sexta-feira, 26 de abril de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (I)


PARTE I

No Paraíso há muitos santos que nunca deram esmolas na terra: a sua pobreza por si só os justificava. Há muitos santos que nunca mortificaram o seu corpo com jejuns, nem usaram cilícios: as suas enfermidades corporais os desculpavam. Há também muitos santos que não eram virgens: a sua vocação era outra. Mas no Paraíso não há nenhum santo que não tenha sido humilde.

1. Deus expulsou os Anjos do Paraíso por causa da sua soberba; portanto, como podemos pretender entrar nele, se não nos mantivermos num estado de humildade? Sem humildade, diz São Pedro Damião [Sermão 45], nem a própria Virgem Maria, com a sua incomparável virgindade, poderia ter entrado na glória de Cristo; e nós devemos convencer-nos desta verdade: embora destituídos de algumas das outras virtudes, podemos ser salvos, mas nunca sem humildade. Há pessoas que se lisonjeiam de ter feito muito conservando a castidade imaculada, e realmente a castidade é um belo adorno; mas como diz o angélico São Tomás: 'Falando absolutamente, a humildade excede a virgindade' [4 dist. qu. xxxiii, art. 3 ad 6; et 22, qu. clxi, art. 5]

Muitas vezes estudamos diligentemente para nos precavermos e corrigirmos dos vícios da concupiscência que pertencem a uma natureza sensual e animal, e este conflito interior que o corpo trava adversus carnem [Gl 5,17] é verdadeiramente um espetáculo digno de Deus e dos seus Anjos. Mas, infelizmente, quão raramente usamos esta diligência e cautela para vencer os vícios espirituais, dos quais o orgulho é o primeiro e o maior de todos e que, por si só, bastou para transformar um Anjo num demônio!

2. Jesus Cristo chama-nos a todos à sua escola para aprendermos, não a fazer milagres nem a maravilhar o mundo com empreendimentos maravilhosos, mas a sermos humildes de coração. 'Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração'. Ele não chamou todos para serem doutores, pregadores ou sacerdotes, nem concedeu a todos o dom de restituir a vista aos cegos, curar os doentes, ressuscitar os mortos ou expulsar os demônios, mas a todos disse: 'Aprendei de Mim a ser humildes de coração' e a todos Ele deu o poder de aprender a humildade dEle. Inúmeras coisas são dignas de serem imitadas no Filho de Deus encarnado, mas Ele só nos pede que imitemos a sua humildade. E então? Devemos supor que todos os tesouros da Sabedoria Divina que estavam em Cristo devem ser reduzidos à virtude da humildade? 'É certamente assim' - responde Santo Agostinho. A humildade contém todas as coisas, porque nessa virtude está a verdade; portanto, Deus também deve habitar nela, pois Ele é a verdade.

O Salvador poderia ter dito: 'Aprendei de mim a ser castos, humildes, prudentes, justos, sábios, abstêmios...'. Mas Ele só disse: 'Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração' e só na humildade Ele inclui todas as coisas, porque, como diz Santo Tomás, 'a humildade adquirida é, em certo sentido, o maior bem'. Por isso, quem possui esta virtude pode dizer-se que possui todas as virtudes, no que diz respeito à sua disposição próxima, e quem carece dela, carece de todas.

3. Lendo as obras de Santo Agostinho, encontramos em todas elas que sua única idéia era a exaltação de Deus acima da criatura, tanto quanto possível, e tanto quanto possível a humilde sujeição da criatura a Deus. O reconhecimento desta verdade deveria encontrar lugar em cada espírito cristão, estabelecendo-se - segundo a agudeza e a penetração da nossa inteligência - uma conceção sublime de Deus e uma conceção humilde e vil da criatura. Mas isso só se consegue com humildade.

A humildade é, na realidade, uma confissão da grandeza de Deus, que, depois de seu auto-aniquilamento voluntário, foi exaltado e glorificado; por isso, a Sagrada Escritura diz: 'porque só a Deus pertence a onipotência, e é somente pelos humildes que ele é verdadeiramente honrado' [Eclo 3, 21]. 

Foi por esta razão que Deus se comprometeu a exaltar os humildes, e continuamente derrama novas graças sobre eles em troca da glória que Ele constantemente recebe deles. Por isso, a palavra inspirada nos lembra novamente: 'Sê humilde, e perante Deus acharás misericórdia' [Eclo 3, 20]. O homem mais humilde honra mais a Deus por sua humildade, e tem a recompensa de ser mais glorificado por Deus, que disse: 'Quem me honrar, Eu glorificá-lo-ei' [Eclo 3,20]. Ah se pudéssemos ver quão grande é a glória dos humildes no Céu!

4. A humildade é uma virtude que pertence essencialmente a Cristo, não apenas como homem, mas mais especialmente como Deus, porque para Deus ser bom, santo e misericordioso não é virtude, mas natureza, e a humildade é apenas uma virtude. Deus não pode exaltar-se acima do que é, no seu altíssimo Ser, nem pode aumentar a sua vasta e infinita grandeza; mas pode humilhar-se, como de fato se humilhou e rebaixou. 'Humilhou-se e esvaziou-se a si mesmo' [Fp 2,7-8], revelando-se-nos, pela sua humildade, como o Senhor de todas as virtudes, o vencedor do mundo, da morte, do inferno e do pecado.

Nenhum exemplo maior de humildade pode ser dado do que o do Filho Único de Deus quando 'o Verbo se fez Carne'. Nada pode ser mais sublime do que as palavras do Evangelho de São João: 'No princípio era o Verbo'. E nenhuma humilhação pode ser mais profunda do que a que se segue: 'E o Verbo se fez carne'. Por esta união do Criador com a criatura, o mais alto foi unido ao mais baixo. Jesus Cristo resumiu toda a sua doutrina celeste na humildade e, antes de a ensinar, quis praticá-la perfeitamente. Como diz Santo Agostinho: 'Ele não estava disposto a ensinar o que Ele mesmo não era, Ele não estava disposto a ordenar o que Ele mesmo não praticava' [Lib. de sancta virginit. c. xxxvi].

Mas com que objetivo fez Ele tudo isto, senão para que todos os seus seguidores aprendessem a humildade através de um exemplo prático? Ele é o nosso Mestre, e nós somos os seus discípulos; mas que proveito retiramos dos seus ensinamentos, que são práticos e não teóricos? Que vergonha seria para alguém, depois de ter estudado durante muitos anos numa escola de arte ou de ciência, sob o ensino de excelentes mestres, se continuasse a ser absolutamente ignorante! A minha vergonha é realmente grande, porque vivi tantos anos na escola de Jesus Cristo e, no entanto, não aprendi nada daquela santa humildade que Ele procurou tão ardentemente ensinar-me. 'Tende piedade de mim segundo a vossa Palavra. Vós sois bom, e na vossa bondade ensinai-me as vossas justificações. Dai-me entendimento, e aprenderei os vossos mandamentos' [Sl 118, 58. 68.73].

5. Há uma espécie de humildade que é de conselho e de perfeição, como aquela que deseja e procura o desprezo dos outros; mas há também uma humildade que é de necessidade e de preceito, sem a qual, diz Cristo, não podemos entrar no reino dos Céus: 'Não entrarás no reino dos Céus'. E esta consiste em não nos estimarmos e em não querermos ser estimados pelos outros acima do que realmente somos. Ninguém pode negar esta verdade, que a humildade é essencial para todos aqueles que desejam ser salvos: 'Ninguém chega ao reino dos Céus senão pela humildade' - diz Santo Agostinho [Lib. de Salut. cap. xxxii].

Mas, pergunto eu, que humildade é essa que é tão necessária? Quando nos é dito que a fé e a esperança são necessárias, também nos é explicado o que devemos crer e esperar. Do mesmo modo, quando se diz que a humildade é necessária, em que deve consistir a sua prática, senão na mais baixa opinião de nós mesmos? É neste sentido moral que a humildade do coração foi explicada pelos pais da Igreja. Mas posso dizer com verdade que possuo essa humildade que reconheço como necessária e obrigatória? Que cuidado ou solicitude demonstro para a adquirir? Quando uma virtude é de preceito, também o é a sua prática, como ensina Santo Tomás. E, portanto, como há uma humildade que é de preceito, 'ela tem a sua regra na mente, isto é, que não se deve estimar a si mesmo como estando acima daquilo que realmente se é' [22, quo xvi, 2, art. 6].

