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domingo, 9 de novembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

   

'Os braços de um rio vêm trazer alegria à cidade de Deus, à morada do Altíssimo' (Sl 45)

Primeira Leitura (Ez 47,1-2.8-9.12) -Segunda Leitura (1Cor 3,9c-11.16-17) - Evangelho (Jo 2,13-22)

  09/11/2025 - DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO

A EXPULSÃO DOS VENDILHÕES DO TEMPLO


Neste domingo, o Evangelho nos mostra Jesus manifestando aos ímpios a ira santa de Deus. Há pouco, ocorrera o milagre das Bodas de Caná; estava próxima a Páscoa e, em perfeita conformidade à lei judaica, Jesus também viera visitar o Templo em Jerusalém. E ali, num ambiente tomado por uma completa profanação do espaço sagrado, Jesus expulsa os vendilhões do templo.

Tomado de santo furor, diante a balbúrdia e o tumulto dos homens que profanavam o santuário de Deus, Jesus faz um chicote de cordas e os expulsa com peremptória indignação: 'Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!' (Jo 2,16). Aquelas mãos divinas, consumidas em tantos atos de perdão e de misericórdia, tecem agora um chicote! E, com ele em mãos, golpeia e desmantela as bancas e as mesas, espanta vendedores e cambistas, afugenta os animais em correria, esparrama objetos, moedas e víveres pelo chão, movido por uma indignação e um zelo extremos pela profanação do sagrado. O que deve ter sido este cenário!

Paralisados e tomados de pavor, aqueles homens que se atropelam para fugir diante de Jesus e da profanação revelada, ainda ousam pedir um sinal ao Senhor por tais ações. E Jesus lhes dá a resposta pela revelação do mistério da ressurreição do seu corpo, templo perfeitíssimo de Deus: 'Destruí este Templo, e em três dias o levantarei (Jo 2,19). Jesus não falava do templo físico, mas do templo espiritual que habita em nós, e que contém em plenitude o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do Senhor. O primeiro será destruído, porque não era santo. O segundo, por méritos e graças do Salvador, nos abriu as portas da redenção e da eternidade com Deus: 'Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele' (Jo 2,22).

O episódio da expulsão dos vendilhões do Templo deveria nos alertar duramente sobre o rigor da Justiça Divina, diante o pecado e a perda de referência ao culto do sagrado. Ai daqueles que, usurpando da graça do livre arbítrio, negam a sua realidade espiritual e convertem as suas vidas em construir templos de barro e produzir frutos sazonais, ditados apenas pelos interesses humanos. Serão réus e depositários da santa ira de Deus, porque 'se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo e vós sois esse santuário' (1Cor 3,17).

sábado, 8 de novembro de 2025

UM NÃO AO QUINTO DOGMA MARIANO

O Dicastério para a Doutrina da Fé do Vaticano - principal órgão doutrinário da Igreja - publicou na terça feira passada (04/11/2025), a Nota Doutrinal Mater Populi Fidelis, visando esclarecer e alertar aos fieis católicos a utilização relativa de alguns títulos marianos, particularmente o de 'correndentora' e de 'medianeira de todas as graças'. As reações e as polêmicas foram imediatas e intensas ao teor da publicação, sancionada pelo Papa Leão XIV, positivas de um lado e massivamente críticas de outro, abrangendo o meio católico e repercutindo também em larga escala em outros domínios religiosos e na mídia em geral. 

Antes de mais nada, é imperioso lembrar que a Virgem Maria é contemplada com quatro dogmas pela Igreja - a Maternidade Divina, a Imaculada Conceição, a Virgindade Perpétua e a Assunção ao Céu - e por dezenas de títulos de honra e louvor como Nossa Senhora de muitos nomes, Mãe dos homens, Mãe da Igreja, Advogada Nossa, Corredentora do gênero humano, Medianeira Universal, Rainha da Paz, Rainha dos Apóstolos, Senhora de todos os Povos e muitos outros. Alguns destes títulos específicos têm sido objeto de novas proposições dogmáticas (o quinto dogma da Virgem Maria), enquanto outros estão intimamente arraigados à tradição, às orações e à própria liturgia da Igreja. A polêmica gerada pela Nota Doutrinal é que ela confronta diretamente aqueles títulos que têm sido objeto de novas proposições dogmáticas à Virgem Maria -  'correndentora' e 'medianeira de todas as graças'.

Do 'Fazei tudo o que Ele vos disser' (Jo 2, 5) ao 'Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra' (Lc 1, 38), e 'me chamarão bem-aventurada todas as gerações' (Lc 1, 48) e ainda 'Depois apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol' (Ap 12,1), estão delimitadas claramente, por um lado, a condição de serva e discípula do seu Filho e, por outro lado, uma bem aventurança e uma graça inaudita por parte de Deus. Da terra, exala o perfume de todas as virtudes da obra prima de Deus (que nortearam os quatro dogmas da Igreja sobre ela). Do Céu, pairam sobre as águas a Vontade de Deus. Se Deus quer, que razões 'dogmáticas, pastorais ou ecumênicas' podem obscurecer 'a mulher vestida de sol' (revestida do próprio Cristo por ser a Mãe de Deus)? 

A Nota Doutrinal, por mais que perambule por citações eruditas e relevantes, não responde e nem se detém nos aspectos cruciais destes títulos ainda não dogmáticos da Mãe de Deus: explicar que 'correndentora' não é 'Redentora' - um abismo teológico paira sobre as águas porque a ação de Nossa Senhora não tem e não poderia ter a medida do mérito e da satisfação infinita inseridas na Redenção de Cristo. Na mesma medida, 'mediadora de todas as graças' é uma mediação por Cristo, em Cristo e por Cristo, secundária e subordinada à Vontade Divina. Vontade Divina que quis que a Redenção de Cristo e a salvação dos homens passasse por aquela que Deus ousou chegar mais perto dele.

Objeções, questionamentos e argumentos plausíveis podem ser expostos em confronto a estes títulos, sob bases doutrinárias ou teológicas de naturezas diversas (nunca ecumênicas, é óbvio), inclusive e particularmente em relação à cooperação de Nossa Senhora na obra redentora de Jesus Cristo. Não há necessariamente heresia ou descalabro nisso, e tais elementos não 'rebaixam' a grandeza da Virgem Maria. Todos os dogmas marianos proclamados foram, com certeza, objeto de contradições e muitas discussões teológicas que foram, entretanto, contra-argumentadas, contestadas e descartadas, muitas vezes simplesmente esmagadas como heresias e ideologias funestas. 

