quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Quem não reconhecerá que justamente nós afirmamos que Maria, assídua companheira de Jesus, desde a casa de Nazaré até ao Calvário, iniciada mais do que qualquer outro nos segredos do seu Coração, dispensadora, por direito de Mãe, de todos os tesouros dos seus méritos, é por tudo isso ajuda ainda mais segura e eficaz para chegar ao conhecimento e amor de Cristo? Prova evidente disso, nos dão infelizmente, com sua conduta deplorável, aqueles homens que, seduzidos pelos artifícios do demônio ou enganados por falsas doutrinas,creem poder dispensar o socorro da Virgem. Miseráveis e infelizes, transcuram Maria com a desculpa de renderem honra somente a Cristo! Ignoram que não se pode encontrar o Menino senão por Maria, sua Mãe'.  

(São Pio X)

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCIV)


Capítulo XCIV

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - São Tomás de Aquino, sua Irmã e a Aparição do Irmão Romano - O Arcipreste Ponzoni e Dom Alfonso Sánchez - Santa Margarida Maria e a Incredulidade de Madre Greffier 

O Doutor Angélico - Santo Tomás de Aquino - era também muito devoto das almas sofredoras, que lhe apareceram várias vezes, como ele próprio testemunhou. Ele oferecia suas orações e sacrifícios a Deus especialmente pelas almas dos falecidos que ele conhecera ou com quem tinha parentesco. Quando era professor de Teologia na Universidade de Paris, perdeu uma irmã que faleceu em Cápua, no convento de Santa Maria, do qual era abadessa. Assim que soube de sua morte, recomendou fervorosamente sua alma a Deus. Dias depois, ela lhe apareceu, suplicando que tivesse piedade dela e intensificasse as suas súplicas, pois sofria cruelmente nas chamas da outra vida. Tomás apressou-se em oferecer todas as satisfações possíveis por ela e solicitou também as orações de vários amigos. Assim, obteve a libertação de sua irmã, que veio pessoalmente anunciar-lhe a boa nova.

Algum tempo depois, tendo sido enviado a Roma por seus superiores, a alma de sua irmã manifestou-se a ele em toda a glória de uma alegria triunfante. Ela disse que suas orações foram ouvidas, que estava livre do sofrimento e prestes a gozar do repouso eterno no seio de Deus. Familiarizado com essas comunicações sobrenaturais, o santo não hesitou em interrogar a aparição, perguntando sobre o destino de seus dois irmãos, Arnoldo e Landolfo, que haviam falecido anteriormente. 'Arnoldo está no Céu' -respondeu a alma - 'e goza de um alto grau de glória por ter defendido a Igreja e o Sumo Pontífice contra as agressões do imperador Frederico. Quanto a Landolfo, ele ainda está no Purgatório, onde sofre muito e precisa de assistência. Quanto a você, meu querido irmão' - acrescentou - 'um lugar magnífico o aguarda no Paraíso, em recompensa por tudo o que você fez pela Igreja. Apresse-se em concluir as obras que iniciou, pois em breve você se unirá a nós'. A história conta que, de fato, ele viveu apenas por um curto período após esse evento.

Em outra ocasião, o mesmo santo, estando em oração na Igreja de São Domingos, em Nápoles, viu aproximar-se o Irmão Romano, que o sucedera em Paris na cadeira de teologia. O santo pensou inicialmente que ele tinha acabado de chegar de Paris, pois ignorava a sua morte. Assim, levantou-se, foi ao seu encontro, saudou-o e perguntou sobre sua saúde e o motivo da viagem. ''Não pertenço mais a este mundo' - disse o religioso com um sorriso - 'e, pela misericórdia de Deus, já desfruto da bem-aventurança eterna. Venho por ordem de Deus encorajá-lo em seus trabalhos'. 'Estou em estado de graça?' - perguntou imediatamente Tomás. 'Sim, querido irmão, e suas obras são muito agradáveis a Deus'. 'E você, teve que sofrer no Purgatório?' 'Sim, por quatorze dias, devido a pequenas infidelidades que não expiei suficientemente na Terra'. Então Tomás, cuja mente estava constantemente ocupada com questões teológicas, aproveitou a oportunidade para tentar penetrar o mistério da visão beatífica; mas recebeu como resposta este versículo do Salmo 47: Sicut audivimus, sic vidimus in civitate Dei nostri – Como aprendemos pela fé, vimos com nossos olhos a cidade do nosso Deus'. Dizendo essas palavras, a aparição desapareceu, deixando o Doutor Angélico inflamado pelo desejo do Bem Eterno.

Mais recentemente, no século XVI, um favor semelhante, mas talvez mais maravilhoso, foi concedido a um zelador das almas do Purgatório, amigo íntimo de São Carlos Borromeu. O Venerável Gratien Ponzoni, arcipreste [decano] de Arona, dedicou sua vida às almas sofredoras. Durante a peste que vitimou tantas pessoas na diocese de Milão, Ponzoni, além de ministrar os sacramentos aos doentes, não hesitou em assumir o papel de coveiro, enterrando os mortos, pois o medo havia paralisado a coragem de todos. Com zelo e caridade verdadeiramente apostólicos, ajudou muitas vítimas em seus últimos momentos e enterrou-as no cemitério próximo à sua igreja de Santa Maria.

Certo dia, após o Ofício de Vésperas, ao passar pelo cemitério com Dom Alfonso Sánchez, governador de Arona, Ponzoni parou, impressionado por uma visão extraordinária. Temendo uma ilusão, perguntou ao governador: 'Senhor, você vê o mesmo espetáculo que eu?' 'Sim' - respondeu o governador - 'vejo uma procissão de mortos avançando de seus túmulos para a igreja; e confesso que, até você falar, não acreditava em meus olhos'. Convencido da realidade da aparição, o arcipreste concluiu: 'Provavelmente são vítimas recentes da peste, que querem manifestar sua necessidade de orações'” Ele imediatamente ordenou que os sinos tocassem e convidou os paroquianos para um serviço solene pelos mortos no dia seguinte.

Essas aparições, atestadas por testemunhas confiáveis e santos como Tomás de Aquino, demonstram a importância de orações pelas almas do Purgatório. Ainda hoje, devemos ser prudentes, mas também abertos à fé, evitando incredulidade excessiva, especialmente quando se trata da glória de Deus e do bem do próximo.

Vemos aqui duas pessoas cujo bom senso as protegeu contra qualquer perigo de ilusão e que, ambas impressionadas ao mesmo tempo ao verem a mesma aparição, hesitaram em acreditar nela até estarem convencidas de que seus olhos estavam testemunhando o mesmo fenômeno. Não há o menor espaço para alucinação, e qualquer pessoa sensata deve admitir a realidade de um acontecimento sobrenatural, atestado por tais testemunhas. Também não podemos questionar essas aparições baseadas no testemunho de um Santo Tomás de Aquino, como relatado acima. Devemos evitar rejeitar com demasiada facilidade outros fatos da mesma natureza, desde que sejam atestados por pessoas de santidade reconhecida e verdadeiramente dignas de crédito. Certamente, é necessário sermos prudentes, mas nossa prudência deve ser cristã, igualmente distante da credulidade e daquele espírito orgulhoso e pretensioso com o qual, como já observamos, Jesus repreendeu seus Apóstolos: Noli esse incredulus, sed fidelis – 'Não sejas incrédulo, mas crente' (Jo 20,27).

Monsenhor Languet, Bispo de Soissons, faz a mesma observação em referência a uma circunstância que ele relata na vida da Beata Margarida Maria Alacoque. Madame Billet, esposa do médico da casa – isto é, do convento de Paray, onde residia a bem-aventurada irmã – acabara de falecer. A alma da falecida apareceu à serva de Deus, pedindo suas orações e encarregando-a de alertar o marido sobre dois assuntos secretos relacionados à sua salvação. A santa irmã relatou o ocorrido à sua superiora, Madre Greffier. A superiora ridicularizou a visão e também a quem a relatou; impôs silêncio a Margarida, proibindo-a de dizer ou fazer qualquer coisa relacionada ao que lhe fora solicitado.