Como e quando pratico os seus atos, reconhecendo e confessando a minha indignidade diante de Deus? A oração frequente de Santo Agostinho era a seguinte: Noscam te, noscam me - 'Que eu Te conheça, que eu me conheça a mim mesmo!' E com esta oração ele pedia a humildade, que não é outra coisa senão um verdadeiro conhecimento de Deus e de si mesmo. Confessar que Deus é o que é, o Onipotente: 'Grande é o Senhor e muito digno de ser louvado' [Sl 47,2] e declarar que não passamos do nada perante Ele: 'A minha substância é como nada diante de Vós' [Sl 38,6] - isto é ser humilde.

6. Não há desculpa válida para não ser humilde, porque temos sempre, dentro e fora de nós, razões abundantes para a humildade: 'E a tua humilhação estará no meio de ti' [Mq 6,14]. É o Espírito Santo que nos envia esta advertência pela boca do seu profeta Miqueias. Quando consideramos bem o que somos no corpo e o que somos na alma, parece-me muito fácil humilharmo-nos, e mesmo muito difícil sermos orgulhosos. Para ser humilde, basta que eu alimente dentro de mim aquele sentimento correto que pertence a todo o homem que é honrado aos olhos do mundo, de se contentar com o que é seu sem privar injustamente o nosso próximo do que é dele. Portanto, como não tenho nada de meu a não ser o meu nada, é suficiente para a humildade que eu me contente com esse nada. Mas se sou orgulhoso, torno-me como um ladrão, apropriando-me do que não é meu, mas de Deus. E, sem dúvida, é maior pecado roubar a Deus o que lhe pertence do que roubar ao homem o que é do homem.

Para sermos humildes, ouçamos a revelação do Espírito Santo, que é infalíve: 'Eis que tu não és nada, e a tua obra é do que não tem existência'. Mas quem está realmente convencido do seu próprio nada? É por esta razão que na Sagrada Escritura é dito: 'Todo homem é um mentiroso'. Pois não há homem que, de tempos a tempos, não alimente uma incrível autoestima e forme uma falsa opinião sobre o seu ser, ou ter, ou alcançar algo mais do que é possível ao seu próprio nada.

Para sabermos o que é, na realidade, o nosso corpo, basta-nos olhar para o túmulo, porque, pelo que lá vemos, temos de concluir inevitavelmente que, tal como acontece com esses corpos decaídos, assim será em breve conosco. E, com essa reflexão, devo dizer a mim mesmo:  'Por que é que a terra e as cinzas são orgulhosas?' Eis a glória do homem, porque a sua glória é esterco e vermes; hoje é elevado, e amanhã não será encontrado, porque voltou à sua terra, e o seu pensamento é reduzido a nada [1 Mc 2, 62 - 63]. Ó minha alma, sem ir mais longe para procurar a verdade, entra em pensamento no coração da tua morada que é o teu corpo! 'Entra e fecha-te no meio da tua casa'. Entra e olha bem ao teu redor, e não encontrarás nada além de corrupção. 'Vai ao barro e pisa-o'. Para onde quer que te voltes, não verás nada além de putrefação acontecendo.

7. Para sabermos o que realmente somos, examinemos a nossa própria consciência. E, encontrando nela apenas a nossa própria malícia e a capacidade de cometer toda a espécie de iniquidade, não diremos todos a nós mesmos: 'Por que te glorias na malícia, tu que és poderoso na iniquidade?' Que tens tu, alma minha, para te glorificares? Tu, que és um vaso de iniquidade e um poço de pecado e vício? Não é toda essa autoglorificação - quer seja pelos teus dons corporais ou espirituais, quer seja pelo que buscas construir para ti uma reputação - senão vaidade e engano?

Ó como é verdade que todo homem é um mentiroso, pois é preciso ter apenas um pouco de orgulho para ser um mentiroso, e não há ninguém que não tenha herdado, por meio de nossos primeiros pais, algo desse orgulho que eles aprenderam ao ouvir a promessa enganosa da serpente: 'E sereis como deuses' [Gn 3,5]. Também se pode dizer que todo o homem é mentiroso neste sentido - que não raro preza mais a Terra do que o Céu, mais o corpo do que a alma, mais as coisas temporais do que as eternas, mais a criatura do que o Criador - e é por isso que Davi exclama: 'Ó filhos dos homens, porque amais a vaidade e procurais a mentira?' [Sl 4,3] e 'Os homens não passam de um sopro, e de uma mentira os filhos dos homens' [Sl 61,10].

Mas, na realidade, a mentira reside essencialmente no orgulho que nos faz estimarmo-nos acima do que somos. Quem se considera mais do que o nada está cheio de orgulho e é um mentiroso. É a afirmação de São Paulo: 'Se alguém se julga alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo' [Gl 6,3]. Sempre que me estimo a mim mesmo, preferindo-me aos outros, engano-me com esta auto-adulação e cometo um erro contra a verdade.

8. Basta que uma virgem tenha caído uma unica vez para que perca a virgindade; e basta que uma esposa tenha sido infiel apenas uma vez para que seja perpetuamente desonrada; mesmo que depois ela possa realizar muitas obras nobres, ainda assim sua desonra nunca poderá ser apagada, e o aguilhão e a dolorosa lembrança de sua vergonha e culpa devem permanecer para sempre em sua consciência.

E assim, mesmo que em todo o curso da minha vida eu tenha cometido apenas um pecado, o fato permanecerá sempre que eu pequei e cometi a pior e mais ignominiosa ação. E mesmo que eu viva uma vida de penitência contínua, e esteja certo do perdão de Deus, e que o pecado já não exista na minha consciência, ainda assim terei sempre motivo de vergonha e humilhação pelo fato de ter pecado: 'O meu pecado está sempre diante de mim; pequei e fiz o que era mau aos vossos olhos' [Sl 50, 5-6].

9. Que diríamos se víssemos o carrasco público a andar pelas ruas e a pretender ser estimado, respeitado e honrado? Consideraríamos sua desfaçatez tão insuportável quanto sua vocação é infame. E tu, minha alma, cada vez que pecaste mortalmente, foste como um carrasco, pregando na Cruz o Filho de Deus! Assim, São Paulo descreve os pecadores como 'crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus' [Hb 6,6].

E com este caráter de infâmia que trazes dentro de ti, ainda te atreves a exigir honra e estima? Ainda terás a coragem de dizer: 'Insisto em ser honrado e respeitado, não serei menosprezado'? Por mais que o orgulho me tente a vangloriar-me e a procurar estima, tenho motivos de sobra para corar de vergonha quando ouço a voz da consciência a reprovar-me pela minha ignomínia e pelos meus pecados, e a reprovar-me por ser um pérfido e ingrato rebelde contra Deus, um traidor e um carrasco que cooperou na Paixão e Morte de Jesus Cristo: 'Continuamente estou envergonhado, a confusão cobre-me a face, por causa dos insultos e ultrajes de um inimigo cheio de rancor.' [Sl 43, 16-17].

10. Temos de reconhecer que uma das cinco razões pelas quais não vivemos nesta humildade necessária é o fato de não temermos a justiça de Deus. Vede um criminoso, como ele se apresenta humildemente diante do juiz, com os olhos baixos, o rosto pálido e a cabeça inclinada: ele sabe que foi condenado por crimes atrozes; sabe que, com isso, mereceu a pena capital e pode, com justiça, ser condenado à forca, e por isso teme, e seu temor o mantém humilde, expulsando de seu cérebro todo pensamento de ambição e vanglória. Assim, a alma, consciente dos numerosos pecados que cometeu, consciente de que mereceu de fato o Inferno, e que de um momento para o outro pode ser condenada ao Inferno pela justiça Divina, teme a ira de Deus, e este temor faz com que a alma permaneça humilde perante Ele; e se não sente esta humildade, só pode ser porque falta o temor de Deus: 'Não há temor de Deus diante de seus olhos' [Sl 35,2]. Assim clamai a Deus de coração: 'estremeço pois vossos decretos inspiram-me temor' [Sl 118,120].

E esse santo temor, que é o princípio da sabedoria, será também o princípio da verdadeira humildade; pois, como diz a Palavra inspirada, a humildade e a sabedoria são companheiras inseparáveis: 'Onde está a humildade, aí também está a sabedoria' [Pv 11,2].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

BUSCAR CONSOLAÇÃO SOMENTE EM DEUS

 

Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência. A inclinação sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas.

Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências. Deixa as vaidades para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com ele em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor terias conservado a santa paz; enquanto folgares de ouvir novidades, terás que sofrer desassossego do coração.

...

Quando o homem chega ao ponto de não buscar sua consolação em nenhuma criatura, só então começa a gostar perfeitamente de Deus, e anda contente, aconteça o que acontecer. Então não se alegra pela abundância, nem se entristece pela penúria, mas confia inteira e fielmente em Deus, que lhe é tudo em todas as coisas, para quem nada perece nem morre, mas por quem vivem todas as coisas e a cujo aceno, com prontidão, obedecem.

Lembra-te sempre do fim, e que o tempo perdido não volta. Sem empenho e diligência, jamais alcançarás as virtudes. Se começares a ser tíbio, logo te inquietarás. Se, porém, procurares afervorar-te, acharás grande paz e sentirás mais leve o trabalho com a graça de Deus e o amor da virtude. O homem fervoroso e diligente está preparado para tudo. Mais penoso é resistir aos vícios e às paixões que afadigar-se em trabalhos corporais. Quem não evita os pequenos defeitos pouco a pouco cai nos grandes. Alegrar-te-ás sempre à noite, se tiveres empregado bem o dia. Vigia sobre ti, anima-te e admoesta-te e, vivam os outros como vivem, não te descuides de ti mesmo. Tanto mais aproveitarás, quanto maior for a violência que te fizeres. Amém.

(Da Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis)

quarta-feira, 24 de abril de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (321/325)

 

321. UMA SÓ BOCA

Zenão, estando em companhia de um jovem que falava demais, disse-lhe: 'Fica sabendo que temos dois ouvidos e uma só boca, para escutarmos duas vezes mais do que falamos'.

322. GUARDANDO SILÊNCIO

Alguém perguntou a Pitágoras como poderia chegar a ser seu discípulo. O filósofo respondeu: 'Guardando silêncio até que seja necessário falar; não dizendo senão o que sabeis bem; fazendo o maior bem possível e falando pouco, porque o silêncio é sinal de prudência e a tagarelice é sinal de tolice. Não vos apresseis a responder, e deixai que aquele que pergunta acabe de falar. Não faleis mal de ninguém'. Costumava condenar seus discípulos a cinco anos de silêncio.

323. ADULAÇÃO EXAGERADA

Alexandre Magno atravessava um grande rio numa barca em companhia de Aristóbulo. Este, durante a travessia, pôs-se a ler em alta voz a história do conquistador, mesclada com elogios de uma adulação exagerada. Alexandre tomou o livro e atirou-o ao rio, dizendo que o autor merecia a mesma sorte, por ser mais culpado que os seus escritos.

324. NÃO RESPONDEREI

Um dia estava Metelo a falar mal de Tácito, que, ouvindo-o, disse-lhe: 'Podes falar como te aprouver, porque eu não responderei. Se aprendeste a falar mal, eu aprendi a desprezar a maledicência'.

325. DIANTE DE UM QUIOSQUE

Regressava Dom Bosco ao oratório numa tarde de 1851. Ao passar diante de um quiosque, parou para olhar os livros. O vendedor então lhe disse:
➖ Esses livros não servem para o senhor porque são todos protestantes.
➖ Estou vendo - disse-lhe o santo - mas, na hora da morte, estará o senhor tranquilo, depois de haver vendido tais livros e haver propagado o erro?

Ditas estas palavras, saudou-o e retirou-se. O vendedor perguntou quem era aquele sacerdote e, ao saber que era Dom Bosco, tratou de conversar com ele. Em seguida, levou-lhe todos os livros para serem queimados e, dali em diante, seguiu sempre o bom caminho.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

terça-feira, 23 de abril de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXVIII)

'Para Deus, vale mais uma hora de paciência que o jejum de um dia inteiro' 
(Dom Bosco)

'Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entra­nhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura e paciência' (Cl 3,12)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

SOBRE A VIRTUDE CRISTÃ DA ESPERANÇA

Rezo para que, nesta Páscoa, o Senhor repita aos seus amigos: 'Por que estás tão deprimido, tão desanimado e por que está o teu coração perturbado?' Pois digo então a vós: Regozijai-vos porque há trevas e perseguição no mundo. Alegrai-vos porque há trevas e perseguições no mundo. Não disse o Mestre que, como o perseguiram, assim perseguiriam os seus seguidores? Teremos perdido a virtude cristã da esperança? Por que razão a nossa conduta deveria ser diferente daquela dos cristãos do primeiro século da nossa era? Também eles olhavam o mundo com desconfiança, esperando o seu fim a qualquer momento, precedido da vinda de Jesus Cristo e do julgamento. Mas aguardavam-no com coragem; procuravam as coisas mais altas com fé na Ressurreição.

Hoje, pelo contrário, há uma maioria de pessoas que procuram mais a segurança do que a felicidade na Ressurreição. Eles são, ou nós somos, como aqueles que, numa viagem marítima, se preocupam mais com o colete salva-vidas do que com a beleza do mar ou que, numa viagem aérea, se interessam mais pelo pára-quedas do que pela beleza do céu de Deus... Mas digamos com São Paulo: 'Se Cristo não ressuscitou, somos os mais miseráveis do mundo'. Como podemos acreditar que Deus reserva aos seus inimigos todas as satisfações e alegrias, e aos seus filhos todas as dores e sofrimentos? 

Estamos condenados a dependurar os braços nos salgueiros chorosos, a cantar apenas lamentações tristes, enquanto os filhos de Satanás riem e triunfam? Não! Vamos até Deus e o chamemos de 'Pai', como seus filhos por adoção, o que não é o mesmo que por escravidão. Não tenhamos medo! Estejamos plenamente convencidos de que Aquele que entrou no túmulo era a própria Verdade e que a Verdade, pisoteada, ressuscitará irresistivelmente... Que aqueles que acreditam na Ressurreição não percam o ânimo! Lembrem-se de que a Igreja, tal como Jesus, não só tem uma vida contínua, como também sobreviveu a milhares de crucificações e a outras tantas ressurreições... 

Não desanimeis! Lembrai-vos de que o vosso Rei, embora pareça ausente por vezes ao conceder ao mal as suas horas, vence sempre a competição. Dizei então como São Paulo: 'A tribulação ou a angústia? A fome, a nudez, os perigos, a perseguição, a espada? Estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer criatura nos poderá separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor'.

(Venerável Fulton Sheen)

domingo, 21 de abril de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se agora a pedra angular' (Sl 117)

Primeira Leitura (At 4, 8-12) - Segunda Leitura (1Jo 3,1-2) -  Evangelho (Jo 10,11-18)

  21/04/2024 - QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA

21. O BOM PASTOR


No Quarto Domingo da Páscoa, Jesus se apresenta como o Bom Pastor: 'Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas' (Jo 10, 11). Jesus acabara de curar um cego de nascença e os fariseus o condenavam por ter praticado um milagre tão extraordinário num sábado. Mas o cego, superando a obstinação, a hipocrisia e as ameaças daqueles homens, não apenas viera reencontrar Jesus mas, como ovelha do Bom Pastor, prostrou-se diante dele e o adorou. Diante da multidão perplexa por estes fatos, Jesus projeta no cego curado as ovelhas do seu rebanho, e se apresenta como o Bom Pastor que acolhe as suas ovelhas com doçura extrema e infinita misericórdia, e que é capaz de dar a sua vida por elas.

Jesus, o Bom Pastor, conhece e ama, com profunda misericórdia, cada uma de suas ovelhas desde toda a eternidade: 'Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas' (Jo 10, 14 - 15). Nada, nem coisa, nem homem, nem demônio algum, poderá nos apartar do amor de Deus. Porque este amor, sendo infinito, extrapola a nossa condição humana e assume dimensões imensuráveis. Ainda que todos os homens perecessem e a humanidade inteira ficasse reduzida a um único homem, Deus não poderia amá-lo mais do que já o ama agora, porque todos nós fomos criados, por um ato sublime e extraordinariamente particular da Sua Santa Vontade, como herdeiros dos céus e para a glória de Deus: 'Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!' (Rm 11, 36).

