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domingo, 15 de junho de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Ó Senhor nosso Deus, como é grande vosso nome por todo o universo!' (Sl 8)

Primeira Leitura (Pr 8,22-31) - Segunda Leitura (Rm 5,1-5) -  Evangelho (Jo 16,12-15)

  15/06/2025 - SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

GLÓRIA À TRINDADE SANTA!


O mistério da Santíssima Trindade é um mistério de conhecimento e de amor. Pois, desde toda a eternidade, o Pai, conhecendo-se a Si mesmo com conhecimento infinito de sua essência divina, por amor gera o Filho, Segunda Pessoa da Trindade Santa. E esse elo de amor infinito que une Pai e Filho num mistério insondável à natureza humana se manifesta pela ação do Espírito Santo, que é o amor de Deus por si mesmo. Trindade Una, Três Pessoas em um só Deus.

Mistério dado ao homem pelas revelações do próprio Jesus, posto que não seria capaz de percepção e compreensão apenas pela razão natural, uma vez inacessível à inteligência humana: 'Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele (o Espírito Santo) receberá e vos anunciará, é meu' (Jo 16, 15). Mistério revelado em sua extraordinária natureza em outras palavras de Cristo nos Evangelhos: 'Em verdade, em verdade vos digo: O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma, mas somente o que vir fazer o Pai; porque tudo o que fizer o Pai, o faz igualmente o Filho. Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que ele faz (Jo 5, 19-20) ou ainda 'Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem alguém conhece o Pai senão o Filho (Mt 11, 27).

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Verbo de Deus feito homem, sob duas naturezas: a natureza divina e a natureza humana: 'Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 16 - 17). Enquanto homem, Jesus teve as três potências da alma humana: inteligência, vontade e sensibilidade; enquanto Deus, Jesus foi consubstancial ao Pai, possuindo inteligência e vontade divinas.

'Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo'. Glórias sejam dadas à Santíssima Trindade: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Neste domingo da Santíssima Trindade, a Igreja exalta e ratifica aos cristãos o maior dos mistérios de Deus, proclamado e revelado aos homens: O Pai está todo inteiro no Filho, todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho (Conselho de Florença, 1442).

sexta-feira, 13 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVII)

P. 37 - De que maneira, então, esses santos se expressam sobre esse assunto?

Seria interminável coletar todos os seus testemunhos; os poucos que se seguem podem ser suficientes como amostra do todo. Santo Inácio, bispo de Antioquia e discípulo dos apóstolos, em sua epístola aos filadelfianos, diz: 'Aqueles que se separam não herdarão o reino de Deus'. São Irineu, bispo de Lyon e mártir na segunda era, diz: 'A Igreja é a porta da vida, mas todos os outros são ladrões e salteadores e, portanto, devem ser evitados' (DeHar., lib. i. c. 3). São Cipriano, bispo de Cartago e mártir em meados da terceira era, diz: 'A casa de Deus é uma só, e ninguém pode ter a salvação senão na Igreja' (Epist. 62, 4). E no seu livro sobre a unidade da Igreja, ele diz: 'Não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe. Se alguém que estivesse fora da arca de Noé pudesse escapar, então aquele que está fora da Igreja também poderia escapar'.

No século IV, São Crisóstomo diz assim: 'Sabemos que a salvação pertence SOMENTE à Igreja e que ninguém pode participar de Cristo, nem ser salvo, fora da Igreja Católica e da fé católica' (Hom. i. in Pasch). Santo Agostinho, na mesma época, diz: 'Somente a Igreja Católica é o corpo de Cristo; o Espírito Santo não dá vida a ninguém que esteja fora deste corpo' (Epist. 185, 50). E em outro lugar: 'Ninguém pode ter a salvação, a não ser na Igreja Católica. Fora da Igreja Católica, pode ter tudo menos a salvação. Pode ter honra, pode ter o batismo, pode ter o Evangelho, pode acreditar e pregar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; mas não pode encontrar a salvação em nenhum outro lugar que não seja a Igreja Católica' (Serm. ad Cczsariens de Emerit). E ainda uma outra vez (Epist. 209, ad Feliciam).: 'Na Igreja Católica, há bons e maus. Mas aqueles que estão separados dela, enquanto as suas opiniões forem opostas às dela, não podem ser bons. Pois, embora a conversa de alguns deles pareça louvável, a sua própria separação da Igreja torna-os maus, de acordo com o que diz o nosso Salvador: 'Aquele que não está comigo está contra mim; e aquele que não ajunta comigo, espalha' (Lc 11,23).

Lactâncio, outra grande luz da quarta era, diz: 'É somente a Igreja Católica que mantém a verdadeira adoração. Esta Igreja é a fonte da verdade, é a casa da fé, é o templo de Deus. Se alguém não entrar nesta Igreja ou se afastar dela, a sua salvação eterna estará perdida. Ninguém deve iludir-se obstinadamente, pois a sua alma e a sua salvação estão em jogo' (Divin. Instit., lib. iv. c. 30). São Fulgêncio, no século VI, diz assim: 'Acredite firmemente, e sem qualquer dúvida, que ninguém que seja batizado fora da Igreja Católica pode participar da vida eterna, se, antes do fim desta vida, não for restaurado à Igreja Católica e incorporado nela' (Lib. de Fid., c. 37). Isto é suficiente para mostrar a fé do mundo cristão em todas as épocas anteriores; pois todos os escritores sagrados do cristianismo, em todas as épocas, falam sobre este assunto da mesma forma.

P. 38. Esses testemunhos são fortes e falam claramente sobre o assunto; mas, depois de tais provas, não é surpreendente que alguém questione esse ponto?

Isso, na verdade, só pode ser explicado pelo espírito geral de mundanismo e desconsideração por toda religião que agora prevalece universalmente; pois os primeiros reformadores e alguns de seus seguidores, vendo as fortes provas da Escritura para essa doutrina e não encontrando o menor fundamento nesses escritos sagrados para apoiar o contrário, reconheceram-na de forma justa, por mais que isso fosse contra eles mesmos. Vimos como os teólogos de Westminster se pronunciam sobre este assunto na Confissão de Fé, usada até hoje pela Igreja da Escócia, e que foi ratificada e adotada pela Assembleia Geral no ano de 1647, como padrão da sua religião. 

Mas os seus antecessores no século anterior, quando a religião presbiteriana começou na Escócia, falam com igual clareza sobre o mesmo assunto; pois na sua Confissão de Fé, autorizada pelo Parlamento no ano de 1560, 'como uma doutrina fundamentada na Palavra infalível de Deus', eles dizem o seguinte, no Artigo xvi: 'Assim como acreditamos em um único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, também acreditamos firmemente que, desde o início, existiu, existe agora e existirá até o fim do mundo uma única Igreja, ou seja, uma única comunidade e multidão de homens, escolhidos por Deus, que o adoram e abraçam corretamente pela verdadeira fé em Jesus Cristo... Essa Igreja é católica, isto é, universal, porque contém os eleitos de todas as épocas e, fora dessa Igreja não há vida nem felicidade eterna; e, portanto, abominamos totalmente a blasfêmia daqueles que afirmam que os homens que vivem de acordo com a equidade e a justiça serão salvos, qualquer que seja a religião que professem'. Esta confissão da Igreja original da Escócia foi reimpressa e publicada em Glasgow no ano de 1771, de onde esta passagem foi retirada. O próprio Calvino confessa a mesma verdade, nestas palavras, falando da Igreja visível: 'Fora do seu seio' - diz ele - 'não se pode esperar remissão dos pecados, nem salvação, de acordo com Isaías, Joel e Ezequiel... de modo que é sempre altamente pernicioso afastar-se da Igreja' e isto ele afirma nas suas próprias instituições (B. iv. c. i 4).

