quinta-feira, 31 de agosto de 2023

O CÉU É UM LUGAR


Céu significa o lugar e, especialmente, a condição de suprema bem-aventurança. Se Deus não tivesse criado corpos, mas unicamente puros espíritos, o Céu não teria de ser um lugar; seria apenas como o estado dos anjos, que se regozijam em Deus.

Mas, na verdade, o Céu é também um lugar. Lá encontramos a humanidade de Jesus, a bem aventurada Virgem Maria, os anjos e as almas dos santos. Embora não possamos dizer com certeza onde se encontra esse lugar, ou qual é a sua relação com o Universo, a revelação não nos permite duvidar da sua existência.

A Igreja ensina como doutrina da Fé, definida pelo Papa Bento XII: 'As almas de todos os santos estão no Céu antes da ressurreição dos corpos e do Julgamento Final. Eles vêem a essência divina por uma visão que é intuitiva e facial, sem a intermediação de qualquer criatura. Por causa desta visão na qual desfrutam da essência divina, eles são verdadeiramente bem aventurados, têm a vida eterna e o repouso eterno'.

O Concílio de Florença diz que as almas em estado de graça, depois de purificadas, entram no Céu, veem Deus trino como Ele É em si mesmo, com um grau maior ou menor de perfeição, de acordo com os seus méritos durante a vida terrena.
(Pe. Reginald Garrigou-Lagrange)

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A FONTE DA VIDA E DA LUZ

Considera, ó homem redimido, quem é aquele que por tua causa está pregado na cruz e qual é a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá a vida aos mortos; por sua morte choram o céu e a terra e fendem-se até as pedras mais duras. Para que, do lado de Cristo morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: 'Olharão para aquele que transpassaram' (Jo 19,37), a divina Providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse com a lança o sagrado lado, de onde jorraram sangue e água. Este é o preço da nossa salvação. Saído daquela fonte divina, isto é, no íntimo do seu Coração, iria dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça, tornando-se para os que já vivem em Cristo bebida da fonte viva que jorra para a vida eterna (Jo 4,14).

Levanta-te, pois, tu que amas a Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho na borda do rochedo (Jr 48,28) e aí, como o pássaro que encontrou a sua morada (cf Sl 83,4), não cesses de estar vigilante; aí esconde, como a andorinha, os filhos nascidos do casto amor; aí aproxima teus lábios para beber a água das fontes do Salvador (cf. Is 12,3). Pois esta é a fonte que brota no meio do paraíso e, dividida em quatro rios (cf Gn 2,10), se derrama nos corações dos fiéis para irrigar e fecundar a terra inteira.

Acorre com vivo desejo a esta fonte de vida e de luz, quem quer que sejas, ó alma consagrada a Deus e exclama com todas as forças do teu coração: 'Ó inefável beleza do Deus altíssimo e puríssimo esplendor da luz eterna, vida que vivifica toda vida, luz que ilumina toda luz e conserva em perpétuo esplendor a multidão dos astros que, desde a primeira aurora, resplandecem diante do trono da vossa divindade. Ó eterno e inacessível, brilhante e suave manancial daquela fonte oculta aos olhos de todos os mortais! Sois profundidade infinita, altura sem limite, amplidão sem medida, pureza sem mancha!'

'De ti procede o rio que vem trazer alegria à cidade de Deus (Sl 45,5) para que, entre vozes de júbilo e de contentamento (cf Sl 41,5) possamos cantar hinos de louvor ao vosso nome, sabendo por experiência que em vós está a fonte da vida e, em vossa luz, contemplamos a luz' (Sl 35,10).

 (São Boaventura)

terça-feira, 29 de agosto de 2023

FRASES DE SENDARIUM (VIII)

 

'Primeiro faça o necessário; depois faça o possível; e, de repente, você vai perceber que pode fazer o impossível'

(São Francisco de Assis)

O teu caminho da santificação é pavimentado com as tuas boas obras e construído com os teus bons exemplos

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

SOBRE AS VIRTUDES HEROICAS


A noção de heroicidade deriva de herói, originalmente um guerreiro, um semideus; portanto, expressa uma conotação de certo grau de bravura, fama e distinção que coloca um homem acima dos demais. Santo Agostinho aplicou pela primeira vez o título de herói aos mártires cristãos; desde então, prevaleceu o costume de o atribuir não somente aos mártires, mas a todos os confessores cujas virtudes e boas obras superam em muito as das pessoas de bem comuns. Bento XIV, cujos capítulos sobre a virtude heroica são clássicos, descreve assim a heroicidade: 'Para ser heroica, uma virtude cristã deve permitir ao seu possuidor realizar ações virtuosas com prontidão, facilidade e prazer invulgares, a partir de motivos sobrenaturais e sem ponderações humanas, com abnegação de si mesmo e pleno controle sobre as suas inclinações naturais'. Uma virtude heroica, portanto, é um hábito de boa conduta que se tornou uma segunda natureza, uma nova força motriz mais forte do que todas as inclinações inatas correspondentes, capaz de tornar fácil uma série de ações que seriam, para um homem comum, uma tarefa cheia de grandes dificuldades, e certamente insuperáveis.

Além das quatro virtudes cardeais, o santo cristão deve ser dotado das três virtudes teologais, especialmente da caridade divina, a virtude que informa, batiza e consagra, por assim dizer, todas as demais virtudes; que as associa e unifica num poderoso esforço de participação na vida divina. Como a caridade está no cume de todas as virtudes, assim a fé está no seu fundamento. Com efeito, é pela fé que se chega primeiro a Deus e se eleva a alma à vida sobrenatural. A fé é o segredo da consciência; para o mundo, ela se manifesta pelas boas obras realizadas: 'A fé sem obras é morta' (Tg 2,2). Tais boas obras são principalmente: 
  • a profissão externa da fé, 
  • a observância rigorosa dos mandamentos divinos, 
  • a oração, 
  • a devoção filial à Igreja, 
  • o temor de Deus, 
  • o horror ao pecado, 
  • a penitência pelos pecados cometidos, 
  • a paciência na adversidade. 
Todas ou algumas delas atingem o grau de heroicidade quando praticadas com perseverança incansável, durante um longo período de tempo ou sob circunstâncias tão difíceis que homens de perfeição comum seriam dissuadidos de agir. Os mártires que morrem em tormentos pela Fé, os missionários que a propagam sem descanso por toda a vida ou os pobres humildes que, com infinita paciência, arrastam pela vida afora a sua existência miserável somente para cumprir a vontade de Deus e colher a sua recompensa no futuro, estes são os heróis da Fé.

(Excertos da Catholic Encyclopedia)

domingo, 27 de agosto de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!
Completai em mim a obra começada!(Sl 137)

Primeira Leitura (Is 22,19-23) - Segunda Leitura (Rm 11,33-36)  -  Evangelho (Mt 16, 13-20)

 27/08/2023 - Vigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum

40. 'E VÓS, QUEM DIZEIS QUE EU SOU?'

Num dado dia, na 'região da Cesareia de Felipe', Jesus revelou aos seus discípulos, num mesmo momento, a sua própria identidade divina e o primado da Igreja. Neste tesouro das grandes revelações divinas, o apóstolo Pedro será contemplado, neste dia, por privilégios extraordinários: seu ato humano de fé perfeita será convertido por Cristo na pedra angular da qual nascerá a Santa Igreja.