A missão do Bom Pastor é universal, porque o rebanho é universal e só um verdadeiramente é o Bom Pastor, que não abandona nunca as suas ovelhas: 'Haverá um só rebanho e um só pastor' (Jo 10, 16). Todos aqueles que ainda não se encontram no redil do Bom Pastor, a Santa Igreja, devem ser buscados como ovelhas desgarradas, para que se unam ao único rebanho e que, sob a voz do Bom Pastor, sejam conduzidas com segurança às fontes da água da vida (Ap 7, 17): 'Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 1, 10). Jesus nos convoca, assim, à missão de um apostolado universal, delegando a todos nós, os batizados, a enorme tarefa da evangelização para que se faça, no redil da terra, um só rebanho e um só Pastor.

Reconhecer-nos como ovelhas do rebanho do Bom Pastor é manifestar em plenitude a nossa fé e esperança em Jesus Cristo, Deus Único e Verdadeiro: 'Dai graças ao Senhor, porque ele é bom! Eterna é a sua misericórdia!' (Sl 117). Como ovelhas do Bom Pastor, a pedra angular (At 4, 11) que nunca nos será tirada, não nos basta ouvir somente a voz da salvação; é preciso segui-lo em meio às provações da nossa humanidade corrompida, confiantes e perseverantes na fé, pois 'desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como Ele é' (1 Jo 3, 2).

sábado, 20 de abril de 2024

'FICA NA BARCA E CLAMA POR DEUS!'

Por todas as coisas que fez, o Senhor nos ensina como viver aqui na terra. Não há ninguém neste mundo que não seja viajante, ainda que nem todos desejem regressar à pátria. Nós sofremos com as ondas e as tempestades que decorrem da travessia, mas, mesmo assim, fiquemos no navio. Com efeito, se dentro do navio corremos perigo, fora dele a morte é inevitável! Aquele que nada em alto mar pode ter muita força em seus braços, mas será, cedo ou tarde, vencido pela imensidão do oceano, é devorado por ele e desaparece.

Portanto, é necessário estarmos no navio, ou seja, sermos transportados pela madeira de um lenho, para poder atravessar o mar. O madeiro que carrega a nossa fraqueza é a cruz de nosso Senhor, da qual trazemos o sinal em nossa fronte, e que nos impede de ser engolidos pelo mundo. Sofremos as agitações das ondas, mas é o Senhor que nos transporta.

A barca que transporta os discípulos, isto é, a Igreja, navega, e a tempestade das provações a tomam de assalto. O vento contrário, ou seja, o demônio que faz oposição à Igreja, não se acalma, esforçando-se por impedi-la de chegar ao repouso do porto. Grande é, porém, aquele que intercede por nós. Com efeito, durante a tumultuosa navegação em que nos debatemos, ele nos inspira confiança, vem a nós e nos reconforta, a fim de que, sacudidos pela barca, não nos deixemos abater e não nos lancemos ao mar.

Porque, mesmo se a barca é sacudida pelas ondas, é apesar de tudo uma barca, e somente esta barca transporta os discípulos e acolhe Cristo. Ela corre um grande risco no mar mas, fora dela, imediatamente perecemos.

Conserva-te, pois, na barca e clama por Deus. Todos os conselhos podem falhar, o leme pode tornar-se insuficiente, as velas abertas mais perigosas que úteis – quando todos os socorros humanos falharem, só resta aos marinheiros rezar e elevar a Deus seus corações. Aquele que concede aos navegantes a graça de chegar ao porto, iria acaso abandonar a sua Igreja, em vez de reconduzi-la ao repouso?

(Santo Agostinho)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

'NO CORAÇÃO DA IGREJA SEREI O AMOR'


Não obstante a minha pequenez, queria iluminar as almas como os Profetas e os Doutores, sentia a vocação de ser Apóstolo... Queria ser missionário, não apenas durante alguns anos, mas queria ter sido desde o princípio do mundo e continuar até a consumação dos séculos. Mas acima de tudo, ó meu amado Salvador, queria derramar o sangue por Vós até a última gota. 

Porque durante a oração estes desejos me faziam sofrer um autêntico martírio, abri as epístolas de São Paulo a fim de encontrar uma resposta. Casualmente fixei-me nos capítulos XII e XIII da Primeira Epístola aos Coríntios e li no primeiro que nem todos podem ser ao mesmo tempo Apóstolos, Profetas e Doutores..., que a Igreja é formada por membros diferentes e que os olhos não podem ao mesmo tempo ser as mãos. A resposta era clara, mas não satisfazia completamente os meus desejos e não me trazia a paz.

Continuei a ler e encontrei esta frase que me confortou profundamente: 'Procurai com ardor os dons mais perfeitos; eu vou mostrar vos um caminho mais excelente'. E o Apóstolo explica como todos os dons mais perfeitos não são nada sem o amor e que a caridade é o caminho mais excelente que nos leva com segurança até Deus. Finalmente tinha encontrado a tranquilidade.

Ao considerar o Corpo Místico da Igreja, não conseguira reconhecer-me em nenhum dos membros descritos por São Paulo; melhor, queria identificar-me com todos eles. A caridade ofereceu-me a chave da minha vocação. Compreendi que, se a Igreja apresenta um corpo formado por membros diferentes, não lhe falta o mais necessário e mais nobre de todos; compreendi que a Igreja tem coração, um coração ardente de amor; compreendi que só o amor fazia atuar os membros da Igreja e que, se o amor viesse a extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho e nem os mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo e que abrange todos os tempos e lugares; em uma palavra, o amor é eterno.

Então, com a maior alegria da minha alma arrebatada, exclamei: 'Ó Jesus, meu amor! Encontrei finalmente a minha vocação'. A minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, e este lugar, ó meu Deus, fostes Vós que mo destes: no coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor; com o amor serei tudo; e assim será realizado o meu sonho.

(Santa Teresa de Lisieux)

quinta-feira, 18 de abril de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXIX)

Capítulo LXXIX

Razões para o Socorro às Santas Almas - Heróis e Vítimas da Caridade - Os Exemplos dos Padres Laynez e Fabricius - Padre Nieremberg, Vítima da Caridade pelas Almas do Purgatório

'Aquele que esquece seu amigo, depois que a morte o tirou de sua vista, nunca lhe teve uma amizade verdadeira'. Estas palavras o Padre Laynez, Segundo Geral da Companhia de Jesus, repetia continuamente aos filhos de Santo Inácio. Ele desejava que os interesses das almas lhes fossem tão caros depois da morte como o foram durante a vida. Unindo o exemplo ao preceito, Laynez aplicou às almas do Purgatório uma grande parte das suas orações, sacrifícios e a satisfação que mereceu diante de Deus pelos seus trabalhos para a conversão dos pecadores. Os Padres da Companhia, fiéis às suas lições de caridade, manifestaram sempre um zelo particular por esta devoção, como se pode ver no livro intitulado 'Heróis e Vítimas da Caridade' na Companhia de Jesus, do qual transcrevo a seguinte página.

'Em Munster, na Vestfália, em meados do século XVII, surgiu uma epidemia que todos os dias fazia inúmeras vítimas. O medo paralisou a caridade da maior parte dos habitantes, e poucos foram os que se dedicaram a socorrer as infelizes criaturas atingidas pela peste. Foi então que o Padre Fabricius, animado pelo espírito de Laynez e Loyola, lançou-se na arena do sacrifício. Pondo de lado toda a precaução pessoal, empregou todo o seu tempo em visitar os doentes, em procurar remédios para eles e em dispô-los para uma morte cristã. Ouvia as suas confissões, administrava os últimos sacramentos, enterrava-os com as suas próprias mãos e, finalmente, celebrava o Santo Sacrifício para o repouso das suas almas.

De fato, durante toda a sua vida, este servo de Deus teve a maior devoção para com as almas santas. Entre todos os seus exercícios de piedade, o que lhe era mais caro, e que ele sempre recomendou vivamente, era o de oferecer o Santo Sacrifício da Missa pelos defuntos, sempre que as Rubricas o permitissem. Como resultado deste conselho, todos os Padres de Munster resolveram consagrar um dia de cada mês aos fiéis defuntos; cobriram a sua igreja de luto e rezavam com toda a solenidade pelos fieis defuntos. Deus dignou-se, como faz muitas vezes, recompensar o Padre Fabricius e encorajou o seu zelo com várias aparições das almas sofredoras. Umas pediam-lhe que apressasse a sua libertação, outras agradeciam-lhe o alívio que lhes tinha proporcionado; outras ainda anunciavam-lhe o momento feliz da sua libertação. 

