quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

SERMÃO DAS SETE PALAVRAS

REFLEXÕES SOBRE AS SETE PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ E DAS SETE PALAVRAS DE NOSSA SENHORA NOS EVANGELHOS
                                                                                             (Arcebispo Fulton Sheen)

PRIMEIRA PALAVRA

A primeira expressão de Nosso Senhor na Cruz foi esta: 'Perdoai-lhes, Pai, porque eles não sabem o que fazem'. Não é a sabedoria do mundo que salva, mas a ignorância. Se os carrascos soubessem o que de horrível faziam, quando repeliam o Filho do Homem; se, sabendo que Ele era o Filho de Deus, tivessem continuado deliberadamente a provocar-lhe a morte, então não haveria esperança de os pecadores se salvarem. Foi por virtude da ignorância da blasfêmia que praticavam que eles foram chamados a ouvir cair sobre si às palavras de perdão, e a obtê-lo. 

Esta primeira expressão lembra a Maria a sua. Também Ela dizia respeito à ignorância. Quando o anjo lhe anunciou que ia ser mãe do Filho de Deus, perguntara: 'Como pode ser isso, se não conheci varão?' Ignorância, aqui, significava inocência, virtude, virgindade. Ignorância que se confessa não é ignorância da verdade, mas ignorância do mal. 

Jesus perdoa aos pecadores que são ignorantes, mas não os anjos rebeldes que sabiam o que faziam e que, por consequência, tinham-se colocado fora da Redenção. Maria é bendita, porque era ignorante do homem, devido ao seu voto de virgindade. As duas expressões unem-se aqui numa só dor para Jesus e para Maria: a dor de ver que os homens não possuem a verdadeira sabedoria, aquela que só às crianças é dada: eles ignoram que só Cristo os pode salvar. 

SEGUNDA PALAVRA

A segunda expressão de Cristo foi dirigida ao ladrão arrependido. Este começou por blasfemar contra Ele, mas, ao ouvir as palavras de perdão, ao ver a beleza de sua Mãe, correspondeu à graça; considera o seu castigo como 'uma recompensa dos seus crimes'. A vista do Homem na cruz central, obedecendo à vontade do seu Pai, leva-o a aceitar a sua própria cruz, como provinha da vontade de Deus. E então lança ele um supremo apelo ao perdão, e Cristo lhe responde: 'Hoje estarás comigo no Paraíso'. 

Esta magnífica aceitação dos seus sofrimentos, por parte do ladrão, para expiar as suas faltas, faz que Maria se lembre da outra palavra do Anjo. Quando este lhe disse que Ela ia ser mãe d’Aquele a quem Isaías descreveu como o homem batido e afligido por Deus, proferiu a sua segunda palavra: Fiat. 'Faça-se em mim a tua palavra'. Não há nada no Universo que mais importância tenha do que fazer a vontade de Deus, ainda que isso leve ao ladrão um suplício, e uma dor Àquela que se tem de pé junto da Cruz. 

O Fiat de Maria foi uma dos grandes Fiats do mundo: um fez a luz, o outro aceitou a vontade do Pai, no Jardim das Oliveiras. Quanto ao de Maria, traduz-se na aceitação de uma outra vida, em que Ela se esquecerá de si própria, para ser a companheira da Cruz. O Coração de Jesus e o Coração de Maria formaram um só no Monte do Calvário, pela submissão à vontade do Pai. 

Cada um tem a sua cruz no mundo, mas não há duas cruzes que sejam idênticas. A de Nosso Senhor era a Cruz da Redenção para os pecados do Mundo; a de Nossa Senhora foi uma vida inteira de união com a Cruz. Quanto à do ladrão, consistiu em suportar a agonia na cruz, como prelúdio de uma coroa. Uma vez que a nossa liberdade é a única coisa que possuímos como própria, constitui a mais perfeita oferenda que a Deus podemos fazer. 

TERCEIRA PALAVRA

A primeira palavra de Nosso Senhor era para os seus carrascos; a segunda para os pecadores; a terceira foi dirigida à sua Mãe e a São João. Palavra de saudação e, no entanto, mercê dessa palavra, todas as relações humanas foram modificadas. Jesus chama a sua Mãe 'Mulher', e a João 'Filho' – 'Mulher, eis ai o teu Filho' – 'Filho, eis aí a tua Mãe.' É a ordem dada a todos os que irão querer segui-lo, para que vejam em sua Mãe a própria Mãe deles. Tudo o mais Ele o dera. Ia agora dar-se também. Mas, naturalmente, voltaria a encontrá-la, como Mãe do seu Corpo Místico. 