A humilde religiosa obedeceu com simplicidade e, com a mesma simplicidade, relatou à Madre Greffier a segunda solicitação que recebeu da falecida alguns dias depois; mas a superiora tratou isso com o mesmo desprezo. No entanto, na noite seguinte, foi despertada por um barulho tão terrível em seu quarto que pensou que morreria de susto. Chamou as irmãs e, quando vieram ajudá-la, ela estava a ponto de desmaiar. Quando se recuperou um pouco, culpou-se por sua incredulidade e não demorou a informar o médico sobre o que havia sido revelado à irmã Margarida. O médico reconheceu o aviso como vindo de Deus e aproveitou-o. Quanto à Madre Greffier, aprendeu pela experiência que, embora a desconfiança seja geralmente a política mais sábia, às vezes é errado levá-la longe demais, especialmente quando estão em jogo a glória de Deus e o bem do próximo.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

ONDE NÃO HÁ ÓDIO À HERESIA, NÃO HÁ SANTIDADE

Se odiássemos o pecado, como deveríamos odiá-lo, de forma pura, intensa e corajosa, deveríamos fazer mais penitência, deveríamos impor mais auto-punição em nossas atitudes, deveríamos lamentar nossos pecados de forma mais duradoura. Por fim, a maior deslealdade a Deus é a heresia. É o pecado dos pecados, a coisa mais abominável que Deus olha com desprezo neste mundo maligno. 

No entanto, quão pouco entendemos a sua excessiva repugnância! É a poluição da verdade de Deus, que é a pior de todas as impurezas. No entanto, como a tratamos com indiferença! Olhamos para ela e permanecemos calmos. A tocamos e nem sequer estremecemos. Nos misturamos com ela e isso não nos causa receio. Vemos a heresia tocar coisas sagradas e não sentimos nenhum senso de sacrilégio. Respiramos seu odor e não demonstramos sinais de detestação ou repugnância. Alguns de nós fingem ser seus amigos; e alguns até atenuam sua culpa. Não amamos a Deus o suficiente para ficarmos irados por sua glória. Não amamos os homens o suficiente para sermos caridosamente verdadeiros para com suas almas. 

Tendo perdido o tato, o gosto, a visão e todo o senso de espiritualidade celestial, conseguimos habitar no meio desta praga odiosa, com uma tranquilidade imperturbável, reconciliados com sua imundície, não sem algumas concessões arrogantes de liberal admiração, talvez até com uma exibição solícita de simpatias tolerantes. Por que estamos tão abaixo dos antigos santos, e até dos modernos apóstolos destes tempos mais recentes, na abundância das nossas conversões? Porque não temos a severidade antiga. Precisamos do espírito antigo da Igreja, da antiga mentalidade eclesiástica. 

Nossa caridade é falsa, porque não é severa; e é ineficaz porque é falsa. Nos falta devoção à verdade como verdade, como a verdade de Deus. Nosso zelo pelas almas é insignificante, porque não temos zelo pela honra de Deus. Agimos como se Deus fosse elogiado pelas conversões, em vez de as ver como almas salvas por um ato de misericórdia. Dizemos às pessoas metade da verdade, a metade que mais se adapta à nossa pusilanimidade e ao seu orgulho; e então nos perguntamos por que tão poucos se convertem e, porque entre tão poucos, tantos apostatam. Somos tão fracos que nos surpreendemos que nossa meia-verdade não tenha tido o sucesso da verdade inteira de Deus. Onde não há ódio à heresia, não há santidade. Um homem, que poderia ser um apóstolo, torna-se um câncer na Igreja pela falta dessa justa abominação.

(Excertos traduzidos da obra 'The Precious Blood', do Pe. F.W. Faber)

domingo, 12 de janeiro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo!' (Sl 28)

Primeira Leitura (Is 42,1-4.6-7) - Segunda Leitura (At 10,34-38) -  Evangelho (Lc 3,15-16.21-22)

  12/01/2025 - FESTA DO BATISMO DO SENHOR 

BATISMO DO SENHOR


No Evangelho do Batismo do Senhor, encerra-se na liturgia o tempo do Natal. João Batista, nas águas do Jordão, realizava um batismo de penitência, de ação meramente simbólica, pois não imprimia ao batizado o caráter sobrenatural e a graça santificante imposta pelo Batismo Sacramental, instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo: 'Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo' (Lc 3, 16).

O Batismo de Jesus constitui, ao contrário, um ato litúrgico por excelência, pois o Senhor se manifesta publicamente em sua missão salvífica. Chega ao fim o tempo dos Profetas: o Messias tão anunciado torna-se realidade diante o Precursor nas águas do Jordão. E o batismo de Jesus é um ato de extrema humildade e de misericórdia de Deus: assumindo plenamente a condição humana, Jesus quis ser batizado por João não para se purificar pois o Cordeiro sem mácula alguma não necessitava do batismo, mas para purificar a humanidade pecadora sob a herança dos pecados de Adão. Ao santificar as águas do Jordão e nelas submergir os nossos pecados, Jesus santificou todas as águas do Batismo Sacramental de todos os homens assim batizados.

Ao receber o batismo de João, Jesus rezava: 'E, enquanto rezava...' (Lc 3, 21). E, enquanto Jesus rezava, 'o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus...' (Lc 3, 21-22). O Espírito Santo manifesta-se diante da oração proferida na intimidade com o Pai, sem anelos de vanglória e clamor. Oração humilde, profunda, de absoluta confiança e louvor ao Pai, que induz a primeira manifestação da Santíssima Trindade, ratificada pela pomba e pela voz que vem do Céu: 'Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer' (Lc 3, 22). No batismo do Jordão, manifesta-se em plenitude a divindade de Cristo.

Eis a síntese da nossa fé cristã, legado de Deus a toda a humanidade, sem distinção de pessoas: 'ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença' (At 10, 35). No Jordão, o céu se abriu para o Espírito Santo descer sobre a terra. No Jordão, igualmente, manifestou-se por inteiro o perdão e a misericórdia de Deus e a graça da salvação humana por meio do batismo. E, com o batismo de Jesus, tem início a vida pública do Messias preanunciado por gerações. Esta liturgia marca, portanto, o início do Tempo Comum, período em que a Igreja acompanha, a cada domingo e a cada semana, as pregações, ensinamentos e milagres de Jesus sobre a terra, o tempo em que o próprio amor de Deus habitou em nós.

sábado, 11 de janeiro de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (II)

P2 - Esses argumentos são de fato muito fortes, mas qual é o resultado de todas essas reflexões e testemunhos das Escrituras?

A consequência é autoevidente: uma vez que a salvação não pode ser alcançada em qualquer seita separada da fé da Igreja de Cristo e que ensina doutrinas falsas, a Igreja de Cristo é o único caminho designado pelo Deus Todo-Poderoso pelo qual podemos ser salvos, e fora de sua comunhão não há possibilidade ordinária de salvação.

P3 - Por que se diz 'possibilidade ordinária de salvação'? Há alguma razão para supor que Deus tenha reservado algum meio extraordinário de salvação para aqueles que não estão em comunhão com a Igreja de Cristo pela verdadeira fé?

Sem dúvida, é (absolutamente falando) possível para Deus salvar os homens por quaisquer meios que Ele desejar; e Ele poderia ter salvo toda a humanidade pelos méritos de qualquer coisa que Jesus Cristo tenha feito ou sofrido, sem exigir um sacrifício tão severo dEle como a sua morte na cruz. Mas, o que Deus pode fazer neste aspecto não é relevante para o nosso propósito; a grande questão para nós é saber o que Ele fez. Agora, como vimos antes, pelo tom geral da revelação, Deus designou a verdadeira fé em Jesus Cristo e ser membro de sua Igreja como condições para a salvação. Ele as estabeleceu como condições essenciais, de modo que ninguém será ou poderá ser salvo sem elas. 