O seu maior ato de caridade foi aquele que realizou no momento da sua morte. Com uma generosidade verdadeiramente admirável, sacrificou todos os sufrágios, orações, missas, indulgências e mortificações que a sua sociedade religiosa aplicava aos seus membros falecidos. Pediu a Deus que os privasse deles para o alívio das almas sofredoras que mais agradassem a sua Divina Majestade'.

Já falamos anteriormente do Padre Nieremberg, célebre tanto pelas obras de piedade que publicou como pelas eminentes virtudes que praticou. A sua devoção pelas almas santas, não contente com sacrifícios e orações frequentes, levava-o a sofrer por elas com uma generosidade que muitas vezes chegava ao heroísmo.  Entre os seus penitentes, na corte de Madri, havia uma senhora de classe que, sob a sua sábia direção, tinha atingido um alto grau de virtude no meio do mundo, mas era atormentada por um medo excessivo da morte, tendo em vista o Purgatório que a esperava. Adoeceu perigosamente e os seus temores aumentaram de tal modo que quase perdeu os sentimentos cristãos. O seu santo confessor empregou todos os meios que o seu zelo podia sugerir, mas em vão; não conseguiu restituir-lhe a tranquilidade, nem conseguia convencê-la a receber os últimos sacramentos.

Para coroar este infortúnio, perdeu subitamente a consciência e ficou reduzida a uma letargia completa.. O padre, justamente alarmado com o perigo desta alma, retirou-se para uma capela perto do quarto da moribunda. Ali ofereceu o Santo Sacrifício com o maior fervor para obter para a doente tempo suficiente para que recebesse os sacramentos da Igreja. Ao mesmo tempo, movido por uma caridade verdadeiramente heróica, ofereceu-se como vítima à Justiça Divina, para sofrer nesta vida todos os sofrimentos reservados àquela pobre alma na outra.

A sua oração foi ouvida. Mal terminou a missa, a doente recobrou a consciência e constatou-se que estava completamente mudada. Estava tão bem disposta que pediu os últimos sacramentos, os quais recebeu com pungente fervor. Depois, ouvindo do seu confessor que não tinha nada a temer do Purgatório, expirou perfeitamente serena e com um sorriso nos lábios.

A partir dessa hora, o Padre Nieremberg foi submetodo a todo tipo de sofrimento, tanto do corpo como da alma. Os dezesseis anos restantes da sua vida foram um longo martírio e um rigoroso purgatório. Nenhum remédio humano podia aliviá-lo e seu único consolo estava na lembrança da sagrada causa pela qual ele os suportou. Finalmente, a morte veio pôr fim aos seus terríveis sofrimentos e, ao mesmo tempo, podemos razoavelmente acreditar, abrir-lhe as portas do Paraíso, pois está escrito: 'bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXVII)

'Fazer a Vontade de Deus em tudo é praticar a caridade com o próximo a qualquer custo'

(Santo Padre Pio)

A caridade é a mãe de todas as virtudes, assim como a soberba é a raiz de todos os pecados. Sê humilde e pratica a caridade em tudo e com todos os teus irmãos, em todas as situações. Espelha-te no bom samaritano em todos os caminhos de tua vida!

terça-feira, 16 de abril de 2024

É PRECISO SER FERMENTO NA MASSA

Há algo mais irrisório do que um cristão que não se preocupa com os outros? Não tomes como pretexto a tua pobreza: a viúva que pôs duas pequenas moedas na arca do tesouro (Mc 12,42) levantar-se-ia contra ti; Pedro também, ele que dizia ao coxo: 'Não tenho ouro nem prata' (At 3,6), e também Paulo, tão pobre que muitas vezes passava fome. Não uses a tua condição social, pois os apóstolos também eram humildes e de baixa condição. Não invoques a tua ignorância, porque eles eram homens iletrados. Mesmo se fosses escravo ou fugitivo, tu poderias sempre fazer o que dependia de ti. Assim era Onésimo que Paulo elogiou. Serás tu de saúde frágil? Timóteo também o era. Sim, seja o que for que sejamos, não importa quem pode ser útil ao seu próximo, se se quer verdadeiramente fazer o que se pode.

Vês quantas árvores da floresta são vigorosas, belas, esbeltas? E contudo, nos jardins, preferimos árvores de frutos ou oliveiras cobertas de pomos. Belas árvores estéreis... assim são os homens que apenas consideram o seu próprio interesse.

Se o fermento não levedasse a massa, não seria um verdadeiro fermento. Se um perfume não perfumasse os que estão perto, poderíamos chamá-lo de perfume? Não digas pois que é impossível teres uma boa influência sobre os outros porque, se és verdadeiramente cristão, é impossível que não possas agir em nada; isso faz parte da essência própria do cristão. Será tão contraditório dizer que um cristão não pode ser útil ao seu próximo como negar ao sol a possibilidade de iluminar e aquecer.

(São João Crisóstomo)

segunda-feira, 15 de abril de 2024

DECÁLOGO SOBRE A DESCONFIANÇA

1. 'Quem pensa estar de pé, tome cuidado para não cair!' (I Cor 10,12)

2. 'Maldito o homem que confia em outro homem, que da carne faz o seu apoio e cujo coração vive distante do Senhor!' (Jr 17,5)

3. 'Mais vale procurar refúgio no Senhor do que confiar no homem' (Sl 117,8)

4. Não coloqueis nos poderosos a vossa confiança, são apenas homens nos quais não há salvação (Sl 145,3)

5. 'Vós, pois, caríssimos, advertidos de antemão, tomai cuidado para que não caiais da vossa firmeza, levados pelo erro desses homens ímpios' (II Pd 3,17)

6. 'Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito, mas exa­minai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo' (I Jo 4,1)

7. 'Guarda bem o que Deus te deu; guarda-te de tudo o que Ele proibiu e aguarde com confiança o que Ele prometeu' (São Bernardo)

8. 'A terceira maneira de resistir às tentações e vencê-las é desconfiar de nós mesmos. Quem se considera firme deve ter cuidado para não cair, como nos diz o Grande Apóstolo (Cornelio Lapide)

9. 'Deus não permite que o diabo engane a alma que desconfia de si mesma e permanece forte na fé' (Santa Teresa de Ávila)

10. 'Nossa melhor política é colocar toda a nossa confiança na graça de Deus e desconfiar inteiramente de nossas próprias forças' (São Roberto Belarmino).

domingo, 14 de abril de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face!' (Sl 4)

Primeira Leitura (At 3,13-15.17-19) - Segunda Leitura (1Jo 2,1-5a) -  Evangelho (Lc 24,35-48)

  14/04/2024 - TERCEIRO DOMINGO DA PÁSCOA

20. TESTEMUNHAS DA RESSURREIÇÃO DO SENHOR


Neste Terceiro Domingo da Páscoa, os Evangelhos evocam mais uma das muitas manifestações de Jesus Ressuscitado aos discípulos reunidos no Cenáculo. Mesmo depois dos relatos das aparições de Jesus às santas mulheres, à Maria Madalena, ao próprio Pedro, e aos dois discípulos de Emaús, muitos ainda permaneciam incrédulos e continuavam a negar a ressurreição de Jesus. E o dogma da ressurreição, essência da fé cristã, não poderia conviver com tais dúvidas e não poderia prescindir da solidez confiante do testemunho de muitos e de todos.

Por isso, mais uma vez, Jesus se apresenta aos seus discípulos e os saúda com a paz de Cristo. Homens incrédulos responderam à saudação de Jesus como homens incrédulos: 'Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma' (Lc 24, 37). Turbados pela presença de Jesus, julgaram ver um espírito, um fantasma que atravessava paredes e portas fechadas. O temor e a desconfiança deles era tão grande que foram capazes, mais uma vez, de confundirem o mistério da graça com uma reação baseada na lógica simples da natureza humana. Jesus surgira do nada, e as portas estavam fechadas; tratava-se, pois, da aparição de um fantasma...

Jesus os conclama a compreender o mistério da graça: 'Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho. E, dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés' (Lc 24, 38 - 40). E, agora, movidos por uma incredulidade mais afeta à alegria pela confirmação da ressurreição de Cristo do que a descrença pelo sobrenatural, os discípulos oferecem a Jesus, a pedido dele, um pedaço de peixe assado: 'Ele o tomou e comeu diante deles' (Jo 24, 43). Não podia existir prova mais definitiva da real presença de Jesus Ressuscitado; em seu corpo glorioso, embora não precisasse de alimento algum, Aquele que antes comia e bebia com eles, estava de novo comendo com eles. Era o mesmo Jesus, Jesus Ressuscitado, não um espírito, não um fantasma.