Acrescentaremos mais um testemunho particularmente forte; é do Dr. Pearson, bispo da Igreja da Inglaterra, na sua exposição do Credo (edit. 1669), onde ele diz: 'A necessidade de acreditar na Igreja Católica apareceu, em primeiro lugar, no fato de Cristo a ter designado como o único caminho para a vida eterna. Lemos no início do Livro dos Atos (At 2,47), que o Senhor acrescentava diariamente à Igreja aqueles que deveriam ser salvos; e o que era feito diariamente naquela época tem sido feito continuamente desde então. Cristo nunca designou dois caminhos para o céu; nem construiu uma Igreja para salvar alguns e criou outra instituição para a salvação de outros homens (At 4,12). Não há outro nome dado aos homens sob o céu pelo qual devamos ser salvos, senão o nome de Jesus; e esse nome não é dado sob o céu senão na Igreja. 

Assim como ninguém foi salvo do dilúvio, exceto aqueles que estavam dentro da arca de Noé, construída para recebê-los por ordem de Deus; assim como nenhum dos primogênitos do Egito sobreviveu, exceto aqueles que estavam dentro das habitações cujas ombreiras das portas foram aspergidas com sangue, por designação de Deus, para sua preservação; assim como nenhum dos habitantes de Jericó pôde escapar do fogo ou da espada, exceto aqueles que estavam dentro da casa de Raab, para cuja proteção foi feita uma aliança; assim NINGUÉM escapará da ira eterna de Deus uma vez que não pertença à Igreja de Deus. 

Vede até que ponto a força da verdade prevaleceu entre os membros mais eminentes da Reforma antes que os princípios liberais se infiltrassem entre eles! Que reprovação deve ser esta perante o tribunal de Deus para aqueles membros da Igreja de Cristo que questionam ou procuram invalidar esta grande e fundamental verdade, a própria fronteira e barreira da verdadeira religião: que é tão repetidamente declarada por Deus nas suas Sagradas Escrituras, professada pela Igreja de Cristo em todas as épocas, atestada nos termos mais fortes pelas luzes mais eminentes do cristianismo e reconhecida com franqueza pelos escritores e teólogos mais célebres da Reforma! Não será que toda tentativa de enfraquecer a importância desta verdade divina será considerada pelo grande Deus como uma traição à sua causa e aos interesses da sua santa fé? E aqueles que assim o fizerem serão capazes de invocar a sua predileta e invencível ignorância em sua própria defesa perante Ele?

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

domingo, 8 de junho de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai!' (Sl 103)

Primeira Leitura (At 2,1-11) - Segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13) -  Evangelho (Jo 20,19-23)

  08/06/2025 - FESTA DE PENTECOSTES

NA DIVERSIDADE DOS DONS, O MESMO ESPÍRITO


Emitte Spiritum tuum et creabuntur. Et renovabis faciem terrae

'Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra'

Originalmente, Pentecostes representava uma das festas judaicas mais tradicionais de 'peregrinação' (nas quais os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo), sempre celebrada após 50 dias da Páscoa e na qual eram oferecidas a Deus as primícias das colheitas do campo. No Novo Pentecostes, a efusão do Espírito Santo torna-se agora o coroamento do mistério pascal de Jesus Cristo, na celebração da Nova Aliança entre Deus e a humanidade redimida.

Eis que os apóstolos encontravam-se reunidos, com Maria e em oração constante, quando 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2, 4), manifestado sob a forma de línguas de fogo, vento impetuoso e ruídos estrondosos, sinais exteriores do poder e da grandeza da efusão do Novo Pentecostes. Luz e calor associados ao fogo restaurador da autêntica fé cristã; ventania que evoca o sopro da Verdade de Deus sobre os homens; reverberação que emana a força da missão confiada aos apóstolos reunidos no cenáculo e proclamada aos apóstolos de todos os tempos.

O Paráclito é derramado numa torrente de graças, distribuindo dons e talentos, porque 'Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos' (1 Cor 12, 4-6). Na simbologia dos vários membros de um mesmo corpo, somos mensageiros e testemunhas de Cristo no meio dos homens, na identidade comum de Filhos de Deus partícipes e continuadores da missão salvífica de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também Eu vos envio' (Jo 20, 22).

No Espírito Consolador, não somos mais meros expectadores de uma efusão de graças e dons tão diversos, mas apóstolos e testemunhas, iluminados e portadores da Verdade, pela qual será renovada a face da terra e pelo qual será apagada a mancha do pecado no mundo: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23).

sexta-feira, 6 de junho de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXIV)

 

Exame sobre a Humildade para com Deus - Parte II

108. Há algumas pessoas que, sob o pretexto de praticar atos de humildade, desejam, de vez em quando, acusar-se na confissão de algum pecado grave e vergonhoso de sua vida passada. Se por acaso você estiver entre essas pessoas, cuidado para que isso não resulte mais de um desejo de parecer humilde do que de ser humilde na realidade. O amor próprio é astuto e sabe agir secretamente. Esta falta foi denunciada por São Bernardo: 'Quanto mais sutil é a confissão vaidosa, mais perigosamente prejudicial ela é, como quando, por exemplo, não temos vergonha de revelar nossos atos vergonhosos, não porque somos humildes, mas para parecermos ser assim. O que há de mais perverso ou vergonhoso do que a confissão, guardiã da humildade, servir sob a bandeira do orgulho?' [Serm. vi in Cant.].

Esse tipo de humildade nem sempre é desejável, mesmo fora do confessionário, porque pode facilmente nos levar a criar escândalo ao falar de certos pecados que nem deveriam ser mencionados. Se você tem essa estranha falta, não há razão para se orgulhar dela, mas sim para se envergonhar; pois, como diz o santo abade: 'Que espécie de orgulho é esse que você deseja ser melhor pelo que parece ser pior? Que você não pode ser considerado santo sem parecer ser mau?'

109. E também, após a confissão, você deve lembrar-se dos pecados que cometeu, a fim de despertar em seu coração sentimentos de vergonha e tristeza, humilhando-se diante de Deus. Mas você se lembra de exercitar-se nessa humildade? Esta é uma humildade de preceito. 'Toda a vida do cristão deve ser uma longa penitência' [Ses. I, cap. ii]. Assim fala o santo Concílio de Trento, onde toda a Igreja de Cristo se reuniu, e seus dogmas são infalíveis não menos em questões de moralidade do que em questões de fé.

O Concílio de Trento diz 'deve ser', que é uma fórmula não de exortação, mas de necessidade; e não prescreve penitências como flagelações, cilícios ou jejuns, mas fala de maneira geral; e não podemos interpretar o sentido dessas palavras com mais discrição do que dizendo: Se você não pode realizar certas penitências exteriores, não deve, contudo, negligenciar as penitências interiores que consistem na contrição e humilhação do coração, dizendo como Davi: 'Tem misericórdia de mim, ó Deus... porque pequei contra Vós' [Sl 41,4] e 'Um coração contrito e humilde, ó Deus, tu não desprezarás' [Sl 50,19]. Você pratica essa humildade penitencial? Ó meu Deus! Seus pecados são tão numerosos e, no entanto, você vive em absoluto esquecimento deles, como se fosse inocente! Você se lembra da obrigação que tem que pensar frequentemente: 'O que eu fiz? Que grande mal eu cometi para ofender a Deus'?' Reze a Deus para que Ele lhe dê luz para conhecer a gravidade do seu pecado, e você terá aquele contínuo pesar que o rei Davi tinha, se puder dizer com ele: 'Eu reconheço as minhas iniquidades'.

