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domingo, 14 de setembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Das obras do Senhor, ó meu povo, não te esqueças!' (Sl 77)
 
Primeira Leitura (Nm 21,4b-9) - Segunda Leitura (Fl 2,6-11) -  Evangelho (Jo 3,13-17)

  14/09/2025 - FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ

CRUZ BENDITA, CRUZ SANTA, CRUZ DE REDENÇÃO ETERNA


'Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna' (Jo 3, 13 - 15). Cristo, levantado do mundo, para manifestar aos homens a glória de Deus, pelo seu sacrifício cruento de Cruz. Cruz santa, cruz de redenção eterna. Eis o madeiro santo, patíbulo de adoração, pelo qual Deus remiu o mundo pelo derramamento do Sangue Preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo.

O caminho da santidade perpassa pela experiência do Calvário. Quem não subir pelo Gólgota e levar a sua cruz não é digno do Reino dos Céus. O caminho da 'Terra Prometida' começa na Cruz de Cristo e termina na Porta do Céu. Por isso, Jesus desceu à terra para fazer novas todas as coisas e 'subiu ao Céu', para fazer da eternidade o tempo final dos eleitos da graça. Antes de Jesus, os justos tiveram que esperar, na paz dos que se sabiam salvos, o anseio da felicidade eterna junto de Deus.

Acabou-se o tempo de louvação a imagens nascidas do imaginário humano; o maná descido do Céu tomou a forma do próprio Deus feito homem. É Cristo que passa, é Cristo que ensina nas sinagogas, nas praças, nos montes, nas barcas da vida: tudo, entretanto, tudo em Cristo leva a um mesmo lugar e a um mesmo momento: a agonia da cruz, cruz bendita, cruz santa, cruz de salvação: 'Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 16-17).

A cruz de Cristo é o símbolo da glória de Deus, da redenção da humanidade pecadora, do triunfo da fé cristã. E essa expressão máxima de fé e do gáudio celeste foi manifestada a Nicodemos, um fariseu e membro do Sinédrio, que foi capaz de abandonar o imaginário dos homens para se iluminar da glória de Deus. No Evangelho deste domingo, proclamamos que Nicodemos foi o primeiro a ser irradiado pela revelação da cruz; neste dia da Exaltação da Santa Cruz, referendamos essa dádiva e nos unimos a ele para compartilhar de tão grandes privilégios: 'Per crucem ad lucem — É pela cruz que se chega à luz'.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (II)

 

PARTE I - SOBRE A MORTE

II. Sobre os Ataques de Satanás na Hora da Morte

Embora a morte seja em si mesma muito amarga, sua amargura é ainda mais intensificada pela lembrança vívida dos pecados de nossa vida passada, pelo pensamento do julgamento que está por vir, da eternidade que temos diante de nós e pelos ataques de Satanás. Essas quatro coisas enchem a alma de tal terror que ela inevitavelmente se desesperaria, a menos que fosse fortalecida pela ajuda de Deus. Vamos entrar em algumas explicações sobre cada uma dessas quatro coisas e também indicar alguns meios de combater os medos que elas inspiram.

Com relação aos ataques de Satanás, saiba que o Deus totalmente justo permite que ele tenha grande poder para nos atacar na hora da morte; não para nossa perdição, mas para nossa provação. Antes de expirar, o cristão ainda tem que provar que nada pode fazê-lo abandonar seu Deus. Por essa razão, o inimigo maligno emprega todo o poder que recebeu e usa todas as suas forças contra o homem quando ele está morrendo, na esperança de fazê-lo pecar e empurrá-lo para o inferno. Durante toda a nossa vida, ele nos ataca ferozmente e não negligencia nenhum meio pelo qual possa nos enganar. Mas todas essas perseguições não se comparam ao ataque final com o qual ele se esforça para nos vencer no fim. Então ele se enfurece no limite, como um leão rugindo, procurando quem possa devorar.

Isso aprendemos na seguinte passagem do Apocalipse: 'Ai da terra e do mar, porque o diabo desceu a vós, tendo grande ira, sabendo que tem pouco tempo' (Ap 12,12). Essas palavras têm uma aplicação especial para os moribundos, contra os quais o diabo concebe uma grande ira e a quem ele faz todos os esforços para seduzir. Pois ele sabe muito bem que, se não os colocar sob seu poder agora, nunca mais terá a chance de fazê-lo. Ouça o que São Gregório diz sobre esse ponto: 'Considerem bem como é terrível a hora da morte e como será assustadora a lembrança de nossas más ações naquele momento. Pois os espíritos das trevas recordarão todo o mal que nos fizeram e nos lembrarão dos pecados que cometemos por sua instigação. Eles não irão apenas ao leito de morte dos ímpios, mas estarão presentes com os eleitos, esforçando-se para descobrir algo pecaminoso de que possam acusá-los. Ai de nós! Como será para nós, mortais infelizes, naquela hora, e o que poderemos dizer em nossa defesa, vendo quantos são os pecados que nos serão imputados? O que poderemos responder aos nossos adversários, quando eles colocarem todos os nossos pecados diante de nós, com o objetivo de nos levar ao desespero?'

Os espíritos malignos tentarão sua infeliz vítima no momento da morte em vários pontos, mas especialmente no que diz respeito aos pecados em que ela mais frequentemente caiu. Se durante sua vida ela nutriu ódio por alguém, eles conjurarão diante de seus olhos moribundos a imagem dessa pessoa, relembrando tudo o que ela fez para prejudicá-la, a fim de reavivar a chama do ódio contra esse inimigo ou acendê-la novamente. Ou, se alguém transgrediu contra a pureza, eles lhe mostrarão o cúmplice de seu pecado e se esforçarão para despertar a paixão culpada que sentia por essa pessoa. Se ele foi atormentado por dúvidas sobre a fé, eles lhe lembrarão o artigo de crença que ele tinha dificuldade em aceitar, representando-o como falso. Se um homem tem tendência à pusilanimidade, os espíritos malignos a incentivarão nela, para que possam roubar-lhe a esperança da salvação. O homem que pecou por orgulho e se gabou de suas boas obras, procurarão enganar com bajulação, assegurando-lhe que ele está em alta graça com Deus e que tudo o que fez não pode deixar de garantir-lhe um lugar no céu. Novamente, se durante sua vida um homem cedeu à impaciência, permitindo-se ficar zangado e irritado com cada ninharia, eles fazem com que sua doença pareça mais incômoda para ele, para que se torne impaciente e se rebele contra Deus por ter lhe enviado uma doença tão dolorosa.

Ou, se ele foi indiferente e pouco devoto, sem fervor na oração ou assiduidade em seus exercícios religiosos, eles tentarão manter em sua alma esse estado de apatia, sugerindo-lhe que sua fraqueza física é grande demais para permitir que ele se junte às orações que seus familiares fazem por ele. Finalmente, eles tentarão aqueles que levaram uma vida ímpia e repetidamente caíram em pecado mortal, levando-os ao desespero, representando suas transgressões como sendo tão grandes que estão além do perdão. Em uma palavra, os espíritos do mal atacam os mortais no momento da morte com mais ferocidade em seu ponto mais vulnerável, assim como um general habilidoso atacará uma fortaleza pelo lado onde percebe que as muralhas são mais fracas.

