segunda-feira, 29 de abril de 2024

A MANEIRA DE FALAR COM DEUS (I)

I - Deus quer lhe falemos cheios de confiança e com familiaridade

Não podia o bem aventurado Jó cessar de admirar-se, vendo Deus tão atento em espalhar os seus benefícios sobre o homem. Não parece com efeito que o Senhor nada tem mais de anseio do que nos amar e ganhar o nosso amor? Eis por que o santo exclamava, dirigindo-se a Deus: 'Que é o homem para que o eleveis tanto na vossa estima? E por que o constituis objeto do vosso afeto?' (Jó 7,17). É, portanto, erro evidente pensar que não se pode tratar com Deus familiarmente e com toda a confiança sem faltar com o respeito devido à sua infinita majestade. 

Sem dúvida, alma devota, deveis a Deus reverência cheia de humildade; sois obrigada a abater-vos na sua presença, lembrando-vos principalmente da ingratidão e ultrajes de que, no passado, vos fizestes culpada para com ele; mas nada disto deve impedir de pordes, nas vossas relações com ele, o amor mais terno, a mais inteira confiança de que sois capaz. Ele é a majestade infinita, mas ao mesmo tempo é a bondade infinita e o amor infinito. Em Deus tendes o Senhor mais sublime que pode existir, mas também o Esposo mais amante que podeis possuir. 

Longe de vos expordes ao seu desprezo, o regozijais usando com ele da confiança simples e terna dos filhinhos para com as suas mães. Escutai com que termos ele nos estimula a chegarmos à sua presença, e que carícias nos promete: 'Vós sereis como meninos que a mãe traz apertados ao seu seio e acaricia tendo-os nos joelhos, como a mãe acaricia o seu filhinho, assim eu vos consolarei' (Is 66,12). A mãe se regozija em ter o seu filhinho ao colo, em dar-lhe o nutrimento, cercá-lo de carícias; é com a mesma ternura que o nosso bom Deus se compraz de tratar as almas que lhe são caras por se haverem dado a ele sem reserva, e colocado todas as suas esperanças na sua bondade. 

Ficai certa, não há pessoa alguma que iguale a Deus no amor que ele nos tem, nem amigo, nem irmão, nem pai, nem mãe, nem esposo, nem amante. A graça divina é, segundo a palavra do sábio, o rico tesouro por meio do qual, vis criaturas e indignos escravos como somos, nos tornamos amigos queridos do nosso próprio Criador (Sb 7,14). Para nos inspirar mais confiança, ele chegou, digamos assim, até aniquilar-se, como diz São Paulo (Fp 2,7); abateu-se até fazer-se homem para morar entre nós e conversar familiarmente conosco (Br 3,38). Chegou a fazer-se menino, a fazer-se pobre, a deixar-se condenar e crucificar publicamente; chegou ainda mais a ocultar-se sob as espécies de pão, para ser companheiro perpétuo do nosso exílio, e unir-se intimamente conosco: 'Aquele que come o meu corpo e bebe o meu sangue, permanece em Mim, e Eu permaneço nele' (]o 6,57). 

Dir-seia enfim que Ele vos ama de tal maneira, que sois o único objeto do seu amor. Também, do vosso lado, não deveis amar nada fora de Deus; como tendes o direito de dizer: 'O meu amado é meu', é preciso que digais também: 'E eu sou dele' (Ct 2,16); sim, pois que o meu Deus se deu todo a mim, dou-me todo a Ele; pois que me escolheu para a sua amada, eu o escolhi entre todos para o meu único amor (Ct 5,10). Dizei-lhe então muitas vezes: 'Senhor, por que me amais tanto? Que bem achais em mim? Esquecestes as injúrias que vos fiz? Ah! já que me tendes tratado com tanto amor e, em vez de me precipitar no inferno, me cumulastes de tantas graças, a quem quereria eu amar no futuro, senão a vós, meu sumo bem, meu tudo! Ó meu Deus amabilíssimo, o que mais me aflige nas ofensas passadas, não é tanto a pena que mereci, mas antes o desgosto que vos causei, a vós, que sois digno de amor sem limites. 

O profeta nos afiança contudo que vós não sabeis desprezar um coração que se arrepende e humilha (Sl 50,19). Agora, eu clamo não querer mais nada nesta vida nem na outra, senão a Vós somente. 'Porquanto que há para mim no céu? E, fora de Vós, o que poderia eu desejar na terra? Ó Deus do meu coração, vós sois a minha herança para sempre!' (Sl 72,25-26). Sois e sereis sempre o dono do meu coração, da minha vontade, o meu único bem, o meu paraíso, a minha esperança, o meu amor, o meu tudo; eu o repito: Vós sois o Deus do meu coração e a minha partilha por toda a eternidade. 

Para fortalecer cada vez mais a vossa confiança em Deus, recordai-vos frequentemente do seu proceder tão cheio de bondade para convosco, e dos meios pelos quais a sua misericórdia vos tirou da vossa vida desregrada, vos arrancou às afeições terrenas, e atraiu ao seu santo amor. O vosso medo único seja não terdes bem confiança nas relações com o vosso Deus, agora que estais resolvida a amá-lo e dar-lhe agrado de todo o vosso poder. A misericórdia que Ele tem usado convosco é penhor seguro do amor que vos tem. Deus não vê sem desprazer a falta de confiança nas almas que Ele ama e de que é sinceramente amado. 

Se, pois, quereis regozijar o seu coração terníssimo, testemunhai-lhe de agora em diante toda a confiança e afeto de que sois capaz. 'Eis que te escrevi nas minhas mãos; os teus muros estão sempre diante dos meus olhos' (Is 49,16). Alma querida, diz o Senhor, por que estes temores, estas desconfianças? Eu trago o teu nome gravado na minha mão, a fim de nunca perder de vista a tua felicidade. São talvez os teus inimigos que te fazem tremer? Mas sabe que o cuidado da tua defesa está continuamente presente ao meu pensamento, e não me é possível esquecê-la. Seguro nesta proteção divina, Davi exclamava com alegria: 'Senhor, a vossa benevolência é como um escudo com que nos cobris' (Sl 5,13); quem poderá nos causar dano enquanto a vossa bondade e amor formarem ao redor de nós uma como muralha impenetrável aos nossos inimigos? 