A palavra de Deus não aponta para nenhum outro caminho possível pelo qual o homem possa ser salvo; de fato, por mais que Deus às vezes tome meios extraordinários para trazer as pessoas à sua Igreja, conforme o modo que Ele descreve em muitos dos textos citados, é impossível que Ele tenha reservado meios extraordinários de salvação para aqueles que vivem e morrem sem estar em comunhão com a Igreja de Cristo pela verdadeira fé; caso contrário, Ele se contradizeria e desmentiria as suas próprias palavras, o que é absolutamente impossível. Por exemplo, essas duas declarações expressas das Escrituras: 'O Senhor acrescentava diariamente à Igreja os que haviam de ser salvos' e 'os que estavam ordenados para a vida eterna creram', não seriam verdadeiras, se houvesse qualquer possibilidade de salvação para aqueles que não foram adicionados à Igreja ou não creram. O mesmo se aplica igualmente à maioria dos outros textos, como se verá ao analisá-los.

P.4 - Não é uma doutrina muito pouco caridosa dizer que ninguém pode ser salvo fora da Igreja ou que não crê como a Igreja crê?

Se essa doutrina fosse uma mera opinião humana ou o resultado apenas de raciocínios humanos, poderia ser vista como pouco caridosa ou de qualquer outra forma que se queira; mas é uma doutrina que não depende da razão humana. É um ponto que depende exclusivamente da vontade do Todo-Poderoso; e a única questão é saber o que Ele decidiu a respeito. Agora, toda a doutrina da sua santa Escritura, sobre este ponto, declara de forma mais clara e firme que Ele ordenou que ninguém seria salvo fora da Igreja de Cristo ou sem a verdadeira fé, e quem ousaria dizer que uma doutrina ensinada e declarada pelo grande Deus é pouco caridosa? 

Mas o erro que muitos cometem nesse ponto vem do fato de não refletirem que Deus Todo-Poderoso não está obrigado a salvar ninguém. Ele perseguiu os anjos caídos com o máximo rigor da justiça e Ele poderia justamente ter tratado o homem da mesma forma. Se, portanto, Ele se agradou de oferecer a salvação à humanidade, pelos méritos de Jesus Cristo, isso é tudo um efeito da sua infinita bondade e misericórdia; mas como Ele é o perfeito mestre dos seus próprios dons, Ele certamente tem total liberdade para exigir as condições que desejar para conceder os seus dons a nós. Agora, o todo de sua vontade revelada nos declara que Ele exige que sejamos membros da sua Igreja e que tenhamos a verdadeira fé em Jesus Cristo como condições indispensáveis para a salvação; e quem ousaria criticá-lo por fazer isso? Ou dizer que é uma opinião pouco caridosa pensar e acreditar no que Ele declarou tão expressamente e repetidamente em suas santas Escrituras?

Observe ainda que não é apenas a Igreja Católica que sustenta essa doutrina. Vimos acima que os pais e fundadores da Igreja Protestante da Escócia afirmam, em termos expressos, que 'fora da verdadeira Igreja de Cristo não há possibilidade ordinária de salvação' e a inseriram como um artigo de fé no padrão público e autêntico de sua religião, a Confissão de Fé, que todos os seus ministros devem abraçar e assinar. A Igreja da Inglaterra também, de maneira autêntica, declara, como um artigo de seu Credo, 'que, a menos que o homem mantenha a fé católica inteira e imaculada, sem dúvida perecerá eternamente'; e garante aos seus membros que esse Credo pode ser provado pelos textos mais evidentes da Sagrada Escritura, pelos quais todos os seus ministros devem assinar. Além disso, ela afirma que 'aqueles que presumem dizer que todo homem (mesmo que não esteja na verdadeira fé de Jesus Cristo) será salvo pela lei ou seita que professa' devem ser considerados malditos. Se, portanto, essa doutrina for considerada pouco caridosa, as Igrejas da Inglaterra e da Escócia devem evidentemente cair sob condenação. 

É verdade que, de fato, embora os fundadores dessas Igrejas, convencidos pelos testemunhos repetidos e evidentes da Palavra de Deus, tenham professado essa verdade e a inserido nos padrões públicos de sua religião, seus descendentes agora a negam e acusam a Igreja Católica de ser pouco caridosa por sustentá-la; mas isso só mostra sua inconsistência e prova que estão desprovidos de toda certeza no que acreditam; pois, se era uma verdade divina, quando essas religiões foram fundadas, que fora da verdadeira Igreja, e sem a fé católica, não há salvação, isso deveria ser assim ainda hoje; e se os seus primeiros fundadores estavam errados nesse ponto, que segurança podem agora ter seus seguidores em relação a qualquer outra coisa que ensinaram? Mas a Igreja Católica, sempre consistente e uniforme em sua doutrina, sempre preservando as palavras que uma vez foram colocadas em sua boca por seu Divino Mestre, em todos os tempos e em todas as idades, tem acreditado e ensinado a mesma doutrina como uma verdade revelada por Deus, de que 'fora da verdadeira Igreja de Cristo, e sem a sua verdadeira fé, não há possibilidade de salvação' e o mais autêntico testemunho público de seus inimigos prova que esta é a doutrina de Jesus e do seu santo Evangelho, seja o que for que pessoas privadas, por motivos egoístas e interessados, possam dizer em contrário. 

Tampouco ela tem medo de ser considerada pouco caridosa por causa disso. Pelo contrário, ela considera o auge da caridade alertar os homens sobre o perigo que correm, em uma questão de tamanha importância como a salvação eterna; e, com compaixão por sua situação, usa todos os meios ao seu alcance, especialmente a oração fervorosa a Deus, pela conversão de todos aqueles que estão fora do verdadeiro caminho, para que possam ser levados ao conhecimento da verdade e serem salvos. Isso é verdadeira caridade; pois a caridade é uma virtude do coração, que faz o homem amar a alma do próximo e se empenhar para promover a sua salvação; e somente a opinião que tende a excitar e promover essa disposição merece ser chamada de caridosa; enquanto o contrário, que torna o homem indiferente e negligente em relação à alma do próximo, é verdadeiramente pouco caridosao. 

É claro, portanto, que a acusação de ser pouco caridosa é uma mera distorção e calúnia, empregada para tornar a Igreja Católica e sua doutrina odiosas. Seus inimigos perceberam que a falta de caridade era um crime chocante para qualquer mente bem-disposta e que certamente causaria ódio e aversão, se fosse atribuída a ela. Eles sabiam que seus seguidores, que estavam sempre prontos para acreditar em qualquer coisa contra ela, não se esforçariam para examinar as bases dessa acusação e tomariam por garantido que ela era culpada com base em sua ousada afirmação; e o resultado confirmou sua opinião. Mas a menor atenção mostrará que sua conduta é o efeito da genuína caridade. São Paulo foi pouco caridoso quando declarou que 'nem os fornicadores, nem os idólatras, nem os adúlteros'... herdarão o reino de Deus'? (1Cor 6,9) ou quando ele pronunciou 'uma maldição sobre qualquer um, mesmo que fosse um anjo do céu, que pregasse qualquer outro evangelho além do que ele havia pregado' (Gl 1,8). Muito pelo contrário: isto foi a sua ardente caridade e o zelo pela salvação deles que o fez tão diligente em alertá-los sobre o perigo. Como, então, pode a Igreja Católica ser considerada pouco caridosa por simplesmente dizer o que ele declarou, com o mesmo motivo caridoso? Uma opinião desfavorável tem ela certamente sobre todos os que não pertencem à sua comunhão, mas isso nunca corresponderia a uma atitute pouco caridosa por parte da Igreja.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

OS 12 PRINCÍPIOS DA NATUREZA DOS ANJOS


l. Os anjos têm começo, mas não podem morrer e permanecem perpetuamente idênticos a eles mesmos. 
2. Os anjos não estão sujeitos às leis do tempo, mas têm uma medida de duração que lhes é própria. 
3. Os anjos situam-se de maneira absoluta acima do espaço, sem jamais poderem ser submetidos às suas leis. 
4. Os anjos exercem seu poder sobre o mundo material, diretamente pela vontade. 
5. A vida dos anjos é dotada apenas de duas faculdades: inteligência e vontade. 
6. No que toca à ordem natural, o anjo não pode errar, nem em sua inteligência e nem em sua vontade. 
7. O anjo jamais volta atrás de uma decisão que tenha tomado. 
8. O espírito angélico não é como o espírito humano, sujeito a um desenvolvimento gradual pois, desde o início, surge com plenitude de conhecimento. 
9. O anjo pode influenciar diretamente uma outra inteligência criada, mas não pode agir diretamente sobre outra vontade criada.
10. Os anjos são dotados de livre-arbítrio, sendo capazes de amar e odiar. 
11. Os anjos conhecem as coisas materiais e individuais. 
12. Os anjos não conhecem o futuro, nem os pensamentos secretos das outras criaturas racionais, nem os mistérios da graça, a menos que tais coisas lhes sejam livremente reveladas por Deus ou por essas outras criaturas racionais.