Mas os demônios nem sempre se limitam a tentar o homem em relação às suas principais falhas e defeitos predominantes; frequentemente o tentam a cometer pecados dos quais ele até então não era culpado. Pois esses inimigos astutos não poupam esforços para enganar os moribundos e, se falham de uma maneira, tentam ter sucesso de outra. Essas tentações não são de caráter comum. Às vezes são tão violentas que é impossível para os mortais fracos resistir a elas sem ajuda sobrenatural. Se tudo o que alguém em boa saúde pode fazer é resistir aos ataques do demônio, e mesmo assim muitas vezes é vencido por eles, quão difícil deve ser para alguém enfraquecido pela doença lutar contra inimigos tão poderosos!

Sobre este ponto, um escritor piedoso disse: 'A menos que o moribundo, antes de sua última doença, tenha se armado contra esses ataques e se acostumado a lutar contra seus adversários espirituais, ele tem poucas chances de prevalecer contra eles no momento da morte. Se o fizer, será apenas com a ajuda do Deus Todo-Poderoso, de Nossa Senhora, de seu anjo da guarda ou de um dos santos. Pois nosso Deus misericordioso e seus anjos e santos abençoados não abandonam o cristão na hora de sua maior necessidade; eles correm em seu auxílio, isto é, desde que ele seja digno de sua ajuda'. A fim de se preparar antes da última doença para combater essas tentações, é aconselhável recitar com a devida devoção a seguinte oração.

ORAÇÃO

Ó Jesus, compassivo Redentor da humanidade, recordando a tripla tentação que sofrestes do inimigo maligno vos  rogo, pela vossa gloriosa vitória sobre ele, que estejais ao meu lado no meu último conflito e me fortaleceis contra todas as suas tentações. Sei que, com minhas próprias forças, não posso lutar contra um inimigo tão poderoso e certamente serei vencido, a menos que Vós e vossos santos abençoados, me concedais a ajuda oportuna. Portanto, imploro sinceramente o vosso auxílio e a dos vossos santos, e proponho armar-me da melhor maneira possível com a vossa graça, para enfrentar as tentações que me aguardam. Prometo pois, diante de Vós, dos santos anjos e dos santos abençoados, que nunca me exporei voluntariamente a qualquer tentação, seja ela de que natureza for, mas com a ajuda da vossa graça, hei de combatê-las com todas as minhas forças. Amém.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)


segunda-feira, 8 de setembro de 2025

AQUELA GOTA DE ÁGUA...


A gota de água, que o sacerdote, durante a eucaristia, coloca no cálice com vinho, possui um profundo significado litúrgico, representando a união da humanidade e da divindade de Cristo, simbolizando a união dos fiéis ao sacrifício eucarístico. Essa gota de água representa o povo de Deus e se unirá ao Sangue de Nosso Senhor, pois logo o vinho se transformará em Sangue no altar. Desta forma, somos partícipes da graça divina porque somos essa gota d'água imersa no meio da imensa onda da Graça Santificante de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao unirem-se no cálice, a água e o vinho compõem juntos a humanidade e a divindade, a íntima associação da Igreja ao sacrifício de Cristo. Em cada missa, este mistério se renova e, assim, Nosso Senhor poderia ter santificado muitos outros mundos, gerações e gerações sem fim, muitíssimo mais do que aquelas que foram e que serão santificadas.

'A Eucaristia é também o sacrifício da Igreja. A Igreja, que é o corpo de Cristo, participa da oferta da sua Cabeça. Com Cristo, ela mesma é oferecida inteira. Ela se une à sua intercessão junto ao Pai por todos os homens. Na Eucaristia, o sacrifício de Cristo se torna também o sacrifício dos membros do seu Corpo. A vida dos fiéis, seu louvor, seu sofrimento, sua oração, seu trabalho, são unidos aos de Cristo e à sua oferta total, e adquirem assim um valor novo. O sacrifício de Cristo presente no altar dá a todas as gerações de cristãos a possibilidade de estarem unidos à sua oferta' (Catecismo da Igreja Católica, 1368).

'Se houver apenas água, sem vinho, nós estamos sozinhos, sem Cristo. E se houvesse só vinho sem água, estaria Cristo sozinho sem nós'

 (São Cipriano de Cartago)

domingo, 7 de setembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós' (Sl 89)

Primeira Leitura (Sb 9,13-18) - Segunda Leitura (Fm 9b-10.12-17) -  Evangelho (Lc 14,25-33)

  07/09/2025 - VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM

'QUEM NÃO CARREGA SUA CRUZ...'


Na essência do amor a Deus vivido em plenitude, está o abandono aos valores do mundo e às glórias humanas. No desapego aos valores materiais, no desprendimento aos moldes terrenos de vidas tangidas meramente pelas relações humanas, ainda que louváveis e boas em si, a alma se liberta do lastro e das amarras das felicidades transitórias dessa vida para a impulsão definitiva para a felicidade eterna do Céu.

As palavras de Jesus no Evangelho de hoje são duras: 'Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo' (Lc 14, 26). Pois é preciso servir primeiro a Deus e depois aos homens; e porque é preciso estar sem lastros humanos para servir a Deus sobre todas as coisas, é preciso superar relações humanas ainda que fraternas; porque sendo o amor divino o itinerário da eternidade, é preciso vivê-lo em patamares além das dimensões seguras e sensíveis dos amores humanos mais belos, que ligam pai e filho, mãe e filha, irmãos e irmãs, pais e esposos. Eis a essência desse amor sem medidas: por tudo de lado, até a própria vida, para seguir Jesus Cristo e o Evangelho.

Esta dimensão de renúncia e despojamento completo não é fácil, não é simples, não é desprovida de sacrifício: 'Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo' (Lc 14, 27). Sim, é preciso carregar a cruz: cruz que se torna pesada quando tolhida à terra pelos afazeres e lastros dos apegos humanos; cruz que se torna um jugo suave quando levada pela alma do discípulo incensado do mais puro amor de Deus. Per crucem ad lucem: é pela cruz que se chega à luz.

Jesus vai revelar em seguida, por meio de duas curtas parábolas, que, uma vez conhecidas as dificuldades de superação dos nossos apegos aos valores humanos, o propósito de renúncia ao mundo exige planejamento, prudência e perseverança: 'Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar?' (Lc 14, 28). 'Ou ainda: qual o rei que ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil?' (Lc 14, 31). Não se constrói uma torre ou se participa de uma guerra, sem armas, ferramentas ou projetos solidamente firmados. O que dizer, portanto, em relação à nossa caminhada de vida interior e espiritual que tem como medida a própria eternidade?

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXIX)

 


132. É necessário ser humilde não apenas nos pensamentos, mas também nas palavras, porque o homem humilde fala pouco, seguindo o conselho do Espírito Santo: 'Não fales precipitadamente; que as tuas palavras sejam poucas' [Ecles 5,1]. Falar muito é fruto do orgulho, porque nos convencemos de que sabemos muito e desejamos impressionar os outros com nossos pensamentos e opiniões. Você tem cuidado ao falar para não dizer nada em seu próprio louvor ou qualquer coisa que possa fazer com que seja elogiado pelos outros, para não parecer erudito, sábio ou espiritual, exibindo ostensivamente suas vantagens pessoais ou as que pertencem à sua família? É fácil nessas coisas você ser dominado pelo orgulho, e o santo Tobias nos adverte, dizendo: 'Nunca deixe o orgulho reinar em sua mente ou em suas palavras' [Tb 4,14].