Em seguida, após confirmar a sua missão salvífica, Jesus exorta os seus discípulos a serem, mais que apenas as testemunhas singulares da Ressurreição, os continuadores de sua missão, constituindo-os sacerdotes da Igreja e herdeiros do seu sumo e eterno sacerdócio. Missão destinada a ser cumprida pelo ministério sacerdotal até o fim dos tempos, na busca da confirmação da obra universal da redenção e para a salvação e a santificação das almas: 'e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso' (Lc 24, 47 - 48).

sábado, 13 de abril de 2024

ORAÇÃO AO ANJO DA GUARDA DA BOA MORTE


Meu bom Anjo da Guarda, não sei quando e de que modo irei morrer. É possível que eu seja levado de repente ou que, antes do meu último suspiro, eu me veja privado das minhas capacidades mentais. E há tantas coisas que eu gostaria de dizer a Deus, no limiar da Eternidade...

Por isso hoje, com a plena liberdade da minha vontade, venho pedir, Anjo da minha Guarda, que faleis por mim a Deus nesse temível momento. Direis, então, ao Senhor:

🙏Que quero morrer na Santa Igreja Católica, Apostólica Romana, no seio da qual morreram todos os santos, depois de Jesus Cristo, e fora da qual não há salvação;

🙏 Que peço a graça de participar nos méritos infinitos do meu Redentor e que desejo morrer pousando os meus lábios na Cruz que foi banhada com o seu Sangue;

🙏 Que abomino e detesto todos os meus pecados que ofenderam a Jesus e que, por amor a Ele, perdoo os meus inimigos, como eu próprio desejo ser perdoado;

🙏 Que aceito a minha morte como sendo da vontade de Deus e que, com toda a confiança, me entrego ao seu amável e Sacratíssimo Coração, esperando por toda a sua misericórdia;

🙏 Que, no meu inexprimível desejo de ir para o Céu, me disponho a sofrer tudo quanto a sua soberana Justiça haja por bem infligir-me.

Não recuseis, ó Santo Anjo da minha Guarda, ser o meu intérprete junto de Deus e expor diante dEle que estes são os meus sentimentos e a minha vontade. Amém.

(São Carlos Borromeu)

sexta-feira, 12 de abril de 2024

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Uma só razão têm os homens para não obedecer, e é quando se lhes pede algo que repugne abertamente o direito natural ou divino; pois todas aquelas coisas em que se infringe a lei natural ou a vontade de Deus, é tão ilícito o mandar como o fazer. Se, no entanto, suceder que alguém seja obrigado a escolher uma de duas coisas, ou a desprezar os mandamentos de Deus ou o dos Príncipes, deve obedecer a Jesus Cristo, que manda dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, e seguindo o exemplo dos Apóstolos, responder animosamente: importa obedecer antes a Deus do que aos homens. Porém, não há razão para acusar quem procede deste modo de quebrar a obediência; pois se a vontade dos Príncipes contraria a vontade de Deus, eles ultrapassam os limites do seu poder e perturbam a justiça: nem mesmo assim pode valer a sua autoridade, a qual é nula onde não é justa'.

(Papa Leão XIII, Encíclica Diuturnum Illud, 1881)

quinta-feira, 11 de abril de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (316/320)

 

316. POR QUE ERA ATEU

Encontraram-se, certo dia, um pároco e um homem notoriamente ímpio e avarento. Na conversa com o padre, nao fêz segredo de sua impiedade e declarou abertamente que, embora respeitador das crenças alheias, nao acreditava em Deus. O vigário, tomando uma folha de papel, escreveu sobre ela a palavra 'Deus'. 
➖ O senhor está vendo esta palavra? - perguntou ao ateu.
➖ Perfeitamente - respondeu o outro. 
O pároco tirou do bolso uma moeda de dois mil réis (das antigas) e colocou-a exatamente sobre a palavra que escrevera e tornou a perguntar: 
➖Você ainda vê a palavra 'Deus'? 
➖ Agora nao a vejo, porque a moeda me impede. 
➖ Pois é isso mesmo, meu amigo, o que se está dando com a sua pessoa. Você vê só o dinheiro e por isso nao enxerga mais a Deus. O próprio Salvador disse: 'Os cuidados deste mundo e a ilusão das riquezas sufocam a palavra de Deus'.

317. OCULTARA OS PECADOS

Em Lima, capital do Peru, uma senhora tinha três criadas. Uma era cristã, convertida do paganismo. Deixou, porém, a prática da oração, tornando-se leviana e livre nos costumes. Tendo adoecido, recebeu os sacramentos com pouca devoção. Revelou, depois, às suas companheiras de serviço, que tivera o cuidado de ocultar ao sacerdote todos os pecados que cometera. 

Alarmadas, as companheiras levaram o fato ao conhecimento de sua patroa, a qual alcançou da enferma a promessa de fazer uma confissão sincera. Marta, assim se chamava ela, confessou-se de novo e morreu depois de algum tempo. Apenas exalou o último suspiro, começou o seu cadáver a espalhar um mau cheiro insuportável, de modo que tiveram de levá-lo para fora da casa. O cão, por natureza tranquilo, pôs-se a uivar lúgubremente. 

Uma das criadas, indo dormir no quarto onde Marta falecera, foi despertada por rumores espantosos; todos os móveis eram como que agitados por uma força invisível e atirados ao chão. Com a outra criada, deu-se a mesma cena espantosa. Resolveram, pois, passar juntas a noite. Ouviram, a certa altura, a voz clara e distinta de Marta, que se lhes apresentou em estado horrível e rodeada de chamas. Disse-lhes que, por ordem de Deus, vinha fazer-lhes conhecer em que estado se achava e que fôra condenada por seus pecados de impureza e por suas confissões mal feitas. E acrescentou: 'Contai a outros o que acabo de revelar-vos, para que não sejam vítimas da mesma desgraça'. A estas palavras, lançou um grito de desespero e desapareceu (Villard, V. III).

318. DUAS CLASSES DE PESSOAS

Um pároco convidou um seu paroquiano a fazer a Páscoa.
➖ Mas, senhor vigário, para que confessar-me se eu não tenho pecado?
Respondeu-lhe o padre: 
➖ Olhe, senhor; só há duas classes de pessoas que não têm pecados: os que ainda não chegaram ao uso da razão e os que já a perderam.

319. JÁ FEZ A PÁSCOA?

Um dia, indo Dom Bosco a Carignano, sentou-se ao lado do cocheiro e durante a conversa disse-lhe:
➖ Espero que o senhor já tenha feito a Páscoa.
➖ Ainda não - respondeu o bom homem; e, ademais, faz muito tempo que não me confesso. Eu gostaria de confessar-me com o padre com quem me confessei a última vez, se o encontrasse.
➖ E quem é esse padre?
➖ É Dom Bosco; não sei se o senhor o conhece; confessei-me com ele em Turim.
➖ Pois sou eu mesmo, respondeu o santo.
Fixando nele o olhar, o condutor reconheceu-o.
➖ Como farei para confessar-me agora mesmo?
➖ Dê-me as rédeas e ajoelhe-se.
E enquanto os cavalos caminhavm lentamente, o homem confessou-se com grande alegria da alma.

320. NÃO SABE CALAR-SE!

Sócrates falava muito pouco. Um indiscreto perguntou-lhe, certa ocasião, se guardava silêncio por ignorância, ao que Sócrates respondeu: 'Um ignorante não sabe calar-se!'

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


quarta-feira, 10 de abril de 2024

OITO MANEIRAS DE UM CATÓLICO PERDER A FÉ (III)

IV - PELO MUNDANISMO E PAIXÕES DESREGRADAS

Outra causa que leva à perda da fé é a corrupção do coração e a escravidão das paixões. Encontrareis homens que negam a imortalidade da alma, que negam a eternidade do inferno, que negam a infalibilidade da Igreja. Encontrareis homens que negam a origem divina da confissão. Mas por quê, meus irmãos, por quê? É porque essas verdades salutares põem um freio às suas paixões. Eles não podem acreditar nessas verdades e, ao mesmo tempo, satisfazer seus desejos criminosos.