Nesta ocasião, as mensagens e as pregações públicas de Jesus estavam consolidadas; os milagres e os poderes sobrenaturais do Senhor eram de conhecimento generalizado no mundo hebraico; multidões acorriam para ver e ouvir o Mestre, dominados pela falsa expectativa de encontrar um personagem mítico e um Messias dominador do mundo. Então, Jesus retira-se para um lugar isolado, afastando-se do júbilo fácil do mundo e das multidões errantes, que O tomam por João Batista, por Elias, por um dos antigos profetas. E se aproxima intimamente daqueles que haverão de ser os primeiros apóstolos da Igreja nascente, compartilhando-lhes na pergunta do juízo de fé: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' (Mt 16, 15). A resposta de Pedro é um símbolo da confissão perfeita da sua fé: 'Tu és o Messias, o Filho do Deus Vivo' (Mt 16, 16).

Sim, Jesus Cristo é o Filho de Deus Vivo: Deus feito homem na eternidade de Deus. A missão salvífica de Jesus há de passar não por um triunfo de epopeias mundanas, mas por um tributo de Paixão, Morte e Ressurreição; não pelo manejo da espada ou por eventos feitos de glórias humanas, mas pela humildade, perseverança e um legado de Cruz. A Cruz de Cristo é o caminho da nossa salvação e da vida eterna, ontem e sempre. Por isso, a mesma pergunta se impõe a todos os homens, de todos os tempos: quem é Jesus para nós, o Filho de Deus Vivo da confissão de Pedro ou um arauto de nossas próprias incertezas, refeito sob a ótica dos interesses humanos?

Em resposta ao apóstolo fiel, Jesus vai oferecer a Pedro as primícias do papado e o primado da Igreja, como privilégio da glória, poder e realeza de Cristo: 'Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la' (Mt 16, 17 - 18). E Jesus vai declarar em seguida o poder universal e sobrenatural da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana: 'Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mt 16, 19). Ligado ou desligado. Poder absoluto, domínio universal, primado da verdade, Cátedra de Pedro. Na terra árida de algum ermo qualquer da 'Cesareia de Felipe', erigiu-se naquele dia, pela Vontade Divina, nas sementeiras da humanidade pecadora, a Santa Igreja, a Videira Eterna.

sábado, 26 de agosto de 2023

SERMÕES DO CURA D'ARS (XII)

 SOBRE AS NOSSAS TRIBULAÇÕES

'Em verdade, em verdade vos digo: haveis de lamentar e chorar, mas o mundo se há de alegrar. E haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza se há de transformar em alegria' (Jo 16,20)

Quem, meus amados cristãos, poderia ouvir sem tremer o discurso do Redentor aos seus discípulos antes de sua ascensão ao céu, no qual Ele lhes diz que a vida deles seria uma série de lágrimas, sofrimentos e dores em carregar a cruz, enquanto o resto do mundo se alegraria e se divertiria? Não que os homens do mundo não tivessem também os seus problemas, porque a tristeza e a consternação são a consequência natural de uma má consciência, e uma vida desordenada encontra o seu próprio castigo em um coração perturbado. A sorte dos bons cristãos é completamente diferente: eles têm de se decidir a sofrer e a chorar nesta vida, mas o seu sofrimento e as suas lágrimas vislumbram na outra vida uma alegria e um prazer ilimitados em extensão e duração. Em contrapartida, os filhos do mundo, após alguns momentos de gozo, misturados com muita amargura, seguem o caminho que conduz ao fogo eterno. 'Ai de vós' - disse Jesus Cristo - 'ai de vós que não pensais senão em alegria, porque as vossas alegrias produzirão sofrimentos eternos na morada da minha justiça'. Mas Ele falou aos bons cristãos:  'Bem-aventurados sois vós que passais os vossos dias em lágrimas, porque virá o dia em que eu mesmo serei a vossa consolação'. Mostrar-vos-ei agora, meus caros cristãos, que a cruz, a pobreza, o desprezo e o sofrimento são a sorte do cristão que deseja salvar a sua alma e que procura ser agradável a Deus.

Ou sofreis nesta vida ou perdereis a esperança de ver Deus no céu. Deixai-me dizer-vos que, a partir do momento em que sois contados entre os filhos de Deus, deveis tomar sobre vós a cruz e não a abandonar até o momento da vossa morte. Quando Jesus Cristo nos fala do céu, não deixa de nos recordar que só podemos merecê-lo carregando a cruz e sofrendo: 'Toma a tua cruz e segue-me, não por um dia, um mês ou um ano, mas por toda a tua vida'. Santo Agostinho diz: 'Deixai os prazeres e os divertimentos aos filhos do mundo; mas vós, que sois filhos de Deus, chorai como os filhos de Deus'.

Os sofrimentos e as perseguições são de grande utilidade para nós, porque neles encontramos um meio muito eficaz de expiar os nossos pecados, visto que somos obrigados a sofrer por eles, quer neste mundo, quer no outro. Os sofrimentos neste mundo não são ilimitados, nem em intensidade, nem em duração: o Deus misericordioso nos castiga por causa de sua grande misericórdia para conosco; Ele nos permite sofrer por um tempo, apenas para nos fazer felizes por toda a eternidade. Por maiores que sejam os nossos sofrimentos neste mundo, Ele nos toca apenas com o dedo mindinho, por assim dizer; enquanto no outro mundo as torturas e os castigos que teremos de suportar são ditados pelo seu grande poder e ira. Lá nos parecerá que Deus quis esgotar todo o seu poder para vingar a sua majestade ofendida. Lá os nossos tormentos serão infinitos em severidade e duração. 

Nesta vida, os nossos sofrimentos são atenuados pela consolação e pelo auxílio que a nossa santa religião nos oferece, mas no outro mundo não há consolação, não há atenuação alguma; pelo contrário, lá tudo leva ao desespero. Ó como é bem-aventurado o cristão que passa toda a sua vida em lágrimas e tribulações, pois assim evita a maior desgraça que lhe pode acontecer, e assegura para si a alegria eterna. Jó, o santo homem, diz-nos que a vida não é mais do que uma miséria sem fim. Vamos focar neste ponto. Vamos de casa em casa e encontraremos sempre plantada por todo o lado a cruz de Cristo. Aqui é a perda dos bens terrenos, resultado de uma injustiça, que atirou toda uma família para a miséria; ali é uma doença, que mantém uma pessoa num leito de sofrimento; ali é uma esposa que come o seu pão entre lágrimas e tristeza por causa de um marido bêbado e brutal. Mais além, encontramos pobres idosos que foram atirados aos asilos deste mundo pelos seus filhos ingratos. Aqui está um homem curvado de tristeza e vergonha porque foi acusado de delitos que nunca cometeu. E, novamente, há uma casa cheia de lamentações pela perda de um pai, de uma mãe ou de um filho. Assim, a nossa vida mortal parece pobre e miserável, considerada do ponto de vista humano; mas, se considerarmos nossa vida do ponto de vista da nossa religião, logo nos convenceremos de que somos miseráveis apenas enquanto remoemos e lamentamos os nossos problemas do ponto de vista humano.