Você às vezes se coloca como exemplo, dizendo que seria bom fazer assim e assim, como você mesmo fez? Se você tem algum dom de Deus, você fala sobre isso como se dissesse: 'Graças a Deus, não tenho tal e tal vício; graças a Deus, tenho tal e tal virtude'? Lembre-se do conselho dado pelo Anjo a Tobias, de que é bom manter ocultos os dons secretos de Deus: 'Pois é bom esconder o segredo de um rei' [Tb 12,7]. Pode ser que às vezes você fale mal de si mesmo, para que os outros possam contradizê-lo. Essa é a maneira de agir daquele de quem se diz: 'Há quem se humilhe perversamente' [Eclo 19, 23], que finge fugir dos elogios, mas os busca, que foge das honras e as corteja. Você deve se acostumar a não falar mal e nem bem de si mesmo, porque é fácil que o orgulho inspire suas palavras em ambos os casos.

133. Quando você ouve elogios a seu respeito, que precauções você toma? O amor-próprio é rápido em misturar um pouco de seu próprio incenso com o que recebe dos outros. Quero dizer com isso que, devido à corrupção de nossa natureza, estamos muito dispostos a aprovar esses elogios como se fossem verdadeira e justamente devidos a nós, e a nos lisonjear com vaidade; mas tudo isso vem da falta de humildade. Santo Agostinho, falando desse prazer que temos de ser elogiados, dirige esta oração a Deus: 'Senhor, afasta de mim essa loucura' [Lib. 10, Confess., cap. xxxvii], pois considerava uma verdadeira loucura ter prazer na vaidade e nos enganos; e quando ouvia outros elogiá-lo, refletia sobre o conhecimento que tinha de si mesmo e sobre a justiça de Deus, dizendo em seu coração: 'Eu me conheço melhor do que eles me conhecem, mas Deus me conhece melhor do que eu mesmo' [Enarr. in Ps. xxv].

Um coração verdadeiramente humilde, diz São Gregório, sempre teme ouvir elogios a si mesmo, porque teme que esses elogios sejam falsos ou lhe roubem o mérito e a recompensa prometidos à verdadeira virtude. 'Se o coração é verdadeiramente humilde, ele não reconhece o bem que ouve a seu respeito ou teme que a esperança de uma futura recompensa seja trocada por algum favor passageiro' [lib. 22, Mor. c. iii].

O homem humilde, diz São Tomás, fica surpreso quando alguém fala bem dele, e nada o surpreende mais do que ouvir elogios a si mesmo. Assim, a Santíssima Virgem, quando ouviu do Arcanjo Gabriel que se tornaria a Mãe de Deus, tinha uma opinião tão humilde de si mesma que se maravilhou muito por ser exaltada a uma dignidade tão eminente. 'Para uma alma humilde, nada é mais maravilhoso do que ouvir falar de sua própria excelência; assim, à pergunta de Maria: ‘Como isso será possível?’, o Anjo apresenta uma prova, não para tirar sua fé, mas para dissipar sua admiração' [3 part., qu. xxx, art. 4]. Mas o orgulho pode até mesmo insinuar-se nesse mesmo desprezo pelos elogios, como diz Santo Agostinho: 'O homem muitas vezes se orgulha tolamente de seu próprio desprezo tolo por si mesmo' [Lib.10].

Mas se é necessário elogiar aqueles que estão presentes, não é menos necessário exercer discrição e prudência ao fazê-lo, como também ensina Santo Agostinho: 'para que a tentação mais perigosa não se encontre no amor de elogiar'. A adulação é sempre perniciosa, quer adulemos a nós mesmos ou aos outros.

134. Também se pode pecar contra a humildade com a pompa e a vaidade do próprio vestuário. É o que a rainha Ester chama de 'sinal do meu orgulho e glória' [Est 14,16] e devemos manter nossos corações desapegados desse amor, porque tal vestuário só é adequado quando se adequa ao nosso estado e condição, e quando o usamos com a intenção correta: 'Não te glories em vestuário em nenhum momento' [Ecles 11,4] diz o Espírito Santo. Por mais bonitas que sejam as roupas que você usa, não permita que a vaidade entre em seu coração; e se você tiver que aparecer em público com boas roupas, proteja-se contra a vaidade 'e não se exalte no dia da sua honra' [Ibid.].

O excesso, a auto-complacência, o desejo de agradar, de atrair a atenção para si mesmo, de estar acima dos seus iguais ou de se igualar aos seus superiores pela pompa de suas vestes são coisas que devem ser moderadas e subjugadas pela humildade. São Tomás dá uma excelente regra para isso: 'A extravagância em vestimentas suntuosas deve ser restringida pela humildade' [2a 2æ, qu. clxi, art.]. Essas necessidades que consideramos essenciais para o decoro de nosso estado devem ter seus limites prescritos pela modéstia e simplicidade cristãs, e não pelo orgulho ou pela tendência luxuosa dos tempos. E a vaidade com que nossa graça de porte ou beleza facial nos inspira também deve ser restringida pela humildade; porque 'o favor é enganador e a beleza é vaidade' [Pv 31,30].

135. Quanto a certas ações exteriores, indiferentes em si mesmas, mas que, se feitas com boa intenção, podem tender a nos tornar virtuosos, o único requisito necessário é ter o cuidado de que sejam realizadas com humildade, como Cristo nos ensina: 'Serei pequeno aos meus próprios olhos' [2Rs 6,22]. Isso é o que cada um de nós deve dizer a si mesmo, como o santo rei Davi, e nos ajuda muito a formar esse bom hábito de humildade para com nós mesmos, a fim de que também sejamos humildes para com os outros.

É por isso que desejo que você se dedique com toda a diligência a este exame. Que concepção e estima você tem da virtude da humildade? Você realmente acredita que a humildade de coração é necessária para a sua salvação eterna? Você sabe que é necessário acreditar firmemente no mistério da Santíssima Trindade e que quem duvida disso é herege; mas você deve saber que também é necessário acreditar com igual firmeza na doutrina da humildade ensinada por Jesus Cristo em seu evangelho, porque não podemos afirmar que no evangelho uma doutrina é mais verdadeira do que outra, nem que devemos acreditar mais em uma do que em outra, porque todas elas procedem igualmente da boca de Jesus Cristo, que é a própria Verdade.

Se, portanto, você acredita neste dogma da humildade, como você o aplica a si mesmo e que medidas você toma para ser humilde? Você pede isso a Deus? Recorre à intercessão da Santíssima Virgem e dos santos? Familiariza-se com os pensamentos mais eficazes para lhe ensinar essa humildade: os pensamentos da morte, do julgamento, do Inferno, do Paraíso e da eternidade, da gravidade do pecado e, acima de tudo, da Paixão de Jesus Cristo?