No contexto atual, nada disso se impõe, mas tem-se meramente um reducionismo teológico e doutrinário que resume por inteiro o teor do documento, assinado por alguém de direito e por direito contestado, cujo texto arroga postulados muito negativos, críticos e ofensivos aos títulos marianos: 'sempre inoportuno'; 'especial prudência' e 'analogia remota' e para introduzir mais um título de relevância secundária - 'mãe do povo fiel' - que parece mais uma simples concessão ao escarcéu protestante e ecumênico. Não acho boa coisa contestar assim, com este arsenal limitado e enviesado, os Padres da Igreja, os Escolásticos, a Tradição da Igreja, um Leão XIII e um Pio XII ou o santo Papa Pio X, mas a Igreja nunca navega neste mundo sobre calmarias e vento a favor.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (VI)

   

PARTE II - O JUÍZO FINAL

I. Sobre os Sinais que Precederão o Juízo Final

Jesus Cristo, Juiz dos vivos e dos mortos que, na sua primeira vinda apareceu na terra com toda  quietude e tranquilidade, sob uma forma gentil e humilde, voltará pela segunda vez para julgar os homens com grande majestade e glória.

Para que a sua vinda não nos encontre despreparados, Ele enviará antecipadamente muitos e terríveis sinais para nos alertar a abandonar nossa vida pecaminosa. Sobre esses sinais, Ele mesmo diz: 'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; e, na terra, angústia das nações, os homens desfalecendo de medo e expectativa do que sobrevirá ao mundo inteiro' (Lc 21, 25-26)... Porque então haverá grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá. E, se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria' (Mt 24,21-22). Que anúncio terrível! Que profecia terrível!

Poderia haver alguma previsão mais terrível para nós do que esta que vem dos lábios da Verdade Eterna? Quando Deus estava prestes a destruir a cidade de Jerusalém, Ele anunciou sua queda por meio de vários sinais. Um cometa, semelhante a uma espada de fogo, brilhou sobre a cidade, e exércitos de guerreiros armados foram vistos lutando no ar. Jerusalém poderia, no último momento, ter interpretado corretamente esses sinais e feito penitência para a salvação. Mas Jerusalém não soube o tempo da sua visitação. Se Deus fez com que sinais tão maravilhosos aparecessem antes da destruição de uma única cidade, não anunciará Ele o fim do mundo que se aproxima e os castigos que virão sobre ele, por meio de sinais terríveis e assustadores? 

Há, portanto, todas as razões para acreditar que, um tempo considerável antes do Dia do Juízo Final, sinais temíveis aparecerão em toda a terra e nos céus. Cristo parece indicar isso nas palavras: 'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; os homens definharão de medo e expectativa do que virá sobre o mundo inteiro'. Esses sinais se tornarão mais numerosos a cada dia, e os homens ficarão tão aterrorizados que, se Deus não encurtasse esses dias, até mesmo os eleitos começariam a se desesperar. Então, como diz São Jerônimo, os céus ficarão nublados com nuvens pesadas e uma tempestade terrível se levantará.

A força do vento derrubará os habitantes da terra e os lançará no ar; árvores serão arrancadas, casas ficarão sem telhado. Longos estrondos de trovões ressoarão nos céus, os relâmpagos, como serpentes de fogo, iluminarão o céu e, com suas línguas bifurcadas, brincando ao redor das moradias da humanidade, acenderão uma conflagração geral, em meio ao estrondo dos trovões. As águas do oceano ficarão tão agitadas que suas ondas se elevarão como montanhas, quase alcançando as nuvens. O rugido e a fúria das ondas varridas pela tempestade durarão algum tempo. Todos os animais da terra levantarão a voz, e seus uivos sombrios encherão o ar, de modo que os corações dos homens ficarão paralisados de terror.

No entanto, isso é apenas o começo da tristeza, diz-nos Nosso Senhor. O que acontecerá a seguir, Ele descreve com estas palavras: “Imediatamente após a tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu e os poderes do céu serão abalados' (Lc 21, 25-26). Este escurecimento do sol ocorrerá em plena luz do meio-dia. E assim como seus raios dourados iluminando a face da natureza alegram tanto os homens quanto os animais, a retirada repentina de sua luz causará tristeza e angústia a toda a criação. E isso ainda mais porque a lua deixará de brilhar, e sua luz suave e pacífica não mais iluminará as sombras da noite. Todas as estrelas que salpicam o firmamento e lançam um brilho sobre a terra desaparecerão de seu lugar habitual. Essa terrível escuridão causará tal alarme e angústia no coração de todas as criaturas vivas, tanto homens quanto animais, que o luto e o lamento serão universais.

Com o lamento de angústia que ascende dos habitantes da Terra, os uivos dos espíritos malignos no ar se misturarão em um concerto hediondo, pois eles perceberão por esses sinais que o Dia do Juízo Final está próximo; eles sabem que em breve terão que comparecer perante o rigoroso tribunal de Deus; eles sabem que serão lançados no Inferno por toda a eternidade. Daí sua fúria, sua raiva e seus delírios frenéticos.

Aqui podemos repetir as palavras ditas por Cristo: 'Este é apenas o começo da dor', e podemos acrescentar que não haverá fim para ela. Pois, após a terrível escuridão, tudo estará perturbado e em desordem, e os elementos serão liberados, de modo que os homens temerão que os céus caiam e a terra afunde sob seus pés. É isso que Cristo quer dizer quando afirma: ' Os poderes do céu serão abalados e as estrelas cairão do céu'. Pois, de acordo com a vontade divina, o firmamento com todas as suas estrelas, o sol com seus planetas, a atmosfera com seu véu de nuvens, serão tão fortemente abalados e feitos tremer que sons terríveis de colisões, quebras e explosões assustadoras serão ouvidos em todos os lugares. As estrelas serão expulsas de suas órbitas e, assim, os grandes poderes do céu entrarão em conflito uns com os outros.

Quais serão os sentimentos do homem que viver esses eventos? Como toda a humanidade, todos os seres criados lamentarão! O próprio Cristo nos diz que assim será: 'Na terra haverá angústia das nações, por causa da confusão do rugido do mar e das ondas; os homens definharão de medo e expectativa do que virá sobre o mundo inteiro' (Lc 21,25-26). E em outro lugar Ele diz: 'Haverá então grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá. E, se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria' (Mt 24, 21-22). Nosso Senhor não poderia ter usado expressão mais forte para descrever a miséria absoluta dos mortais infelizes do que dizer que eles definharão de medo e apreensão pelas coisas que ainda estão por vir sobre o mundo. 

Como é possível que os homens que estarão vivos naquela época não desanimem, não se desesperem, diante de tamanha miséria insondável? Mesmo a fé e a coragem de um apóstolo seriam duramente provadas para suportar tamanha infelicidade indescritível. Todos os homens terão a aparência de quem viu um fantasma. Seus cabelos ficarão em pé, seus joelhos baterão um no outro, eles tremerão de medo, seu terror os privará da capacidade de falar, seus corações morrerão dentro deles por causa da tribulação, perderão a razão e a consciência, ninguém ajudará o seu vizinho, ninguém confortará o seu próximo, ninguém trocará uma palavra com os seus amigos; apenas todos se unirão em choro e lamentação, e correrão para se esconder nas cavernas da terra.

