vez se convencia mais de que se tratava de uma terrível realidade. Dava palmadas e ouvia o ruído produzido por suas mãos, gemia e percebia seu gemidos ressonando na habitação, queria dissipar aquele terrível pesadelo, porém nada conseguia fazer. 'Ah, meus queridos jovens!' exclamou ao chegar a este ponto da narração do sonho, 'eu havia visto e reconhecido os que caíram no vale, os que voltaram atrás e os que caíram da carruagem; reconheci a todos e fiz toda sorte de esforços possíveis ao meu alcance para salvá-los...
Passadas sete colinas, ao chegar na oitava, a multidão de jovens chegou a um belíssimo povoado em que se fez um pouco de descanso. As casas era de uma riqueza e de uma beleza indescritível...Dom Bosco experimentou aqui outra estranha surpresa. Viu de repente os seus jovens como se houvessem tornados velhos: sem dentes, com o rosto cheio de rugas, cabelos brancos, encurvados e caminhando com dificuldades apoiados em um bastão. O Servo de Deus estava maravilhado com aquela metamorfose, mas a voz lhe disse: 'Tu te maravilhas, porém, hás de saber que não faz horas que saíste do vale, senão anos e anos. Tem sido a música que tem feito que o caminho te parecera curto. Em prova do que te digo, observa rua fisionomia e te convencerás de que estou dizendo a verdade'. Então foi apresentado um espelho a Dom Bosco e, ao se olhar nele, comprovou que o seu aspecto era de um homem ancião, de rosto coberto de rugas e boca sem dentes.
[as colinas seriam decênios; a oitava colina, na qual Dom Bosco descansou, correspondente ao oitavo decênio, estaria associado ao fim da vida terrena do santo, que faleceu aos 72 anos, em 1888]
A comitiva, entretanto, tornou-se a colocar em marcha e os jovens manifestavam desejos, de quando em quando, a se deter para contemplar aquelas coisas novas. Dom Bosco lhes dizia: 'Adiante, adiante, não necessitamos de nada, não temos fome, não temos sede ; portanto, prossigamos adiante'. Ao fundo, na parte distante, sobre a décima colina despontava uma luz que aumentava sempre, como se saísse de uma maravilhosa porta. O canto agora era tão belo e harmonioso, que somente no Paraíso se poderia ter algo igual. Era algo impossível de descrever e foi tanto o júbilo que inundou a alma de Dom Bosco que ele despertou neste momento.