Estou perfeitamente certo de que você nunca alcançará essa humildade se negligenciar esses meios, que são os mais adequados para adquiri-la; e se você não tiver sido humilde de coração, como poderá justificar-se perante o tribunal de Deus? Grave em sua mente esta bela passagem que Santo Agostinho deixou para seu amigo Dioscuro: 'Não se afaste, ó Dioscuro, do caminho real da humildade que foi ensinado por Cristo; embora muitas outras virtudes sejam exigidas pela religião cristã, procure dar à humildade o lugar mais alto, porque todas as virtudes são adquiridas e mantidas pela humildade, e sem humildade elas desaparecem' [Epist. cxiii].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

domingo, 31 de agosto de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Com carinho preparastes uma mesa para o pobre' (Sl 67)

Primeira Leitura (Eclo 3,19-21.30-31) - Segunda Leitura (Hb 12,18-19.22-24a) -  Evangelho (Lc 14,1.7-14)

  31/08/2025 - VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM

'QUEM SE HUMILHA SERÁ ELEVADO'


Humildade e mansidão são os frutos da fé para deleite de abundantes graças de Deus para aquele que vive a generosidade despojada dos que seguem a Jesus: 'Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Na parábola do Evangelho deste domingo, estas virtudes essenciais da graça são manifestas na transposição dos primeiros e dos últimos lugares de um grande banquete.

Diante do Filho de Deus vivo, os escribas e fariseus se preocuparam primeiro em ocupar lugares de honra à mesa. Eles observavam Jesus, eles tinham curiosidade, interesse e empenho em questionar Jesus por qualquer uma de suas palavras ou ações, mas não percebiam a própria insensatez e vaidade de suas ações primeiras: a busca desenfreada por ocupar os primeiros lugares, a vanglória de usufruir com pompas uma posição destacada na mesa de jantar, a jactância de se apropriar sem rodeios das melhores posições para exercerem, com maior júbilo e sem reservas, o desmedido orgulho de suas escolhas humanas.

Eis que Jesus os conclama a viver a humildade da vida em Deus, sem buscar os privilégios e os prestígios efêmeros do mundo: 'Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar... Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar' (Lc 14, 8, 10). Como convivas do banquete, seremos provedores de honra ou da vergonha, dependendo da medida de nossa humildade ou da desdita de nosso orgulho: 'Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado' (Lc 14, 11).

E a humildade não pode prescindir do despojamento, da generosidade desinteressada, da mansidão. A mão que estende a dádiva não se curva à retribuição; a ação de oferta não se compraz da gratidão; a semente que gerou fruto não impõe recompensa alguma. Oferece o 'banquete' de seus dons e talentos aos pobres, e aleijados, e coxos, e cegos...'porque eles não te podem retribuir' (Lc 14, 14). Assim, sem a gratidão e os louvores humanos, o homem sábio ajunta tesouros e a recompensa eterna na ressurreição dos justos.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (I)


PARTE I - SOBRE A MORTE

I. Sobre os Terrores da Morte

Parece-me desnecessário falar muito sobre os terrores da morte. O assunto já foi suficientemente abordado por vários escritores; além disso, todos sabem e sentem por si mesmos que a vida é doce e a morte é amarga. Por mais velho que seja um homem, por mais debilitada que seja sua saúde, por mais miseráveis que sejam suas circunstâncias, a ideia da morte é sempre desagradável. Há três razões principais pelas quais todas as pessoas sensatas temem tanto a morte:

Primeiro, porque o amor pela vida e o medo da morte são inerentes à natureza humana. Segundo, porque todo ser racional está bem ciente de que a morte é amarga e que a separação da alma e do corpo não pode ocorrer sem um sofrimento inexprimível. Terceiro, porque ninguém sabe para onde irá após a morte, ou como será seu julgamento no Dia do Juízo Final.

Será bom explicar a segunda e a terceira dessas razões de forma mais completa, a fim de que, por um lado, aqueles que levam uma vida descuidada possam talvez despertar para o medo da morte e aprender a evitar o pecado e, por outro, para que cada um de nós seja alertado a se preparar para a morte, para que não sejamos surpreendidos por ela sem estar preparados. Todos recuam instintivamente diante da morte, porque ela é amarga e dolorosa e além da percepção para a natureza humana. 

A alma do homem está sujeita a muitas ansiedades, apreensões e tristezas, e o corpo está sujeito a dores e doenças de todos os tipos, mas nenhuma dessas dores pode ser comparada à agonia da morte. Um homem que perde seu bom nome e seus bens sente uma dor aguda, mas não morre por causa disso. Todo sofrimento e doença, toda dor e angústia, por mais terríveis que sejam, são menos amargos do que a morte. Por isso, vemos a morte como um monarca poderoso, o mais cruel, o mais implacável, o mais formidável inimigo da humanidade. Observe um homem lutando contra a morte e você verá como o tirano domina, desfigura e prostra sua vítima. Agora, por que a morte é algo tão difícil, tão terrível?

É porque a alma tem que se separar do corpo. O corpo e a alma foram criados um para o outro, e sua união é tão íntima que a separação entre eles parece quase impossível. Eles suportariam quase tudo em vez de serem separados. A alma tem medo do futuro e da terra desconhecida para onde está indo. O corpo está consciente de que, assim que a alma se afastar dele, se tornará presa dos vermes. Consequentemente, a alma não suporta deixar o corpo, nem o corpo se separar da alma. O corpo e a alma desejam que sua união permaneça intacta e que juntos desfrutem das alegrias da vida.

Em uma de suas epístolas a Santo Agostinho, São Cirilo, bispo de Jerusalém, relata o que lhe foi dito por um homem que havia ressuscitado dos mortos. Entre outras coisas, ele disse: 'O momento em que minha alma deixou meu corpo foi de uma dor e angústia tão terríveis que ninguém pode imaginar a angústia que eu então suportei. Se todos os sofrimentos e dores concebíveis fossem reunidos, eles seriam nada em comparação com a tortura que eu sofri na separação da alma e do corpo'. E para enfatizar suas palavras, ele acrescentou, dirigindo-se a São Cirilo: 'Tu sabes que tens uma alma, mas não sabes o que ela é. Tu sabes que existem seres chamados anjos, mas és ignorante quanto à sua natureza. Tu também sabes que existe um Deus, mas não consegues compreender o seu ser. Assim é com tudo o que não tem forma corpórea; nossa compreensão não consegue captar essas coisas. Da mesma forma, é impossível para ti compreender como eu pude sofrer uma agonia tão intensa em um breve momento'. E se algumas pessoas aparentemente partem de forma muito pacífica, isso é porque a natureza, exausta pelo sofrimento, já não tem forças para lutar contra a morte.

Sabemos, pelo testemunho do próprio Nosso Redentor, que nenhuma agonia se compara à agonia da morte. Embora ao longo de toda a sua dolorosa Paixão Ele tenha sido torturado de forma terrível, todo o martírio que Ele suportou não se compara ao que Ele sofreu no momento da sua morte. Isso é o que deduzimos dos Evangelhos. Em nenhum lugar encontramos que, em qualquer período da sua vida, a grandeza das dores que Ele suportou tenha arrancado de Nosso Senhor um grito de angústia. Mas quando chegou o momento de Ele expirar, e a mão implacável da morte rasgou o seu Coração, lemos que Ele gritou em alta voz e entregou o espírito. Portanto, é evidente que em nenhum momento da Paixão Cristo sofreu tão intensamente como na separação mais dolorosa da sua alma sagrada do seu corpo abençoado.