110. A sua própria fé pode ensinar-lhe como a humildade é necessária para que você se aproxime dignamente da Sagrada Comunhão. Mas, na sua preparação para esse Sacramento Divino e na sua ação de graças, você pratica os devidos atos de humildade? É verdade que você se ajoelha com toda a humildade exterior e bate no peito ao dizer Domine non sum dignus - Senhor, eu não sou digno - mas você tem realmente aquela verdadeira humildade de coração que convém a uma função tão sagrada?

O centurião foi santificado quando recebeu Jesus Cristo em sua própria casa, porque se preparou para recebê-lo com profunda humildade e disse, mais com o coração do que com os lábios: 'Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa'1 [Mt 8, 8]. Este mistério, mais do que outros, exige humildade, e quando o Filho de Deus se encarnou no ventre da Bem-Aventurada Virgem Maria, foi especialmente em virtude da humildade dela, 'porque Ele considerou a humildade da sua serva' [Lc 1,48]. Ó se você refletisse que é um Deus que você vai receber; mas você pensa nisso como o próprio Deus o exorta a fazer? - 'Aquietai-vos e vede que Eu sou Deus' [Sl 45,11].

111. Como você humilha o seu intelecto em relação aos mistérios da fé católica? Você tem curiosidade em buscar e desejar conhecer as razões das coisas que a Igreja propõe para sua crença, inclinando-se a se render mais ao raciocínio humano do que à autoridade divina? Em questões de fé, é muito necessário praticar a humildade, e quanto mais humilde for nossa crença, mais honra ela dá a Deus.

É por esta razão que a Sagrada Escritura, depois de ter dito que Deus é honrado pelos humildes, nos exorta enfaticamente a humilhar nosso intelecto: 'Ele é honrado pelos humildes. Não busque as coisas que são muito elevadas para você, e não investigue as coisas que estão acima de sua capacidade; mas as coisas que Deus lhe ordenou, pense nelas sempre, e em muitas de suas obras não seja curioso' [Eclo 3, 22]. Quando se trata de fé, o Apóstolo nos ensina que não devemos procurar saber o porquê e o motivo, mas humilhar qualquer dimensão do nosso entendimento em reverência humilde a Jesus Cristo, 'levando cativo todo entendimento à obediência a Deus' [2Cor 10,5]. Isso é extremamente necessário. E, especialmente quando temos tentações contra a fé, é necessário que nos humilhemos imediatamente, sem entrar em discussão ou disputa com o diabo. Mas você é prudente em tomar essas medidas imediatamente e diz como o rei Davi: 'Senhor, meu coração não se enche de orgulho, meu olhar não se levanta arrogante. Não procuro grandezas, nem coisas superiores a mim'? [Sl 130,1].

112. Mas se somos obrigados a humilhar nosso intelecto nas coisas que dizem respeito à nossa fé, não devemos humilhar menos nossa vontade de fazer aquilo que nos é ordenado. Nisso consiste principalmente a essência da verdadeira humildade, mas como você a observa? Você se humilha prontamente em obediência aos mandamentos divinos, convencido de que foi colocado neste mundo apenas para fazer a vontade de Deus e não a sua própria? Quando você recita o Pai Nosso, que pensamento você dá a estas palavras: 'Seja feita a tua vontade'? [Mt 6,10]. Quantas vezes você as diz apenas com os lábios e não com o coração?

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

quarta-feira, 4 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVI)

P. 35 - O que devemos dizer sobre os membros da Igreja de Cristo que abandonam a sua religião e renunciam à sua fé?

Como o próprio Deus deu uma resposta completa e clara a esta pergunta em três passagens diferentes das suas Sagradas Escrituras, seria presunção responder com outras palavras que não as suas. Primeiro, Ele diz, pela boca do seu santo apóstolo São Paulo: 'É impossível que aqueles que uma vez foram iluminados, provaram também o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram, além disso, a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e aindaa ssim se afastaram, sejam renovados novamente em penitência, crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus e zombando dele. Porque a terra que bebe a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz ervas úteis para aqueles que a cultivam, recebe bênção de Deus; mas aquela que produz espinhos e sarças é rejeitada e está muito perto de uma maldição, cujo fim é ser queimada' (Hb 6,4). 

Sobre essa passagem, o falecido erudito e piedoso editor do Novo Testamento de Reims diz, na nota, 'que é impossível para aqueles que caíram após o batismo serem batizados novamente; e muito difícil para aqueles que apostataram da fé, depois de terem recebido muitas graças, retornarem novamente ao estado feliz do qual caíram'. Mais uma vez, 'se pecarmos voluntariamente', diz o mesmo santo apóstolo, 'depois de termos recebido o conhecimento da verdade, não resta nenhum sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectativa terrível de julgamento e a fúria de um fogo que consumirá os adversários' (Hb 10,26). Sobre o que o mesmo autor erudito diz: 'Ele fala do pecado da apostasia voluntária da verdade conhecida; depois disso, como não podemos ser batizados novamente, não podemos esperar ter aquela remissão abundante dos pecados, que Cristo comprou com a sua morte, aplicada às nossas almas de maneira tão ampla como no batismo; mas temos, antes, todos os motivos para esperar um julgamento terrível; tanto mais porque os apóstatas da verdade conhecida raramente ou nunca têm a graça de voltar a ela'. 

Por fim, pela boca do santo apóstolo São Pedro, Deus declara assim o estado dessas pessoas: 'Pois, se, fugindo das contaminações do mundo, pelo conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, eles se envolvem novamente nelas e são vencidos, o seu estado posterior torna-se pior do que o anterior. Pois teria sido melhor para eles nunca terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de o terem conhecido, se afastarem do santo mandamento que lhes foi entregue. Pois o verdadeiro provérbio aconteceu-lhes: O cão voltou ao seu vômito, e a porca lavada voltou a revolver-se na lama' (2Pd 2,20-22).

P. 36 - O senhor disse acima que só recentemente essa maneira descuidada de pensar e falar sobre a necessidade da verdadeira fé e de estar em comunhão com a Igreja de Cristo, que temos examinado, surgiu entre os membros da Igreja; essa mesma linguagem não era usada pelos cristãos em todas as épocas anteriores?

Longe disso; e esse é um dos maiores motivos para sua condenação. É uma novidade, é uma nova doutrina; era algo inédito desde o início; aliás, é diretamente oposto à doutrina uniforme de todas as grandes luzes da Igreja em todas as épocas anteriores. Esses homens grandes e santos, as testemunhas mais irrepreensíveis da fé cristã em seus dias, não conheciam outra linguagem sobre esse assunto além daquela que viram ser falada diante deles por Cristo e seus apóstolos; eles sabiam que seu Mestre Divino havia declarado: 'Aquele que não crer será condenado'; ouviram o seu apóstolo proclamar um terrível anátema contra qualquer um, mesmo que fosse um anjo do céu, que ousasse alterar o Evangelho que Ele havia pregado (cf Gl 1,8); ouviram-no afirmar em termos expressos que 'sem fé é impossível agradar a Deus' e mantiveram constantemente a mesma linguagem. E como não viam na Escritura o menor fundamento para pensar que aqueles que estavam fora da Igreja poderiam ser salvos por ignorância invencível, essa cogitação enganosa não aparece nem uma única vez em todos os seus escritos.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 2 de junho de 2025

A ÚNICA CERTEZA DA MORTE


Certa ocasião, o filósofo grego Diógenes, famoso por sua maneira excêntrica, mexia numa pilha de caveiras quando o Rei Alexandre, o Grande, da Macedônia lhe perguntou o que procurava. Diógenes então respondeu: 'Procuro o crânio do seu pai, o Rei Filipe'. Tal resposta calou Alexandre pois, com isso, o filósofo estava a dizer que na morte todos somos iguais.