Reanimai sobretudo a vossa confiança pensando no dom que Deus nos fez de Jesus Cristo. 'Porque' - dizia o próprio Jesus - 'Deus amou o mundo a ponto de dar o seu Filho único' (Jo 3,16). E depois disto, exclama o Apóstolo, depois que Ele nos deu seu próprio Filho, como temermos que nos recuse alguma coisa? (Rm 8,32). O paraíso de Deus é, pode-se dizer, o coração do homem. Deus vos ama, amai-o; as suas delícias, Ele vos declara, são estar convosco (Pv 8,31); sejam as vossas estar com Ele, passar todo o tempo da vossa vida mortal com Aquele cuja amável companhia esperais gozar na eterna bem aventurança. Tornai então o hábito de falar-lhe sempre e sempre, familiarmente, com amor e confiança, como ao amigo mais caro que tendes, e aquele que mais vos ama.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 28 de abril de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Senhor, sois meu louvor em meio à grande assembleia!' (Sl 21)

Primeira Leitura (At 9,26-31) - Segunda Leitura (1Jo 3,18-24) -  Evangelho (Jo 15,1-8)

  28/04/2024 - QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA

22. A VIDEIRA ETERNA 


Neste Quinto Domingo da Páscoa, como os ramos da videira eterna, somos chamados a permanecer em Deus, vivendo em plenitude os ensinamentos de Cristo e, como cooperadores e partícipes na obra do Pai, sermos frutos de salvação, no apostolado diário e na vivência diária da nossa vocação para a santidade, como Filhos de Deus: 'Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim' (Jo 15, 4).

Eis a verdadeira medida do nosso amor: a plena confiança em Deus e nos desígnios da Providência Divina. Que nada além desta disposição interior, de colocar tudo nas mãos de Deus, seja o nosso conforto e consolação. Deus governa todas as coisas e sabe, muito além de nós mesmos, como nos levar a uma mais perfeita santificação. Com Cristo, por Cristo e em Cristo, a seiva da graça é levada a todos os ramos para que possam produzir muitos frutos de salvação: 'Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer' (Jo 15, 5).

Como rebentos vigorosos da videira eterna, somos cuidados com infinito amor. Deus é o próprio agricultor destas vinhas eternas; nos cerca de zelos extremados, corta as imperfeições de nossas almas insensatas; poda os ramos que se curvam sob o peso das tentações e das provações, para que se reergam mais fortes e mais atraídos para o alto, para os ditames da luz. Como ramos limpos e regados com a seiva da vida eterna, somos chamados à perseverança em Deus, permanecendo e fazendo conservar no coração os tesouros da graça, a exemplo de Maria, nossa Mãe, que 'conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração' (Lc 2, 19).

Perdida a seiva, os ramos secam, atrofiam, morrem... não podendo se sustentar por si mesmos, perdem o vigor, a essência da vida; não podem dar frutos nem sementes, caem por terra e serão consumidos pelo fogo: 'Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados' (Jo 15, 6). Não há meio termo no plano da salvação: ou somos ramos vivos ligados à videira, ou somos ramos mortos destinados ao fogo eterno. Pelo apostolado, por nossas obras de caridade, tornamo-nos rebentos vivos desta videira eterna, como discípulos de Jesus e para a maior glória de Deus.

sábado, 27 de abril de 2024

'SEGUE- ME!'


A imitação de Cristo está expressa nas palavras: 'Segue-me'. Sim, isso Ele o diz a Pedro, mas também a todo cristão: 'segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo apego como livre o sou'. Por isso é que Jeremias afirma: 'Chamar-me-ás de Pai e não te cansarás de andar atrás de mim' (Jr 3,19). Segue-me, portanto, e joga fora o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim que corro. 'Corri tendo sede', diz o salmista (Sl 61,5); sede, entende-se, a de salvar a humanidade. E para onde ele corre? Na direção da cruz. Por isso, corra também atrás de Cristo para que assim como Ele tomou sua cruz por ti, também tu tomes a tua cruz por ti. 

Lê-se no evangelho de Lucas: 'Se alguém quer vir após mim, renegue a si mesmo' (Lc 9,23), ou seja, sacrifique a própria vontade, tome a sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é, continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a mim e encontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos: 'Vinde à parte a um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito, tão grande era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo para comer' (Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão e vêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o alimento da eterna doçura, nem de sentir o sabor da contemplação interior. Eis porque o bondoso Mestre diz ainda: 'Vinde à parte, para longe da multidão, vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e descansai um pouco'. Sim, 'um pouco', porque como diz o Apocalipse: 'Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma meia hora' (Ap 8,1) e o salmista: 'Quem me dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?' (Sl 54,7). E o profeta Oséias também diz: 'Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao coração' (Os 2,16). 

Nestas três expressões - amamentarei / conduzirei / falarei ao coração - podem-se notar também três situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior da mente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como são grandes também a contemplação e o êxtase! 

Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de si mesma. Através da sublime contemplação, ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma e, através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso: 'segue-me!'. O Senhor fala como uma mãe carinhosa que quando está ensinando seu bebê a caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz: 'Vem, vem, eu vou te dar!' E quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho vai se afastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: 'Vem, vem, pega!' Existem também pássaros que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o sigamos e promete o prêmio no Reino dos Céus.

Segue-me, portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dos Provérbios encontra-se escrito a este propósito: 'Mostrar-te-ei o caminho da sabedoria. Conduzir-te-ei pelos caminhos da retidão. Quando neles entrares, teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás de tropeçar' (Pv 4,11-12). O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o caminho da estultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou quando disse: 'Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vossas almas' (Mt 11,29). 