Para que a humanidade pudesse, pelo menos em certa medida, compreender quão terrível foi a morte que Cristo morreu por nós, Ele determinou que, ao morrermos, provássemos um pouco da amargura da sua morte e experimentássemos a verdade das seguintes palavras do Papa São Gregório: 'O conflito de Cristo com a morte representou nosso último conflito, ensinando-nos que a agonia da morte é a agonia mais intensa que o homem já sentiu ou jamais sentirá. É vontade de Deus que o homem sofra tão intensamente no fim de sua vida, para que possamos reconhecer e apreciar a magnitude do amor de Cristo por nós, o benefício inestimável que Ele nos conferiu ao suportar a morte por nossa causa. Pois teria sido impossível para o homem conhecer plenamente o amor infinito de Deus, a menos que ele também tivesse bebido, em certa medida, do cálice amargo que Cristo bebeu'.

Nesta passagem dos escritos do santo Papa Gregório, somos ensinados que Cristo ordenou que todos os homens, na hora de sua dissolução, sofressem as mesmas dores que Cristo sofreu por nós em sua última agonia, a fim de que pudessem adquirir algum conhecimento, por sua própria experiência, da natureza terrível da morte que Ele suportou por nós e do grande preço que Ele pagou pelo nosso resgate. Quão dolorosa, quão terrível, quão horrível será a morte para nós, se a nossa morte se assemelhar, em qualquer grau que seja, à morte agonizante de Cristo!

Que conflito severo está diante de nós, pobres mortais! Que tormentos nos aguardam em nossa última hora! Quase nos sentimos inclinados a pensar que teria sido preferível nunca ter nascido, a nascer para sofrer tal angústia. Mas é assim que o Céu deve ser conquistado e somente por esta porta estreita podemos entrar no Paraíso. Portanto, ó cristão, aceite o seu destino com alegria e tome a firme resolução de suportar sem reclamar a amargura da morte. Pois é um grande mérito entregar a vida que todo homem ama tanto e submeter-se com mente pronta e disposta às dores da morte. E com o objetivo de encorajá-lo a ganhar méritos em seus últimos momentos, deixe-me aconselhá-lo a tomar a seguinte decisão de sofrer a morte com coragem.

RESOLUÇÃO

Ó Deus de toda justiça, que determinaste que, desde a queda de nossos primeiros pais, todos os homens morressem, e também que fosse o destino de muitos entre nós provar em sua morte algo das dores que o teu Filho suportou na hora da sua morte, eu me submeto de boa vontade a este teu severo decreto. Embora a vida seja doce para mim e a morte pareça muito amarga, ainda assim, por obediência a Ti, aceito voluntariamente a morte com todas as suas dores e estou pronto para entregar minha alma quando, onde e da maneira que for do agrado da Divina Providência. E uma vez que fizeste a morte tão amarga para o homem, a fim de que pudéssemos sentir, em certa medida, por nossa própria experiência, quão dolorosa foi a morte que o teu amado Filho sofreu por nossa causa, aceito de bom grado a pena da morte, para que, pelo menos no meu fim, possa conhecer algo das dores que o meu abençoado Senhor sofreu por minha causa. Em honra, portanto, da sua amarga Paixão e morte, submeto-me agora alegremente a quaisquer sofrimentos que eu possa ser chamado a passar no momento da minha partida, e declaro minha determinação de suportá-los com toda a constância de que sou capaz. Rezo para que esta resolução da minha parte seja agradável aos teus olhos e que Tu me dês a graça de suportar minha última agonia com paciência. Amém.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

terça-feira, 26 de agosto de 2025

'SOU DEVORADO PELO AMOR DE DEUS!'


O 'santo' é aquele que ama. O que transforma um homem em 'santo' é o amor. Mas não o amor humano. Não o amor terreno. Não o amor carnal. Não o amor natural. Não, nenhum desses amores jamais pode transformar um homem em um 'santo'.

Se pensarmos em São Pedro e São Paulo, os Apóstolos, por exemplo, se pensarmos em Santa Maria Madalena e São João Evangelista, se pensarmos em São Francisco de Assis e Santa Clara, imediatamente entendemos que eles foram transformados em 'santos' somente pelo amor divino:

Foi somente o amor divino, de fato, que fez de São Pedro e São Paulo dois 'mártires' intrépidos , que fez de Santa Maria Madalena e São João Evangelista dois santos 'amados' por Jesus, que fez de São Francisco e Santa Clara de Assis dois santos 'seráficos'.

Os santos, todos os santos, são as obras-primas do amor divino, isto é, do amor a Deus e ao próximo, levado às alturas ardentes do amor heróico que procura sacrificar-se e consumir-se total e plenamente, sem medida, à imitação de Jesus crucificado que se sacrificou inteiramente, deixando-se esgotar por amor ao Pai e por amor a todo o homem.

A expressão do Padre Pio – 'sou devorado pelo amor de Deus e pelo amor ao próximo' – revela, precisamente, a dinâmica do amor divino que 'devora' e consome o homem, transformando-o num 'santo', isto é, numa 'sarça ardente' de amor que arde cada vez mais intensamente sem nunca se consumir (cf Ex 3,2).

Se refletirmos sobre a vida do Padre Pio, podemos ver que é exatamente assim que as coisas são. Desde criança, aos cinco anos de idade, ele foi inspirado a amar Jesus, já tentando imitá-lo, batendo-se com correntes, dormindo no chão, desejando compartilhar o seu sofrimento pelos pecadores. E, em sua vida religiosa como capuchinho e em seu apostolado sacerdotal, durante cinquenta anos sangrando estigmas, ele se ofereceu verdadeira e heroicamente à imolação diária em seu ministério como confessor para regenerar as almas dos homens para que fossem salvas e conduzidas ao Céu.

Este é o amor divino do 'santo'. Não um amor divino comedido ou medíocre, mas um amor 'devorador', sem medida. Não um amor divino de água e açúcar - como o nosso! - mas um amor divino inteiramente de 'sangue'.

(Excertos da obra 'O Pensamento do Padre Pio', do Pe. Stefano Manelli)

domingo, 24 de agosto de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Proclamai o Evangelho a toda criatura!' (Sl 116)

Primeira Leitura (IS 66,18-21) - Segunda Leitura (Hb 12, 5-7.11-13) -  Evangelho (Lc 13,22-30)

  24/08/2025 - VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM

A PORTA ESTREITA


No Evangelho deste domingo, Jesus é indagado, mais uma vez, por alguém da multidão: 'Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam? (Lc 13, 23). A pergunta já traduz uma questão que perpassava a mente do questionador, dos homens daquela época, da mente dos homens de todos os tempos: 'existe um conceito estabelecido de que é uma minoria dos homens que estão destinados à felicidade eterna com Deus'. Essa questão, se verdadeira ou não, dominou o interesse e o estudo aprofundado de muitos teólogos e Padres da Igreja.

Da posição rigorosa de um São Leonardo do Porto Maurício sobre ‘o pequeno número dos que se salvam’ até manifestações totalmente opostas de que certamente a maior parte dos homens está destinada à Glória Eterna, predominam outras tantas proposições, todas não definidas ou consolidadas nem pela Igreja nem pela Tradição Cristã. Na Suma Teológica, São Tomás de Aquino alinha umas tantas suposições, sem se ater a nenhuma delas: 'a respeito de qual seja o número dos homens predestinados, dizem uns que se salvarão tantos quantos foram os anjos que caíram; outros, que tantos como os anjos que perseveraram; outros, enfim, que se salvarão tantos homens quantos anjos caíram e, ademais, tantos quantos sejam os anjos criados' (Suma Teológica I, q.23).