(Excertos da obra 'Os Anjos', de Dom Vonier)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

OS GRANDES TESOUROS DA MÚSICA SACRA (I)

Miserere é um dos salmos atribuídos a Davi, rei de Israel [Salmo 50]. E é um clamor de piedade por um crime terrível: Davi desejou Bate-Seba (ou Betsabé), esposa de seu soldado mais fiel, Urias - o hitita - e deitou-se com ela e a engravidou. O rei então tramou para que Urias fosse morto em batalha. O bebê nasceu e morreu em seguida. Davi então pediu perdão e casou-se com Bate-Seba, que lhe deu outro filho: Salomão. 

Miserere mei é a versão musicada do salmo 50 feita pelo compositor italiano Gregorio Allegri (1582 - 1652), reproduzida na gravação abaixo. A tradução apresentada na sequência é bastante convencional do Salmo 50 em português. Música sacra para se ouvir, deleitar-se e se recolher na presença de Deus!



SALMO 50

Miserere mei, Deus: secundum magnam misericordiam tuam. 
Et secundum multitudinem miserationum tuarum, dele iniquitatem meam. 
Amplius lava me ab iniquitate mea: et a peccato meo munda me. 
Quoniam iniquitatem meam ego cognosco: et peccatum meum contra me est semper. 
Tibi soli peccavi, et malum coram te feci: ut justificeris in sermonibus tuis, et vincas cum judicaris. Ecce enim in iniquitatibus conceptus sum: et in peccatis concepit me mater mea. 
Ecce enim veritatem dilexisti: incerta et occulta sapientiae tuae manifestasti mihi. 
Asperges me hysopo, et mundabor: lavabis me, et super nivem dealbabor. 
Auditui meo dabis gaudium et laetitiam: et exsultabunt ossa humiliata. 
Averte faciem tuam a peccatis meis: et omnes iniquitates meas dele. 
Cor mundum crea in me, Deus: et spiritum rectum innova in visceribus meis. 
Ne proiicias me a facie tua: et spiritum sanctum tuum ne auferas a me. 
Redde mihi laetitiam salutaris tui: et spiritu principali confirma me. 
Docebo iniquos vias tuas: et impii ad te convertentur. 
Libera me de sanguinibus, Deus, Deus salutis meae: et exsultabit lingua mea justitiam tuam. 
Domine, labia mea aperies: et os meum annuntiabit laudem tuam. 
Quoniam si voluisses sacrificium, dedissem utique: holocaustis non delectaberis. 
Sacrificium Deo spiritus contribulatus: cor contritum, et humiliatum, Deus, non despicies. 
Benigne fac, Domine, in bona voluntate tua Sion: ut aedificentur muri Ierusalem. 
Tunc acceptabis sacrificium justitiae, oblationes, et holocausta: tunc imponent super altare tuum vitulos.


Tende piedade de mim, Senhor, segundo a vossa bondade. 
E conforme a imensidade de vossa misericórdia, apagai a minha iniquidade.
Lavai-me totalmente de minha falta, e purificai-me de meu pecado.
Eu reconheço a minha iniquidade, diante de mim está sempre o meu pecado.
Só contra vós pequei, o que é mau fiz diante de vós. Vossa sentença assim se manifesta justa, e reto o vosso julgamento.
Eis que nasci na culpa, minha mãe concebeu-me no pecado.
Não obstante, amais a sinceridade de coração. Infundi-me, pois, a sabedoria no mais íntimo de mim.
Aspergi-me com um ramo de hissope e ficarei puro. Lavai-me e me tornarei mais branco do que a neve.
Fazei-me ouvir uma palavra de gozo e de alegria, para que exultem os ossos que triturastes.
Dos meus pecados desviai os olhos, e minhas culpas todas apagai.
Ó meu Deus, criai em mim um coração puro, e renovai-me o espírito de firmeza.
De vossa face não me rejeiteis, e nem me priveis de vosso santo Espírito.
Restituí-me a alegria da salvação, e sustentai-me com uma vontade generosa.
Então, aos maus ensinarei vossos caminhos, e voltarão a vós os pecadores.
Deus, ó Deus, meu salvador, livrai-me da pena desse sangue derramado, e a vossa misericórdia a minha língua exaltará.
Senhor, abri meus lábios, a fim de que minha boca anuncie vossos louvores.
Vós não vos aplacais com sacrifícios rituais; e se eu vos ofertasse um sacrifício, não o aceitaríeis.
Meu sacrifício, ó Senhor, é um espírito contrito, um coração arrependido e humilhado, ó Deus, que não haveis de desprezar.
Senhor, pela vossa bondade, tratai Sião com benevolência, reconstruí os muros de Jerusalém.
Então, aceitareis os sacrifícios prescritos, as oferendas e os holocaustos; e sobre vosso altar vítimas vos serão oferecidas (Sl 50, 3,21).

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

VÓS SOIS OS TEMPLOS SANTOS DE DEUS!

Eu e o Pai viremos e faremos nele nossa morada. Franqueia, então, a tua porta ao que vem, abre tua alma, alarga o íntimo de tua mente para veres as riquezas da simplicidade, os tesouros da paz, a doçura da graça. Dilata o coração e corre ao encontro do sol, da eterna luz, a que ilumina a todo homem. Esta luz verdadeira brilha para todos. Mas, se alguém fecha as janelas, priva-se da eterna luz. Assim também Cristo é repelido se fechas a porta de teu espírito. Embora possa entrar, não quer ser importuno, não quer entrar à força. Recusa-se a usar de coação!

Nascido da Virgem, ele saiu do seio, irradiando luz sobre o mundo inteiro, refulgindo para todos. Os que desejam, acolhem a claridade inextinguível que noite alguma interrompe. Pois à luz do sol que vemos diariamente, sucede a noite escura; mas o sol da justiça jamais se põe, porque à sabedoria não sucede a maldade.

Feliz aquele a cuja porta Cristo bate. Nossa porta é a fé, que, quando sólida, defende a casa toda. Por esta porta Cristo entra. Daí dizer a Igreja no Cântico: 'Eis a voz do meu amado. Ele bate. Abre-me, minha irmã, minha amada, minha pomba, minha perfeita; minha cabeça está coberta de orvalho, e os cachos de meus cabelos cheios das gotas da noite' (Ct 5,2). Observa que o Deus Verbo bate à porta principalmente quando sua cabeça está coberta de orvalho noturno. Digna-se visitar os atribulados e amargurados, para que não sucumbam às amarguras. A cabeça cobre-se de orvalho e de gotas quando o corpo sofre. Importa, portanto, vigiar para não ficar excluído à chegada do Esposo. Se dormes e o teu coração não vigia, afasta-se antes de bater. Se o teu coração está vigilante, bate e pede ser-lhe aberta a porta.

Possuímos a porta de nossa alma, possuímos também portais sobre os quais se diz: 'Levantai, príncipes, vossos portais, erguei-vos, portas eternas, e entrará o Rei da glória'. Se quiseres levantar os portais de tua fé, entrará em ti o Rei da glória, trazendo a vitória de sua paixão. Tem também portas à justiça. Delas lemos o que disse o Senhor Jesus por meio de seu profeta: 'Abri-me as portas da justiça' (Sl 118,19). Há quem tenha portas, há quem tenha portais. A essas portas Cristo bate, bate também aos portais. Abre, então, para Ele que quer entrar e encontrar vigilante a Esposa.