Por que tendes tanta tendência a considerar-vos infelizes? Porque sempre pensais naqueles cuja situação na vida é melhor do que a vossa. O pobre, na miséria de sua pobreza, em vez de pensar naqueles que, por motivo de doença ou, talvez, por terem sido colocados na prisão ou no asilo, estão em situação pior do que a sua, deixa que os seus pensamentos se detenham nas mansões dos ricos e em seus bens e prazeres terrenos. O doente, em vez de pensar nas torturas sofridas pelos condenados pelo justo julgamento do Senhor ao castigo eterno, dirige o seu pensamento apenas para os poucos felizardos que nunca tiveram a infelicidade de ser pobres ou doentes. É por essa razão, meus caros amigos, que consideramos insuportáveis os nossos sofrimentos. Mas qual é a consequência? A consequência é que a nossa murmuração e a nossa queixa privam-nos de todos os méritos que poderíamos ganhar no Céu com os nossos sofrimentos: por um lado, suportamo-los sem nos consolarmos com o pensamento de que eles nos abrem a esperança do perdão; por outro lado, aumentamos os nossos pecados com a nossa impaciência e a nossa murmuração, em vez de os diminuirmos oferecendo o nosso sofrimento em expiação deles. É a nossa impaciência, a nossa falta de submissão à vontade de Deus e a nossa falta de confiança nEle que nos tornam tão infelizes e que são a causa de aumentarmos os nossos pecados em vez de os diminuirmos, oferecendo os nossos sofrimentos em expiação. Quão infeliz e cheia de desespero é a vida daquele que esquece para que fim Deus lhe enviou uma cruz para carregar!

Mas poderíeis me dizer: 'Já ouvimos centenas de vezes esses sentimentos serem expressos; são apenas palavras, não são consolações; dizemos as mesmas coisas àqueles que vemos sofrer'. Mas eu vos digo, meus amigos, olhai para o alto, olhai para o céu. Removei os vossos corações do lodo desta vida em que se afundaram; rasgai as nuvens de neblina que vos escondem a recompensa celeste, que podeis obter por meio dos vossos sofrimentos aqui na terra. Levantai os vossos olhos e vede o bom Pai que vos reserva uma gloriosa mansão nos seus domínios. Deus te castiga apenas para curar as feridas que tu, pobre pecador, infligiste à tua própria alma. Deus te envia o sofrimento apenas para te legar a coroa da glória eterna.

Se quereis saber, meus caros amigos, como tomar a cruz, que vos foi entregue pelo Todo-Poderoso ou pelos vossos próprios semelhantes, deixai-me citar-vos como exemplo, como Jó tomou a sua cruz, como nunca ficou descontente mesmo com a perda dos seus numerosos bens e da sua família, nem quando o fogo do céu destruiu os seus rebanhos, nem quando os ladrões levaram o resto do seu gado, nem quando um ciclone terrível destruiu a sua casa e enterrou os seus filhos, mas exclamou com devoção: 'Ai de mim, a mão do Senhor pesa sobre mim!' Há anos que estava deitado num monturo, coberto de chagas, sem ajuda nem consolação, abandonado até pela própria mulher que, em vez de o consolar, apenas zombava dele com as palavras: 'Por que não pedes ao teu Deus a morte, para te livrares de toda esta miséria; não vês como o teu Deus, a quem serviste tão fielmente, te tortura?' E ele apenas lhe respondia: 'Falaste como uma das mulheres insensatas; se recebemos coisas boas da mão de Deus, por que não havemos de aceitar as más?'

Mas alguns de vós poderiam dizer: 'Não compreendo porque Deus nos visita com tais calamidades; Ele, que é o próprio amor e que nos ama com um amor infinito'. Poderíeis ainda me perguntar: 'Como é possível que um pai castigue o seu filho ou que um médico dê ao doente um remédio amargo?' Pensais que seria melhor deixar essa criança viver sem freio do que conduzi-la, através do castigo, ao caminho da virtude e, assim, ao céu? Achais que o médico deve deixar morrer o doente, em vez de lhe prescrever um remédio amargo? Como somos cegos se raciocinamos assim! Deus tem de nos castigar e, se não tivermos a cruz, podemos ter a certeza de que não pertencemos ao número dos seus filhos. O próprio Jesus disse que o Reino dos Céus seria apenas para aqueles que sofrem e lutam até o fim. E não é que Ele diz sempre a verdade? Contemplai a vida dos santos, vede o caminho que seguiram; desde o momento em que deixaram de sofrer, temeram que o Senhor os tivesse abandonado e que o tivessem perdido para sempre. 'Meu Deus, meu Deus!' - exclamava Santo Agostinho em lágrimas - 'não me poupeis nesta vida, mas deixai-me sofrer muito. Mostrai-me a vossa misericórdia só na outra vida e eu estarei satisfeito'.

A maior parte das pessoas que padecem sofrimentos dizem: 'O que é que eu fiz ao Senhor para Ele me enviar tanta miséria?' E eu respondo: 'Deus te manda esta aflição porque realmente fizeste o mal, meu amigo. Toma para si todos os mandamentos, um a um, e vê se não pecaste contra todos e cada um deles. Que todos os dias da tua vida pecaminosa, desde os dias inocentes da tua infância, passem em tua memória, e então verás porque não deverias perguntar que mal fizeste para que Deus te castigue assim. Será que os maus hábitos em que vos afundastes durante tanto tempo não contam para nada? E o vosso orgulho? Achais justo esperar que todos se curvem diante de vós, porque tendes alguns hectares de terra a mais do que outro, o que pode ser a causa da vossa condenação? Já esquecestes essa cupidez que vos mantém sempre em estado de insatisfação; e esse amor próprio, essa vaidade, esse temperamento raivoso, essa sede de vingança, essa intemperança, esse ciúme? Esquecestes a vossa criminosa negligência para com o Santíssimo Sacramento e todas as obrigações religiosas que deveríeis ter cumprido em benefício da vossa alma? O vosso esquecimento de todos estes e outros fatos vos torna isentos de culpa? E se és culpado, não deveria a justiça de Deus castigar-te? Dizei-me, meu amigo, que penitência fizestes para expiar os vossos pecados, que jejum ou que mortificação? Onde estão as tuas boas obras? Quando, depois de tantos pecados, não derramares uma lágrima; quando, depois de tanta avareza, não deres a menor esmola; quando, depois de tanto orgulho, não sofreres a menor humilhação; quando, depois da tua carne ter servido ao maligno, não quiseres ouvir falar de penitência, então o Céu deve intervir e impor essa penitência que tu próprio não praticaste.

Vejam pois como somos cegos! Gostaríamos de fazer o mal sem sermos castigados por isso ou, por outras palavras, preferiríamos que Deus fosse injusto. Deixai, Senhor, que o pecador leve uma vida fácil; não lhe imponhais a mão demasiado pesada; deixai-o engordar como um animal de sacrifício, destinado ao castigo eterno, onde terá tempo de satisfazer a vossa justiça; poupai-o nesta vida; ele assim o quer. Ele pode fazer penitência no fogo eterno, penitência sem mérito, penitência sem fim. Ó meu Senhor, não deixeis que esta desgraça nos aconteça! 'Ó meu Deus' - exclamava Santo Agostinho - 'aumentai a minha miséria e o meu sofrimento tanto quanto quiserdes, mas não me poupeis da vossa misericórdia na vida futura'.