Ouçamos a resposta de Jesus: 'Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão' (Lc 13, 24). A porta é estreita e muitos não conseguirão entrar. Porta estreita, mas aberta aos que perseverarem na sua fé, em meio às provações e inquietações do mundo. Se muitos não poderão entrar, não significa que muitos não o poderão fazer: 'Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus' (Lc 13, 29). Mas é preciso viver a verdadeira vida em Deus, e fazer 'todo esforço possível' (Lc 13, 24) para seguir os caminhos do bem e viver na graça do Pai.

Jesus é a Porta do Céu. E a porta é estreita porque todos os caminhos da salvação passam por Ele e, passar por Jesus, significa estar livre do pecado mortal e guardar o nosso coração do apelo às paixões desordenadas do mundo. Mas a porta é estreita e fechada aos que escolheram o mundo e aos que, se dizendo de Cristo, cumpriram meros preceitos formais, praticaram a injustiça e o pecado livremente, traíram ou refizeram as palavras e os ensinamentos de Cristo às suas próprias interesses e comodidades: 'Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, do lado de fora, começareis a bater, dizendo: ‘Senhor, abre-nos a porta!’ Ele responderá: ‘Não sei de onde sois’ (Lc 13, 25). E estes ficarão de fora do banquete do Senhor. O número dos que se salvam ou que se perdem não é função de se chegar primeiro ou depois, pois 'há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos' (Lc 13, 29), mas das escolhas que fazemos em nossas vidas no caminho para a Jerusalém Celeste.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O ECUMENISMO SEGUNDO OS SANTOS

1. 'Em nome do Se­nhor Jesus – reunidos vós e o meu espírito, com o poder de nosso Senhor Jesus – seja esse homem entregue a Satanás, para mortificação do seu corpo, a fim de que a sua alma seja salva no dia do Senhor Jesus' (ICor 5,4-5).

2. 'O castigo os atingirá por duplo motivo: porque eles desconheceram a Deus, afeiçoando-se aos ídolos, e porque são culpados, por desprezo à santidade da religião, de ter feito juramentos enganadores' (Sb 14,30).

3. 'Pensai no que há originado todas as heresias: não encontrareis outra fonte que não a soberba' (Santo Agostinho).

4. 'Não te admires dos hereges que citam as Escrituras, pois o diabo também se serve delas, não para ensinar, mas para enganar' (Santo Ambrósio).

5. 'Lançai fora a ímpia e funesta opinião de que, em qualquer religião, é possível chegar ao caminho da salvação eterna' (Pio XI).

6. 'Aqueles que corrompem famílias não herdarão o Reino de Deus. Se, pois, aqueles que fazem isso com respeito à carne sofreram a morte, quanto mais será o caso daquele que corrompe a fé em Deus, pela qual Jesus Cristo foi crucificado, com doutrinas perversas!' (Santo Inácio de Antioquia).

7. 'Não há pecados mortais mais graves do que os dos hereges que negam Cristo depois de o terem conhecido' (São Beda).

8. 'O verdadeiro ecumenismo, a verdadeira caridade com os que estão no erro, é mostrar-lhes a verdade plena, e rezar por eles – e não com eles – para que se convertam à verdadeira fé' (São Pio X).

9. 'Tenham coragem diante de sua fé e suas convicções. São os maus que devem temer diante dos bons, e não os bons diante dos maus' (São João Bosco).

10. 'Se, para salvar uma vida terrena, é louvável usar a força para impedir um homem de cometer suicídio, não nos seria permitido usar a mesma força — a santa coerção — para salvar a Vida (com maiúscula) de muitos que estão estupidamente empenhados em matar as suas almas?' (São José Maria Escrivá).

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXVIII)

 

Exame sobre a Humildade para Consigo Mesmo

128. Ricardo de São Vítor [lib. 2, cap. xxiii, De Epul. inter Hom.] define humildade como o desprezo interior por si mesmo. Examine um pouco se você tem esse sentimento em relação a si mesmo. Quando você tem sonhos de dignidade e honra, e se imagina em meio à grandeza e honras quiméricas, como você se comporta nessas imaginações orgulhosas e vaidosas? Você se alegra e se deleita com elas, desejando habitar nelas cada vez mais? Se amamos a humildade, devemos tratar esses sonhos de ambição mundana e orgulho com desdém e ódio, assim como aqueles que amam a castidade tratam os pensamentos impuros. Devemos orar assim com o rei Davi: 'Não deixe que o pé do orgulho chegue até mim', porque o orgulho primeiro entra na alma através dos pensamentos da mente, e aquele que se acostuma a se deleitar com esses pensamentos já formou o mau hábito do orgulho em seu coração.

129. Você esquece a sua própria insignificância? Você tem alguma autoestima? Se for esse o caso, você é um sedutor, um enganador de si mesmo, porque, como diz São Paulo: Quem se crê algo, 'enganar-se-á a si mesmo' [Gl 6,3]. Você se deleita e se gloria em seu conhecimento, seu poder, suas riquezas ou em algum outro dom natural ou moral? Lembre-se da palavra que Deus disse pelo profeta Jeremias: 'Que o sábio não se glorie em sua sabedoria, que o forte não se glorie em sua força e que o rico não se glorie em suas riquezas' [Jr 1,23]. E novamente como diz São Paulo: 'ão devemos agradar a nós mesmos' [Rm 15,1]. Esse deleite e glória insinuam-se insensivelmente, mas aquele que é humilde percebe-os rapidamente e repele-os como sendo nada mais do que vaidade, que apenas enche o coração de orgulho.

O mesmo se aplica à vida espiritual. Você se considera virtuoso porque às vezes faz um pouco de bem? Faria bem, então, em não se considerar bom, mas em imaginar-se em Jerusalém repudiado por Deus, porque, como disse o profeta, você está 'confiando na sua beleza' [Ez 16,15]. E São Gregório diz sobre pessoas como você: 'A alma confia na sua beleza quando realiza alguma boa ação' [Epístola cxxvi]. O homem orgulhoso se detém mais de bom grado no pouco bem que faz, na pouca devoção que sente, do que no pensamento do mal que cometeu e que comete diariamente. Ele deixa para trás a multidão de seus pecados, para não precisar se envergonhar e se humilhar; e reflete frequentemente sobre certos exercícios minuciosos de piedade cristã, a fim de satisfazer sua auto-complacência, como diz São Gregório: 'É mais fácil para eles verem dentro de si mesmos o que lhes agrada do que o que lhes desagrada' [lib. 22, Mor. c. i]. Talvez você também tenha essa tendência.

130. A humildade nos ensina também a nos considerarmos indignos de qualquer bem que possamos possuir, até mesmo do ar que respiramos, e a nos considerarmos dignos de todos os males e injúrias do mundo. Esses são os pensamentos do homem humilde. Ele sempre mantém diante dos olhos os pecados que cometeu e sua tendência maliciosa de cometê-los novamente. Portanto, ele se considera pior do que os turcos, que não têm a luz da graça, enquanto ele também tem a da fé; pior do que todos os pecadores, que não percebem a gravidade do pecado e que não receberam tanta ajuda da graça quanto ele; pior do que os judeus, 'porque, se o tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória' [1Cor 2,8]; pior até do que os demônios, que pecaram apenas uma vez em pensamento, enquanto ele pecou tantas vezes, mesmo em ação. Mas você já parou para considerar essas coisas seriamente?