Um homem honesto e virtuoso jamais pensaria em duvidar ou contradizer essas verdades sagradas. Apesar do seu orgulho inato, a mente é escrava do coração. Se o coração se eleva ao céu nas asas do amor divino, a mente também se eleva com ele. Mas, se o coração se enterra na lama das paixões imundas, logo exala vapores escuros e fétidos, que obscurecem o intelecto. A razão do infiel é a fraude  que carrega no coração.

Há um homem que já foi um bom católico, que costumava ir regularmente à missa e à confissão. Agora já não se confessa, é um infiel. Mas por quê? Terá, porventura, ficado mais esclarecido? Terá recebido algum conhecimento novo? Não; o único conhecimento novo que recebeu foi o triste conhecimento do pecado. Ele acreditou enquanto foi virtuoso. Só começou a duvidar quando começou a ser imoral; só se tornou um infiel quando se tornou um libertino. A história da sua vida é logo contada. Desejoso de satisfazer as suas paixões sem restrições e sem remorsos, tentou livrar-se de uma religião que o teria perturbado no meio dos seus prazeres ilícitos. A religião apareceu-lhe como a mão na parede, escrevendo a sua desgraça no meio da sua folia sem sentido. O respeito humano e a satisfação de suas paixões são as únicas causas que o levaram a tornar-se um infiel.

V - PELO CONVÍVIO COM OS ESCARNECEDORES DA RELIGIÃO

Frequentar a sociedade dos ímpios, dos zombadores da religião é, para muitos, outra causa de perda da fé. Um zombador da religião é um homem sem princípios, um homem afundado na mais grosseira ignorância do que é a religião. Ele blasfema contra o que não entende. Ele zomba das doutrinas da Igreja, sem saber realmente o que são essas doutrinas. Escarnece das doutrinas e práticas da religião, porque não as pode refutar. Fala com a maior gravidade das belas artes, das modas e até dos assuntos mais triviais, e ridiculariza os assuntos mais sagrados. No meio do seu próprio círculo social, profere os seus conceitos superficiais com toda a segurança pomposa de um pedante.

Imagine-se um jovem que foi educado como católico. Frequentou todos os dias uma escola católica até fazer a primeira comunhão. Aprendeu bem o catecismo. Mas os pais queixam-se de que já não reza as orações da manhã e da noite, que já não se confessa, não comunga e não vai à missa ao domingo. Por quê? Porque frequenta a sociedade das más companhias, que ridicularizam a religião e zombam de tudo o que é sagrado. 'As más companhias corrompem os bons costumes'. Na companhia de jovens pervertidos, ele logo sente vergonha de sua religião, torna-se completamente indiferente a ela, abandona toda prática de piedade e, finalmente, torna-se um infiel e também ele um zombador da religião.

VI - PELOS CASAMENTOS MISTOS

A experiência tem demonstrado suficientemente que os casamentos mistos são também uma causa para que muitos tenham perdido a sua fé. Esta é a razão pela qual a Igreja Católica sempre se opôs a eles. A parte católica está geralmente exposta ao perigo de perder a fé ou de se tornar indiferente a ela. A educação católica das crianças é também geralmente negligenciada e muitas vezes tornada impossível.

Há uma congregação, num dos estados americanos, que conta com cerca de duzentas famílias. Há nada menos que cinquenta e sete casamentos mistos nela. O número de convertidos é de apenas seis e o número dos que abandonaram a religião católica é de vinte e dois. Quanto às crianças, encontram-se atualmente cinquenta e quatro que estão a ser instruídas nos rudimentos da nossa religião, e espera-se que adiram à prática das suas doutrinas. Mas há cento e trinta e sete que estão a receber a sua formação religiosa em alguma seita religiosa ou são deixados a crescer na mais completa ignorância. Há mais trinta e um cujo fim último é ainda duvidoso. O número de ex-católicos é de quase quatro para cada catolico nesta congregação. Não há razão para crer que os casamentos mistos sejam menos produtivos de males em outras congregações. 

VII - PELA PARTICIPAÇÃO EM SOCIEDADES SECRETAS

O estado de irreligião e infidelidade em que estão mergulhados atualmente milhões de homens que foram católicos é obra das sociedades secretas da maçonaria. Mostrei previamente que o principal objetivo da maçonaria é destruir toda a religião revelada e introduzir o paganismo em seu lugar. Aderir a qualquer uma das sociedades secretas é abandonar a religião católica; pois a Igreja Católica excomungou todos aqueles que aderiram a uma sociedade secreta. No entanto, há milhares que se juntam a essas sociedades satânicas e abandonam Deus e sua santa religião por Satanás e sua obra de impiedade.

VIII - PELO ORGULHO E RAZÃO TÍBIA SOBRE OS MISTÉRIOS DA FÉ

O orgulho e o raciocínio frágil sobre os mistérios da fé é outro meio que o demônio utiliza para fazer as pessoas perderem a fé. Há certos homens orgulhosos que dizem que não podem acreditar em tal artigo ou em tal mistério da fé, porque é muito obscuro, muito incompreensível e contrário à razão; eles não querem acreditar mais nas verdades da religião do que podem entender. Por isso, levantam tantas objeções às verdades reveladas, e assim demonstram uma lamentável falta de razão. Pois, para ser um homem, é necessário ter razão. A razão é a luz do homem. Mas a razão diz-nos que é necessário acreditar no que Deus revelou, porque Deus não pode revelar outra coisa senão a verdade, e que não tem sentido aquele que quer submeter à sua razão o próprio Autor da sua razão; e que querer compreender o que está acima da sua inteligência é não ter inteligência. Imagine-se um jovem católico que sempre acreditou no que Deus nos ensina através da sua Igreja. Associa-se frequentemente a alguém que, de forma perspicaz, argumenta sobre os mistérios da fé. este jovem começa a ouvi-lo com prazer. A consequência é que se expõe a todo o tipo de tentações contra a fé. Começa ele próprio a argumentar sobre os mistérios da fé, depois a duvidar deles e, por fim, a perder toda a fé neles. Morre infiel.

Ai de nós! Quantos são os que foram filhos fervorosos da Igreja Católica, que viveram na graça de Deus, em grande felicidade e paz, mas que, pelas razões que acabamos de expor, levam agora a vida perversa dos infiéis! A sua desgraça deve ser um aviso para todos nós. Portanto, 'aquele que se julga em pé, cuide-se para que não caia' (1 Cor 10,12).

(Excertos da obra 'Apostles' Creed', do Pe. Muller, 1889, tradução do autor do blog)

terça-feira, 9 de abril de 2024

OITO MANEIRAS DE UM CATÓLICO PERDER A FÉ (II)

II - PELA NEGLIGÊNCIA DOS DEVERES RELIGIOSOS

Muitos se afastam da fé porque seus pais negligenciaram dar-lhes qualquer instrução na religião. Há uma certa classe de pais que instruem seus filhos em tudo, menos na religião. Há outros pais que permitem que seus filhos cresçam na ignorância de tudo, exceto na maneira pela qual podem ganhar algum dinheiro. Ora, quando se aproxima o momento dessas crianças fazerem a primeira comunhão, os pais levam-nas ao sacerdote para as preparar para esse ato sagrado, em um prazo tão curto quanto uma ou duas semanas. Ora, o que é que as crianças podem aprender num par de semanas? É certo que o que aprendem muito raramente lhes entra no coração. Os seus corações não estão preparados para a Palavra de Deus; são levianos e, em muitos casos, corrompidos, e o que aprendem é aprendido por constrangimento. Logo que se libertam do constrangimento, atiram a sua religião porta fora: tornam-se os piores inimigos da Igreja Católica. O jovem que incendiou a igreja de Santo Agostinho, em Filadélfia, Pensilvânia, era católico e glorificava-se de poder queimar o seu nome do registo de batismo. Por um justo castigo de Deus, essas crianças católicas negligenciadas tornar-se-ão nossos perseguidores. Assim se verifica nestas crianças o que Deus diz através do profeta Isaías: 'Por isso o meu povo foi levado cativo, porque não teve conhecimento' (Is 5,13).

Há outros que não querem ser instruídos nos seus deveres religiosos, a fim de se dispensarem mais facilmente da obrigação de cumprir esses deveres. Ora, é essa mesma classe de homens que facilmente dá ouvidos aos princípios da infidelidade, porque esses princípios agradam mais à sua natureza corrupta do que os da nossa santa religião. A classe desses homens é muito numerosa e seu número está aumentando a cada dia. Pois, não tendo eles próprios nenhuma religião, nem desejando tê-la, que admira que os seus filhos sigam o seu exemplo? Tal como é a árvore, tal será também o fruto. 