A terceira expressão de Maria foi também uma saudação. Não sabemos com rigor quais as palavras que empregou, mas sabemos que ia visitar e cumprimentar sua prima Isabel. Nesta cena evangélica, havia também um João – João Batista – que proclamava Maria como sua Mãe. Isabel, sentindo seu filho agitar-se de alegria em seu próprio ventre, fala, por sua vez, e dirige-se a Maria como 'Mãe de Deus'. Dois meninos estabelecem relações ainda mesmo antes de nascerem! 

Quando Jesus, na Cruz, proferia a sua terceira expressão, pensava Maria na sua. Na Visitação, era portadora da influência de Cristo, antes mesmo de Ele ter nascido; no Calvário, estava destinada a ser Mãe de todos aqueles que quisessem renascer. O nascimento de Jesus nenhuma dor lhe causou. Mas o de João e de milhões de entre nós, ao pé da Cruz, tal agonia lhe levaram, que Ela bem mereceu o título de Rainha dos Mártires. Jesus sacrificou-nos sua Mãe, para dela fazer nossa Mãe. Maria sacrificou o seu Divino Filho, para de nós fazer os seus filhos. Triste troca! Mas Ela estava convencida de que valia bem a pena. 

QUARTA PALAVRA

A quarta palavra da Santíssima Virgem foi o seu Magnificat; a quarta expressão de Nosso Senhor é tirada do salmo vinte e um, que começa com este desabafo de tristeza: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?' – mas que, todavia, termina quase como o canto de Maria: 'Os pobres comerão e ficarão saciados; os extremos da Terra se lembrarão do Senhor e a Ele adorarão.' Os dois cânticos elevam-se, sem que seja dado nenhum sinal de segura vitória. 

Como parece fraca, quando a consideramos apenas pelo lado humano, essa Mulher que mergulha os seus olhares até ao fim dos tempos e que profetiza: 'todas as gerações me chamarão bem-aventurada!' E como, pelo lado humano, se nos afigura sem esperança o desejo d’Aquele que ao mundo veio para se apoderar da Terra e que, repelido agora por ela, clama por seu Pai! Mas, para Jesus e para Maria, há tesouros na noite: para Maria, na noite de uma Mulher; para Jesus, na noite do Gólgota. Só aqueles que marcham na noite vêem as estrelas. 

QUINTA PALAVRA

A quinta expressão de Maria foi proferida quando Ela interroga Jesus: 'Meu Filho! Porque procedeste assim conosco? Vosso pai e eu Te procurávamos aflitos.' É essa a expressão de todas as criaturas à procura de Deus. A quinta expressão de Nosso Senhor é a do Criador à procura do homem: 'Tenho sede'. Não é a sede das águas da Terra, mas das almas. 

As palavras de Maria resumem as aspirações de todas as almas em relação a Cristo, e as palavras de Cristo consubstanciam o seu amor por cada uma das almas que Ele criou. Ora, no mundo, só existe uma coisa capaz de impedir esse encontro: é a vontade do homem. Para encontrar Deus, é preciso querer. Do contrário, Ele parecerá sempre que é um Deus que se esconde. 

SEXTA PALAVRA

A sexta expressão de Maria tinha sido uma simples prece: 'Eles não têm vinho': palavras que apressaram Nosso Senhor a realizar o seu primeiro milagre e a meter-se no caminho real do Calvário. Depois de Nosso Senhor ter saboreado, na Cruz, o vinho que lhe foi dado por um soldado, disse Ele: 'Tudo está consumado.' Essa 'hora', que Maria tinha, por assim dizer, começado, quando Cristo transmutou a água em vinho, está agora terminada: o vinho da sua vida transformou-se em Sangue: o Sangue do seu Sacrifício. 

Em Caná, Maria mandava o seu Filho para a Cruz; no Calvário, Cristo declara que terminou o seu trabalho de Redenção. O Coração Imaculado de Maria era o altar vivo sobre o qual o Sagrado Coração de Jesus se oferecia em sacrifício, e Maria não ignorava que, a partir desse momento, os homens só seriam salvos pela oferenda do Filho de Deus.

SÉTIMA PALAVRA

As últimas palavras de Maria, referidas pelo Evangelho, são as de abandono completo à vontade de Deus: 'Fazei tudo o que Ele vos disser' (Jo 11-5). Na Transfiguração, o Pai Celeste fala assim: 'Eis o meu Filho bem-amado, escutai-o'. E Maria lança este supremo apelo: 'Fazei a sua Vontade.' As últimas palavras de Jesus, na Cruz, foram aquelas pelas quais Ele abandonou a sua vida à vontade de Deus: 'Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito.' 

Maria abandonou-se a Jesus, e Jesus abandonou-se ao seu Pai. Fazer a vontade de Deus, até a morte, tal o segredo de toda a santidade. E aqui Jesus nos ensina a morrer, porque se Ele quis ter a sua Mãe junto de si, na suprema hora do seu grande abandono, como nos atreveríamos nós a deixar de dizer a ela, diariamente: 'Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém'!