(Excertos do 'Do comentário sobre o Salmo 118', de (Santo Ambrósio)

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS (394/398)

 

CONTOS DE FANTASIA (LENDAS)

394. O PODER DE SÃO JOSÉ 

Havia um homem, devoto de São José, que não se preparou para a morte e, assim mesmo, quis entrar no céu. Mas São Pedro, vendo-o chegar manchado, fechou-lhe a porta e deixou-o sentado no corno da lua. Entretanto não faltou quem fosse contar o caso a São José, o qual se apresentou diante do trono de Deus para pedir graça para seu devoto. O Senhor negou-lhe a graça. São José disse que era um devoto seu. 'Devoto que acende uma vela a ti e duas ao demônio...?'

São José, porém, decidido a vencer, disse:
➖ Se meu devoto não entrar no céu, eu me vou embora.
➖ Pois então vai! - disse o Senhor.
São José, que não esperava essa resposta, de chapéu na mão, dirigia-se para a porta; mas, no meio do caminho, virou-se e disse:
➖ Se eu for, não irei só; deve ir comigo também a minha esposa.
➖ Pois que vá!
➖ Mas levando minha esposa, devo levar tudo que lhe pertence...
➖ Pois que leve tudo! - disse o Senhor.
➖ Tenho aqui uma lista completa - E São José, em pé no meio do paraíso, começou a ler: 'Rainha dos Anjos!' - e já todos os anjos voaram para a porta; Rainha dos Patriarcas! - e eles foram se enfileirando perto da porta; Rainha dos Mártires! - vão todos eles também para a porta. E quando São José ia clamar: Rainha de todos os Santos!...
➖ Olha, José; corre, vai dar um banho no teu devoto e, depois, faça que ele entre no céu; porque, se me empenho em não deixá-lo entrar, por justiça fico sozinho no céu!

395. A SOPINHA DE JESUS

A Sagrada Família estava no desterro do Egito. Ia caindo a tarde e São José não conseguira terminar seu trabalho para receber o pagamento. Suspirando olhava para sua castíssima esposa, a qual, adivinhando o que se passava no coração de José, disse-lhe:
➖ Não temas; tenho um pouco de leite e pão e farei uma sopinha para o nosso querido Menino; nós comeremos amanhã, se Deus quiser.

No mesmo instante em que se dispunha a dar a Jesus o humilde alimento, uma voz trêmula implorava uma esmola. O Menino olhou para sua Mãe e ela disse: 
➖ Não temos nada, meu Filho!
O Menino corre, toma a tigelinha de sopa e leva-a ao velhinho que pedia esmola. E José e Maria choraram em silêncio, vendo Jesus fazer aquele sacrifício, prelúdio do sacrifício da Cruz, que êle mesmo ofereceria ao Pai eterno.

396. AS POMBINHAS DO MENINO JESUS

O Menino Jesus estava brincando com outros meninos às margens do rio Nilo. Faziam passarinhos de areia. Jesus fazia-os tão lindos, que Nossa Senhora, ao contemplá-los, exclamou: 'Que pena que não tenham vida!'

Jesus para comprazer a sua mãe, deu vida às suas duas pombinhas e as fez voar. Recomendou-lhes que não fossem para muito longe e não se ajuntassem com as aves de rapina. Sobre a cúpula do templo de Menfis estavam as outras pombas e para lá se foram elas também. Eis que, ao chegar o gavião para persegui-las uma fugiu imediatamente e foi refugiar-se junto de Nossa Senhora; a outra demorou-se e, ao regressar à tarde, apresentava muitos ferimentos e poucas penas. Jesus tomou-a entre as mãos e curou-a. No dia seguinte repetiu-se a cena, e a pombinha ferida regressou quando a Sagrada Família já se havia recolhido em sua casinha. Assentou-se na janela e São José a recolheu e Jesus curou-a de novo e fez-lhe muitas advertências e deu-lhe muitos conselhos. Na manhã seguinte repetiram as pombas o seu passeio, mas a desobediente foi devorada pelo gavião.

O mesmo acontece com tantos cristãos que, por sua imprudência, caem nas garras do demônio, que os corrompe e mata!

397. A MÃO MAIS LINDA

Três meninos iam muito alegres à cidade, onde o que tivesse a mão mais linda ganharia um prêmio. Chegou um deles ao bosquezinho de nardos: uma a uma foi tocando as olorosas flores que, em sinal de gratidão, deixavam naquelas mãos brancas suas cores e seu aroma. Encontrou o outro um regato e, em suas cristalinas águas, perfumadas de flores de laranjeiras, banhou suas mãos, que saíram mais formosas. Tímido e modesto, o outro vacilava em pedir perfume às flôres e beleza ao regato. 

Passou um mendigo que pediu uma esmola por amor de Deus. Puxou o menino uma moeda e deu a ele. Ao recebê-la, o mendigo beijou aquela mão benfeitora,deixando cair uma lágrima de agradecimento. Aquela lágrima transformou-se em belíssima pérola que tomou mil cores do arco-íris e esmaltou a mão do angélico menino. Esta foi a mão que brilhou com encantadoras cintilações, porque foi purificada pela lágrima de um pobre.

398. AS ROSAS

Segundo uma lenda antiga,
Maria, com São José,
Fugindo à gente inimiga,
Transpôs caminhos a pé.

E à proporção que Maria
Deixava rastro no chão,
Todo o caminho floria
De rosas em profusão.

Pelos trilhos e barrancas
Das estradas, viu-se em breve
O estendal de rosas brancas
Tudo enfeitando de neve.

De um branco suave e doce
As rosas; nenhuma havia
Pela terra, que não fosse
Da cor dos pés de Maria.

Depois de tempos volvidos,
Ao peso de imensa cruz,
Pelos caminhos floridos
Um homem passa - Jesus.

E sobre o estendal de flores.
De seu corpo o sangue vai
Caindo, e Ele, entre mil dores,
Não geme, não solta um ai.

Passou e pelas barrancas,
Sob as asas das abelhas,
Dos tufos das rosas brancas
Brotavam rosas vermelhas.

Só duas cores havia
De rosas que aqui registro:
A cor dos pés de Maria
E a cor das chagas de Cristo.

                                                              (B. Braga)

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

AURUM, TUS ET MURRAM


'Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do Oriente a Jerusalém... Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra' (Mt 2,1.11).

O presente do ouro sinaliza para a realeza de Jesus, o incenso para a sua divindade e a mirra para a sua humanidade. Deus menino desceu do Céu como nosso Rei (ouro) para cumprir seus deveres sacerdotais (incenso) e morrer pelos nossos pecados (mirra). A mirra, como símbolo de sofrimento, torna-se uma pré-anunciação e uma profecia das dores da Paixão do Senhor.

domingo, 5 de janeiro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!' (Sl 71)

Primeira Leitura (Is 60,1-6) - Segunda Leitura (Ef 3,2-3a.5-6) -  Evangelho (Mt 2,1-12)

  05/01/2025 - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR 

EPIFANIA DO SENHOR

  

Epifania é uma palavra grega que significa 'manifestação'. A festa da Epifania - também denominada pelos gregos de Teofania, significa 'a manifestação de Deus'. É uma das mais antigas comemorações cristãs, tal como a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo - era celebrada no Oriente já antes do século IV e, somente a partir do século V, começou a ser celebrada também no Ocidente.

Na Anunciação do Anjo, já se manifestara a Encarnação do Verbo, revelada porém, a pouquíssimas pessoas: provavelmente apenas Maria, José, Isabel e Zacarias tiveram pleno conhecimento do nascimento de Deus humanado. O restante da humanidade não se deu conta de tão grande mistério. Assim, enquanto no Natal, Deus se manifesta como Homem; na Festa da Epifania, esse Homem se revela como Deus. Na pessoa dos Reis Magos, o Menino-Deus é revelado a todas as nações da terra, a todos os povos futuros; a síntese da Epifania é a revelação universal da Boa Nova à humanidade de todos os tempos.