Há outros que se afastam gradualmente da fé e se tornam infiéis, porque negligenciam um dever cristão essencial, o da oração. 'Os ímpios' - diz Davi - 'corrompem-se e tornam-se abomináveis nos seus caminhos... Todos eles se desviaram, e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, nem um sequer... A destruição e a infelicidade estão nos seus caminhos'. ' A causa de toda esta maldade' -  continua Davi - 'é que não invocaram o Senhor'. Deus é a luz do nosso entendimento, a força da nossa vontade e a vida do nosso coração. Ora, quanto mais negligenciarmos a oração a Deus, mais experimentaremos trevas em nosso entendimento, fraqueza em nossa vontade e frieza mortal em nosso coração. Nossas paixões, as tentações do demônio e as seduções do mundo nos atrairão de cabeça para baixo de um abismo de maldade para outro, até cairmos no mais profundo de todos, na infidelidade e na indiferença a toda religião.

III - PELA LEITURA DE MAUS LIVROS

Há outra causa especial para a perda da fé: é a leitura de maus livros. Os maus livros são (i) livros fúteis que não fazem bem, mas distraem a mente do que é bom; (ii) novelas e romances que não parecem ser tão maus, mas são muito maus na verdade; (iii) livros que tratam declaradamente de assuntos maus; (iv) maus jornais, periódicos, miscelâneas, revistas sensacionalistas, semanários [atualmente, com desgraça ainda maior, internet, redes sociais e programas de televisão]; (v) livros sobre bruxarias e superstições, adivinhações; (vi) literatura protestante e de outras falsas religiões.

Há certos livros fúteis que, embora não sejam maus em si mesmos, são perniciosos, porque fazem o leitor perder o tempo que poderia e deveria empregar em ocupações mais benéficas para a sua alma. Aquele que gastou muito tempo na leitura de tais livros e depois vai à oração, à missa e à santa comunhão, em vez de pensar em Deus e de fazer atos de amor e confiança, será constantemente perturbado por distrações; porque as representações de todas as vaidades que leu estarão constantemente presentes na sua mente. O moinho mói o milho que recebe. Se o trigo é mau, como pode o moinho produzir boa farinha? Como é possível pensar em Deus com frequência e oferecer-lhe atos frequentes de amor, de oblação, de súplica e outros semelhantes, se a mente está constantemente cheia do lixo lido em livros ociosos e inúteis? 

... Quanto aos romances, são, em geral, quadros, e normalmente quadros muito bem elaborados das paixões humanas. A paixão é representada como tendo sucesso no seu fim e atingindo os seus objetivos, mesmo com o sacrifício do dever. Esses livros, como uma classe, apresentam visões falsas da vida; e como é o erro dos jovens confundi-las com realidades, eles se tornam os enganos de suas próprias imaginações ardentes e entusiastas, que, em vez de tentar controlar, eles realmente nutrem com o alimento venenoso de fantasias e quimeras... Quanto mais fortemente as obras de ficção apelam à imaginação, e quanto mais amplo é o campo que proporcionam para o seu exercício, maiores são, em geral, as suas perigosas atrações; e é demasiado verdade que elas lançam, por fim, uma espécie de feitiço sobre a mente, fascinando tão completamente a atenção, que o dever é esquecido e a obrigação positiva posta de lado para gratificar o desejo de desvendar, até à sua última complexidade, a teia finamente tecida de alguma criação aérea da fantasia. Sentimentos fictícios são excitados, simpatias irreais são despertadas, sensibilidades sem sentido são evocadas. A mente está enfraquecida; perdeu aquela louvável sede de verdade que Deus imprimiu nela; cheia de um amor banal por ninharias, vaidades e tolices, não tem gosto por leituras sérias e ocupações proveitosas; todo o gosto pela oração, pela Palavra de Deus, pela receção dos sacramentos, está perdido; e, finalmente, a consciência e o bom senso dão lugar ao domínio da imaginação descontrolada. 

Tal leitura, em vez de formar o coração, degrada-o. Envenena a moral e excita o espírito. Envenena a moral e excita as paixões; muda todas as boas inclinações que uma pessoa recebeu da natureza e de uma educação virtuosa; arrefece, pouco a pouco, os desejos piedosos, e em pouco tempo expulsa da alma tudo o que havia de solidez e virtude. Por essa leitura, as jovens perdem de repente o hábito da reserva e da modéstia, tomam um ar de vaidade e frivolidade, e não demonstram outro ardor senão por aquelas coisas que o mundo estima, e que Deus abomina. Adotam as máximas, o espírito, a conduta e a linguagem das paixões, que estão ali sob vários disfarces artisticamente incutidos nas suas mentes e, o que é mais perigoso, cobrem toda esta irregularidade com as aparências de civilidade e um humor e disposição fáceis, complacentes e alegres.

Além de seus outros perigos, muitos desses livros infelizmente estão repletos de máximas subversivas da fé nas verdades da religião. A literatura popular atual, em nossos dias, está penetrada pelo espírito da licenciosidade, desde revistas periódicas até o arrogante e irreverente jornal diário; e as publicações semanais e mensais são, em sua maioria, pagãs ou anti-católicas. Expressam e inculcam, por um lado, o orgulho estoico, frio e polido do mero intelecto, ou, por outro, o sentimentalismo vazio e miserável. Alguns empregam a habilidade para caricaturar as instituições e ofícios da religião cristã, e outros, para exibir as formas mais grosseiras de vício e as cenas mais angustiantes de crime e sofrimento. A imprensa ilustrada tornou-se para nós o que o anfiteatro era para os romanos, quando homens eram mortos, mulheres eram ultrajadas e cristãos eram entregues aos leões, para agradar a uma população degenerada: 'O lodo da serpente está sobre tudo isso'.

... Consultar esses livros para obter um conhecimento do mundo é outra desculpa comum para a sua leitura. Bem, onde encontraremos um exemplo de alguém que se tornou um pensador mais profundo, um orador mais eloquente, um homem de negócios mais experiente, lendo maus romances e livros ruins? Eles apenas ensinam a pecar, como Satanás ensinou Adão e Eva a comerem da árvore proibida, sob o pretexto de obterem conhecimento real; e o resultado foi a perda da inocência, da paz e do paraíso, e o castigo da raça humana para sempre...Há uma classe de leitores que se lisonjeia com o fato de que os maus livros poderem magoar os outros, mas não a eles; não lhes causam qualquer impressão. Felizes e superiores mortais! São dotados de corações de pedra ou de carne e osso? Não têm paixões? Porque é que esses livros magoam os outros e não a eles? Será porque são mais virtuosos do que os outros? Não é verdade que as partes más e obscenas da história permanecem mais vivas e profundamente impressas nas suas mentes do que aquelas que são mais ou menos inofensivas? ...Ide aos hospitais e aos bordéis: perguntai ao jovem que está a morrer de uma doença vergonhosa; perguntai à jovem que perdeu a sua honra e a sua felicidade; ide ao túmulo escuro do suicida, perguntai-lhes qual foi o primeiro passo da sua carreira descendente, e eles responderão: a leitura de maus livros.

... Certamente, se somos obrigados por todos os princípios da nossa religião a evitar as más companhias, somos igualmente obrigados a evitar os maus livros; porque, de todas as más companhias corruptoras, a pior é um mau livro. Não há dúvida de que as influências mais perniciosas em ação no mundo, neste momento, provêm dos maus livros e dos maus jornais... Evita não só os livros e jornais notoriamente imorais, mas evita também todas essas miseráveis revistas sensacionalistas, romances e jornais ilustrados que estão profusamente espalhados por todo o lado. A procura que existe de tal lixo diz mal do sentido moral e da formação intelectual de quem os lê. Se quiserdes conservar a vossa mente pura e a vossa alma na graça de Deus, deveis fazer disso um princípio firme e constante de conduta para nunca mais abandonar. Estaríeis dispostos a pagar a um homem por envenenar a vossa comida? E por que deveríeis ser suficientemente tolos para pagar aos autores e editores de maus livros, panfletos e revistas, e aos editores de jornais irreligiosos, para envenenarem a vossa alma com os seus princípios ímpios e as suas histórias e imagens vergonhosas?

(Excertos da obra 'Apostles' Creed', do Pe. Muller, 1889, tradução do autor do blog)