O caminho é estreito, dá apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar... Caminhos da retidão são os da pobreza e da obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e obediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem reto! Mas o que causa maravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos, os passos dados neles não são indecisos e nem sem jeito. O caminho do mundo, ao contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem segundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados que acham sempre estreito qualquer caminho, mesmo o mais largo... Quem percorrer esses caminhos seguindo a Jesus, jamais encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da própria vontade. 

Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei 'aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem' (1Cor 2,9). 'Segue-me e dar-te-ei' - diz Isaías - 'tesouros escondidos e riquezas ocultas' (Is 45,3). E ainda: 'À vista disso ficarás radiante de alegria e teu coração estremecerá e se dilatará' (Is 60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como Ele é e te encherás de delícias e riquezas na alma e no corpo. Teu coração admirará as ordens dos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da imensa felicidade, se dilatará na exultação e no louvor. Portanto: 'segue-me!'

(Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua)

sexta-feira, 26 de abril de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (I)


PARTE I

No Paraíso há muitos santos que nunca deram esmolas na terra: a sua pobreza por si só os justificava. Há muitos santos que nunca mortificaram o seu corpo com jejuns, nem usaram cilícios: as suas enfermidades corporais os desculpavam. Há também muitos santos que não eram virgens: a sua vocação era outra. Mas no Paraíso não há nenhum santo que não tenha sido humilde.

1. Deus expulsou os Anjos do Paraíso por causa da sua soberba; portanto, como podemos pretender entrar nele, se não nos mantivermos num estado de humildade? Sem humildade, diz São Pedro Damião [Sermão 45], nem a própria Virgem Maria, com a sua incomparável virgindade, poderia ter entrado na glória de Cristo; e nós devemos convencer-nos desta verdade: embora destituídos de algumas das outras virtudes, podemos ser salvos, mas nunca sem humildade. Há pessoas que se lisonjeiam de ter feito muito conservando a castidade imaculada, e realmente a castidade é um belo adorno; mas como diz o angélico São Tomás: 'Falando absolutamente, a humildade excede a virgindade' [4 dist. qu. xxxiii, art. 3 ad 6; et 22, qu. clxi, art. 5]

Muitas vezes estudamos diligentemente para nos precavermos e corrigirmos dos vícios da concupiscência que pertencem a uma natureza sensual e animal, e este conflito interior que o corpo trava adversus carnem [Gl 5,17] é verdadeiramente um espetáculo digno de Deus e dos seus Anjos. Mas, infelizmente, quão raramente usamos esta diligência e cautela para vencer os vícios espirituais, dos quais o orgulho é o primeiro e o maior de todos e que, por si só, bastou para transformar um Anjo num demônio!

2. Jesus Cristo chama-nos a todos à sua escola para aprendermos, não a fazer milagres nem a maravilhar o mundo com empreendimentos maravilhosos, mas a sermos humildes de coração. 'Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração'. Ele não chamou todos para serem doutores, pregadores ou sacerdotes, nem concedeu a todos o dom de restituir a vista aos cegos, curar os doentes, ressuscitar os mortos ou expulsar os demônios, mas a todos disse: 'Aprendei de Mim a ser humildes de coração' e a todos Ele deu o poder de aprender a humildade dEle. Inúmeras coisas são dignas de serem imitadas no Filho de Deus encarnado, mas Ele só nos pede que imitemos a sua humildade. E então? Devemos supor que todos os tesouros da Sabedoria Divina que estavam em Cristo devem ser reduzidos à virtude da humildade? 'É certamente assim' - responde Santo Agostinho. A humildade contém todas as coisas, porque nessa virtude está a verdade; portanto, Deus também deve habitar nela, pois Ele é a verdade.

O Salvador poderia ter dito: 'Aprendei de mim a ser castos, humildes, prudentes, justos, sábios, abstêmios...'. Mas Ele só disse: 'Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração' e só na humildade Ele inclui todas as coisas, porque, como diz Santo Tomás, 'a humildade adquirida é, em certo sentido, o maior bem'. Por isso, quem possui esta virtude pode dizer-se que possui todas as virtudes, no que diz respeito à sua disposição próxima, e quem carece dela, carece de todas.

3. Lendo as obras de Santo Agostinho, encontramos em todas elas que sua única idéia era a exaltação de Deus acima da criatura, tanto quanto possível, e tanto quanto possível a humilde sujeição da criatura a Deus. O reconhecimento desta verdade deveria encontrar lugar em cada espírito cristão, estabelecendo-se - segundo a agudeza e a penetração da nossa inteligência - uma conceção sublime de Deus e uma conceção humilde e vil da criatura. Mas isso só se consegue com humildade.

A humildade é, na realidade, uma confissão da grandeza de Deus, que, depois de seu auto-aniquilamento voluntário, foi exaltado e glorificado; por isso, a Sagrada Escritura diz: 'porque só a Deus pertence a onipotência, e é somente pelos humildes que ele é verdadeiramente honrado' [Eclo 3, 21]. 

Foi por esta razão que Deus se comprometeu a exaltar os humildes, e continuamente derrama novas graças sobre eles em troca da glória que Ele constantemente recebe deles. Por isso, a palavra inspirada nos lembra novamente: 'Sê humilde, e perante Deus acharás misericórdia' [Eclo 3, 20]. O homem mais humilde honra mais a Deus por sua humildade, e tem a recompensa de ser mais glorificado por Deus, que disse: 'Quem me honrar, Eu glorificá-lo-ei' [Eclo 3,20]. Ah se pudéssemos ver quão grande é a glória dos humildes no Céu!

4. A humildade é uma virtude que pertence essencialmente a Cristo, não apenas como homem, mas mais especialmente como Deus, porque para Deus ser bom, santo e misericordioso não é virtude, mas natureza, e a humildade é apenas uma virtude. Deus não pode exaltar-se acima do que é, no seu altíssimo Ser, nem pode aumentar a sua vasta e infinita grandeza; mas pode humilhar-se, como de fato se humilhou e rebaixou. 'Humilhou-se e esvaziou-se a si mesmo' [Fp 2,7-8], revelando-se-nos, pela sua humildade, como o Senhor de todas as virtudes, o vencedor do mundo, da morte, do inferno e do pecado.