A Festa da Epifania, ou seja, a manifestação do Verbo Encarnado, está, portanto, visceralmente ligada à Adoração dos Reis Magos do Oriente: 'Ajoelharam-se diante dele e o adoraram' (Mt, 2, 11). Deus cumpre integralmente a promessa feita à Abraão: 'em ti serão abençoados todos os povos da terra' (Gn, 12,3) e as promessas de Cristo são repartidas e compartilhadas entre os judeus e os gentios, como herança comum de toda a humanidade. A tradição oriental incluía ainda na Festa da Epifania, além da Adoração dos Reis, o milagre das Bodas de Caná e o Batismo do Senhor no Jordão, eventos, entretanto, que não são mais celebrados nesta data pelo rito atual.

A viagem e a adoração dos Reis Magos diante o Menino Deus em Belém simbolizam a humanidade em peregrinação à Casa do Pai. Viagem penosa, cansativa, cheia de armadilhas e dificuldades (quantos não serão os nossos encontros com os herodes de nossos tempos?), mas feita de fé, esperança e confiança nas graças de Deus (a luz da fé transfigurada na estrela de Belém). Ao fim da jornada, exaustos e prostrados, os reis magos foram as primeiras testemunhas do nascimento do Salvador da humanidade, acolhido nos braços de Maria: 'Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe' (Mt, 2, 11): o mistério de Deus revelado de que não se vai a Jesus sem Maria. Com Jesus e Maria, guiados também pela divina luz emanada do Espírito Santo, também nós haveremos de chegar definitivamente, um dia, à Casa do Pai, sem ter que voltar atrás 'seguindo outro caminho' (Mt, 2, 12).

sábado, 4 de janeiro de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (I)

P1
- Qual é o julgamento que as Escrituras manifestam sobre aqueles que estão separados da Igreja de Cristo por ensinarem e acreditarem em doutrinas contrárias às dela?

Para maior clareza, consideraremos primeiro aqueles que iniciam tal separação e ensinam falsas doutrinas, e depois aqueles que seguem esses falsos líderes. 

1. Em relação aos primeiros, nosso bendito Salvador, ao prever a vinda de falsos mestres, disse: 'Cuidado com os falsos profetas, que vêm a vocês vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos vorazes; pelos seus frutos os conhecereis'; e então Ele nos diz, continuando com a analogia da árvore, qual será o destino de tais falsos profetas: 'Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo' (Mt 7,15-19). Tal é o destino dos falsos mestres, segundo Jesus Cristo. São Paulo os descreve da mesma forma e exorta os pastores da Igreja a ficarem atentos contra eles, para evitar a sedução do rebanho. 'Sei que, após minha partida, lobos vorazes entrarão entre vocês, não poupando o rebanho; e dentre vocês mesmos surgirão homens falando coisas perversas para atrair discípulos após si; portanto, vigiai' (At 20,29). Tal é a ideia que a Palavra de Deus transmite de todos os que se afastam da doutrina da Igreja de Cristo e ensinam falsidades: são lobos vorazes, sedutores do povo, que falam coisas perversas e cujo fim é o fogo do inferno'.

2. São Paulo, concluindo a sua Epístola aos Romanos, os adverte contra tais mestres com estas palavras: 'Rogo-vos, irmãos, que observeis aqueles que causam dissensões e ofensas contrárias à doutrina que aprendestes, e os eviteis; pois tais pessoas não servem a Cristo nosso Senhor, mas ao próprio ventre, e com palavras agradáveis e discursos persuasivos, seduzem os corações dos inocentes' (Rm 16,17). Podem aqueles que causam dissensões contrárias à doutrina antiga, que seduzem almas redimidas pelo sangue de Jesus, que não são servos de Cristo, mas seus inimigos, e são escravos de seu próprio ventre - podem esses, eu pergunto, estar no caminho da salvação? Ai de nós! O mesmo santo apóstolo descreve o destino deles em outro texto, dizendo: 'Eles são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição, cujo deus é o ventre, e cuja glória está em sua vergonha' (Fp 3,18).

3. Na ausência de São Paulo, alguns falsos mestres chegaram entre os gálatas e os convenceram de que era necessário, para a salvação, unir a circuncisão ao Evangelho. Por causa disso, o apóstolo escreve sua epístola para corrigir esse erro; e, embora fosse um erro em apenas um ponto, aparentemente sem grande importância, ainda assim, por ser uma falsa doutrina, o santo apóstolo a condena: 'Admiro-me de que tão depressa estais deixando aquele que vos chamou pela graça de Cristo para um outro evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós ou um anjo do céu vos pregue outro evangelho além do que vos pregamos, seja anátema. Como dissemos antes, digo agora novamente: se alguém vos pregar um evangelho além do que recebestes, seja anátema' (Gl 1,6-9). Isso, de fato, mostra o crime e o destino dos falsos mestres, ainda que a doutrina deles seja falsa em um único ponto.

4. São Pedro descreve esses homens infelizes nas cores mais terríveis: 'Haverá entre vós mestres mentirosos, que introduzirão seitas de perdição' (ou, como a tradução protestante tem, heresias condenáveis) 'e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos rápida destruição (2 Pd 2,1); e, ao continuar descrevendo-os, ele diz: 'O julgamento deles há muito tempo não tarda e sua destruição não dorme' (2 Pd 2,3); 'O Senhor sabe como... reservar os injustos para o dia do juízo para serem atormentados; especialmente aqueles que... desprezam as autoridades, audaciosos, satisfazendo a si mesmos, eles não temem trazer seitas blasfemadoras' (2 Pd 2,9); 'Deixando o caminho certo, eles se desviaram' (2 Pd 2,15);  'Esses são poços sem água e nuvens levadas por ventos, para os quais está reservada a escuridão das trevas' (2 Pd 2,17). Deus bondoso! Que terrível estado os esperam!

5. São Paulo, falando daqueles que são conduzidos por aquilo que São Pedro chama de heresias condenáveis, diz: 'Um homem que é herege, depois da primeira e segunda admoestação, evita-o; sabendo que tal pessoa está pervertida e peca, sendo condenada por seu próprio julgamento' (Tt 3,10). Outros ofensores são julgados e expulsos da Igreja pela sentença dos pastores; mas os hereges, mais infelizes, deixam a Igreja por sua própria vontade e, ao fazer isso, pronunciam julgamento e sentença contra suas próprias almas.

6. São João marca todos esses falsos mestres que saem da verdadeira Igreja de Cristo com o nome de anticristos. 'Já agora' - diz ele - 'há muitos anticristos... Eles saíram de nós, mas não eram de nós; pois, se fossem de nós, sem dúvida teriam permanecido conosco; mas saíram para que fosse manifesto que não eram todos de nós' (1Jo 2,18. E novamente ele diz: 'Muitos sedutores saíram pelo mundo, que não confessam que Jesus Cristo veio em carne; este é um sedutor e um anticristo (2Jo 2,7). E, para mostrar que não apenas aqueles que negam a divindade de Jesus Cristo, mas também aqueles que não aceitam a sua doutrina, caem sob a mesma condenação, ele imediatamente acrescenta: 'Todo aquele que se revolta e não permanece na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai quanto o Filho' (2Jo 2,9). 

Que termos mais fortes poderiam ser usados para mostrar que todos os que estão separados da Igreja de Cristo e não aceitam a sua doutrina sagrada estão fora do caminho da salvação? Agora, se todos os que se afastam da Igreja de Cristo e ensinam doutrinas falsas, contrárias à fé uma vez revelada a ela e que nunca se afastará de sua boca, são condenados em termos tão fortes e severos pelo Espírito Santo em suas Santas Escrituras, em que condição devem estar aqueles que seguem esses falsos mestres e abraçam tais doutrinas perniciosas? Há a menor razão para supor que a salvação pode ser encontrada entre 'lobos vorazes, sedutores do rebanho, faladores de coisas perversas'? É possível ser salvo em 'seitas perniciosas, heresias condenáveis, doutrinas falsas, dissensões e ofensas contrárias à doutrina recebida dos apóstolos'? Podem esses ser guias seguros para o céu, a quem a Palavra de Deus declara como 'inimigos da cruz de Cristo' e 'anticristos, cujo fim é a destruição,' que caem sob a maldição do apóstolo, 'a quem está reservada a escuridão das trevas'? Mas vamos ouvir as Escrituras para obter a resposta a essas perguntas.