Quando essa lamentação tiver durado algum tempo, o Deus da justiça porá fim à sua miséria, e tudo o que estiver sob o firmamento do Céu será destruído pelo fogo. Pois o fogo cairá do Céu e incendiará tudo com que entrar em contato. Em muitos lugares, também, chamas brotarão do solo e aterrorizarão os mortais infelizes a tal ponto que eles não saberão como escapar delas. Alguns buscarão abrigo em porões e cavernas, outros mergulharão em rios e lagos. As chamas devoradoras se espalharão tão rapidamente que as florestas serão incendiadas, e as cidades e vilas serão incluídas na destruição. Por fim, toda a Terra estará em chamas e ocorrerá uma conflagração geral, como nunca se viu ou se ouviu falar. O calor das chamas violentas será tão intenso que as pedras e rochas derreterão, e o mar e todas as águas da terra ferverão e se converterão em vapor.

Todos os homens então vivos, todos os animais da terra e todos os peixes do mar serão destruídos nesta conflagração universal. Assim, o mundo inteiro chegará a um fim terrível, e tudo nesta terra será consumido ou purificado pelo fogo. Depois que tudo isso acontecer, a aparência da terra será completamente renovada.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

domingo, 2 de novembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

'O Senhor é o pastor que me conduz, não me falta coisa alguma' (Sl 23)

Primeira Leitura (Jó 19,1.23-27) - Segunda Leitura (1Cor 15,20-24.25-28) - Evangelho (Lc 12,35-40)

  02/11/2025 - COMEMORAÇÃO DOS FIEIS DEFUNTOS

COM RINS CINGIDOS E AS LÂMPADAS ACESAS


No evangelho da missa deste domingo, a Igreja nos recorda que celebramos neste dia a vida e não a morte: 'Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais' (Jo 11,25 - 26). Embora peregrinos do Céu mergulhados nas penumbras da fé e nas vertigens das realidades humanas, vivemos na certeza de que, como Filhos de Deus e co-herdeiros de Cristo, somos peregrinos rumo ao Céu, na confiança absoluta de que seremos possuidores eternos da Plena Visão: 'Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus. Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão, e não os olhos de outros (Jó 19,25 - 27).

As leituras do Evangelho de hoje podem variar bastante, contemplando textos de diferentes evangelistas. Tomando São Lucas como referência, o Evangelho nos recorda a necessidade da estrita vigilância diante a chegada do Senhor: 'Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar' (Lc 12,37) e ainda 'Ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes' (Lc 12,40). E, felizes de nós que tivermos os 'rins cingidos e as lâmpadas acesas' (Lc 12,35) porque seremos então, por inteiro, a Santa Igreja de Deus, o Corpo Místico de Cristo: nem mais peregrinos e nem mais sujeitos à Santa Justiça, mas tornados eleitos do Pai e herdeiros da Glória de Deus.

Nas leituras de São Mateus, por outro lado, o Evangelho nos conforta na certeza absoluta do que nos espera nesta Glória Celeste, vivendo a felicidade perfeita, e indescritível sob o ponto de vista das palavras e pensamentos humanos. Jesus nos fala dessa realidade transcendente na comunhão dos santos e na unidade da família de Deus: 'Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus' (Mt 5,12). Em contraponto à fidelidade e à fé dos que almejaram ser santos, Deus os recompensará com limites insondáveis de graça, pelas chamadas bem-aventuranças de Deus (Mt 5,3 -12).

Bem-aventurados os pobres de espírito, os simples de coração. Bem-aventurados os aflitos que anseiam por consolação. Bem-aventurados os mansos que se espelham no Coração de Jesus. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça. Bem-aventurados os misericordiosos, filhos prediletos da caridade. Bem-aventurados os puros de coração, transformados em novas manjedouras do Sagrado Coração de Jesus. Bem-aventurados os que promovem a paz e os que são perseguidos por causa da justiça. E bem-aventurados os que foram injuriados e perseguidos em nome da Cruz, do Calvário, dos Evangelhos e de Jesus Cristo porque serão os santos dos santos de Deus!

terça-feira, 28 de outubro de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XLIII/Final)

 

149. A vaidade consiste em um apetite desmedido por elogios e no desejo de que nossos méritos brilhem com glória, e essa glória pode ser considerada vaidosa e perversa de três maneiras diferentes.

Primeiro, quando buscamos ser elogiados por uma virtude ou qualquer outro dom do corpo ou da alma que não possuímos, ou então por alguma posse frágil e transitória que não é digna de elogios, como saúde, beleza e outros dons do corpo, riquezas, pompa e outros bens que são chamados de dons da fortuna. Segundo, quando, ao buscar elogios, valorizamos a estima e a aprovação de alguém cujo julgamento não é confiável. Em terceiro lugar, quando não usamos esse elogio para a honra de Deus ou para o bem do próximo, e isso é sempre pecar contra os ditames da Sagrada Escritura: 'Não nos tornemos desejosos de vaidade' [Fl 2,3] e pode ser um pecado mortal quando buscamos ser elogiados por algum mal que fizemos ou temos a intenção de fazer, ou por algum outro mal que nunca fizemos e não pensamos em fazer, ou ainda aceitar elogios por um bem que não fizemos e que queremos que os outros acreditem que fizemos; também pode ser um pecado mortal se fizermos o bem apenas por respeito humano, com a intenção de sermos vistos e elogiados.

Em resumo, este é sempre um pecado muito perigoso, não tanto por sua gravidade, mas por suas graves consequências e porque impede a alma de receber a ajuda da graça e a dispõe a vários pecados mortais: 'Diz-se que a vaidade é um pecado perigoso, não tanto por causa de sua gravidade, mas porque é uma disposição para pecados graves, na medida em que gradualmente dispõe o homem à perda de todo o bem interior' [D.Th. 2a 2æ,qu. cxxxii, art. 3].

Aquele que sofre de vaidade corre o risco de perder também a sua fé, de acordo com as palavras de Cristo: 'Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros, e não buscais a glória que é só de Deus?' [Jo 5,44]. Santo Agostinho, refletindo sobre isto e sobre o quão pouco se conhece este grande mal, afirma que ninguém é mais sábio do que aquele que sabe que este amor pelo louvor é um vício: 'Vê melhor aquele que vê que o amor pelo louvor é um vício' [Lib. 5, De Civ. Dei., cap. xiii ]; ver também São Tomás [2a 2æ, qu. xxi, art. 4; et qu cccv, art. 1; et qu. cxxxi, per tot.; et qu. clxxviii, art. 2].

150. A vaidade é um vício pelo qual o homem, desejando ser supremamente honrado acima de todos os outros, começa a elogiar e exaltar a si mesmo, exagerando e ampliando as coisas de modo a fazer com que seu próprio mérito pareça maior do que é. Também é chamada de ostentação, autoelogio ou atrevimento; e Santo Agostinho a chama de 'a pior de todas as pragas' [Lib. 1 De Ord. cap. xi] e Santo Ambrósio a chama de rede lançada pelo diabo para capturar os mais fortes e espirituais: 'O diabo lança armadilhas que prendem os mais fortes' [Lib. in Luc.]. Este é um vício que não tem medida porque, ao nos vangloriarmos do que não temos, mentimos à nossa própria consciência e a Deus; e como Deus disse de Moab pelo profeta: 'Conheço-lhe a presunção – oráculo do Senhor – a jactância e a vaidade' [Jr 48,30].