131. Você se coloca em situações perigosas, dizendo: 'Não vou cair em pecado', presumindo assim demais da sua própria força? São Gregório diz que não há nada mais distante da humildade do que tal presunção: 'Nada no homem está mais distante da humildade do que confiar na própria virtude' [lib. 22, Mor. c. iii]. Você fica perturbado e agitado ao pensar nas faltas que comete e no seu lento progresso na aquisição da virtude? Isso é orgulho e vem da sua presunção em pensar que você pode fazer grandes coisas com suas próprias forças. Mas é necessário nos humilharmos e, ainda assim, não desanimarmos, mas aprendermos com Santo Agostinho, que diz de si mesmo: 'Quanto mais me falta, mais humilde serei' [in Ps. 38] Serei mais humilde se refletir sobre as virtudes que deveria ter e não tenho.

Você é prudente, não confiando em sua própria ingenuidade nem em suas próprias opiniões, sem se preocupar em pedir conselhos, especialmente em assuntos de grande importância? Isso é um grande pecado contra a humildade, e o Espírito Santo assim o adverte: 'Não confie em sua própria prudência: não seja sábio em sua própria presunção' [Pv 3,5.7]. E São Jerônimo chama de intolerável o orgulho pelo qual damos aos outros a entender que somos tão sábios que não precisamos de seus conselhos: 'O orgulho é insuportável, mas considerar-se um nada precisa de conselho' [cap.1, Isa.].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

domingo, 17 de agosto de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

À vossa direita se encontra a rainha, 
com veste esplendente de ouro de Ofir' (Sl 44)

Primeira Leitura (Ap 11,19a;12,1-6a.10ab) - Segunda Leitura (1Cor 15,20-27a) -  Evangelho (Lc 1,39-56)

  17/08/2025 - SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DA VIRGEM MARIA

ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

 'O Todo-Poderoso fez grandes coisas a meu favor'

As glórias de Maria podem ser resumidas na portentosa frase enunciada pelo anjo Gabriel: 'Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus' (Lc 1, 30). Ao receber a boa-nova do anjo, Maria prostrou-se como serva e disse 'sim', e por meio desse sim, como nos ensina São Luís Grignion de Montfort, 'Deus Se fez homem, uma Virgem de tornou Mãe de Deus, as almas dos justos foram livradas do limbo, as ruínas do céu foram reparadas e os tronos vazios foram preenchidos, o pecado foi perdoado, a graça nos foi dada, os doentes foram curados, os mortos ressuscitados, os exilados chamados de volta, a Santíssima Trindade foi aplacada, e os homens obtiveram a vida eterna'.

Esta efusão de graças segue Maria na Visitação, pois ela é reflexo da presença e das graças do Espírito Santo que são levadas à sua prima Isabel e à criança em seu ventre. No instante da purificação de São João Batista, o Precursor, Santa Isabel foi arrebatada por inteira pelo Espírito Santo: 'Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo' (Lc 1,41). Por meio de uma extraordinária revelação interior, Santa Isabel confirma em Maria o repositório infinito das graças de Deus: 'Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu' (Lc 1,43).

E é ainda nesta plenitude de comunhão com o Espírito Santo, que Maria vai proclamar o seu Magnificat: 'A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre' (Lc 1, 46-55).

Mãe da humildade, mãe da obediência, mãe da fé, mãe do amor. Mãe de todas as graças e de todos os privilégios, Maria foi contemplada com o dogma de fé divina e católica da assunção, em corpo e alma, à Glória Celeste. Dentre as tantas glórias e honras a Maria, a Igreja celebra jubilosa neste domingo a Serva do Senhor como Nossa Senhora da Assunção.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (CVI/Final)

Capítulo LXV

Meios de se Evitar o Purgatório - A Santa Aceitação da Morte - O Exemplo do Padre Aquitanus - A Prudência de se Informar o Paciente de sua Condição Crítica - Resignação ou Não à Vontade Divina Diante da Morte: Exemplos Diversos - São João da Cruz e a Doce Morte da Alma que Ama a Deus 

O sexto meio de se evitar o Purgatório é a aceitação humilde e submissa da morte como expiação dos nossos pecados: é um ato generoso, pelo qual oferecemos nossa vida a Deus, em união com o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz.

Deseja um exemplo dessa santa resignação da vida nas mãos do Criador? Em 2 de dezembro de 1638, morreu em Brisach, na margem direita do Reno, o Padre Jorge Aquitanus, da Companhia de Jesus. Duas vezes ele havia dedicado sua vida ao serviço dos atingidos pela peste. Aconteceu que, em duas ocasiões diferentes, a peste se alastrou com tal fúria que era quase impossível aproximar-se dos doentes sem ser contaminado. Todos fugiram, abandonando os moribundos à sua infeliz sorte. Mas o Padre Aquitanus, entregando sua vida nas mãos de Deus, fez-se servo e apóstolo dos doentes; ocupava-se exclusivamente em aliviar seus sofrimentos e administrar-lhes os sacramentos.

Deus o preservou durante a primeira onda da peste; mas quando ela voltou com violência redobrada, e o homem de Deus foi chamado pela segunda vez a dedicar-se aos enfermos, Deus desta vez aceitou seu sacrifício. Quando, vítima de sua caridade, ele jazia em seu leito de morte, perguntaram-lhe se oferecia de bom grado sua vida a Deus. 'Oh!' - respondeu, cheio de alegria - 'se eu tivesse um milhão de vidas para oferecer a Ele, Ele sabe com que prontidão eu as daria'. Tal ato, como se pode compreender, é muito meritório aos olhos de Deus. Não se assemelha ele ao supremo ato de caridade realizado pelos mártires que morreram por Jesus Cristo e que, como o batismo, apaga todos os pecados e cancela todas as dívidas? 'Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida por seus amigos' (Jo 15,13), disse Nosso Senhor.

Para fazer esse ato durante uma enfermidade, é útil - senão necessário - que o paciente compreenda sua condição e saiba que o fim se aproxima. Por isso, é um grande erro esconder-lhe essa verdade por uma falsa delicadeza. 'Devemos' - diz Santo Afonso - 'com prudência informar o doente sobre o perigo que corre'. Se o paciente tenta se enganar com ilusões ou se, em vez de se resignar nas mãos de Deus, pensa apenas na cura, mesmo que receba todos os sacramentos, comete um grave erro.

Lemos na vida da Venerável Madre Francisca do Santíssimo Sacramento, religiosa de Pamplona, que uma alma foi condenada a um longo purgatório por não ter tido verdadeira submissão à Vontade Divina em seu leito de morte. Era uma jovem muito piedosa, mas quando a mão gelada da morte a tocou na flor da juventude, a natureza recuou, e ela não teve coragem de se entregar às mãos sempre amorosas de seu Pai Celeste – não queria morrer ainda. Morreu, contudo, e a Venerável Madre Francisca, que recebia visitas frequentes das almas do purgatório, soube que essa alma teria de expiar, com longos sofrimentos, sua falta de submissão aos decretos do Criador.

A vida do Venerável Padre Caraffa nos oferece um exemplo mais consolador. O Padre Vicente Caraffa, Geral da Companhia de Jesus, foi chamado para preparar para a morte um jovem nobre que havia sido condenado à execução e que acreditava ter sido condenado injustamente. Morrer na flor da idade, sendo rico, feliz, e quando o futuro sorri para nós, é algo difícil, devemos reconhecer; no entanto, um criminoso que é atormentado pelo remorso de consciência pode se resignar e aceitar a morte como um castigo expiatório por seu crime. Mas o que dizer de uma pessoa inocente?