'Sim' - diria um outro - 'isso é muito bom para aqueles que cometeram pecados graves, mas eu, graças a Deus, nunca fiz nada disso'. Essa pessoa, portanto, acredita que, por pensar que não cometeu tais pecados, não precisa de sofrer. Mas eu digo que é precisamente pelo fato de essa pessoa tentar fazer o bem que Deus lhe enviará provações e permitirá que ela seja escarnecida, desprezada e que a sua piedade seja ridicularizada, porque Deus quer pô-la à prova enviando-lhe doenças e tribulações. Olhai para Jesus Cristo, verdadeiro modelo da vossa vida, e vede se Ele viveu um único momento sem sofrer, e, de fato, sofrendo tanto que a mente humana ainda não o conseguiu compreender. Por que os fariseus o perseguiram e tentaram continuamente enredá-lo, para terem um motivo para o condenarem à morte? Fizeram tais coisas porque pensavam que Ele estava errado? De modo nenhum; fizeram isso porque os seus milagres, a sua pobreza e humildade condenavam o seu orgulho e as suas más ações. Se olharmos para as Sagradas Escrituras, veremos que, desde o início do mundo, o sofrimento, o opróbrio e o escárnio foram a parte destinada aos filhos de Deus - isto é, daqueles que se esforçaram por levar uma vida temente a Deus. 

Quem realmente pode escarnecer ou censurar aqueles que cumprem os deveres da sua religião, senão um pobre e miserável proscrito do inferno, que foi enviado a esta terra com o propósito de tentar atrair outros para o abismo, que é a sua morada para toda a eternidade? Deixai-me dar-vos alguns exemplos. Por que Caim matou o seu irmão Abel? Ele o matou porque não conseguiu induzi-lo a fazer o mal, como ele próprio o fazia. Por que os irmãos de José o atiraram numa cisterna? Porque a sua vida temente a Deus era uma vergonha para o próprio modo de vida dissoluto deles. Qual foi a causa das perseguições aos Apóstolos, continuamente presos, torturados e maltratados, de modo que a sua vida, a partir da morte de Nosso Senhor, foi um martírio contínuo? Todos eles tiveram de morrer de uma maneira muito cruel e dolorosa. E o que eles tinham feito para sofrerem tudo isso? Tinham procurado apenas a honra do Senhor e a salvação das suas almas. Se fordes censurados, ridicularizados, escarnecidos, perseguidos, embora não tenhais feito nada de mal, tanto melhor para vós. Se não tiverdes de passar por nenhum sofrimento neste mundo, como então vos achareis diante o Senhor no dia do julgamento?

Pois então, se fordes perseguidos, ridicularizados e feridos, embora nada tenhais feito de mal, estareis com certeza no caminho certo para o Céu. O que o Salvador nos disse? 'Tomai a vossa cruz e segui-me; perseguiram-me a mim, perseguir-vos-ão também a vós; mas não desanimeis, antes alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus. Pois quem não estiver disposto a sofrer tudo, até perder a vida por amor a mim, não é digno de mim'. Amém.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

ORAÇÃO DO BOM PASTOR (SÃO JOÃO DAMASCENO)


Cristo, meu Deus, dignastes humilhar-vos para me acolher e me carregar sobre os ombros como a ovelha perdida e me conduzistes a prados verdejantes e às fontes da água viva da sã doutrina transmitida pelos vossos pastores. Sim, Vós os guiastes na luz da graça para confiar depois a eles o cuidado de guiar o vosso rebanho. E agora, Senhor, chamastes também a mim, para ser pastor e guia do vosso povo...

Para isso, aliviai, Senhor, o fardo pesado dos meus pecados que vos ofenderam gravemente; purificai o meu espírito e o meu coração. Guiai-me por caminhos retos como uma lâmpada que me ilumina. Dai-me a coragem de propagar a vossa palavra e que a língua de fogo do vosso Espírito mantenha acesa a minha fé ardente em todas as vossas coisas. Permanecei sempre comigo e não permitais que eu me aparte da vossa presença.

Sede, Senhor, o meu pastor; e sede comigo o pastor das vossas ovelhas, de modo que o meu coração nunca se desvie nem para a direita nem para a esquerda. Que o vosso Santo Espírito me guie sempre pelo caminho reto, de modo que todas as minhas obras sejam apenas frutos da vossa vontade, desde agora e até o fim dos meus dias.

(A Fé Ortodoxa)

DOUTORES DA IGREJA (XXII)

 22São João Damasceno, Presbítero (†749)

Doutor da Arte Cristã
Concessão do título: 1883 - Papa Leão XIII

Celebração: 04 de dezembro (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 

  • A Fonte da Sabedoria, em 3 partes: Dialectica (Dialética ou Capítulos Filosóficos); De haeresibus - Sobre as Heresias e De orthodoxa fidei - Sobre a Fé Ortodoxa
  • Contra imaginum calumniatores orationes tres - Três Discursos contra quem calunia as imagens santas
  • Institutio elementaris ad dogmata - Um estudo elementar sobre dogmas
  • Contra Jacobitas - Contra os Jacobitas
  • Dialogus contra Manichaeos - Diálogo contra os Maniqueus
  • Adversos Nestorianos - Contra os Nestorianos
  • De fide contra Nestorianos - Sobre a Fé, contra os Nestorianos
  • De sacris ieiuniis - Sobre os Jejuns Santos
  • De recta sententia liber - Sobre o pensamento correto
  • Epistula de hymno Trisagio - Carta sobre o Hino Três Vezes Santo
  • De duabus in Christo voluntatibus - Sobre as Duas Vontades em Cristo (ou Contra os Monotelitas)
  • Homilias a Nossa Senhora
  • Sermões
  • Hinos

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXII)

 

Capítulo LXII

Alívio às Santas Almas pelas Orações - As Orações do Irmão Corrado d'Offida - O Anzol de Ouro e o Fio de Prata

Depois do Santo Sacrifício da Missa, temos uma multidão de meios secundários, mas muito eficazes, para aliviar as santas almas, se os empregarmos com espírito, fé e fervor. Em primeiro lugar, a oração - a oração em todas as suas formas. Os Anais da Ordem Seráfica falam com admiração do Irmão Corrado d'Offida, um dos primeiros companheiros de São Francisco. Distinguia-se por um espírito de oração e de caridade, que contribuía muito para a edificação dos seus irmãos. Entre estes, havia um jovem monge cuja conduta relaxada e desordenada perturbava a santa comunidade; mas, graças às orações e às caridosas exortações de Corrado, corrigiu-se inteiramente e tornou-se um modelo de regularidade. Pouco depois desta feliz conversão, faleceu e os seus irmãos deram-lhe os sufrágios ordinários. 