Pode ser um pecado mortal quando nos gabamos de algum pecado que cometemos; quando nos elogiamos, desprezando os outros; ou ainda quando nos elogiamos e exaltamos por meio de um excesso de orgulho que nos inunda o coração. O Doutor Angélico observa que este é um caso comum e não raro, e que o hábito é facilmente formado [2a 2æ, qu. lxii, art. 1. Ver também 2a 2æ, qu. cx, art. 2; qu. cxii, art. 1; et qu. cxxxii, art. 5 ad 1; et qu. clxii, art. 4 ad 2].

151. A hipocrisia é um vício pelo qual fingimos demonstrar externamente uma virtude e uma santidade que não possuímos; e é realmente hipócrita aquele que, estando cheio de maldade por dentro, finge ser bom na sua aparência exterior.

Não há vício contra o qual Jesus Cristo tenha protestado tanto em seu Evangelho quanto contra este [Mt 6, Mt 7, Mt 15, Mt 21], condenando-o com oito gritos de 'Ai de vós', que são oito maldições. E São Gregório observa que os hipócritas, cegos pelo orgulho e endurecidos em seus pecados, geralmente morrem impenitentes, sem nunca terem sido iluminados, por uma razão que talvez tenha sido tirada de São Pedro Crisólogo, porque, embora possamos ver que os remédios para a correção de outros vícios fazem bem, a doença da hipocrisia é tão pestilenta que afeta os próprios remédios, de modo que eles só servem para fomentar e aumentar o mal. 'Irmãos' - diz o santo - 'essa pestilência deve ser evitada, pois transforma remédios em doenças, medicamentos em enfermidades, santidade em vício, piedade em pecado'.

A hipocrisia é sempre um pecado mortal quando fingimos ser espirituais e santos e tentamos parecer assim, quando não o somos no coração, preocupando-nos mais com a opinião dos homens do que com a opinião de Deus; e é ainda pior quando afetamos santidade para promover nosso próprio avanço e adquirir crédito para alcançar e praticar o mal; ou então para obter alguma honra ou outro bem temporal.

Dessa forma, também pecamos gravemente por hipocrisia quando nos mostramos muito escrupulosos com obras ou com certas observâncias minuciosas, sem temer, ao mesmo tempo, transgredir os deveres essenciais da religião e do nosso próprio estado de vida, 'tendo abandonado as coisas mais importantes da lei', como aqueles escribas e fariseus que Cristo repreendeu, dizendo que 'filtram um mosquito e engolem um camelo' [Mt 23, 24]. Também quando, em todas as funções relacionadas com o serviço de Deus, fingimos ter uma intenção pura quando não a temos: 'E procuramos agradar não a Deus, mas aos homens; não a conversão, mas o favor do povo' [D. Th. 2a 2æ, qu. lxi, art. 2].

Os Padres da Igreja geralmente chamam a hipocrisia de perversidade, iniquidade, impiedade; e é fácil não apenas cair nesse pecado, mas também acostumar-se tanto a ele que nos leva ao ateísmo. Muitas vezes começamos servindo a Deus com um certo grau de fervor sagrado, mas quando este diminui, deixamos de servir a Deus e apenas fingimos servi-lo para manter as aparências: 'Ai de vós, hipócritas!' [São Tomás, 2a 2æ, qu. xi, per tot.].

152. A desobediência é um pecado pelo qual violamos a ordem de nossos superiores, tratando-os com desprezo, e pode ser um pecado mortal mesmo em pequenas coisas; porque, como diz São Bernardo, não devemos considerar a natureza da coisa ordenada nem a simples transgressão do preceito, mas o orgulho da vontade que não se submete quando deveria: 'Não é a simples transgressão do desejo, mas a contenda orgulhosa da vontade que cria a desobediência criminosa' [Lib. de Præcept et Dispens., cap xi] e a gravidade do pecado pode ser julgada sob três aspectos diferentes.

Primeiro, a posição do superior, porque quanto mais elevada for a posição de quem ordena, mais grave é a desobediência. É um pecado maior desobedecer a Deus do que desobedecer ao homem, um pecado maior desobedecer ao papa do que a um bispo, ou a um pai e a uma mãe do que a outros parentes; e é também um pecado maior desobedecer com desprezo pela pessoa que ordena do que apenas com desprezo pelo mandamento.

Em segundo lugar, em relação à natureza das coisas ordenadas, porque quando estas são de maior importância, especialmente nas leis de Deus, a desobediência é maior; portanto, é um pecado mais grave desobedecer aos preceitos que impõem o amor a Deus do que aqueles que nos ordenam amar o próximo.

Em terceiro lugar, no que diz respeito à forma da ordem, pela qual o superior expressa sua intenção de que deseja ser obedecido em tal ou tal assunto, mas é principalmente o orgulho que agrava a desobediência, pois a vontade se recusa a se submeter como deveria à lei divina [São Tomás, 2a 2æ, qu. lxix, art. 1; et qu. cv per tot.].

153. A discórdia é uma discrepância da vontade que a impede de se conformar à vontade de Deus em assuntos em que deveria se conformar para a glória de Deus e o bem do próximo; e é um pecado grave, porque São Paulo os inclui entre os pecados que excluem aqueles que os cometem do reino dos Céus [Gl 5,20]. E Deus declara seu ódio e repulsa por todos aqueles que disseminam discórdia entre seus pares [Pv 6,9]. As dissensões geralmente surgem do orgulho, que nos leva a nos superestimar e a colocar nosso próprio bem-estar e opiniões contra os dos outros, e disso surgem as brigas, litígios, obstinação, calúnias, facções, ódio, contendas e muitos outros males sem número e sem fim [São Tomás 22, qu. xxxvii, art. 1 et 2; et qu. xxxviii, art. 2; et qu. cxxxii, art. 5].

Recolha-se, pois, interiormente, examine-se e, tendo constatado que, sob um ou outro destes títulos, o orgulho realmente o domina, julgue quão necessário é lutar contra ele com humildade, porque, se o orgulho for vencido, uma série de outros pecados também serão vencidos. E, para se dar coragem, lembre-se disto: perante o tribunal de Deus, os orgulhosos serão condenados, e somente os humildes podem esperar encontrar misericórdia. Dizer que somos humildes é o mesmo que dizer que estamos entre os eleitos e seremos salvos; e dizer que somos orgulhosos é o mesmo que dizer que somos réprobos e perdidos, como afirma São Gregório: 'O orgulho é um sinal certo dos réprobos, assim como a humildade é o sinal dos eleitos' [Hom. 7 in Evang.; et lib. 3, Mor. cap xviii].

E, assim, concluímos esse trabalho. Louvado seja Jesus Cristo!

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

OS 10 PILARES DA DOUTRINA CATÓLICA


🕊️ 1. Amor a Deus e ao próximo

'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo'
— Mateus 22,37-39

👉 Orientação: A base de toda vida católica é o amor a Deus e ao próximo. Tudo deve derivar desse duplo mandamento.