O padre, portanto, tinha uma tarefa difícil a cumprir. Contudo, assistido pela graça divina, soube lidar com sabedoria com aquele infeliz jovem. Falou com tal unção sobre as faltas de sua vida passada e sobre a necessidade de satisfazer à Justiça Divina, fez-lhe compreender tão profundamente como Deus permitia aquele castigo temporal para o seu bem, que domou a natureza rebelde e transformou completamente os sentimentos de seu coração. O jovem passou a ver sua sentença como uma expiação que lhe obteria o perdão de Deus e subiu ao cadafalso não apenas com resignação, mas com verdadeira alegria cristã. Até o último momento, mesmo sob o machado do carrasco, bendizia a Deus e implorava por sua misericórdia, para grande edificação de todos os que assistiam à sua execução.

No momento em que sua cabeça caiu, o Padre Caraffa viu a sua alma subir triunfante ao Céu. Imediatamente foi até a mãe do jovem para consolá-la, relatando o que havia presenciado. Estava tão tomado de alegria que, ao retornar à sua cela, não cessava de exclamar: 'Ó homem feliz! Ó homem feliz!'  A família desejava mandar celebrar grande número de missas pelo repouso de sua alma. 'É supérfluo' - respondeu o padre - 'devemos antes agradecer a Deus e alegrar-nos, pois declaro-lhes que sua alma nem sequer passou pelo Purgatório'. Outro dia, enquanto trabalhava, ele parou de repente, seu semblante mudou, e ele olhou para o Céu; então foi ouvido exclamando: 'Ó sorte feliz! Ó sorte feliz!' E quando um companheiro lhe pediu explicação sobre essas palavras, respondeu: 'Ah! meu caro padre, era a alma daquele condenado que me apareceu em glória. Ó como foi proveitosa para ele sua resignação!'

A Irmã Maria de São José, uma das quatro primeiras carmelitas que abraçaram a reforma de Santa Teresa, foi uma religiosa de grande virtude. O fim de sua carreira se aproximava, e Nosso Senhor, desejando que a sua esposa fosse recebida no Céu em triunfo ao exalar seu último suspiro, purificou e embelezou sua alma pelos sofrimentos que marcaram o fim de sua vida. Durante os últimos quatro dias que passou na terra, perdeu a fala e os sentidos; foi atormentada por uma agonia terrível e as religiosas ficaram profundamente comovidas ao vê-la naquele estado. A Madre Isabel de São Domingos, priora do convento, aproximou-se da religiosa enferma e sugeriu-lhe que fizesse muitos atos de resignação e total abandono nas mãos de Deus. A Irmã Maria de São José ouviu-a e fez esses atos interiormente, embora não pudesse manifestar nenhum sinal exterior disso.

Morreu nessas santas disposições e, no próprio dia de sua morte, enquanto a Madre Isabel ouvia missa e rezava pelo repouso de sua alma, Nosso Senhor mostrou-lhe a alma de sua fiel esposa coroada de glória, e disse: 'Ela pertence ao número daqueles que seguem o Cordeiro'. A Irmã Maria de São José, por sua vez, agradeceu à Madre Isabel por todo o bem que lhe havia feito na hora da morte. Acrescentou que os atos de resignação que lhe havia sugerido lhe haviam merecido grande glória no Paraíso e a haviam isentado das penas do Purgatório.

Que felicidade é deixar esta vida miserável para entrar na única vida verdadeira e bem-aventurada! Todos nós podemos alcançar essa felicidade, se usarmos os meios que Jesus Cristo nos deu para satisfazer nesta vida e preparar nossas almas perfeitamente para comparecer diante dEle. A alma assim preparada é tomada, na última hora, pela mais doce confiança; ela tem, por assim dizer, um antegosto do Céu - experiências estas descritas por São João da Cruz na sua obra Chama Viva de Amor, ao falar da morte de um santo.

'O amor perfeito de Deus' - diz ele - 'torna a morte agradável, fazendo a alma experimentar a maior doçura naquele momento. A alma que ama é inundada por um torrente de delícias na aproximação daquele instante em que está prestes a entrar na posse plena de seu Amado. À beira de ser libertada desta prisão do corpo, ela já parece contemplar as glórias do Paraíso, e tudo dentro dela se transforma em amor'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

domingo, 10 de agosto de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança!' (Sl 32)

Primeira Leitura (Sb 18,6-9) - Segunda Leitura (Hb 11,1-2.8.19) -  Evangelho (Lc 12,32-48)
 
  10/08/2025 - DÉCIMO NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM

AS PARÁBOLAS DA VIGILÂNCIA


'Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança!'

Três parábolas de Jesus são contempladas no Evangelho deste Décimo Nono Domingo do Tempo Comum, todas centradas na prática da vigilância. A vida cristã não pode prescindir da contínua vigilância sobre nossas palavras, pensamentos e ações, embalada pelo zelo às coisas do Pai e às virtudes de uma serena e santa prudência. Jesus vai falar da necessidade imperiosa da vigilância ao seu 'pequenino rebanho' (Lc 12, 32) a quem está destinado o Reino de Deus, que, como dito em outra passagem, 'não é deste mundo'. Sim, pequenino rebanho inserido na imensa multidão dos que se acercam apenas dos bens e futilidades desse mundo, pequenino rebanho que tem por Jesus o Bom Pastor, pequenino rebanho que vende o que tem, dá esmolas, que ajunta tesouros que o ladrão não rouba e nem a traça corrói, pequenino rebanho que guarda tesouros num coração que persevera em ser bondoso e compassivo.

A primeira voz da vigilância ressoa na alegoria dos empregados que esperam o senhor da casa voltar de uma festa de casamento. Na impossibilidade de saber com certeza a hora da chegada do Senhor Que Vem, a palavra de Jesus é uma exortação à vigilância constante, a qualquer hora, à meia noite ou de madrugada: 'Felizes os empregados que o Senhor encontrar acordados quando chegar' (Lc 12, 37). E estes bem-aventurados poderão sentar-se, então, à mesa com o Senhor.

Na segunda mensagem, reaviva-se o mesmo espírito de vigilância de todas as horas, na única certeza de que Jesus há de vir, uma vez mais, em busca do seu pequenino rebanho: 'Vós também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes' (Lc 12, 40). Os que se fartam da imprudência e da indiferença dos tempos, descuidam da suas casas (almas) e as tornam vulneráveis à ação de ladrões. Mas o que se cerca de diligências e cuidados, estará sempre pronto quando o Senhor chegar.

Na parábola final do administrador prudente e fiel, Jesus leva a virtude da vigilância à medida do nosso amor à Santa Vontade de Deus. Neste amor sem medidas, há de se fazer a medida do amor de cada um: 'A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido!' (Lc 12, 48). A perseverança e a vigilância de sempre devem ser reflexos cristalinos da nossa certeza nas verdades imutáveis dos Santos Evangelhos e das palavras de Cristo. Como um pequenino rebanho, confiantes e perseverantes na fé, guardemos no coração os tesouros dos que vivem vigilantes à doce espera do Senhor Que Vem.