Nenhum exemplo maior de humildade pode ser dado do que o do Filho Único de Deus quando 'o Verbo se fez Carne'. Nada pode ser mais sublime do que as palavras do Evangelho de São João: 'No princípio era o Verbo'. E nenhuma humilhação pode ser mais profunda do que a que se segue: 'E o Verbo se fez carne'. Por esta união do Criador com a criatura, o mais alto foi unido ao mais baixo. Jesus Cristo resumiu toda a sua doutrina celeste na humildade e, antes de a ensinar, quis praticá-la perfeitamente. Como diz Santo Agostinho: 'Ele não estava disposto a ensinar o que Ele mesmo não era, Ele não estava disposto a ordenar o que Ele mesmo não praticava' [Lib. de sancta virginit. c. xxxvi].

Mas com que objetivo fez Ele tudo isto, senão para que todos os seus seguidores aprendessem a humildade através de um exemplo prático? Ele é o nosso Mestre, e nós somos os seus discípulos; mas que proveito retiramos dos seus ensinamentos, que são práticos e não teóricos? Que vergonha seria para alguém, depois de ter estudado durante muitos anos numa escola de arte ou de ciência, sob o ensino de excelentes mestres, se continuasse a ser absolutamente ignorante! A minha vergonha é realmente grande, porque vivi tantos anos na escola de Jesus Cristo e, no entanto, não aprendi nada daquela santa humildade que Ele procurou tão ardentemente ensinar-me. 'Tende piedade de mim segundo a vossa Palavra. Vós sois bom, e na vossa bondade ensinai-me as vossas justificações. Dai-me entendimento, e aprenderei os vossos mandamentos' [Sl 118, 58. 68.73].

5. Há uma espécie de humildade que é de conselho e de perfeição, como aquela que deseja e procura o desprezo dos outros; mas há também uma humildade que é de necessidade e de preceito, sem a qual, diz Cristo, não podemos entrar no reino dos Céus: 'Não entrarás no reino dos Céus'. E esta consiste em não nos estimarmos e em não querermos ser estimados pelos outros acima do que realmente somos. Ninguém pode negar esta verdade, que a humildade é essencial para todos aqueles que desejam ser salvos: 'Ninguém chega ao reino dos Céus senão pela humildade' - diz Santo Agostinho [Lib. de Salut. cap. xxxii].

Mas, pergunto eu, que humildade é essa que é tão necessária? Quando nos é dito que a fé e a esperança são necessárias, também nos é explicado o que devemos crer e esperar. Do mesmo modo, quando se diz que a humildade é necessária, em que deve consistir a sua prática, senão na mais baixa opinião de nós mesmos? É neste sentido moral que a humildade do coração foi explicada pelos pais da Igreja. Mas posso dizer com verdade que possuo essa humildade que reconheço como necessária e obrigatória? Que cuidado ou solicitude demonstro para a adquirir? Quando uma virtude é de preceito, também o é a sua prática, como ensina Santo Tomás. E, portanto, como há uma humildade que é de preceito, 'ela tem a sua regra na mente, isto é, que não se deve estimar a si mesmo como estando acima daquilo que realmente se é' [22, quo xvi, 2, art. 6].

Como e quando pratico os seus atos, reconhecendo e confessando a minha indignidade diante de Deus? A oração frequente de Santo Agostinho era a seguinte: Noscam te, noscam me - 'Que eu Te conheça, que eu me conheça a mim mesmo!' E com esta oração ele pedia a humildade, que não é outra coisa senão um verdadeiro conhecimento de Deus e de si mesmo. Confessar que Deus é o que é, o Onipotente: 'Grande é o Senhor e muito digno de ser louvado' [Sl 47,2] e declarar que não passamos do nada perante Ele: 'A minha substância é como nada diante de Vós' [Sl 38,6] - isto é ser humilde.

6. Não há desculpa válida para não ser humilde, porque temos sempre, dentro e fora de nós, razões abundantes para a humildade: 'E a tua humilhação estará no meio de ti' [Mq 6,14]. É o Espírito Santo que nos envia esta advertência pela boca do seu profeta Miqueias. Quando consideramos bem o que somos no corpo e o que somos na alma, parece-me muito fácil humilharmo-nos, e mesmo muito difícil sermos orgulhosos. Para ser humilde, basta que eu alimente dentro de mim aquele sentimento correto que pertence a todo o homem que é honrado aos olhos do mundo, de se contentar com o que é seu sem privar injustamente o nosso próximo do que é dele. Portanto, como não tenho nada de meu a não ser o meu nada, é suficiente para a humildade que eu me contente com esse nada. Mas se sou orgulhoso, torno-me como um ladrão, apropriando-me do que não é meu, mas de Deus. E, sem dúvida, é maior pecado roubar a Deus o que lhe pertence do que roubar ao homem o que é do homem.

Para sermos humildes, ouçamos a revelação do Espírito Santo, que é infalíve: 'Eis que tu não és nada, e a tua obra é do que não tem existência'. Mas quem está realmente convencido do seu próprio nada? É por esta razão que na Sagrada Escritura é dito: 'Todo homem é um mentiroso'. Pois não há homem que, de tempos a tempos, não alimente uma incrível autoestima e forme uma falsa opinião sobre o seu ser, ou ter, ou alcançar algo mais do que é possível ao seu próprio nada.

Para sabermos o que é, na realidade, o nosso corpo, basta-nos olhar para o túmulo, porque, pelo que lá vemos, temos de concluir inevitavelmente que, tal como acontece com esses corpos decaídos, assim será em breve conosco. E, com essa reflexão, devo dizer a mim mesmo:  'Por que é que a terra e as cinzas são orgulhosas?' Eis a glória do homem, porque a sua glória é esterco e vermes; hoje é elevado, e amanhã não será encontrado, porque voltou à sua terra, e o seu pensamento é reduzido a nada [1 Mc 2, 62 - 63]. Ó minha alma, sem ir mais longe para procurar a verdade, entra em pensamento no coração da tua morada que é o teu corpo! 'Entra e fecha-te no meio da tua casa'. Entra e olha bem ao teu redor, e não encontrarás nada além de corrupção. 'Vai ao barro e pisa-o'. Para onde quer que te voltes, não verás nada além de putrefação acontecendo.