🙏 2. A importância da oração

'Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está escondido, te recompensará'.
— Mateus 6,6

'Pai nosso que estais nos céus…'
— Mateus 6,9-13

👉 Orientação: O cristão é chamado a ter uma vida de oração pessoal e confiante, em intimidade com o Pai.

💞 3. A misericórdia e o perdão

'Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso'.
— Lucas 6,36

'Perdoai, e sereis perdoados'.
— Lucas 6,37

'Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete'.
— Mateus 18,22

👉 Orientação: O católico é chamado a perdoar sem limites e a viver a compaixão como reflexo do amor divino.

💧 4. A humildade e o serviço

'Quem quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo'.
— Mateus 20,26

'Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração'.
— Mateus 11,29

👉 Orientação: A verdadeira grandeza está no serviço e na humildade - valores centrais da vida cristã.

🕊️ 5. As Bem-aventuranças (caminho da santidade)

'Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus'.
— Mateus 5,3-12

👉 Orientação: As Bem-aventuranças são o 'retrato' do discípulo de Cristo, que indicam o caminho da felicidade e da santidade.

🕯️ 6. A fé e a confiança em Deus

'Não andeis preocupados com a vossa vida... Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo'.
— Mateus 6,25-33

👉 Orientação: O católico é chamado a confiar na providência de Deus, sem se deixar dominar pela ansiedade.

🍞 7. A Eucaristia e a comunhão com Cristo

'Eu sou o pão vivo que desceu do céu; quem comer deste pão viverá eternamente'.
— João 6,51

👉 Orientação: Jesus institui a Eucaristia como fonte de vida espiritual e centro da vida sacramental católica.

✝️ 8. Tomar a cruz e seguir Jesus

'Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me'.
— Mateus 16,24

👉 Orientação: A vida cristã inclui sacrifício e fidelidade; seguir Cristo implica carregar a cruz com amor.

🌍 9. Ser luz e sal do mundo

'Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo'.
— Mateus 5,13-14

👉 Orientação: O católico é chamado a testemunhar a fé com a própria vida, sendo exemplo e esperança no mundo.

💗 10. Ter Nossa Senhora como Mãe

'Eis aí tua mãe'
— João 19,27

👉 Orientação: Amar Nossa Senhora como nossa mãe, e como ela amou e sob a sua intercessão, amar Jesus de todo o coração, com amor sacrificial e despojado de interesses.

domingo, 26 de outubro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'O pobre clama a Deus e Ele escuta: o Senhor liberta a vida dos seus servos(Sl 33)

Primeira Leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a) - Segunda Leitura (2Tm 4,6-8.16-18) -  Evangelho (Lc 18,9-14)

  26/10/2025 - TRIGÉSIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM

O VALOR DA ORAÇÃO HUMILDE


Jesus falou muitas vezes sobre o valor da oração. Do valor da oração humilde e confiante, pautada no arrependimento sincero e na dor pelos pecados cometidos. Falou sobre a necessidade de orar sempre, com contrição e perseverança nas súplicas dirigidas à Divina Misericórdia. Mas, todas as vezes que Jesus falou sobre a oração, destacou sempre a premissa essencial do seu valor e ponderação: a humildade. A oração humilde é tangida pela Verdade porque emana da gratuidade da vida em comunhão com Deus.

No Evangelho deste domingo, outros dois personagens são trazidos à realidade das digressões humanas: um fariseu e um cobrador de impostos. Investidos de suas atribuições cotidianas, são apenas homens cumprindo metas e obrigações. Diante de Deus, duas almas, fruto de escolhas singulares da Infinita Sabedoria. Na vida de ambos, certamente o fariseu parecia ter escolhido a melhor parte, pelo menos até o dia em que ambos, vivendo vidas tão opostas, 'subiram ao Templo para rezar' (Lc 18, 10).

E ali, diante de Deus, as realidades humanas se consumiram no nada. O fariseu, eivado de orgulho e auto-suficiência, proferiu a oração despropositada e inútil: 'Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda’ (Lc 18, 11-12). No ato desonesto de louvar a si mesmo com desmedida jactância e julgar o próximo pela ótica dos valores humanos, arruinou a própria súplica. O cobrador de impostos, ao contrário, sabedor de suas fraquezas e misérias, prostrou-se em humilde recato e contrição, na sua súplica por clemência e perdão: 'Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!' (Lc 18,13).

O primeiro homem se viu em luz, e se banhou com desmedido orgulho nesta própria luz, mortiça e inútil, forjada tão somente por ações humanas. E saiu do templo com a concessão irrisória das alegrias humanas. O segundo homem, porém, apagou primeiro em si toda vaidade e interesses profanos e mergulhou, com inteira confiança e despojamento, na luz de Cristo. E, iluminado pela graça de Deus, alcançou misericórdia e experimentou a consoladora e definitiva paz daqueles que são plenamente justificados em Cristo: 'Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado' (Lc 18, 14).

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (V)

   

PARTE I - SOBRE A MORTE

V. Sobre o Julgamento

Além de tudo o que até agora consideramos como contribuindo para tornar a morte terrível para nós, está o pensamento de que devemos comparecer perante o tribunal de Deus e prestar contas de tudo o que fizemos e deixamos de fazer. Quão terrível é esse julgamento, aprendemos com estas palavras de São Paulo: 'É coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo' (Hb 10, 31). Pois, se é muito alarmante cair nas mãos de um homem irado, quanto mais terrível não será cair nas mãos de um Deus onipotente! 

Todos os santos tremiam antecipando a sentença que Deus lhes aplicaria, pois sabiam muito bem como são severos os seus julgamentos. O salmista real diz: 'Não entres em juízo com o teu servo, ó Senhor, pois diante de ti nenhum homem vivo será justificado' (Sl 142,2). E o santo Jó exclama: 'O que farei se Deus se levantar para me julgar? Quando me interrogar, o que responderei? ' (Jó, 31,14).

Mais uma vez, São Paulo diz: 'Não tenho consciência de nada contra mim, mas não estou por isso justificado; mas aquele que me julga é o Senhor' (1Cor 4,4). Lemos também nas vidas dos Padres que o santo abade Agatão ficou dominado pelo medo quando o seu fim se aproximava. Os seus irmãos disseram-lhe: 'Por que temes, reverendo pai, tu que levaste uma vida tão piedosa?' Mas ele respondeu-lhes: 'Os julgamentos de Deus são muito diferentes dos julgamentos dos homens'. O santo abade Elias costumava dizer: 'Há três coisas que temo. Primeiro, temo o momento em que minha alma terá que deixar meu corpo; segundo, o momento em que terei que comparecer perante o tribunal de Deus; terceiro, o momento em que a sentença será proferida sobre mim'. 

Ninguém pode deixar de concordar com as palavras desse homem santo, pois, de fato, além do julgamento geral, não há nada tão temível quanto essas três coisas. Todos os homens bons e santos as temeram, todos as temem. Aqueles que não as temem provam que sabem muito pouco sobre elas ou que quase não meditaram sobre elas. Para o benefício de alguém que possa ser tão pouco esclarecido, darei uma breve instrução sobre o assunto.