(i) São Paulo, no catálogo sombrio que apresenta das obras da carne, enumera seitas ou, como a tradução protestante diz, heresias, como uma delas; e, classificando isso com idolatria, feitiçaria e dissensões, ele conclui com estas palavras: 'Das quais vos previno, como já vos preveni, que aqueles que praticam tais coisas não herdarão o reino de Deus' (Gl 5,20).

(ii) Nosso Salvador, ao prever os males dos últimos tempos, diz: 'E muitos falsos profetas se levantarão, e seduzirão a muitos... mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo' (Mt 24,11-13). Não é evidente a partir disso que aqueles que são seduzidos por esses falsos profetas não serão salvos? E que a salvação será a sorte feliz apenas daqueles que perseverarem na fé e no amor de Cristo até o fim?

(iii) São Pedro, ao prever que 'haverá mestres mentirosos, que introduzirão heresias condenáveis e trarão sobre si mesmos rápida destruição', imediatamente acrescenta: 'E muitos seguirão sua devassidão' (ou, como a tradução protestante diz, seus caminhos perniciosos), 'por causa dos quais o caminho da verdade será blasfemado' (2Pd 2,2). Agora, para quem esses caminhos são perniciosos, senão para aqueles que os seguem?

(iv) Toda a Epístola de São Judas contém uma descrição de todos aqueles que seguem esses caminhos perniciosos e de seu destino miserável, e diz: 'São ondas furiosas do mar, espumando sua própria confusão; estrelas errantes, para as quais está reservada a tempestade das trevas para sempre' (Jd 1,13).

(v) São Paulo declara: 'Que nos últimos tempos alguns se afastarão da fé, dando ouvidos a espíritos de erro e doutrinas de demônios, falando mentiras em hipocrisia, e tendo suas consciências cauterizadas' (1Tm 4,1). Alguém pode imaginar que a salvação seja possível para aqueles que seguem o espírito de erro como guia e abraçam as doutrinas de demônios?

(vi) O mesmo santo apóstolo, dando uma descrição ampla dos hereges, diz, entre outras coisas, que eles têm 'uma aparência de piedade, mas negam sua eficácia;... sempre aprendendo, mas nunca atingindo o conhecimento da verdade... que são homens de mentes corrompidas, reprovados no que diz respeito à fé... e que, sendo homens maus e sedutores, vão de mal a pior; errando e conduzindo ao erro' (2Tm 3,5). Que fundamento podem essas pessoas ter para esperar a salvação?

(vii) Mas nosso bem-aventurado Salvador, em uma única frase, claramente mostra o destino miserável de todos aqueles que seguem esses mestres, quando diz: 'São guias cegos de cegos; e se um cego guiar outro cego, ambos cairão no fosso' (Mt 15,14). Isso mostra claramente que o destino de ambos será o mesmo e que todas as condenações acima de falsos mestres se aplicam igualmente àqueles que os seguem.

(viii) Esses testemunhos das Escrituras são tão fortes e convincentes que a Igreja da Inglaterra reconhece a verdade do que contêm, e no décimo oitavo de seus Trinta e Nove Artigos declara: 'Que devem ser considerados amaldiçoados aqueles que presumem dizer que todo homem será salvo pela lei ou seita que professa, contanto que seja diligente em moldar sua vida de acordo com essa lei e com a luz da natureza; pois a Sagrada Escritura nos apresenta apenas o nome de Jesus Cristo, pelo qual o homem deve ser salvo'. E vimos claramente acima que a salvação nunca pode ser obtida nele sem acreditar na doutrina sagrada que Ele revelou ao mundo.

(ix) Acrescentaremos mais uma prova com relação aos judeus, maometanos, pagãos e idólatras, e a todos os que não conhecem o verdadeiro Deus, nem Jesus Cristo seu Filho, e que não obedecem ao seu Evangelho. Sobre esses, a Escritura diz: 'Os gentios caíram na destruição que prepararam... os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus' (Sl 9,16-18). Mas, particularmente, o que segue: 'Jesus Cristo será revelado do céu com os anjos de seu poder, em uma chama de fogo, fazendo vingança contra os que não conhecem a Deus e que não obedecem ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais sofrerão punição eterna na destruição, longe da face de nosso Senhor e da glória do seu poder' (2Ts 1,7).

Isso é tão claro e preciso quanto terrível e assustador, e elimina qualquer possibilidade de evasão, pois declara, em termos expressos, que todos os que não conhecem a Deus e que não obedecem ao Evangelho de Cristo estarão perdidos para sempre; o que demonstra claramente que o conhecimento e a crença em Deus e em Jesus Cristo, bem como a obediência ao seu Evangelho, são absolutamente requeridos por Ele como condições essenciais para a salvação.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS (E DO ANO)

 

DEVOÇÃO DOS CINCO PRIMEIROS SÁBADOS 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

AS PAIXÕES E O IDEAL CRISTÃO

As paixões são, pois, movimentos de sobressalto da sensibilidade que, sob a forma de amor ou ódio, de desejo ou aversão, de temor ou audácia, de alegria ou tristeza, nos levam espontaneamente para os bens sensíveis ou nos afastam dêles. O ideal cristão, longe de acomodar-se com as paixões, não terá como função própria exterminá-las e, sobre essas ruínas, estabelecer o seu império?

Quantas vezes teremos ouvido em torno de nós, em ambientes que se dizem católicos, alguns sofismas que desapontam, e dos quais se abusa com o fim de encobrir desmandos deploráveis: 'Il faut que jeunesse se passe' - A mocidade precisa divertir-se. Não será isto puro epicurismo? A mocidade precisa divertir-se ! Praticamente, significa que um rapaz, apenas porque é jovem, e não porque é homem, deve ceder ao impulso das paixões, sem tentar vencê-lo ou orientá-lo no sentido de um ideal superior.

Trata-se, não de negar a impetuosidade das paixões, sobretudo na mocidade; mas de saber se, só pelo fato de ser jovem, será permitido abandonar-se a elas sem constrangimento, e mesmo de caso pensado. Nada mais contrário aos ensinamentos da razão e da fé. Esses rapazes não serão um dia homens ? E, se o ideal do homem consiste no domínio das paixões, será possível crer que, de um dia para outro, decretado o fim da mocidade, um jovem seja capaz de, por um simples fiat de uma vontade desamparada, opor um dique irresistível às vagas tumultuosas que ele voluntàriamente desencadeou?

Eis os resultados nefastos de uma moral toda livresca que sacrifica de boa vontade a realidade a abstrações! Não, cem vezes não, a mocidade não se deve divertir no sentido dado pelo mundo. Repito ainda: a educação do caráter não é obra de um dia. Depois de escravos das paixões durante vinte anos ou mais, não dependerá de nós livrar-nos subitamente dêsse jugo e dominá-lo.

Quererá isso dizer que, em nome do ideal cristão, devemos visar uma impassibilidade quimérica, sufocar as paixões no início, a fim de assegurarmos o domínio sobre nós mesmos? Essa atitude estóica, tal como a precedente, nada tem de humano: é contra a natureza. 'Qui veut faire l'ange fait la bête' - disse Pascal, e a experiência vem prová-lo. Ora, toda a fôrça e atrativo do ideal cristão vem de que esse ideal é humano por excelência. A graça só nos é dada para aperfeiçoarmos nossa natureza. Tudo aquilo que for contra a natureza é, por isso mesmo, anticristão.