7. Para sabermos o que realmente somos, examinemos a nossa própria consciência. E, encontrando nela apenas a nossa própria malícia e a capacidade de cometer toda a espécie de iniquidade, não diremos todos a nós mesmos: 'Por que te glorias na malícia, tu que és poderoso na iniquidade?' Que tens tu, alma minha, para te glorificares? Tu, que és um vaso de iniquidade e um poço de pecado e vício? Não é toda essa autoglorificação - quer seja pelos teus dons corporais ou espirituais, quer seja pelo que buscas construir para ti uma reputação - senão vaidade e engano?

Ó como é verdade que todo homem é um mentiroso, pois é preciso ter apenas um pouco de orgulho para ser um mentiroso, e não há ninguém que não tenha herdado, por meio de nossos primeiros pais, algo desse orgulho que eles aprenderam ao ouvir a promessa enganosa da serpente: 'E sereis como deuses' [Gn 3,5]. Também se pode dizer que todo o homem é mentiroso neste sentido - que não raro preza mais a Terra do que o Céu, mais o corpo do que a alma, mais as coisas temporais do que as eternas, mais a criatura do que o Criador - e é por isso que Davi exclama: 'Ó filhos dos homens, porque amais a vaidade e procurais a mentira?' [Sl 4,3] e 'Os homens não passam de um sopro, e de uma mentira os filhos dos homens' [Sl 61,10].

Mas, na realidade, a mentira reside essencialmente no orgulho que nos faz estimarmo-nos acima do que somos. Quem se considera mais do que o nada está cheio de orgulho e é um mentiroso. É a afirmação de São Paulo: 'Se alguém se julga alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo' [Gl 6,3]. Sempre que me estimo a mim mesmo, preferindo-me aos outros, engano-me com esta auto-adulação e cometo um erro contra a verdade.

8. Basta que uma virgem tenha caído uma unica vez para que perca a virgindade; e basta que uma esposa tenha sido infiel apenas uma vez para que seja perpetuamente desonrada; mesmo que depois ela possa realizar muitas obras nobres, ainda assim sua desonra nunca poderá ser apagada, e o aguilhão e a dolorosa lembrança de sua vergonha e culpa devem permanecer para sempre em sua consciência.

E assim, mesmo que em todo o curso da minha vida eu tenha cometido apenas um pecado, o fato permanecerá sempre que eu pequei e cometi a pior e mais ignominiosa ação. E mesmo que eu viva uma vida de penitência contínua, e esteja certo do perdão de Deus, e que o pecado já não exista na minha consciência, ainda assim terei sempre motivo de vergonha e humilhação pelo fato de ter pecado: 'O meu pecado está sempre diante de mim; pequei e fiz o que era mau aos vossos olhos' [Sl 50, 5-6].

9. Que diríamos se víssemos o carrasco público a andar pelas ruas e a pretender ser estimado, respeitado e honrado? Consideraríamos sua desfaçatez tão insuportável quanto sua vocação é infame. E tu, minha alma, cada vez que pecaste mortalmente, foste como um carrasco, pregando na Cruz o Filho de Deus! Assim, São Paulo descreve os pecadores como 'crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus' [Hb 6,6].

E com este caráter de infâmia que trazes dentro de ti, ainda te atreves a exigir honra e estima? Ainda terás a coragem de dizer: 'Insisto em ser honrado e respeitado, não serei menosprezado'? Por mais que o orgulho me tente a vangloriar-me e a procurar estima, tenho motivos de sobra para corar de vergonha quando ouço a voz da consciência a reprovar-me pela minha ignomínia e pelos meus pecados, e a reprovar-me por ser um pérfido e ingrato rebelde contra Deus, um traidor e um carrasco que cooperou na Paixão e Morte de Jesus Cristo: 'Continuamente estou envergonhado, a confusão cobre-me a face, por causa dos insultos e ultrajes de um inimigo cheio de rancor.' [Sl 43, 16-17].

10. Temos de reconhecer que uma das cinco razões pelas quais não vivemos nesta humildade necessária é o fato de não temermos a justiça de Deus. Vede um criminoso, como ele se apresenta humildemente diante do juiz, com os olhos baixos, o rosto pálido e a cabeça inclinada: ele sabe que foi condenado por crimes atrozes; sabe que, com isso, mereceu a pena capital e pode, com justiça, ser condenado à forca, e por isso teme, e seu temor o mantém humilde, expulsando de seu cérebro todo pensamento de ambição e vanglória. Assim, a alma, consciente dos numerosos pecados que cometeu, consciente de que mereceu de fato o Inferno, e que de um momento para o outro pode ser condenada ao Inferno pela justiça Divina, teme a ira de Deus, e este temor faz com que a alma permaneça humilde perante Ele; e se não sente esta humildade, só pode ser porque falta o temor de Deus: 'Não há temor de Deus diante de seus olhos' [Sl 35,2]. Assim clamai a Deus de coração: 'estremeço pois vossos decretos inspiram-me temor' [Sl 118,120].

E esse santo temor, que é o princípio da sabedoria, será também o princípio da verdadeira humildade; pois, como diz a Palavra inspirada, a humildade e a sabedoria são companheiras inseparáveis: 'Onde está a humildade, aí também está a sabedoria' [Pv 11,2].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

BUSCAR CONSOLAÇÃO SOMENTE EM DEUS

 

Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência. A inclinação sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas.

Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências. Deixa as vaidades para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com ele em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor terias conservado a santa paz; enquanto folgares de ouvir novidades, terás que sofrer desassossego do coração.

...

Quando o homem chega ao ponto de não buscar sua consolação em nenhuma criatura, só então começa a gostar perfeitamente de Deus, e anda contente, aconteça o que acontecer. Então não se alegra pela abundância, nem se entristece pela penúria, mas confia inteira e fielmente em Deus, que lhe é tudo em todas as coisas, para quem nada perece nem morre, mas por quem vivem todas as coisas e a cujo aceno, com prontidão, obedecem.