Passados alguns dias, quando o Irmão Corrado estava em oração diante do altar, ouviu uma voz que pedia o auxílio de suas orações. 'Quem és tu?' - disse o servo de Deus. 'Sou a alma do jovem religioso que reanimaste ao fervor' - respondeu a voz. 'Mas não morreste uma morte santa? Continuas a precisar ainda de orações?'. 'Sim, morri uma boa morte e estou salvo, mas por causa dos meus pecados anteriores, que não tive tempo de expiar, sofro o mais terrível castigo, e peço-lhe que não me recuse o auxílio das suas orações'. Imediatamente o Irmão Corrado prostrou-se diante do sacrário e rezou um Pater, seguido de um Requiem aeternam. 'Ó meu bom Padre' - exclamou a aparição - 'que refrigério me traz a tua oração! Oh, como ela me alivia! Peço-vos que continueis a rezar'. Corrado repetiu devotamente as mesmas orações. 'Pai amado' - repetiu de novo a alma - 'ainda mais, ainda mais! Sinto um alívio tão grande quando rezas!' O caridoso religioso continuou as suas orações com renovado fervor e repetiu o Pai Nosso por cem vezes. Então, com acentos de indizível alegria, a alma falecida lhe disse: 'Agradeço-te, meu bom padre, em nome de Deus, porque agora estou libertado e prestes a entrar no Reino dos Céus'.

Vemos, por este exemplo, como são eficazes as menores orações e as mais curtas súplicas para aliviar os sofrimentos das pobres almas. Li - diz o Padre Rossignoli - que um santo bispo, arrebatado em êxtase, viu uma criança que, com um anzol de ouro e um fio de prata, tirou do fundo de um poço uma mulher que nele se tinha afogado. Depois da sua oração, e quando se dirigia para a igreja, viu a mesma criança a rezar junto a uma campa no cemitério. O que estás a fazer aí, meu amiguinho? Estou a rezar o Pai-Nosso e a Ave-Maria' - respondeu a criança - 'pela alma da minha mãe, cujo corpo está aqui enterrado'. O prelado compreendeu imediatamente que Deus lhe queria mostrar a eficácia da oração mais simples; sabia que a alma daquela mulher tinha sido libertada, que o anzol era o Pater e que a Ave era o fio de prata daquela linha mística'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.


quarta-feira, 23 de agosto de 2023

FRASES DE SENDARIUM (VII)


'A primeira coisa para se chegar à verdadeira sabedoria é a humildade; a segunda é a humildade; a terceira é a humildade e tantas vezes quantas me fizésseis essa pergunta, tantas vezes vos daria a mesma resposta' 

(Santo Agostinho)


Jesus, manso e humilde de coração,
fazei o nosso coração semelhante ao vosso!

terça-feira, 22 de agosto de 2023

TESOURO DE EXEMPLOS (241/244)


241. NEGRO COMO CARVÃO

Um jovem universitário, inteligente mas incrédulo, achava-se em férias em casa de família amiga. Uma noite, à hora do jantar, proferiu horríveis blasfêmias contra a Imaculada Conceição; tais, como nunca se tinham ouvido naquela casa. Ficaram todos horrorizados e a dona esteve a ponto de mandá-lo embora. Retiraram-se aborrecidos e silenciosos, pedindo a Nossa Senhora que lhe perdoasse. Na manhã seguinte, quando o foram despertar, encontraram-no morto e negro como carvão.

242. EXPIAÇÃO

Um capelão francês visitava uma ambulância e aproximando-se de um soldado, disse-lhe:
➖ Amigo, disseram-me que você está gravemente ferido e que sofre muito.
➖ Por favor, levante o cobertor que me cobre.
Horrorizado viu o capelão um peito robusto sem braços.
➖ Não se assuste - disse o soldado - levante agora a coberta dos pés.
Faltavam as pernas até os joelhos.
➖ Pobrezinho! - exclamou o sacerdote.
➖ Não se compadeça de mim, padre; dê-me antes parabéns, porque antes da guerra eu reduzi ao mesmo estado uma imagem de Jesus Crucificado.

'Foi assim: ao chegarmos à encruzilhada do caminho, eu e meus companheiros encontramos um grande crucifixo e o enchemos de insultos e blasfêmias. Quis avantajar-me a eles em impiedade e, com o meu sabre, cortei os braços e as pernas da imagem. Quando começaram a sibilar as primeiras balas é que compreendi a enormidade do meu crime. Lembrei-me de minha igreja, de meu vigário, de minha defunta mãe, de meu catecismo.

Pedi a Deus que me castigasse nesta vida. E Deus me ouviu como o senhor está vendo. Como tratei ao crucifixo, assim fui tratado. Quanto maiores forem os meus sofrimentos, tanto maior será o meu consolo, pois assim estou seguro de que Deus me quer perdoar'.

243. JORGE WASHINGTON

Certa vez Jorge Washington estava sentado à mesa com alguns oficiais, quando um deles proferiu uma vil blasfêmia. Washington sentiu-se interiormente ferido e, deixando cair o talher com indignação e olhando com desdém para o infeliz que acabava de blasfemar, disse: 'Senhores; eu julguei que todos os que aqui nos encontramos éramos pessoas decentes'. Todos se calaram e o culpado corou e baixou os olhos envergonhado.

244. O HOMEM DO FUZIL

Em 1915, o capelão de um regimento foi transferido para outro corpo. Em seu lugar puseram um padre trapista que foi bem recebido por todos, menos por um sujeito anticlerical, que, furioso, dizia: 'Que necessidade temos de padres? Deus não existe. Se há Deus, vejamos se é capaz de quebrar o fuzil que tenho na mão'. E acompanhando as palavras com a ação, apontou o fuzil para o céu em atitude de desafio. No mesmo instante, porém, uma bala inimiga atingiu o fuzil, despedaçando-o em estilhaços que vararam o crânio do blasfemo, que caiu morto ali mesmo.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

DECÁLOGO CONTRA AS TENTAÇÕES


1. Não esqueça que o demônio existe.

2. Não se esqueça que o demônio é um tentador.

3. Não esqueça que o demônio é muito astuto e inteligente.

4. Mantenha-se sempre vigilante em relação aos seus olhos e coração e seja forte em espírito e virtude.

5. Confie firmemente na vitória de Cristo sobre o tentador.

6. Lembre-se de que Cristo quer você como herança de sua vitória.

7. Ouça com atenção a palavra de Deus.

8. Seja humilde e ame a mortificação.

9. Reze sem cessar.

10. Ame o Senhor teu Deus e o adore de todo o coração.

Excertos da obra 'Il Grande Tentatore', do cardeal italiano Dionigi Tettamanzi (1934 - 2017)

domingo, 20 de agosto de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'À vossa direita se encontra a rainha, 
com veste esplendente de ouro de Ofir(Sl 44)
 
Primeira Leitura (Ap 11,19a;12,1.3-6a.10aab) - Segunda Leitura (1 Cor 15, 20-27a)  -  Evangelho (Lc 1,39-56)

 20/08/2023 - Assunção da Bem Aventurada Virgem Maria

39. ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

 'O Todo-Poderoso fez grandes coisas a meu favor'

As glórias de Maria podem ser resumidas na portentosa frase enunciada pelo anjo Gabriel: 'Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus' (Lc 1, 30). Ao receber a boa-nova do anjo, Maria prostrou-se como serva e disse 'sim', e por meio desse sim, como nos ensina São Luís Grignion de Montfort, 'Deus Se fez homem, uma Virgem de tornou Mãe de Deus, as almas dos justos foram livradas do limbo, as ruínas do céu foram reparadas e os tronos vazios foram preenchidos, o pecado foi perdoado, a graça nos foi dada, os doentes foram curados, os mortos ressuscitados, os exilados chamados de volta, a Santíssima Trindade foi aplacada, e os homens obtiveram a vida eterna'.