No enterro do Imperador Francisco José do Império Austro-Húngaro, ao se dirigir o féretro para o convento aonde o enterrariam, o cortejo encontrou ali as portas fechadas. Ao baterem à porta os que levavam os restos mortais do imperador, ouviram uma voz em resposta: 'Quem vem lá?' Ao que responderam: 'O Imperador da Áustria'." E ouviram em resposta: 'Não o conhecemos'. Seguiu-se outra batida à porta e a mesma pergunta: 'Quem vem lá?' - 'O rei da Hungria'. E novamente a resposta: 'Não o conhecemos'. Sucessivas tentativas de entrar no convento foram repelidas pelas diferentes respostas nomeando os inúmeros títulos do falecido diante a pergunta: 'Quem vem lá?', sempre com a mesma resposta: 'Não o conhecemos'. Até que finalmente, os de fora responderam: 'Um pobre mortal'. Diante desta resposta, as portas se abriram e o imperador pôde ser enterrado, para mostrar que títulos e honras humanas nada valem diante da morte e do julgamento de Deus, a não ser o bem ou o mal que cada um tenha praticado nessa vida.


domingo, 1 de junho de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

   

'Por entre aclamações Deus se elevou, o Senhor subiu ao toque da trombeta!' (Sl 46)

Primeira Leitura (At 1,1-11) - Segunda Leitura (Ef 1,17-23) -  Evangelho (Lc 24,46-53)
 
  01/06/2025 - SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR

A ASCENSÃO DO SENHOR


Antes de subir aos Céus, Jesus manifesta a seus discípulos (de ontem e de sempre) as bases do verdadeiro apostolado cristão, a ser levado a todos os povos e nações: 'e no seu nome (de Jesus) serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém' (Lc 24, 47). Ratificando as mensagens proféticas do Antigo Testamento, Nosso Senhor imprime diretamente no coração humano os sinais da fé sobrenatural e da esperança definitiva na Boa Nova do Evangelho, que nasce, se transcende e se propaga com a Igreja de Cristo na terra.

Antes de subir aos Céus, Jesus nos fez testemunhas da esperança: 'Vós sereis testemunhas de tudo isso' (Lc 24, 48). Pela ação de Pentecostes, pela efusão do Espírito Santo, pela manifestação da 'Força do Alto', os apóstolos tornar-se-iam instrumentos da graça e da conversão de muitos povos e nações. Na mesma certeza, somos continuadores dessa aliança de Deus com os homens, na missão de semear a Boa Nova do Evangelho nos terrenos áridos da humanidade pecadora para depois colher, a cem por um, os frutos da redenção nos campos eternos da glória.

Como missionários da graça, 'Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança como santos' (Ef 1, 18). E Jesus se eleva diante dos seus discípulos e sobe para os Céus. Jesus vai primeiro porque é o Caminho e para preparar para cada um de nós 'as muitas moradas da casa do Pai', levando consigo a nossa humanidade, tornando-nos participantes do seu mistério pascal e herdeiros de sua glória.

Na solenidade da Ascensão do Senhor, a Igreja comemora a glorificação final de Jesus Cristo na terra, como o Filho de Deus Vivo e, ao mesmo tempo, imprime na nossa alma o legado cristão que nos tornou, neste dia, testemunhas da esperança eterna em Cristo e herdeiros dos Céus.

sábado, 31 de maio de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (CII)

Capítulo CII

Meios de se Evitar o Purgatório - Santa Margarida maria e as Almas Sofredoras - As Consolações de Deus para com as Almas Caridosas

Entre as revelações de Nosso Senhor a Margarida Maria sobre o Purgatório, há uma delas que mostra como são particularmente severas as punições infligidas pelas faltas contra a caridade. 'Um dia' - relata Monsenhor Languet - 'Nosso Senhor mostrou à sua serva várias almas privadas da assistência da Santíssima Virgem e dos santos e até mesmo das visitas de seus anjos da guarda; isso era em castigo por sua falta de união com seus superiores e por certos mal-entendidos. Muitas dessas almas estavam destinadas a permanecer por muito tempo em chamas terríveis. A abençoada irmã reconheceu também muitas almas que haviam vivido na religião e que, por causa de sua falta de união e caridade com seus irmãos, foram privadas de seus sufrágios e não receberam nenhum alívio'.

Se é verdade que Deus castiga tão severamente aqueles que falharam na caridade, Ele será infinitamente misericordioso para com aqueles que praticaram essa virtude tão querida ao seu Coração. Mas, antes de tudo, Ele nos diz pela boca do seu Apóstolo, São Pedro, que tenhamos uma caridade mútua constante entre nós, pois a caridade cobre uma multidão de pecados (1Pd 4,8).

Ouçamos novamente Monsenhor Languet na Vida de Margarida Maria. É o caso da Madre Grefiber, diz ele, que, nas memórias que escreveu após a morte da abençoada irmã, atesta o seguinte fato. 'Não posso omitir a causa de certas circunstâncias particulares que manifestam a verdade de uma revelação feita nesta ocasião à serva de Deus. O pai de uma das noviças foi a causa disso. Este senhor havia falecido algum tempo antes e fora recomendado às orações da comunidade. A caridade da Irmã Margarida, então Mestra das Noviças, a levou a rezar mais especialmente por ele. Alguns dias depois, a noviça foi recomendá-lo às suas orações. 'Minha filha', disse sua santa mestra - 'fique perfeitamente tranquila; seu pai já está em condições de rezar por nós. Pergunte a sua mãe qual foi a ação mais generosa que seu pai realizou antes de morrer; essa ação lhe rendeu um julgamento favorável de Deus'.

'A ação a que ela se referia era desconhecida para a noviça; ninguém em Paray sabia das circunstâncias de uma morte que havia ocorrido tão longe daquela cidade. A noviça só viu sua mãe muito tempo depois, no dia de sua profissão. Ela então perguntou qual foi a ação cristã generosa que seu pai realizou antes de morrer. 'Quando o Santo Viático lhe foi levado' - respondeu sua mãe - 'o açougueiro juntou-se àqueles que acompanhavam o Santíssimo Sacramento e colocou-se em um canto da sala. O doente, ao percebê-lo, chamou-o pelo nome, disse-lhe para se aproximar e, apertando-lhe a mão com uma humildade incomum em pessoas de sua posição, pediu perdão por algumas palavras duras que lhe dirigira de vez em quando e desejou que todos os presentes fossem testemunhas da reparação que ele lhe fazia'. A irmã Margarida soube apenas por Deus o que havia acontecido, e a noviça soube, por isso, da verdade consoladora do que ela lhe havia dito a respeito do estado feliz de seu pai na outra vida. Acrescentemos que Deus, por meio dessa revelação, nos mostrou mais uma vez como a caridade cobre uma multidão de pecados e nos fará encontrar misericórdia no dia da justiça.

A bem-aventurada [santa] Margarida Maria recebeu de nosso Divino Senhor outra comunicação relativa à caridade. Ele lhe mostrou a alma de uma pessoa falecida que teve de sofrer apenas um leve castigo e lhe disse que, entre todas as boas obras que essa pessoa havia realizado no mundo, Ele havia levado em consideração especial certas humilhações a que ela se submetera no mundo, porque as havia sofrido com espírito de caridade, não apenas sem murmurar, mas mesmo sem sequer falar delas. Nosso Senhor acrescentou que, em recompensa, Ele lhe havia dado um julgamento brando e muito favorável.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XV)

P. 33 - Quais são esses argumentos sofísticos com os quais eles são tão enganados?

Nós os vimos acima e os refutamos completamente, um por um. Mas o grande erro deles surge de suas idéias errôneas de ignorância invencível e das condições requeridas para ser um membro da Igreja de Cristo. Pois como eles devem ou negar sua própria fé ou permitir essa proposição geral, que 'sem fé é impossível agradar a Deus', enquanto eles admitem a verdade disso, eles pretendem que, como a ignorância invencível desculpará um homem diante de Deus em todos os outros casos, então ela deve desculpá-lo nisso também. E que, portanto, embora um homem não tenha a verdadeira fé, 'a ignorância invencível o salvará', não advertindo para os dois sentidos que essas palavras contêm, um dos quais é certamente verdadeiro, e o outro não menos certamente falso. A ignorância invencível de fato o salvará da culpa de ter uma fé falsa e de não ter a fé verdadeira: isso é certamente verdade. Mas dizer que a ignorância invencível o salvará, isto é, o levará à salvação, é certamente falso, como tudo o que vimos acima prova plenamente.