Lembra-te sempre do fim, e que o tempo perdido não volta. Sem empenho e diligência, jamais alcançarás as virtudes. Se começares a ser tíbio, logo te inquietarás. Se, porém, procurares afervorar-te, acharás grande paz e sentirás mais leve o trabalho com a graça de Deus e o amor da virtude. O homem fervoroso e diligente está preparado para tudo. Mais penoso é resistir aos vícios e às paixões que afadigar-se em trabalhos corporais. Quem não evita os pequenos defeitos pouco a pouco cai nos grandes. Alegrar-te-ás sempre à noite, se tiveres empregado bem o dia. Vigia sobre ti, anima-te e admoesta-te e, vivam os outros como vivem, não te descuides de ti mesmo. Tanto mais aproveitarás, quanto maior for a violência que te fizeres. Amém.

(Da Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis)

quarta-feira, 24 de abril de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (321/325)

 

321. UMA SÓ BOCA

Zenão, estando em companhia de um jovem que falava demais, disse-lhe: 'Fica sabendo que temos dois ouvidos e uma só boca, para escutarmos duas vezes mais do que falamos'.

322. GUARDANDO SILÊNCIO

Alguém perguntou a Pitágoras como poderia chegar a ser seu discípulo. O filósofo respondeu: 'Guardando silêncio até que seja necessário falar; não dizendo senão o que sabeis bem; fazendo o maior bem possível e falando pouco, porque o silêncio é sinal de prudência e a tagarelice é sinal de tolice. Não vos apresseis a responder, e deixai que aquele que pergunta acabe de falar. Não faleis mal de ninguém'. Costumava condenar seus discípulos a cinco anos de silêncio.

323. ADULAÇÃO EXAGERADA

Alexandre Magno atravessava um grande rio numa barca em companhia de Aristóbulo. Este, durante a travessia, pôs-se a ler em alta voz a história do conquistador, mesclada com elogios de uma adulação exagerada. Alexandre tomou o livro e atirou-o ao rio, dizendo que o autor merecia a mesma sorte, por ser mais culpado que os seus escritos.

324. NÃO RESPONDEREI

Um dia estava Metelo a falar mal de Tácito, que, ouvindo-o, disse-lhe: 'Podes falar como te aprouver, porque eu não responderei. Se aprendeste a falar mal, eu aprendi a desprezar a maledicência'.

325. DIANTE DE UM QUIOSQUE

Regressava Dom Bosco ao oratório numa tarde de 1851. Ao passar diante de um quiosque, parou para olhar os livros. O vendedor então lhe disse:
➖ Esses livros não servem para o senhor porque são todos protestantes.
➖ Estou vendo - disse-lhe o santo - mas, na hora da morte, estará o senhor tranquilo, depois de haver vendido tais livros e haver propagado o erro?

Ditas estas palavras, saudou-o e retirou-se. O vendedor perguntou quem era aquele sacerdote e, ao saber que era Dom Bosco, tratou de conversar com ele. Em seguida, levou-lhe todos os livros para serem queimados e, dali em diante, seguiu sempre o bom caminho.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

terça-feira, 23 de abril de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXVIII)

'Para Deus, vale mais uma hora de paciência que o jejum de um dia inteiro' 
(Dom Bosco)

'Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entra­nhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura e paciência' (Cl 3,12)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

SOBRE A VIRTUDE CRISTÃ DA ESPERANÇA

Rezo para que, nesta Páscoa, o Senhor repita aos seus amigos: 'Por que estás tão deprimido, tão desanimado e por que está o teu coração perturbado?' Pois digo então a vós: Regozijai-vos porque há trevas e perseguição no mundo. Alegrai-vos porque há trevas e perseguições no mundo. Não disse o Mestre que, como o perseguiram, assim perseguiriam os seus seguidores? Teremos perdido a virtude cristã da esperança? Por que razão a nossa conduta deveria ser diferente daquela dos cristãos do primeiro século da nossa era? Também eles olhavam o mundo com desconfiança, esperando o seu fim a qualquer momento, precedido da vinda de Jesus Cristo e do julgamento. Mas aguardavam-no com coragem; procuravam as coisas mais altas com fé na Ressurreição.

Hoje, pelo contrário, há uma maioria de pessoas que procuram mais a segurança do que a felicidade na Ressurreição. Eles são, ou nós somos, como aqueles que, numa viagem marítima, se preocupam mais com o colete salva-vidas do que com a beleza do mar ou que, numa viagem aérea, se interessam mais pelo pára-quedas do que pela beleza do céu de Deus... Mas digamos com São Paulo: 'Se Cristo não ressuscitou, somos os mais miseráveis do mundo'. Como podemos acreditar que Deus reserva aos seus inimigos todas as satisfações e alegrias, e aos seus filhos todas as dores e sofrimentos? 

Estamos condenados a dependurar os braços nos salgueiros chorosos, a cantar apenas lamentações tristes, enquanto os filhos de Satanás riem e triunfam? Não! Vamos até Deus e o chamemos de 'Pai', como seus filhos por adoção, o que não é o mesmo que por escravidão. Não tenhamos medo! Estejamos plenamente convencidos de que Aquele que entrou no túmulo era a própria Verdade e que a Verdade, pisoteada, ressuscitará irresistivelmente... Que aqueles que acreditam na Ressurreição não percam o ânimo! Lembrem-se de que a Igreja, tal como Jesus, não só tem uma vida contínua, como também sobreviveu a milhares de crucificações e a outras tantas ressurreições... 

Não desanimeis! Lembrai-vos de que o vosso Rei, embora pareça ausente por vezes ao conceder ao mal as suas horas, vence sempre a competição. Dizei então como São Paulo: 'A tribulação ou a angústia? A fome, a nudez, os perigos, a perseguição, a espada? Estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer criatura nos poderá separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor'.