Considere, em primeiro lugar, que sensação estranha e nova será para a sua alma quando ela se encontrar separada do corpo, em um mundo desconhecido. Até então, ela não conhecia nenhuma existência separada do corpo; agora, de repente, está separada dele. Até então, ela estava no tempo; agora, passou para a eternidade. Agora, pela primeira vez, seus olhos se abrem e ela vê claramente o que é a eternidade, o que é o pecado, o que é a virtude, quão infinito é o ser da Divindade e quão maravilhosa é sua própria natureza.

Tudo isso lhe parecerá tão maravilhoso que ela ficará quase petrificada de espanto. Após o primeiro instante de admiração, ela será conduzida perante o tribunal de Deus, para que preste contas de todas as suas ações; e o terror que então se apoderará da alma infeliz ultrapassa nossa capacidade de compreensão. Não é de se admirar que o infeliz pecador recue diante de comparecer a um tribunal onde será condenado por todos os seus erros e severamente punido por eles! Não preferiria ele ser jogado em um calabouço escuro e alimentado com pão e água, a ter que comparecer diante desse tribunal e ser exposto à vergonha pública?

Se é tão odioso para um criminoso ser levado perante um magistrado terreno, bem pode a pobre alma tremer de medo quando for apresentada à presença de Deus, o Juiz rigoroso e onisciente, e for obrigada a prestar contas com a maior precisão de todos os pensamentos, palavras, ações e omissões de sua vida passada. O santo Jó reconhece isso quando diz: 'Quem me concederá isso, que Tu me protejas no inferno e me escondas até que a Tua ira passe' (Jó 14,13). Observe que mesmo o paciente Jó prefere ficar deitado em um poço escuro e ficar escondido em uma caverna sombria e lúgubre do que aparecer diante da face de um Deus irado.

Há seis coisas que causam terror na alma, quando ela é chamada ao julgamento particular.

(i) A alma teme porque sabe que seu Juiz é onisciente; que nada pode ser ocultado dele, nem Ele pode ser enganado de forma alguma.

(ii) Porque seu Juiz é onipotente; nada pode resistir a Ele, e ninguém pode escapar dele.

(iii) Porque seu Juiz não é apenas o mais justo, mas o mais rigoroso dos juízes, para quem o pecado é tão odioso que Ele não permitirá que a menor transgressão passe impune.

(iv) Porque a alma sabe que Deus não é apenas seu juiz, mas também seu acusador; ela provocou a sua ira, ofendeu-o, e Ele defenderá a sua honra e vingará cada insulto oferecido a ela.

(v) Porque a alma está ciente de que a sentença, uma vez proferida, é irrevogável; não há recurso para ela em um tribunal superior, é inútil que ela reclame da sentença. Ela não pode ser revertida e, seja ela adversa ou favorável, ela precisa aceitá-la.

(vi) A razão mais poderosa de todas pelas quais a alma teme comparecer perante o tribunal é porque ela não sabe qual será a sentença do Juiz. Ela tem muito mais motivos para temer do que para ter esperança. E todo pensamento de ajuda agora acabou. Uma vez perdida para sempre, é para sempre; uma vez condenada para sempre, é para sempre!

Esses seis pontos enchem a alma de uma angústia e um terror tão indescritíveis que, se ela fosse mortal em vez de imortal, estaria disposta a morrer da morte mais cruel e violenta como forma de escapar.

Considera, além disso, de que forma aparecerás diante do teu Juiz e como ficarás confuso por causa dos teus pecados. Se um homem, em punição por suas más ações, fosse condenado a ser despido até ficar nu na presença de toda uma multidão, quão envergonhado ele se sentiria! Mas se alguma ferida repugnante e nojenta em seu corpo fosse assim revelada à vista, ele ficaria ainda mais envergonhado. Assim será contigo, quando estiveres diante do teu Juiz na presença de muitas hostes de Anjos. Não apenas todas as tuas más ações, pensamentos, palavras e obras serão revelados, mas todas as tuas propensões malignas serão manifestadas a ti, e tu serás exposto a uma vergonha terrível por causa delas.

Não podes negar que essas inclinações malignas se apegam a ti, pois não és dado à ira, à impaciência, à vingança, ao ódio, à inveja, ao orgulho, à vaidade, à sensualidade, à preguiça, à ganância, ao amor próprio, à avareza, à mundanidade e a toda malícia? Essas e outras tendências ruins se apegam à tua alma e a desfiguram de forma tão terrível que, após a morte, ficarás alarmado ao ver a tua própria alma e sinceramente envergonhado de todas as manchas presentes nela.

Em seguida, considera de que maneira o teu santo Juiz te receberá, quando apareceres diante dele não apenas carregado com uma multidão incontável de pecados, mas em um estado de impureza indescritível. Tu ficarás diante dele na maior confusão, sem saber para onde olhar. Sob teus pés está o inferno; acima de ti está o rosto irado do teu Juiz. Ao teu lado, tu vês os demônios que estão lá para te acusar. Em teu interior, tu contemplas todos os teus pecados e más ações. É impossível te esconderes; e, no entanto, essa exposição é intolerável.

Este seria um momento oportuno para explicar como o inimigo maligno irá acusá-lo, como ele trará todos os seus pecados à luz e invocará sobre eles a vingança de Deus; e também como o Deus justo exigirá o relato mais preciso de todas as suas ações. Mas isso tem sido tema tão frequente dos pregadores que, por uma questão de brevidade, não vou me alongar sobre essa parte do meu assunto, mas concluirei com a seguinte historieta.

Dois amigos íntimos combinaram que aquele que morresse primeiro apareceria ao sobrevivente, desde que Deus lhe permitisse fazê-lo. Quando finalmente um deles foi levado pela morte, fiel à sua promessa, ele apareceu ao seu amigo, mas com um aspecto triste e abatido, dizendo: 'Ninguém sabe! Ninguém sabe! Ninguém sabe!' 'O que é que ninguém sabe?', perguntou seu amigo. E o espírito respondeu: 'Ninguém sabe quão rigorosos são os julgamentos de Deus e quão severos são os seus castigos!'

Sendo assim, o que devemos fazer para não cair nas mãos de um Juiz tão irado? Não posso dar-te melhor conselho do que este: arrepende-te dos teus pecados, faz uma confissão sincera, corrige os teus caminhos e começa a pensar seriamente na tua salvação eterna. Enquanto ainda estás de boa saúde, pensa às vezes na morte e prepara-te para ela. Não adie isso até que a velhice chegue ou uma doença mortal o alcance. Não há arte maior nem mais importante na terra do que a arte de ter uma boa morte. Toda a sua eternidade depende disso: uma eternidade de felicidade incomparável ou de tormento indescritível.