Não precisamos de outra prova além do exemplo de Jesus Cristo, nosso modelo. Basta abrir o Evangelho para verificar que o Filho do homem não foi isento de paixões. Os exploradores do povo, os fariseus, excitaram-lhe a cólera; Ele chorou sobre Jerusalém infiel e sôbre o túmulo de seu amigo Lázaro; na agonia, sofreu as emoções terríveis do temor; na última ceia, demonstrou pelos discípulos uma ternura intensa, desejou ardentemente comer a páscoa com êles; amou o sofrimento; teve enfim a loucura da cruz. Tudo isso não será uma prova evidente de que nem toda paixão é repreensível e que o ideal humano encarnado no Cristo não constitui um exemplo apenas para a vontade intelectual, mas também para o cérebro, os nervos, os músculos, o coração, para todas as forças que nos foram concedidas, para a carne e para o sangue?

Não quer isso dizer que todas as paixões sejam boas, seja qual for a direção que tomem ou os excessos em que caiam. As paixões são boas quando nos permitem tomar de assalto o ideal proposto pela fé à nossa atividade; são más quando dele nos afastam e nos paralisam a vontade. Eis a doutrina católica sôbre as paixões. Não é acanhada demais nem excessivamente larga: é conforme à verdade. E a verdade é que as paixões fortes, como as da mocidade, se forem bem orientadas, e ligadas pela vontade ao ideal cristão, poderão facilitar-nos a ascensão para esse ideal, dar um brilho ao olhar, uma auréola à fronte que seduzam os homens e possam restituir o vigor aos mais fracos e aos mais insensíveis.

Não temamos as paixões. Elas devem servir de trampolim para nos lançarmos à conquista do caráter. Há, sem dúvida, em tudo isso, algumas condições a examinar; há uma tática a observar. Mas, para pô-la em prática, já é bastante saber que a vida cristã não age sobre um cadáver humano e que não é necessário - muito ao contrário - ter aniquilado em nós o homem, para se ter o direito de nos proclamarmos cristãos.

(Excertos da obra 'A educação do caráter', pelo Padre Gillet)

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS (E DO ANO)

 

DEVOÇÃO DAS NOVE PRIMEIRAS SEXTAS - FEIRAS   

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

PROFECIAS CATÓLICAS (VIII)

O próprio Cristo avisou-nos que 'ninguém sabe o dia nem a hora, nem mesmo os anjos do céu, mas unicamente o Pai' (Mt 24,36). É inútil, portanto, tentar determinar qualquer data para o fim do mundo. Ao mesmo tempo, porém, Cristo nos deu uma série de sinais a que devemos estar atentos, e acrescentou: 'Quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas' (Mt 24,33). E quais são esses sinais?
  • O Evangelho será pregado em todo o mundo.
  • Uma perda universal da Fé.
  • A vinda do Anticristo.
  • O regresso dos judeus à Terra Santa.
  • Perturbações generalizadas da natureza.
Santo Afonso de Ligório sistematiza estes sinais da seguinte forma:
  • O Evangelho será pregado livremente em todo o mundo.
  • Todas as nações da terra se afastarão da fé.
  • O Sacro Império Romano-Germânico será desfeito.
  • O Anticristo virá.
  • Enoch e Elias voltarão para pregar.
  • Os judeus voltarão à Terra Santa.
  • Os poderes do céu serão abalados.
  • As estrelas cairão do céu.
  • Haverá terremotos generalizados, além de maremotos, relâmpagos, guerras, fomes e epidemias.
A questão que se apresenta é a seguinte: 'Algum desses sinais já aconteceu?' A resposta não pode ser definitiva e clara. Pode-se afirmar que os dois primeiros sinais já estão aqui: de fato, o Evangelho tem sido pregado em todas as nações e há provas esmagadoras de um afastamento geral da Fé pelas nações. No entanto, tem sido, e pode ainda ser, defendido que a pregação do Evangelho deve ser absolutamente mundial e chegar a cada ser humano, e não apenas confinada a bolsas de atividade missionária em cada nação. Também se pode objetar que a atual falta de fé não é suficientemente geral para ser aplicada ao segundo sinal; na verdade, a Igreja continua muito ativa e influente. Alguns homens de Estado professam abertamente a fé católica. Alguns governos são totalmente ou quase totalmente católicos (por exemplo, Espanha, Portugal e Irlanda).

Na minha opinião, as duas interpretações são válidas, desde que sejam feitas as devidas adaptações. Isto porque há duas fases diferentes no período dos últimos dias: a primeira, que anuncia a fase final, é de menor intensidade; a fase final traz a consumação do mundo. A cada uma destas duas fases aplicar-se-ão os sinais próximos do Fim. Assim, estamos agora prestes a entrar na primeira etapa, a Grande Catástrofe que está iminente e que será seguida por um período de paz. Assim, já podemos ver os sinais da sua chegada: o Evangelho foi pregado em todas as nações (embora imperfeitamente), e a queda da Fé é mundial (mas incompleta). Então, as terras do antigo Império Romano estarão num estado de completo caos e anarquia. O comunismo (uma prefiguração do Anticristo) triunfará (mas a sua vitória será tão curta como a do Anticristo, cerca de trinta anos mais tarde). O futuro Grande Rei e o Santo Pontífice revelar-se-ão ao mundo e combaterão o comunismo, prefigurando assim Enoch e Elias. 

Do céu cairá granizo; terremotos e maremotos causarão estragos em todo o mundo; a fome e as epidemias serão generalizadas. Assim terminará a primeira fase, ou seja, 'a sexta-feira santa da cristandade'. A ressurreição será espetacular: o Grande Rei será o Imperador da Europa Ocidental, ungido pelo Santo Pontífice. Muitos judeus e todos os cristãos não católicos voltar-se-ão para a Verdadeira Fé. Os maometanos abraçarão o cristianismo, assim como os chineses. Em suma, quase todo o mundo será católico. Esta pregação universal do Evangelho constituirá, por sua vez, o primeiro sinal da segunda etapa. No final do reinado do Grande Rei, os povos voltarão a afastar-se da Fé (segundo sinal). Depois, o Sacro Império Romano-Germânico será desfeito (terceiro sinal). O Anticristo virá (quarto sinal). Enoch e Elias serão novamente enviados para combater o Anticristo (quinto sinal). Os judeus regressarão à Palestina (sexto sinal). Novas perturbações da natureza terão lugar (sétimo, oitavo e nono sinais).

Esta minha interpretação pessoal baseia-se no meu conhecimento de um grande número de profecias privadas e em extensas e meticulosas referências cruzadas e correlações efetuadas há muitos anos, quando estava em posição de dedicar muito tempo ao estudo destas profecias. Além disso, esta interpretação não é incompatível com as Escrituras. De fato, a Escritura apoia-a em muitos casos. Lemos no Evangelho, por exemplo, uma descrição de vários males seguida da advertência: 'Mas ainda não é o fim' (Mt 24,6) e, novamente, uma descrição de pestes, fomes e terremotos, com a conclusão: 'Mas estas coisas são o princípio das dores' (Mt 24,8), apenas a primeira fase. Em seguida, é-nos dito que 'o Evangelho deve ser pregado em todo o mundo' (Mt 24,14) antes que o Fim finalmente chegue. No versículo 15, outra descrição desses eventos é dada, mas é claro que os versículos 9 a 14 formam um todo indivisível, assim como os versículos 4 a 8. Então, no final dessa terceira passagem (versículos 15 a 22), somos informados novamente que esses dias serão abreviados por causa dos eleitos, caso contrário nenhuma criatura viva seria salva.

Pelas razões acima, considero certo que haverá duas fases diferentes. A primeira fase será apenas o início das dores, e será abreviada por causa dos eleitos, e o Evangelho será então pregado em todo o mundo. Este será o período de paz sob o Grande Monarca, o período de conversões e prosperidade geral de que nós e os nossos filhos poderemos desfrutar - em suma, o período de paz prometido por Nossa Senhora de Fátima.

(Excertos da obra 'Catholic Prophecy: The Coming Chastisement', de Yves Durant)