Novamente, enquanto eles admitem essa outra proposição geral, que 'fora da verdadeira Igreja de Cristo não há salvação', que eles devem reconhecer ou desistir de sua própria religião, eles supõem que um homem pode ser um membro da verdadeira Igreja aos olhos de Deus, embora não esteja unido a ela em comunhão, como todas as crianças batizadas são, embora nascidas em heresia, pelo menos até que cheguem à idade de julgar por si mesmas. O erro deles está em não refletir que todos os adultos em uma religião falsa podem ser membros da Igreja à vista de Deus em nenhum outro sentido além daqueles de quem nosso Salvador diz: 'Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco'. Mas como Ele declarou expressamente que era necessário trazer até mesmo esses à comunhão da sua Igreja, isso evidentemente mostra que eles e todos os outros não são membros da Igreja de tal forma que possam ser salvos em seu estado atual sem serem unidos a esta comunhão.

P. 34 - Mas não é louvável e digno de louvor mostrar toda a indulgência e condescendência para com aqueles que estão fora da Igreja e se comportar em relação a eles com toda a clemência e brandura?

Sem dúvida: não é apenas louvável, mas um dever estrito, até onde a verdade pode chegar. Mas trair a verdade com essa visão constitui um crime grave e altamente prejudicial para ambas as partes. A experiência, de fato, mostra que a maneira solta de pensar e falar, que alguns membros da verdadeira Igreja têm adotado ultimamente, produz as piores consequências, tanto para eles mesmos quanto para aqueles a quem desejam favorecer.

(i) Aqueles que estão separados da Igreja de Cristo bem sabem que ela professa constantemente, como um artigo de seu credo, que sem a verdadeira fé e fora da sua comunhão, não há salvação. Quando, portanto, eles veem os membros dessa Igreja falando duvidosamente sobre esse ponto, parecendo questionar a verdade da doutrina e até mesmo alegando pretextos e desculpas para explicá-la, o que eles podem pensar? Que efeito isso deve ter em suas mentes? Será que isso não tende a extinguir qualquer desejo de investigar a verdade que Deus possa ter lhes dado e a fechar seus corações contra qualquer pensamento positivo? O amor-próprio nunca deixa de se apoderar avidamente de tudo o que favorece seus desejos; e se uma vez encontrarem essa verdade questionada, mesmo por aqueles que professam acreditar nela, eles a considerarão como uma mera disputa retórica e não pensarão mais no assunto.

(ii) Essa maneira de pensar e falar tende naturalmente a extinguir todo zelo pela salvação das almas nos corações daqueles que a adotam; pois enquanto eles se persuadem de que há uma possibilidade de salvação para aqueles que morrem em uma falsa fé e fora da Igreja de Cristo, o amor próprio facilmente os inclinará a não se preocuparem com sua conversão. Às vezes, chega-se ao ponto de fazer com que alguns pensem que é mais aconselhável não se esforçar para desiludi-los, para que isso não mude sua atual ignorância desculpável, como eles a chamam, em uma obstinação culpável; não refletindo que, por seus esforços piedosos e zelosos, eles podem ser levados ao conhecimento da verdade e salvar suas almas, enquanto que, por sua negligência sem caridade, podem ser privados de tão grande felicidade. Ai do mundo, de fato, se os primeiros pregadores do cristianismo tivessem sido reféns de sentimentos tão pouco cristãos!

(iii) Não é menos prejudicial para os próprios membros da Igreja adotar tais maneiras de pensar; pois isso não pode deixar de esfriar seu zelo e estima pela religião, torná-los mais descuidados em preservar sua fé, prontos para, por motivos mundanos, expô-la ao perigo e, em tempos de tentação, abandoná-la inteiramente. De fato, se um homem estiver completamente persuadido da verdade de sua santa religião e da necessidade de ser membro da Igreja de Cristo, como é possível que ele se exponha a qualquer ocasião de perder um tesouro tão grande, ou que, por qualquer medo ou favor mundano, o abandone? Uma vez que a experiência mostra que muitos, por alguma vantagem mundana insignificante, se expõem a tal perigo, indo a lugares onde não podem praticar sua religião, mas encontram todos os incentivos para abandoná-la, ou, ao se envolverem em empregos inconsistentes com seu dever, expõem seus filhos às mesmas ocasiões perigosas, isso só pode surgir da falta de uma ideia justa da importância de sua religião; e, após um exame rigoroso, sempre se descobre que algum grau ou outro dos sentimentos de tolerância ou de indiferentismo expostos acima é a causa radical.

(iv) Além disso, se uma pessoa começa a hesitar sobre a importância de sua religião, que estima ou consideração ela pode ter pelas leis, regras ou práticas dela? O amor-próprio, sempre atento à sua própria satisfação, logo lhe dirá que, se não for absolutamente necessário ser dessa religião, muito menos necessário será submeter-se a todos os seus regulamentos; portanto, liberdades são tomadas na prática, os mandamentos da Igreja são desprezados, os exercícios de devoção são negligenciados e uma sombra de religião é introduzida sob a aparência de sentimentos liberais, numa dissipação completa de toda virtude e de uma piedade sólida.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

domingo, 25 de maio de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Que as nações vos glorifiquem, ó Senhor, que todas as nações vos glorifiquem!' (Sl 66)

Primeira Leitura (At 15,1-2.22-29) - Segunda Leitura (Ap 21,10-14.22-23) -  Evangelho (Jo 14,23-29)
 
  25/05/2025 - SEXTO DOMINGO DA PÁSCOA

'A MINHA PAZ VOS DOU'


Neste Sexto Domingo da Páscoa, somos chamados a viver plenamente a presença de Jesus Ressuscitado em nossas vidas, como testemunhas da fé e da fidelidade às suas Santas Palavras: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra' (Jo 14,23). Eis aí o legado de Jesus aos seus discípulos: a graça e a salvação são frutos do amor, que é manifestado em plenitude, no despojamento do eu e na estrita submissão à vontade do Pai: 'Desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas sim a d’Aquele que me enviou' (Jo 6,38) e 'Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos' (Mt 22,37-38).

A graça nasce, manifesta-se e se alimenta do nosso amor a Deus, pois 'quem não me ama, não guarda a minha palavra' (Jo 14,24). Mas este amor terá de ser libertado do mero sentimento arraigado às mazelas humanas para ser transformado em um amor espiritual sem medidas, desapegado dos valores mundanos. Este amor não provém dos sentimentos efêmeros, nem dos sentidos, nem das paixões desregradas, nem dos abismos volúveis das sensibilidades e das vontades humanas.

Este amor não se alimenta da paz do mundo, mas da paz que emana do próprio Coração de Deus: 'Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo' (Jo 14,27). Na paz de Deus, na confiança absoluta às divinas promessas, não há porque se perturbar ou se intimidar a fragilidade do pobre coração humano. A presença permanente do Cristo Ressuscitado em nossas vidas vem por meio da manifestação do Espírito Santo, o Defensor, conforme as palavras de Jesus: 'o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito' (Jo 14,26).