Esta efusão de graças segue Maria na Visitação, pois ela é reflexo da presença e das graças do Espírito Santo que são levadas à sua prima Isabel e à criança em seu ventre. No instante da purificação de São João Batista, o Precursor, Santa Isabel foi arrebatada por inteira pelo Espírito Santo: 'Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo' (Lc 1,41). Por meio de uma extraordinária revelação interior, Santa Isabel confirma em Maria o repositório infinito das graças de Deus: 'Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu' (Lc 1,43).

E é ainda nesta plenitude de comunhão com o Espírito Santo, que Maria vai proclamar o seu Magnificat: 'Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre' (Lc 1, 46-55).

Mãe da humildade, mãe da obediência, mãe da fé, mãe do amor. Mãe de todas as graças e de todos os privilégios, Maria foi contemplada com o dogma de fé divina e católica da assunção, em corpo e alma, à Glória Celeste. Dentre as tantas glórias e honras a Maria, a Igreja celebra neste domingo a Serva do Senhor como Nossa Senhora da Assunção.

sábado, 19 de agosto de 2023

IMITAÇÃO DE CRISTO


Felizes os pobres em espírito.
Imitai Aquele que, embora sendo rico, se fez pobre por vossa causa (2Co 8, 9).

Felizes os mansos.
Imitai Aquele que disse: 'aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29).

Felizes os que choram.
Imitai Aquele que chorou sobre Jerusalém (Lc 19, 41).

Felizes os que têm fome e sede de justiça.
Imitai Aquele que disse: 'o meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou' (Jo 4, 34).

Felizes os misericordiosos.
Imitai Aquele que socorreu o homem que fora atacado pelos salteadores e que jazia à beira da estrada, desesperado e meio morto (Lc 10, 33).

Felizes os puros de coração.
Imitai Aquele que não teve pecado e em cujos lábios não se encontrou malícia (1Pe 2, 22).

Felizes os pacificadores.
Imitai Aquele que disse acerca dos que o perseguiam: 'Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem' (Lc 23, 24).

Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça.
Imitai Aquele que sofreu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais os seus passos.

(Excertos da obra 'Tratado sobre a Virgindade', de Santo Agostinho)

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

OS 40 PASSOS DO CAMINHO DA LUZ


1. se alguém deseja chegar a determinado lugar, que se esforce por seu modo de agir, pois nos foi dado saber como andar por este caminho;
2. amarás quem te criou;
3. terás veneração por quem te formou; 
4. darás glória a quem te remiu da morte;
5. serás simples de coração e rico no espírito; 
6. não te juntarás aos que andam pelo caminho da morte;
7. terás aversão por tudo quanto desagrada a Deus; 
8. odiarás toda simulação; 
9. não desprezarás os mandamentos do Senhor;
10. não exaltarás a ti mesmo;
11. serás humilde em tudo; 
12. não procurarás a tua própria glória;
13. não tramarás contra o teu próximo; 
14. não te entregarás à arrogância;
16. amarás o teu próximo mais do que a tua vida;
17. não matarás o feto por aborto e nem depois do nascimento;
18. não retirarás a mão sobre o teu filho ou de tua filha e, desde a infância, ensinarás a eles o temor do Senhor; 
19. não cobiçarás os bens do teu próximo;
20. não serás refém da avareza; 
21. não te unirás de coração aos soberbos;
22. serás amigo dos humildes e justos;
23. tudo quanto te acontecer, receberás como um bem, sabendo que nada se faz sem Deus;
24. não serás inconstante e nem usarás duplicidade no falar, pois a a língua dúplice é laço de morte;
25. partilharás tudo com o teu próximo e não dirás ser propriedade tua o que quer que seja, pois sois co-herdeiros das realidades incorruptíveis e não daquilo que se corrompe;
26. não serás precipitado no falar, pois a boca é um laço de morte;
27. serás casto, tanto quanto puderes, em favor de tua alma;
28. não agirás com mão estendida para receber e encolhida para dar;
29. amarás como a pupila dos olhos todo aquele que te dirigir palavras do Senhor;
30. relembrarás, dia e noite, o dia do juízo;
31. buscarás  diariamente a presença dos santos e, por meio de palavras ou ações, trabalharás para a remissão dos teus pecados;
32. não hesitarás em dar e em não dar murmurando, pois bem sabeis quem é o bom remunerador da dádiva;
33. guardarás o que recebeste, sem tirar nem por;
34. odiarás perpetuamente o Maligno;
35. julgarás com justiça;
36. não fomentarás conflitos;
37. esforçarás sempre pra restituir a paz, reconciliando os contendores;
38. confessarás os teus pecados;
39. não se dedicarás à oração de má consciência;
40. buscarás viver cotidianamente este caminho da luz.

(Da chamada 'Carta de Barnabé', século II)

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

PALAVRAS DA SALVAÇÃO


'Ides a Deus? Procurai não chegar lá sozinhos. Aquele que no seu coração já ouviu o apelo do Amor divino, procure tirar daí uma palavra de encorajamento para o seu próximo. Talvez não tenhais pão para dar a um mendigo; mas o que tem uma língua pode dar melhor do que pão, porque alimentar com a Palavra uma alma destinada a viver eternamente vale mais que saciar do pão terrestre um corpo que um dia tem de morrer. Tomai por isso cuidado para não privardes o vosso próximo da esmola da palavra'.

(São Gregório Magno)

DOUTORES DA IGREJA (XXI)

  21São Cirilo de Jerusalém, Bispo (†386)

Doutor da Catequese
Concessão do título: 1883 - Papa Leão XIII

Celebração: 18 de março (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 

  • Catequeses Mistagógicas
  • Catequeses Pré-Batismais

terça-feira, 15 de agosto de 2023

GLÓRIAS DE MARIA: ASSUNÇÃO AO CÉU

 

A Assunção de Maria - Palma Vecchio (1512 - 1514)

"Pronunciamos, declaramos e de­finimos ser dogma de revelação divina que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, cumprido o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à Glória celeste”.

                            (Papa Pio XII, na Constituição Dogmática  Munificentissimus Deus, de 1º de novembro de 1950)


A solenidade da Assunção da Virgem Maria (celebrada pela Igreja no dia 15 de agosto) existe desde os primórdios do catolicismo e, desde então, tem sido transmitida pela tradição oral e escrita da Igreja. Trata-se de um dos grandes e dos maiores mistérios de Deus, envolto por acontecimentos tão extraordinários que desafiam toda interpretação humana: 

1. Nossa Senhora NÃO PRECISAVA morrer, uma vez que era isenta do pecado original;

2. Nossa senhora QUIS MORRER para se assemelhar em tudo ao seu Filho, pela aceitação de sua condição humana mortal e para mostrar que a morte cristã é apenas uma passagem para a Vida Eterna;  

3. Nossa Senhora NÃO PODIA passar pela podridão natural da carne tendo sido o Sacrário Vivo do próprio Deus;

4. A morte de Nossa Senhora foi breve (é chamada de 'Dormição') e ela foi assunta ao Céu em corpo e alma;

5. Aquela que gerou em si a vida terrena do Filho de Deus foi recebida por Ele na glória eterna;

6. Nossa Senhora foi assunta ao Céu pelo poder de Deus; a ASSUNÇÃO difere assim da ASCENSÃO de Jesus, uma vez que Nosso Senhor subiu ao Céu pelo seu próprio poder.