(Venerável Fulton Sheen)

domingo, 21 de abril de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se agora a pedra angular' (Sl 117)

Primeira Leitura (At 4, 8-12) - Segunda Leitura (1Jo 3,1-2) -  Evangelho (Jo 10,11-18)

  21/04/2024 - QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA

21. O BOM PASTOR


No Quarto Domingo da Páscoa, Jesus se apresenta como o Bom Pastor: 'Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas' (Jo 10, 11). Jesus acabara de curar um cego de nascença e os fariseus o condenavam por ter praticado um milagre tão extraordinário num sábado. Mas o cego, superando a obstinação, a hipocrisia e as ameaças daqueles homens, não apenas viera reencontrar Jesus mas, como ovelha do Bom Pastor, prostrou-se diante dele e o adorou. Diante da multidão perplexa por estes fatos, Jesus projeta no cego curado as ovelhas do seu rebanho, e se apresenta como o Bom Pastor que acolhe as suas ovelhas com doçura extrema e infinita misericórdia, e que é capaz de dar a sua vida por elas.

Jesus, o Bom Pastor, conhece e ama, com profunda misericórdia, cada uma de suas ovelhas desde toda a eternidade: 'Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas' (Jo 10, 14 - 15). Nada, nem coisa, nem homem, nem demônio algum, poderá nos apartar do amor de Deus. Porque este amor, sendo infinito, extrapola a nossa condição humana e assume dimensões imensuráveis. Ainda que todos os homens perecessem e a humanidade inteira ficasse reduzida a um único homem, Deus não poderia amá-lo mais do que já o ama agora, porque todos nós fomos criados, por um ato sublime e extraordinariamente particular da Sua Santa Vontade, como herdeiros dos céus e para a glória de Deus: 'Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!' (Rm 11, 36).

A missão do Bom Pastor é universal, porque o rebanho é universal e só um verdadeiramente é o Bom Pastor, que não abandona nunca as suas ovelhas: 'Haverá um só rebanho e um só pastor' (Jo 10, 16). Todos aqueles que ainda não se encontram no redil do Bom Pastor, a Santa Igreja, devem ser buscados como ovelhas desgarradas, para que se unam ao único rebanho e que, sob a voz do Bom Pastor, sejam conduzidas com segurança às fontes da água da vida (Ap 7, 17): 'Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 1, 10). Jesus nos convoca, assim, à missão de um apostolado universal, delegando a todos nós, os batizados, a enorme tarefa da evangelização para que se faça, no redil da terra, um só rebanho e um só Pastor.

Reconhecer-nos como ovelhas do rebanho do Bom Pastor é manifestar em plenitude a nossa fé e esperança em Jesus Cristo, Deus Único e Verdadeiro: 'Dai graças ao Senhor, porque ele é bom! Eterna é a sua misericórdia!' (Sl 117). Como ovelhas do Bom Pastor, a pedra angular (At 4, 11) que nunca nos será tirada, não nos basta ouvir somente a voz da salvação; é preciso segui-lo em meio às provações da nossa humanidade corrompida, confiantes e perseverantes na fé, pois 'desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como Ele é' (1 Jo 3, 2).

sábado, 20 de abril de 2024

'FICA NA BARCA E CLAMA POR DEUS!'

Por todas as coisas que fez, o Senhor nos ensina como viver aqui na terra. Não há ninguém neste mundo que não seja viajante, ainda que nem todos desejem regressar à pátria. Nós sofremos com as ondas e as tempestades que decorrem da travessia, mas, mesmo assim, fiquemos no navio. Com efeito, se dentro do navio corremos perigo, fora dele a morte é inevitável! Aquele que nada em alto mar pode ter muita força em seus braços, mas será, cedo ou tarde, vencido pela imensidão do oceano, é devorado por ele e desaparece.

Portanto, é necessário estarmos no navio, ou seja, sermos transportados pela madeira de um lenho, para poder atravessar o mar. O madeiro que carrega a nossa fraqueza é a cruz de nosso Senhor, da qual trazemos o sinal em nossa fronte, e que nos impede de ser engolidos pelo mundo. Sofremos as agitações das ondas, mas é o Senhor que nos transporta.

A barca que transporta os discípulos, isto é, a Igreja, navega, e a tempestade das provações a tomam de assalto. O vento contrário, ou seja, o demônio que faz oposição à Igreja, não se acalma, esforçando-se por impedi-la de chegar ao repouso do porto. Grande é, porém, aquele que intercede por nós. Com efeito, durante a tumultuosa navegação em que nos debatemos, ele nos inspira confiança, vem a nós e nos reconforta, a fim de que, sacudidos pela barca, não nos deixemos abater e não nos lancemos ao mar.

Porque, mesmo se a barca é sacudida pelas ondas, é apesar de tudo uma barca, e somente esta barca transporta os discípulos e acolhe Cristo. Ela corre um grande risco no mar mas, fora dela, imediatamente perecemos.

Conserva-te, pois, na barca e clama por Deus. Todos os conselhos podem falhar, o leme pode tornar-se insuficiente, as velas abertas mais perigosas que úteis – quando todos os socorros humanos falharem, só resta aos marinheiros rezar e elevar a Deus seus corações. Aquele que concede aos navegantes a graça de chegar ao porto, iria acaso abandonar a sua Igreja, em vez de reconduzi-la ao repouso?

(Santo Agostinho)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

'NO CORAÇÃO DA IGREJA SEREI O AMOR'


Não obstante a minha pequenez, queria iluminar as almas como os Profetas e os Doutores, sentia a vocação de ser Apóstolo... Queria ser missionário, não apenas durante alguns anos, mas queria ter sido desde o princípio do mundo e continuar até a consumação dos séculos. Mas acima de tudo, ó meu amado Salvador, queria derramar o sangue por Vós até a última gota. 

Porque durante a oração estes desejos me faziam sofrer um autêntico martírio, abri as epístolas de São Paulo a fim de encontrar uma resposta. Casualmente fixei-me nos capítulos XII e XIII da Primeira Epístola aos Coríntios e li no primeiro que nem todos podem ser ao mesmo tempo Apóstolos, Profetas e Doutores..., que a Igreja é formada por membros diferentes e que os olhos não podem ao mesmo tempo ser as mãos. A resposta era clara, mas não satisfazia completamente os meus desejos e não me trazia a paz.