Apenas uma prova lhe é concedida; se você não passar por essa única prova, tudo estará perdido, e uma eternidade de miséria estará diante de você. E se você não aprendeu essa arte tão importante durante sua vida, quando estava bem e forte, como poderá praticá-la para seu ganho eterno quando estiver em seu leito de morte? Será totalmente impossível para você fazer isso, a menos que Deus faça um milagre de misericórdia em seu favor. Você não pode contar com isso; Deus não prometeu isso, nem você mereceu um favor tão grande. Portanto, deixe-me implorar que siga meu conselho amigável e se prepare frequentemente para a morte enquanto estiver com plena saúde e força; pois este é o único meio pelo qual você pode esperar tornar-se proficiente na arte de morrer bem e passar com sucesso pela única provação que o espera, e pela qual o seu destino eterno será determinado.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

VERSUS: A HERESIA DO ARREBATAMENTO


Origem e Proposição: heresia de natureza protestante que prega que, pouco antes da grande tribulação descrita no Livro do Apocalipse, os cristãos fieis serão 'arrebatados' por Cristo antes do julgamento final e, assim, ficarão livres dos castigos e eventos terríveis da grande tribulação [o chamado arrebatamento pré-tribulação].

'Assim será no dia em que se manifestar o Filho do Homem. Naquele dia, quem estiver no terraço e tiver os seus bens em casa não desça para os tirar; da mesma forma, quem estiver no campo não torne atrás. Lembrai-vos da mulher de Ló. Todo o que procurar salvar a sua vida irá perdê-la; mas todo o que a perder irá encontrá-la. Digo-vos que naquela noite dois estarão em uma cama: um será tomado e o outro será deixado; duas mulheres estarão moendo juntas: uma será tomada e a outra será deixada. Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado' (Lc 17, 30-36).


Contraposição Católica: O texto bíblico refere-se diretamente à Segunda Vinda de Jesus, enfatizando a necessidade de se estar vigilante e preparado para o dia em que o Filho do Homem se manifestar em sua vinda gloriosa. E o texto alerta que esta Segunda Vinda ocorrerá de forma súbita e inesperada, como nos tempos de Noé e Ló, quando tudo parecia seguir sem sobressaltos a rotina dos tempos. Quando o Filho do Homem se manifestar então, a humanidade será dividida em dois destinos antagônicos e irremediáveis: 'um será levado e o outro deixado'.

A heresia do arrebatamento nasce da livre interpretação do texto: 'um será levado e o outro deixado': neste contexto, de duas pessoas próximas, uma seria arrebatada ao Céu e a outra seria deixada para trás, como personagens parceiras, mas como testemunhas completamente distintas dos eventos da grande tribulação (os arrebatados estariam seguros e isentos deste período singular da humanidade). Essa interpretação é absurda, porque o próprio Senhor nos alertou que este tempo de provação extremada seria imposto a todos os homens, sem distinção alguma entre 'mulheres grávidas' ou 'criaturas':

Ai das mulheres que estiverem grávidas ou amamentarem naqueles dias! Rogai para que vossa fuga não seja no inverno, nem em dia de sábado; porque então a tribulação será tão grande como nunca foi vista, desde o começo do mundo até o presente, nem jamais será. Se aqueles dias não fossem abreviados, criatura alguma escaparia; mas, por causa dos escolhidos, aqueles dias serão abreviados (Mt 24,19-22).

Mais ainda: exatamente por causa dos escolhidos, os dias da tribulação serão diminuídos para que os escolhidos possam se salvar [durante e sob os tremendos eventos da grande tribulação e não por meio de um arrebatamento prévio]. Os justos não serão salvos antes da tribulação, mas estes tempos serão abreviados para que possam ser salvos. Ou seja, todos os homens e mulheres serão igualmente testemunhas destes eventos espantosos, porém, com destinos finais muito distintos: aqueles que perderam as suas vidas pelo evangelho [contra o mundo] serão salvos e aqueles que tentarem salvar suas vidas [sem o evangelho] perderão a vida eterna.

'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia irão apoderar-se das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definha­rão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas. Então, verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade. Quando começarem a acontecer essas coisas, reani­mai-vos e levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação' ( Lc 21, 27-28).

A Igreja Católica professa que Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos, no fim dos tempos, de forma visível e gloriosa, mediante a ressurreição dos cristãos já falecidos e pela transformação gloriosa dos fieis em vida, sendo só então todos levados - arrebatados - ao encontro do Senhor para com Ele desfrutar da vida eterna. Ou seja, a comunhão visível da humanidade fiel com Cristo é o último capítulo do fim dos tempos e este 'arrebatamento' é o fruto final da ressurreição [dos justos falecidos de todos os tempos] e da transfiguração [dos escolhidos vivos do fim dos tempos].

'Eis o que vos declaramos, conforme a palavra do Senhor: por ocasião da vinda do Senhor, nós que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro do Se­nhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor' (1Ts 4,15-17).

terça-feira, 21 de outubro de 2025

A BÍBLIA EXPLICADA (XXX) - PARA BEM INTERPRETAR AS SAGRADAS ESCRITURAS

A ignorância da natureza das coisas dificulta a interpretação das expressões figuradas, quando estas se referem aos animais, pedras, plantas ou outros seres citados frequentemente nas Escrituras e servindo como objeto de comparações. Assim, é fato notório que a serpente, para preservar a cabeça, expõe seu corpo todo aos que a espancam. O quanto esse gesto nos esclarece sobre o sentido das palavras do Senhor ao nos mandar ser prudentes como a serpente! (Mt 10,16). Isto é, devemos saber apresentar nosso corpo aos que nos perseguem, de preferência a expor nossa cabeça que é Cristo. Assim, não deixar morrer em nós a fé cristã, renegando a Deus, ao poupar o nosso corpo. 

Sabe-se ainda, a propósito da serpente que, por instinto, penetra em passagens estreitas da caverna para aí despojar-se da antiga pele e receber forças novas. Quanto essa transformação nos incita a imitar sua astúcia, a nos despojar do homem velho e nos revestir do novo, conforme a palavra do Apóstolo! (Ef 4,22.24; Cl 3,9.10). Despojar-nos assim através da via estreita, conforme a palavra do Senhor: 'Entrai pela porta estreita' (Mt 7,13). Do mesmo modo, como o conhecimento das propriedades da serpente nos esclarece muitas comparações que a Escritura costuma apresentar sobre esse animal, assim também a ignorância das características de outros animais, sobre os quais ela igualmente faz menção, muito embaraça a quem procura entender.

Semelhante embaraço é produzido pela ignorância das pedras, das plantas e de tudo o que se mantém pelas raízes. Por essa razão, até o conhecimento das pedrinhas (carbunculi) que brilham nas trevas esclarece, por sua vez, várias obscuridades dos Livros santos, onde quer que estejam empregadas como figuras. O desconhecimento do berilo ou do diamante igualmente fecha, por vezes, as portas à compreensão. Ser-nos-á fácil compreender por que o ramo de oliveira, trazido pela pomba em seu regresso à arca (Gn 8,11) simboliza a paz perpétua, ao estudarmos que o contato untuoso do óleo não pode facilmente ser alterado por líquido estranho e que a própria árvore da oliveira está sempre coberta de folhas. Muitos, por não conhecerem o hissopo, nem a virtude que ele possui de purificar os pulmões pelo fato de se enraizar nas rochas e ser erva miúda e rasteira, são incapazes de compreender por que está dito: 'Tu me borrifarás com o hissopo, e serei purificado' (Sl 51,9).