Louvor a Ti, Filha de Deus Pai,
Louvor a Ti, Mãe do Filho de Deus,
Louvor a Ti, Esposa do Espírito Santo,
Louvor a Ti, Maria, Tabernáculo da Santíssima Trindade!

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A REDE SEMPRE VAI TER PEIXES BONS E MAUS

Nosso Senhor foi um modelo incomparável de paciência: aguentou um 'demônio' entre os seus discípulos até à sua Paixão (Jo 6,70). Dizia Ele: 'Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa, para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo' (Mt 13,29). Tendo a rede como símbolo da Igreja, predisse que esta traria para a praia, quer dizer, até ao fim do mundo, toda a espécie de peixes, bons e maus. E deu a conhecer de muitas outras maneiras, tanto abertamente como através de parábolas, que haveria sempre essa mistura de bons e maus. E, no entanto, afirmou que é necessário vigiar pela disciplina na Igreja quando disse: 'Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se ele te der ouvidos, terás ganho o teu irmão' (Mt 18,15).

Mas hoje vemos pessoas que só tomam em consideração os preceitos rigorosos, que mandam reprimir os que causam perturbação, que ordenam que 'não se deem aos cães as coisas santas', que se 'tratem como aos publicanos' aqueles que desprezam a Igreja, que se repudiem do seu corpo os membros escandalosos (Mt 7,6; 18,17; 5,30). O seu zelo intempestivo causa muita tribulação à Igreja, porque desejariam arrancar o joio antes do tempo e a sua cegueira faz deles próprios inimigos da unidade de Jesus Cristo.

Tomemos cuidado em não deixarmos entrar no nosso coração estes pensamentos presunçosos, em não procurarmos destacar-nos dos pecadores para não nos sujarmos com o seu contato, em não tentarmos formar como que um rebanho de discípulos puros e santos. Sob o pretexto de não frequentarmos os maus, conseguiríamos apenas romper a unidade. Pelo contrário, recordemo-nos das parábolas da Escritura, dessas palavras inspiradas, desses exemplos tocantes, onde se nos demonstra que os maus estarão sempre misturados com os bons na Igreja, até ao fim do mundo e até ao dia do Juízo, sem que a sua participação nos sacramentos seja prejudicial aos bons, desde que estes não participem dos pecados daqueles.

(Excertos da obra 'A Fé e as Obras', de Santo Agostinho)

domingo, 13 de agosto de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade e a vossa salvação nos concedei!(Sl 84)

Primeira Leitura (1Rs 19,9a.11-13a) - Segunda Leitura (Rm 9,1-5)  -  Evangelho (Mt 14,22-33)

 13/08/2023 - Décimo Nono Domingo do Tempo Comum

38. 'VEM!'(JESUS ANDANDO SOBRE AS ÁGUAS)


Jesus, antes de despedir a multidão às margens do mar de Tiberíades, ordena aos apóstolos que entrem na barca e façam sozinhos a travessia para a outra margem. Aquele que, momentos antes, fizera a multiplicação dos pães e dos peixes, não se comprazia com o ardor da turba admirada pelo extraordinário milagre, mas refém de um messianismo enganoso e deturpado. Esse mesmo brilho enganoso poderia ter perpassado nos olhos de alguns de seus discípulos. Jesus, ciente destes desvios e interpretações ruinosas, liberta-se dos homens e se isola em oração fervorosíssima em lugar isolado, muito provavelmente para pedir e suplicar ao Pai o pleno cumprimento de sua missão salvífica e redentora, muito além das comoções humanas.

Então, já noite alta, os apóstolos sentiram medo e aflição, sozinhos na barca que se agitava perigosamente nas águas revoltas pelos ventos impetuosos. E o medo se transformou em terror quando julgaram ver um fantasma andando sobre as águas, em direção à barca. Jesus se revelou, então, a eles: 'Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!' (Mt 14, 27). Mas a incerteza e a desconfiança ainda imperavam naquela barca à mercê dos ventos, expressas pelo grito de Pedro: 'Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água' (Mt 14, 28). Ao que Jesus respondeu: 'Vem!' (Mt 14, 28).

'Vem!' Eis o chamado de Jesus a Pedro, aos seus discípulos, a cada um de nós. Ir ao encontro de Jesus, e em Jesus colocar toda a nossa confiança e certeza, é o caminho da plenitude da graça. Ir ao encontro de Jesus, quaisquer que sejam os obstáculos, as provações e as tempestades do mundo, mesmo que pareça que estamos despojados de tudo e de todos, ainda que se tenha de andar sobre as águas de um mar tenebroso. Basta-nos a fé. A fé que faltou, então, a Pedro, quando distanciou o seu olhar do Senhor e se fixou nas marolas do mundo, afundando-se no mar. Mas 'Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 3'). E subiram ambos ao barco.

A frágil embarcação no meio do nada e em completa escuridão é agora o templo de Deus: 'Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!' (Mt 14, 33). Jesus está junto aos seus discípulos, e lhes dá a sua paz. Paz que faz serenar os ventos e as águas, paz que afasta os temores e aflições, paz que inunda os corações da graça divina. Paz que nos foi legada também como desígnio de salvação; tesouro que se encontra quando, na inquietude dos conflitos e incertezas do mundo, somos passageiros da grande Barca (Santa Igreja) que ruma confiante ao encontro do Senhor que Vem.

sábado, 12 de agosto de 2023

O VALOR INFINITO DA SANTA MISSA

Nossos pais, Adão e Eva, desobedeceram o preceito de Deus e se rebelaram enganados por Satanás, que lhes disse: 'Tomai e comei e sereis como deuses'. O homem, quando peca, se rebela contra Deus e diz com as suas obras: Non serviam - Não servirei. Despreza a Deus, que é o seu Senhor e Pai. Deste desprezo se queixa muito sentidamente este bom Pai, dizendo por um profeta: 'criei filhos e os fiz crescer e eles me desprezaram' (Is 1,92).

... O corpo, mais ou menos cedo, morrerá, mas depois ressuscitará por Cristo, que ressuscitará tudo. A alma daquele que peca mortalmente sofre duas mortes: a primeira é a privação da graça e a segunda a privação da glória do céu, a condenação da pena e sepultura eterna do inferno; da primeira morte se pode ressuscitar pelos méritos de Jesus Cristo, mas da segunda não, porque in inferno nulla est redemptio - não existe nenhuma redenção no inferno.

Como Deus é tão bom, não quer a morte do pecador, mas que ressuscite da primeira morte; para isto e para que não caia na segunda morte, aí está o sacrifício. Quem oferece sacrifício coloca os seus pecados sobre a vítima e esta deve morrer ou ficar destruída por eles e depois o oferente deve comer da vítima para participar dos seus méritos: eis aqui o porquê da missa e comunhão. E o concílio de Trento deseja que em todas as missas os fiéis que a assistem nelas também comunguem.