Sob a ação do Espírito Santo, o amor humano pode trilhar livremente o caminho da santificação, até o impossível, até os limites de um despojamento absoluto do próprio ser para a plena manifestação em si da glória de Deus, quando enfim, 'o meu Pai o amará, e nós (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) viremos e faremos nele a nossa morada' (Jo 14,23).

quarta-feira, 21 de maio de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXIII)


Exame sobre a Humildade para com Deus - Parte I

102. O primeiro ato de humildade, diz São Tomás [2a 2æ, qu. clxi, art. 2 ad 3 ; et qu. clxii, art. 5], consiste em nos submetermos inteiramente a Deus com a maior reverência pela sua Majestade infinita, diante da qual somos como nada: 'Todas as nações estão diante dEle como se não tivessem existência alguma' [Is 6,17]. Mas alguma vez consideraste o teu nada diante de Deus? E que todo o ser que tens, vem de Deus? E que, por necessidade intrínseca, dependes tão inteiramente de Deus que, sem Ele, não podes fazer nada de bom - 'porque sem Mim nada podeis fazer' [Jo 15,5] - que, sem Deus, não pensas, nem dizes, nem fazes nada de bom?

Isto é artigo de fé. 'Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor senão pelo Espírito Santo' [1Cor 12, 3]. 'Não que sejamos capazes por nós mesmos de ter algum pensamento, como de nós mesmos. Nossa capacidade vem de Deus' [2Cor 3, 5].  'Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar' [Fp 2,13]. Não basta dizer apenas que sei todas estas coisas, mas é necessário realizá-las para se tornar realmente humilde.

O Doutor Angélico ensina que a razão pela qual a humildade tende principalmente a tornar a alma submissa a Deus é porque esta virtude está mais próxima das virtudes teologais, e como não basta apenas saber em que coisas devemos acreditar ou esperar, mas que também é necessário que façamos atos de fé e de esperança, assim também devemos fazer atos semelhantes de humildade. O próprio Cristo ensinou a humildade do coração, e o coração não deve ficar ocioso, nem deixar de produzir os atos necessários. E que atos de humildade praticais perante Deus? Com que frequência os fazeis? Quando os fizeste? Há quanto tempo não os fazeis?

Seria absurdo esperar a recompensa que é prometida aos humildes sem ser humilde ou pelo menos sem o desejo de ser humilde; e sem fazer atos de humildade; humildade de coração sem que o coração se humilhe a si mesmo - que loucura! E sois suficientemente tolos para acreditar que isso pode ser feito? Às vezes, pronunciais certas palavras que parecem tender para a vossa humilhação; dizeis que sois um miserável desprezível, que não servis para nada, mas dizeis essas coisas sinceramente, de coração? Se receias mentir a ti mesmo, confirmando-as na tua mente, ouve o que São Tomás [Loc. cit. art. 6 ad 1] nos diz para nossa instrução, que cada um pode dizer e crer de si mesmo, com verdade, que é um miserável desprezível, remetendo para Deus toda a sua capacidade e talento.

103. Mas como devemos fazer estes atos práticos de humildade perante Deus? Vou dar-vos alguns exemplos. Podes imaginar-te agora na presença de Deus como um condenado que se humilha e implora misericórdia para o perdão dos seus pecados: 'Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua grande misericórdia' [Sl 1,1]; ou como um mendigo miserável e necessitado que se humilha e pede uma esmola para o ajudar na sua necessidade: 'O pão nosso de cada dia nos dai hoje'; ou como o doente junto ao tanque de Betsaida, que se humilha perante o Salvador para ser curado da sua doença incurável: 'Senhor, não tenho ninguém...' [ Jo 5,7]; ou como aquele cego que se humilhou para que sua escuridão pudesse ser iluminada: 'Senhor, para que eu possa ver'; ou como a mulher cananeia que se humilhou e exclamou: 'Tem piedade de mim, Senhor, ajuda-me!' [Mt 15,22.25] e não se envergonha de se comparar aos cães que não são dignos de comer o pão do seu dono, mas se contentam em comer as migalhas que caem da sua mesa. A humildade do coração é ingênua e, da mesma forma que o nosso coração ama sem precisar de ser ensinado a amar, ele humilha-se sem precisar de ser ensinado a humilhar-se.

104. Há casos em que somos obrigados a fazer atos de virtude - como atos de fé, a esperança e caridade - que alguma necessidade, circunstância ou dever do nosso estado de vida nos exija, e há casos em que devemos fazer atos de humildade no nosso coração. Em primeiro lugar, é necessário humilharmo-nos quando nos aproximamos de Deus com a oração para obter alguma graça, porque Deus não olha, nem atende, nem dá a sua graça senão aos humildes. 'O Senhor olha para os humildes' [Sl 137,6 ]; 'sempre vos foram aceitas as preces dos mansos e humildes' [Jd 9,16]; 'Deus dá sua graça aos humildes' [Tg 4,6]. Quando, pois, vindes pedir a Deus alguma graça do corpo ou da alma, lembrai-vos sempre de praticar esta humildade?

Quando rezamos, e sobretudo quando dizemos o 'Pai Nosso', dirigimo-nos a Deus; e quantas vezes, ao dizerdes as vossas orações, vos dirigis a Deus com menos respeito do que se estivésseis a falar com um dos vossos semelhantes? Quantas vezes, quando estais na igreja, que é a casa de Deus, ouvis um sermão, que é a Palavra de Deus, e assistis às funções do serviço sem qualquer reverência? A humildade de coração, diz São Tomás [2a 2æ, qu. clxi, art. 2] é acompanhada pela reverência exterior, e faltar a esta é faltar à humildade e é, portanto, um pecado de orgulho.

105. Mas quanto mais essencial é para nós a graça que pedimos a Deus, tanto mais necessária é a humildade. Antes de ires ao tribunal da penitência, humilhas-te e pedes a Deus que te dê a dor dos teus pecados, necessária para a validade do sacramento? Como esta dor deve ser sobrenatural, é certo que nunca a poderias alcançar por ti mesmo, por mais que te esforçasses por senti-la. Só Deus pode dá-la, e é igualmente certo que não se trata de uma dívida que Ele tem para convosco, mas de uma grande graça que lhe apraz conferir-vos por sua bondade e sem qualquer mérito da vossa parte. Se, porém, desejais receber esta graça, deveis pedi-la com humildade, protestando de coração que não a mereceis, que não sois dignos de a receber e que só a esperais pelos méritos de Jesus Cristo. Mas praticais esta humildade, que é, pode-se dizer, de preceito para vós, porque é um meio essencial para obter a contrição?

106. O mesmo se pode dizer das vossas resoluções, que são igualmente necessárias para tornar válida a confissão. A confissão deve ser constante e eficaz, mas não o pode ser sem a ajuda especial de Deus. Pensais alguma vez em humilhar-vos e pedir esse auxílio, sabendo e confessando a vossa instabilidade e fraqueza, e que não sois capazes, por vós mesmos, de manter a menor resolução, nem de manhã à noite, nem mesmo de uma hora para outra? É por isso que caís tantas vezes nas mesmas faltas, porque vos falta a humildade. O homem verdadeiramente humilde é totalmente desconfiado de si mesmo e, pondo toda a sua confiança em Deus, é por Ele ajudado da maneira mais admirável: 'Humilha-te perante Deus e espera pelas suas mãos' [Eclo 13,9].