A ignorância dos números também impede compreender quantidade de expressões empregadas nas Escrituras sob forma figurada e simbólica. Certamente, um espírito bem nascido sente-se levado a se perguntar o significado do fato de Moisés, Elias e o Senhor terem jejuado por quarenta dias (Ex 24,18; 1Rs 19,8; Mt 4,2). Ora, esse acontecimento propõe um problema simbólico que só é resolvido por exame atento desse número. Compreende o número 40 quatro vezes 10 e, por aí, como que envolve o conhecimento de todas as coisas incluídas no tempo. Pois é num ritmo quaternário que prossegue o curso do dia e do ano. Divide-se o dia em espaços horários da manhã, do meio-dia, da tarde e da noite. O ano estende-se nos meses da primavera, do verão, do outono e do inverno. Ora, enquanto vivemos no tempo, devemos nos privar por abstinência e jejum dos prazeres que o tempo nos proporciona. 

É certo, aliás, que o próprio curso do tempo ensina-nos a menosprezar o tempo e a desejar a eternidade. Por outro lado, o número 10 simboliza o conhecimento do Criador e da criatura, pois 3 designa a Trindade do Criador e 7, a criatura, considerada em sua alma e em seu corpo. Com efeito, na alma, há três movimentos que levam a amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o espírito (Mt 22,37). E no corpo, estão bem manifestos os quatro elementos que os constituem. Consequentemente, este número denário move-nos à cadência do tempo. Isto é, voltando quatro vezes, adverte-nos para vivermos na castidade e na continência, desapegados dos deleites temporais, e prescreve-nos jejuar quarenta dias. Eis o que nos explica a Lei personificada em Moisés; eis o que mostra a profecia, representada por Elias; eis o que nos ensina o próprio Senhor. Apoiando-nos no testemunho da Lei e dos Profetas, ele apareceu em plena luz, entre essas duas personagens, sob os olhos dos três discípulos tomados de espanto (Mt 17,2.3).

Em seguida, pode-se perguntar, do mesmo modo, como do número quarenta vem o número cinquenta, eminentemente sagrado em nossa religião devido a Pentecostes (At 2). E ainda, como esse número cinquenta multiplicado por três por causa das três épocas: aquela antes da lei, a época sob a lei e a sob a graça; e somando de modo ainda mais eminente a mesma Trindade, refere-se ao mistério da Igreja já purificada, representada nos cento e cinquenta e três peixes que, depois da Ressurreição do Senhor, são recolhidos nas redes arremessadas à direita (Jo 21,11). É assim que, por vários outros agrupamentos numéricos, encontram-se escondidas nos Livros santos certas figuras que, devido à ignorância de muitos, ficam impenetráveis aos leitores. 

A ignorância de certas noções musicais é, em numerosas passagens das Escrituras, barreira e véu. De fato, estudando a diferença entre o saltério e a cítara, um autor explicou engenhosamente certos símbolos. E entre os doutos, não é disputa fora de propósito indagar se há alguma lei musical que obrigue o saltério constar de dez cordas, esse tão grande número de cordas! Ora, na ausência dessa lei, é preciso reconhecer nesse número dez significado mais misterioso, relacionado, seja com os dez preceitos que se referem ao Criador e à criatura, seja com as considerações que expusemos acima, sobre o número denário. Quanto ao número relatado pelo Evangelho que mede a duração do templo, isto é, o número quarenta e seis (Jo 2,20), há nele não sei que tonalidade musical. Aplicado, porém, em referência à formação do corpo do Senhor, a propósito do qual foi feita a menção ao templo reconstruído, esse número obrigou certos hereges a reconhecerem que o Filho de Deus revestiu não um corpo fictício, mas um corpo real e humano. Deparamos, assim, a música e os números colocados em lugar de honra em muitas passagens da santa Escritura.

(Excertos da obra 'A Doutrina Cristã', de Santo Agostinho)

domingo, 19 de outubro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Do Senhor é que me vem o meu socorro,
do Senhor que fez o céu e fez a terra' (Sl 120)

Primeira Leitura (Ex 17,8-13) - Segunda Leitura (2Tm 3,14-4,2) -  Evangelho (Lc 18,1-8)

  19/10/2025 - VIGÉSIMO NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM

O JUIZ INÍQUO E A VIÚVA IMPERTINENTE


No evangelho deste domingo, Jesus nos exorta, uma vez mais, à oração frequente, confiante, perseverante e colocada no coração de infinito amor do Deus de Misericórdia. À oração despojada de contrapartidas favoráveis aos apelos intrinsecamente humanos, mas entregue aos desígnios do Pai para o bem maior de nossa alma e do nosso semelhante. E vai enfatizar, de forma cristalina, que a obscuridade e as trevas da perda de fé são engendradas na forja da falta de oração. Santo Afonso de Ligório, doutor da Igreja, já nos alertava: 'Quem reza, se salva; quem não reza, se condena'.

Na parábola do mau juiz e da viúva impertinente, deparam-se duas realidades humanas antagônicas: de um lado, o homem privilegiado pelas leis humanas e detentor do poder de decisão sobre as ações e contendas dos outros homens; de outro lado, a mulher exposta e fragilizada pela perda do marido, sob o peso de novas e doloridas realidades e indefesa pelas dramáticas circunstâncias do momento. Cabe a ela, portanto, pedir, pedir uma vez mais e muitas vezes enfim e mesmo implorar a intervenção do juiz em sua causa e defesa. Ao juiz, homem iníquo, ao qual a soberba do cargo tinha imposto sempre decisões rápidas e inquestionáveis, a insistência da viúva é ocasião de incômodo, transtorno, desvario. Eis o cenário que Jesus montou para falar do valor incomensurável da oração.

Diante de apelos tão inoportunos e persistentes, até o juiz iníquo se rendeu: 'Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!' (Lc 18, 4-5). Se até um homem iníquo e injusto é complacente com os rogos repetidos da viúva inconsolável a qual desdenha, o que Deus de infinita misericórdia não iria fazer por nós em oração confiante e perseverante nas suas graças? E Jesus é taxativo ao dizer: 'Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa' (Lc 18,8).

E, no mesmo versículo, Jesus encerra a parábola com uma frase extremamente preocupante: 'Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?' (Lc 18, 8). Jesus não precisaria se expressar assim se não profetizasse uma terrível apostasia dos homens dos tempos da Segunda Vinda do Senhor, fomentada pela perda dos valores espirituais, submissão aos valores mundanos e, principalmente pela perda da oração confiante e perseverante aos desígnios de Deus. E, de repente, ao se ter em conta as realidades de agora, não parece que Jesus está falando para nós?