O pecado é de uma malícia infinita pela razão do objeto ofendido, que é Deus e, por isso, só um Deus feito homem podia dar uma digna satisfação à divina justiça. Esta digna satisfação a deu Jesus Cristo uma vez no Calvário, morrendo em uma cruz por todos; mas depois é preciso que se faça em particular esta aplicação, como se faz na santa missa, segundo mandato de Jesus Cristo, dizendo: Hoc facite in meam commemorationem - fazei isto em minha memória. E como as pessoas irão se sucedendo e continuando até a consumação dos séculos, assim também continuará este sacrifício até a consumação dos séculos, segundo a promessa do mesmo Jesus Cristo com estas palavras: 'Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos  (Mt 28,20).

Por meio do que se disse até aqui, depreende-se quais as razões pelas quais se deve continuar este santo sacrifício da missa até o fim do mundo e a obrigação que têm os cristãos de assistir a ele a fim de participar dos seus méritos. Mas como de algum tempo para cá vejo que alguns cristãos facilmente se dispensam de assistir a missa, não obstante o preceito determinante da Igreja, nossa Mãe, me vejo na obrigação de explicar-lhe a razão; e o motivo é que o vírus protestante infiltrou no coração destas pessoas. 

... Realmente não se é de estranhar isto, porque o protestantismo não foi nem é atualmente outra coisa que uma violenta explosão de todas as paixões rancorosas contra a Igreja católica, apostólica, romana e como os mistérios do amor não podem associar-se com os sistemas inventados pelo ódio, do mesmo modo o homem carnal não pode perceber nem entender as coisas espirituais; eis aqui por que razão os protestantes não têm missa e nem os filósofos carnais têm apreço por ela e, por fim, alguns cristãos já não assistem a santa missa porque são cristãos apenas carnais e contagiados pelos protestantes.

... Assistamos nós o santo sacrifício da missa, não só nos domingos e festas e dias de preceito, por ser um dever, mas também nos demais dias por devoção. Devemos oferecer este santo sacrifício a Deus não só para dar-lhe satisfação de nossas faltas, culpas e pecados, mas também em reconhecimento do seu supremo domínio sobre nós e em testemunho dos benefícios e graças que Ele nos dispensa continuamente, pois tudo o que temos dele recebemos; e em agradecimento por tantas graças recebidas, devemos assistir este sacrifício que o mesmo Jesus Cristo oferece ao eterno Pai por nós. Ele é a principal oferenda e a vítima oferecida. Jesus Cristo é o advogado que temos no céu com Deus Pai, que intercede por nós, como diz São João. E, além disso, o temos sobre o altar, sempre intercedendo por nós, como assegura São Paulo.

Certamente que não basta, nem é suficiente, cumprirmos, como bons cristãos, o mandato da assistência à santa missa e da comunhão nela para fazer-nos mais participantes dos méritos de Jesus Cristo; é, além disso, indispensável que sejamos sacerdotes ou sacrificadores, não só na missa, juntamente com Jesus Cristo, sacrificador invisível e o sacerdote, sacrificador visível, devemos oferecer-nos também a nós mesmos como vítimas para a glória de Deus e em satisfação das nossas culpas e pecados. Os maus não são contados por Deus como sacerdotes, nem seu sacrifício pode ser aceito e agradável, por não ser sacrifício de justiça, que é o único que pode ser aceito.

Este sacrifício que fazem de si os bons é muito agradável aos olhos de Deus e muito satisfatório por suas faltas e as da nação inteira, como se lê na sagrada Escritura. Disse um dos mártires macabeus: 'Eu entrego meu corpo e minha vida à morte. Sobre mim e meus irmãos se acalmará a justa indignação do Onipotente, que está irritado contra nossa nação' (2Mc 7,37‑38). E, com efeito, assim foi; por meio do sacrifício destes mártires, a ira se mudou em misericórdia: Ira enim Domini in misericordiam conversa est  (2Mc 8,5).

Sobre aquelas palavras do Apóstolo aos colossenses: 'Eu que no presente me alegro por saber que padeço por vós e por saber que estou sofrendo em minha carne o que falta na paixão de Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol do seu corpo místico, que é a Igreja' (Col 1,24), dizem os expositores que os méritos de Jesus Cristo são de infinito valor em si mesmos e suficientes para redimir milhares de mundos; mas o eterno Pai não os aceitou senão com a condição de que os homens façam a sua parte nesta paixão para poder gozar do seu fruto; isto é, devemos cooperar ouvindo a santa missa, recebendo a sagrada comunhão, fazendo oração, sofrendo com mansidão e paciência as calúnias, penas e trabalhos, mortificando as paixões e sentidos e oferecer tudo a Deus.

Mas singularmente nas calamidades públicas, nas que padecem os inocentes o mesmo que os culpados, e talvez mais, se cumpre assim a condição e vontade do Pai celestial. Os culpados padecem como réus e, se depois deste castigo não se convertem, é para eles motivo de maior ruína e condenação. Mas os bons, sofrendo com paciência e resignação, se purificam ainda mais de suas imperfeições e crescem na virtude, de modo que se fazem mais agradáveis aos olhos de Deus e, com as suas penas bem sofridas, dão cumprimento ao que por decreto divino faltava à paixão de Jesus Cristo. Assim é como se acalma a divina justiça e se alcançam as divinas misericórdias. Em prova desta verdade basta ler as sagradas Escrituras e a história eclesiástica. Quantas vezes nações inteiras foram perdoadas pela penitência, paciência e oração dos bons! Quantos bens, graças e conversões não alcançaram as penas e o sangue dos mártires!

Na verdade, não seria contra a razão dizer que o inocente, o santo por excelência, padeça e morra para salvar os pecadores e que a multidão dos pecadores não sofra nada? Desta multidão de pecadores, uns são maus, perdidos e obstinados e outros são pecadores justificados ou que devem ser purificados. Padecer dos males não serve para acalmar e satisfazer a divina justiça, antes a provocam mais com as maldições e blasfêmias que os pecadores vomitam e com os pecados de toda sorte que cometem; mas os pecadores justificados, pela graça estão unidos a Deus, seus sofrimentos e méritos estão unidos com os de Jesus Cristo. Por isso, todos os bons são chamados às penas e sofrimentos, como diz São Paulo: 'que todos aqueles que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições, mais ou menos segundo seus progressos na perfeição' (2Tim 3,12). Isto diz Cornélio à Lápide, quando fala das penas de Maria Santíssima ao pé da cruz que, quanto mais santa é uma alma e mais perto de Cristo está, tanto mais Jesus Cristo lhe oferece o cálice da sua paixão.

Mas devemos nos animar muito por pensar que, se com Cristo padecemos sobre a terra, com Ele mesmo reinaremos no céu; e devem ser para nós de grande consolo aquelas palavras que o Arcanjo São Rafael disse a Tobias: 'Porque és agradável aos olhos de Deus, foi necessário que a tentação te provasse' (Tb 12,13). Alegremo-nos, pois, em meio às penas, ao ver que somos dignos de sofrer algo por amor divino, por nossos defeitos, para juntar méritos para o céu e para satisfazer pelas faltas, culpas e pecados dos nossos irmãos e poder assim alcançar para eles a misericórdia, a graça e a glória. Este é o sacrifício que de nós mesmos devemos oferecer ao eterno Pai, juntamente com os méritos de Jesus Cristo, de Maria Santíssima, dos santos do céu e dos justos da terra.

(Santo Antônio Maria Claret)