Quantas vezes não dizeis: 'Tomei esta firme resolução e tenciono mantê-la, não tenho medo de a quebrar', confiando iniquamente em ti mesmo, sem reconhecer de modo algum a ajuda divina? Cuidado para que não sejas contado entre os réprobos 'que foram destruídos confiando na sua própria força' [Eclo 16,8]. Se, mesmo que seja só um pouquinho, te apossares de ti mesmo, esse pouquinho pode ser a causa de uma grande ruína, segundo a predição de Jó: 'Levantam-se, subitamente já não existem; caem; como os outros' [Jó 24,24].

107. E como praticais a humildade na vossa confissão sacramental? É na vossa confissão que deveis humilhar-vos como um malfeitor culpado na presença do vosso Juiz. 'Humilha a tua alma diante de um ancião'  [Eclo 4, 7] Esse conselho vem do Espírito Santo. Quantas vezes não tentamos parecer inocentes no próprio ato de nos acusarmos de culpa - ora desculpando os nossos pecados, ora encobrindo ou diminuindo a sua malícia, ora pondo a culpa nos outros em vez de a assumirmos nós próprios? É uma verdadeira falta de humildade, e daquela humildade que não é de conselho, mas de preceito. Deveis dizer com Davi: 'Eu disse: confessarei ao Senhor a minha iniquidade' [Sl 31,5]. A vergonha que vos impede de confessar o vosso pecado com clareza e franqueza provém unicamente do orgulho.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

terça-feira, 20 de maio de 2025

'COMO EU VOS AMEI'

O Senhor Jesus manifesta um novo mandamento aos seus discípulos, que se amem mutuamente: 'Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros' (Jo 13,34). Mas este mandamento já não estava escrito na antiga lei de Deus, onde se lê: 'Amarás o teu próximo como a ti mesmo' (Lv 19,18)? Por que então o Senhor chama novo o que é evidentemente tão antigo? Será um novo mandamento pelo fato de nos revestir do homem novo, depois de nos ter despojado do velho? Na verdade, ele renova o homem que o ouve, ou melhor, aquele que lhe obedece; não se trata, porém, de um amor puramente humano, mas daquele que o Senhor quis distinguir,acrescentando: 'Como eu vos amei' (Jo 13,34).

É este amor que nos renova, transformando-nos em homens novos, herdeiros da nova Aliança, cantores do canto novo. Foi este amor, caríssimos irmãos, que renovou outrora os antigos justos, os patriarcas e os profetas e, posteriormente, os santos apóstolos. Ainda hoje é ele que renova as nações e reúne todo o gênero humano espalhado pelo mundo inteiro, formando um só povo novo, o corpo da nova esposa do Filho Unigênito de Deus. É dela que se diz no Cântico dos Cânticos: 'Quem é esta que sobe vestida de branco?' (cf Ct 8,5). Vestida de branco, sim, porque renovada; e renovada de que modo, senão pelo mandamento novo?

Por isso os membros desta esposa sentem uma solicitude mútua. Se um membro sofre, todos sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele. Pois ouvem e praticam a palavra do Senhor: 'Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros'. Não como se amam aqueles que vivem na corrupção da carne; nem como se amam os seres humanos apenas como seres humanos; mas como se amam aqueles que são filhos do Altíssimo. Deste modo, tornam-se irmãos do Filho unigênito de Deus, amando-se uns aos outros com aquele mesmo amor com que ele os amou, e por ele serão conduzidos à plenitude final, onde os seus desejos serão completamente saciados de bens. Então nada faltará à sua felicidade, quando Deus for tudo em todos.

Quem nos dá este amor é o mesmo que diz: 'Amai-vos uns aos outros como eu vos amei'. Foi para isto que ele nos amou, para que nos amássemos mutuamente. E com o seu amor, deu-nos a graça, para que, vivendo unidos em recíproco amor, como membros ligados por tão suave vínculo, formemos o Corpo de tão sublime Cabeça.

(Santo Agostinho, em 'Dos Tratados sobre o Evangelho de São João')

domingo, 18 de maio de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Bendirei o vosso nome, ó meu Deus, meu Senhor e meu Rei para sempre' (Sl 144)

Primeira Leitura (At 14,21b-27) - Segunda Leitura (Ap 21,1-5a) -  Evangelho (Jo 13,31-33a.34-35)
 
  18/05/2025 - QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA

O NOVO MANDAMENTO


Deus, em sua infinita misericórdia, destinou ao homem, não apenas a plenitude de uma felicidade puramente natural mas, muito mais que isso, por desígnios imensuráveis à condição humana, a plenitude da eterna felicidade com Ele. E, para nos tornar co-participantes de sua glória, nos escolheu, um a um, desde toda a eternidade, como criaturas humanas privilegiadas e especiais, moldadas pelo infinito amor do divino intelecto. Glória aos homens bem-aventurados que, nascidos e criados pelo infinito amor, foram e serão redimidos pelo amor de Cristo para toda a eternidade!

Neste Quinto Domingo da Páscoa, somos chamados a vivenciar este amor de Deus em plenitude. Jesus encontra-se no Cenáculo, pouco antes de sua ida ao Horto das Oliveiras e da sua prisão e morte na cruz. E acaba de revelar aos seus discípulos amados, mais uma vez, a identidade do amor divino entre Pai e Filho, regida pelo Espírito Santo: 'Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele' (Jo 13, 31). Do amor intrínseco à Santíssima Trindade, medida infinita do amor sem medidas, Jesus vai nos dar o princípio do amor humano verdadeiro e recíproco ao amor divino: 'Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros' (Jo 13, 34).

Sim, como Cristo nos amou. Na nossa impossibilidade humana de amar como Cristo nos ama, isso significa amar sem rodeios, amar sem vanglória, amar sem zelos de gratidão, amar de forma despojada e sincera aos que nos amam e aos que não nos amam, a quem não conhecemos, a quem apenas tangenciamos por um momento na vida, a todos os homem criados pelos desígnios imensuráveis do intelecto divino, à sombra e imersos na dimensão do infinito amor de Cristo por nós.

Nesta proposição distorcida e acanhada do amor divino, o amor humano se projeta a alturas inimagináveis de santificação, e expressa a sua identificação incisiva no projeto de redenção de Cristo: 'Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros' (Jo 13, 35). Eis aí a essência do novo mandamento: amar, com igual despojamento, toda a dimensão da humanidade pecadora, a exemplo de um Deus que se entregou à morte de cruz para nos redimir da morte e mostrar que o verdadeiro amor não tem limites nem medida alguma.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIV)

P. 31 - Isto é muito forte, de fato. Mas como este é um caso em que muitos pretendem dar grande ênfase, de onde vem o peso que parece ter para estes em favor daqueles que até mesmo morrem em uma religião falsa?

O erro deles decorre da ideia que formam para si mesmos das chamadas boas obras e de não observarem a grande diferença que existe entre as boas ações morais naturais e as boas obras cristãs sobrenaturais, que por si só levarão o homem ao céu. Por mais corrompida que seja a nossa natureza pelo pecado, ainda assim há poucos ou nenhum da semente de Adão que não tenha certas boas disposições naturais, sendo alguns mais inclinados a uma virtude, outros a outra. Assim, alguns têm uma disposição humana e benevolente; alguns têm um coração terno e compassivo para com os outros em dificuldades; alguns são justos e retos em seus negócios; alguns são temperantes e sóbrios; alguns são brandos e pacientes; alguns também têm sentimentos naturais de devoção e reverência pelo Ser Supremo. Ora, todas essas boas disposições naturais, por si mesmas, estão longe de ser virtudes cristãs, e são totalmente incapazes de levar um homem ao céu. De fato, elas tornam aquele que as possui agradável aos homens e obtêm estima e consideração daqueles com quem vive, mas não têm qualquer utilidade perante Deus no que diz respeito à eternidade. Para nos convencermos disso, basta observar que boas disposições naturais desse tipo são encontradas em muçulmanos, judeus e pagãos, bem como entre os cristãos; no entanto, nenhum cristão pode supor que um muçulmano, judeu ou pagão, que morre nesse estado, obterá o reino dos céus por meio dessas virtudes.

Os fariseus, entre o povo de Deus, eram notáveis por muitas dessas virtudes: tinham grande veneração pela lei de Deus; faziam profissão aberta de piedade e devoção; davam grandes esmolas aos pobres; jejuavam e oravam muito; eram assíduos em todas as observâncias públicas da religião; eram notáveis por sua estrita observância do sábado e tinham aversão a toda profanação do santo nome de Deus; contudo, o próprio Jesus Cristo declara expressamente: 'Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus' (Mt 5,20). Dizem-nos que um deles subiu ao templo para orar e que era, aos olhos do mundo, um homem muito bom, levava uma vida inocente, livre dos crimes mais grosseiros que são tão comuns entre os homens, jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de tudo o que possuía; no entanto, o próprio Cristo nos assegura que ele foi condenado aos olhos de Deus. Tudo issonos prova que nenhuma das boas disposições da natureza acima mencionadas é capaz, por si só, de levar qualquer homem ao céu. E a razão é que 'não há outro nome dado aos homens debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos, a não ser o nome de Jesus' (At 4,12) e, portanto, nenhuma boa obra, qualquer que seja ela, realizada apenas pelas boas disposições da natureza, pode jamais ser coroada por Deus com a felicidade eterna. 

Para obter essa gloriosa recompensa, nossas boas obras devem ser santificadas pelo sangue de Jesus e se tornarem virtudes cristãs. Ora, se examinarmos as Sagradas Escrituras, encontraremos duas condições absolutamente necessárias para tornar nossas boas obras agradáveis a Deus e conducentes à nossa salvação. Primeiro, que estejamos unidos a Jesus Cristo pela verdadeira fé, que é a raiz e o fundamento de todas as virtudes cristãs; pois São Paulo diz expressamente: 'Sem fé é impossível agradar a Deus' (Hb 11,6). Observe-se a palavra impossível; ele não diz que é difícil, mas que é impossível. Portanto, mesmo que um homem tenha tantas boas disposições naturais e seja tão caridoso, devoto e mortificado quanto os fariseus, se ele não tiver verdadeira fé em Jesus Cristo, não poderá entrar no reino dos céus. Recusaram-se a crer nele e, portanto, todas as suas obras de nada valeram para a sua salvação e, a menos que a nossa justiça exceda a deles neste ponto, como o próprio Cristo nos assegura, nunca entraremos no seu reino celestial. 

Mas mesmo a fé verdadeira, por mais necessária que seja, não basta por si só para tornar as nossas boas obras disponíveis para a salvação; pois é necessário, em segundo lugar, que estejamos em caridade com Deus, na sua amizade e graça, sem o que mesmo a fé verdadeira nunca nos salvará. Para nos convencermos disso, basta ouvirmos São Paulo, que diz: 'Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, ainda que distribuísse todos os meus bens para alimentar os pobres, ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, isso de nada me aproveitaria' (ICor 13,2). Assim, se um homem for pacífico, regular, inofensivo e religioso em seu caminho, caridoso para com os pobres, e o que mais lhe aprouver, ainda assim, se ele não tiver a verdadeira fé de Jesus Cristo e não estiver em caridade com Deus, todas as suas virtudes aparentes não servem para nada; é impossível para ele agradar a Deus por meio delas e se ele viver e morrer nesse estado, elas não lhe aproveitarão em nada. Por isso,  é manifesto que aqueles que morrem numa religião falsa, por mais inaceitável que seja sua conduta moral aos olhos dos homens, ainda assim, como eles não têm a verdadeira fé de Cristo, e não estão em caridade com Ele, eles não estão no caminho da salvação; pois nada pode nos valer em Cristo, senão 'a fé que opera pela caridade' (Gl 5,6).

P. 32 -  Mas sendo tudo isto tão evidente, como é que hoje em dia alguns, que se professam membros da Igreja de Cristo, parecem por em causa esta verdade, advogando continuamente a favor daqueles que não são da sua comunhão, propondo desculpas para eles e usando todos os seus esforços para provar uma possibilidade de salvação para aqueles que vivem e morrem numa falsa religião?

Este é um daqueles artifícios de que o inimigo das almas faz uso nestes tempos infelizes para promover sua própria causa e que há motivos para temer que tenha, por várias razões, encontrado seu caminho até mesmo entre aqueles que pertencem ao rebanho de Cristo, pelas seguintes razões:

(i) como eles vivem entre aqueles que praticam falsas religiões e muitas vezes têm as conexões mais íntimas com eles, eles naturalmente e muito louvavelmente contraem um amor e afeição por eles. Isso faz com que, a princípio, não queiram pensar que seus amigos deveriam estar fora do caminho da salvação. Depois, passam a desejar e esperar que não seja assim. Daí chegam a questionar o fato de ser assim e, a partir daí, é fácil agarrarem-se a qualquer pretexto para se persuadirem disso; 

(ii) princípios fundamentais podem ser encontrados em todos os lugares nestes nossos dias; uma misericórdia não pactuada, por assim dizer, é encontrada em Deus para muçulmanos, judeus e infiéis, que nunca foi ouvida entre os cristãos. Isso é revestido com o caráter ilusório de uma maneira liberal de pensar e sentimentos generosos e tornou-se moda pensar e falar dessa maneira. Ora, a moda é um persuasivo muito poderoso, contra o qual mesmo as pessoas de bem nem sempre estão à prova; e quando alguém ouve esses sentimentos todos os dias ressoando em seus ouvidos e qualquer coisa que pareça contrária a eles ser ridicularizada e condenada, ele naturalmente cede à ilusão e desvia sua mente de querer examinar a força desses sentimentos, por medo de descobrir sua falsidade. Quando, por medo de sermos desprezados, desejamos que qualquer coisa seja verdadeira, é muito fácil acreditar que ela seja verdadeira e, sem um exame mais aprofundado, qualquer demonstração sofística da razão a seu favor é adotada como conclusiva;

(iii) o interesse mundano também muitas vezes concorre com sua influência dominante para produzir o mesmo fim. Um membro da Igreja de Cristo vê seu amigo separado dela mas com poder e crédito no mundo, capaz de ser de grande interesse para ele, e sabe que, se ele abraçasse a verdadeira fé, perderia toda a sua influência e se tornaria incapaz de servi-lo. Isso o faz esfriar em desejar seu amigo ser realmente um homem de fé. Isso faz com que ele não tenha um real desejo pela sua conversão; mas o pensamento de que seu amigo não está no caminho da salvação o aflige e o sujeito então começa a desejar que ele possa ser salvo como ele se encontra em sua própria religião. Por isso, começa a esperar por isso e adota de bom grado qualquer prova que o faça pensar que sim. É verdade, de fato, que todas estas razões teriam pouca influência sobre um membro sincero da Igreja de Cristo, que compreende a sua religião e tem um sentido justo do que ela lhe ensina a este respeito; 

(iv) o grande infortúnio de muitos que adotam essas maneiras frouxas de pensar e falar é que são ignorantes dos fundamentos de sua religião e não examinam o assunto minuciosamente e, uma vez infectados pelo espírito dos tempos, eles nem estão dispostos a examinar e até mesmo consideram impróprio se qualquer amigo zeloso tentar desiludi-los; agarrando-se a esses sofismas miseráveis que são alegados em favor de sua maneira frouxa de pensar, recusam-se a abrir os olhos para a verdade ou mesmo a considerar as próprias razões que a legitimam.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)