Continuei a ler e encontrei esta frase que me confortou profundamente: 'Procurai com ardor os dons mais perfeitos; eu vou mostrar vos um caminho mais excelente'. E o Apóstolo explica como todos os dons mais perfeitos não são nada sem o amor e que a caridade é o caminho mais excelente que nos leva com segurança até Deus. Finalmente tinha encontrado a tranquilidade.

Ao considerar o Corpo Místico da Igreja, não conseguira reconhecer-me em nenhum dos membros descritos por São Paulo; melhor, queria identificar-me com todos eles. A caridade ofereceu-me a chave da minha vocação. Compreendi que, se a Igreja apresenta um corpo formado por membros diferentes, não lhe falta o mais necessário e mais nobre de todos; compreendi que a Igreja tem coração, um coração ardente de amor; compreendi que só o amor fazia atuar os membros da Igreja e que, se o amor viesse a extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho e nem os mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo e que abrange todos os tempos e lugares; em uma palavra, o amor é eterno.

Então, com a maior alegria da minha alma arrebatada, exclamei: 'Ó Jesus, meu amor! Encontrei finalmente a minha vocação'. A minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, e este lugar, ó meu Deus, fostes Vós que mo destes: no coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor; com o amor serei tudo; e assim será realizado o meu sonho.

(Santa Teresa de Lisieux)

quinta-feira, 18 de abril de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXIX)

Capítulo LXXIX

Razões para o Socorro às Santas Almas - Heróis e Vítimas da Caridade - Os Exemplos dos Padres Laynez e Fabricius - Padre Nieremberg, Vítima da Caridade pelas Almas do Purgatório

'Aquele que esquece seu amigo, depois que a morte o tirou de sua vista, nunca lhe teve uma amizade verdadeira'. Estas palavras o Padre Laynez, Segundo Geral da Companhia de Jesus, repetia continuamente aos filhos de Santo Inácio. Ele desejava que os interesses das almas lhes fossem tão caros depois da morte como o foram durante a vida. Unindo o exemplo ao preceito, Laynez aplicou às almas do Purgatório uma grande parte das suas orações, sacrifícios e a satisfação que mereceu diante de Deus pelos seus trabalhos para a conversão dos pecadores. Os Padres da Companhia, fiéis às suas lições de caridade, manifestaram sempre um zelo particular por esta devoção, como se pode ver no livro intitulado 'Heróis e Vítimas da Caridade' na Companhia de Jesus, do qual transcrevo a seguinte página.

'Em Munster, na Vestfália, em meados do século XVII, surgiu uma epidemia que todos os dias fazia inúmeras vítimas. O medo paralisou a caridade da maior parte dos habitantes, e poucos foram os que se dedicaram a socorrer as infelizes criaturas atingidas pela peste. Foi então que o Padre Fabricius, animado pelo espírito de Laynez e Loyola, lançou-se na arena do sacrifício. Pondo de lado toda a precaução pessoal, empregou todo o seu tempo em visitar os doentes, em procurar remédios para eles e em dispô-los para uma morte cristã. Ouvia as suas confissões, administrava os últimos sacramentos, enterrava-os com as suas próprias mãos e, finalmente, celebrava o Santo Sacrifício para o repouso das suas almas.

De fato, durante toda a sua vida, este servo de Deus teve a maior devoção para com as almas santas. Entre todos os seus exercícios de piedade, o que lhe era mais caro, e que ele sempre recomendou vivamente, era o de oferecer o Santo Sacrifício da Missa pelos defuntos, sempre que as Rubricas o permitissem. Como resultado deste conselho, todos os Padres de Munster resolveram consagrar um dia de cada mês aos fiéis defuntos; cobriram a sua igreja de luto e rezavam com toda a solenidade pelos fieis defuntos. Deus dignou-se, como faz muitas vezes, recompensar o Padre Fabricius e encorajou o seu zelo com várias aparições das almas sofredoras. Umas pediam-lhe que apressasse a sua libertação, outras agradeciam-lhe o alívio que lhes tinha proporcionado; outras ainda anunciavam-lhe o momento feliz da sua libertação. 

O seu maior ato de caridade foi aquele que realizou no momento da sua morte. Com uma generosidade verdadeiramente admirável, sacrificou todos os sufrágios, orações, missas, indulgências e mortificações que a sua sociedade religiosa aplicava aos seus membros falecidos. Pediu a Deus que os privasse deles para o alívio das almas sofredoras que mais agradassem a sua Divina Majestade'.

Já falamos anteriormente do Padre Nieremberg, célebre tanto pelas obras de piedade que publicou como pelas eminentes virtudes que praticou. A sua devoção pelas almas santas, não contente com sacrifícios e orações frequentes, levava-o a sofrer por elas com uma generosidade que muitas vezes chegava ao heroísmo.  Entre os seus penitentes, na corte de Madri, havia uma senhora de classe que, sob a sua sábia direção, tinha atingido um alto grau de virtude no meio do mundo, mas era atormentada por um medo excessivo da morte, tendo em vista o Purgatório que a esperava. Adoeceu perigosamente e os seus temores aumentaram de tal modo que quase perdeu os sentimentos cristãos. O seu santo confessor empregou todos os meios que o seu zelo podia sugerir, mas em vão; não conseguiu restituir-lhe a tranquilidade, nem conseguia convencê-la a receber os últimos sacramentos.

Para coroar este infortúnio, perdeu subitamente a consciência e ficou reduzida a uma letargia completa.. O padre, justamente alarmado com o perigo desta alma, retirou-se para uma capela perto do quarto da moribunda. Ali ofereceu o Santo Sacrifício com o maior fervor para obter para a doente tempo suficiente para que recebesse os sacramentos da Igreja. Ao mesmo tempo, movido por uma caridade verdadeiramente heróica, ofereceu-se como vítima à Justiça Divina, para sofrer nesta vida todos os sofrimentos reservados àquela pobre alma na outra.

A sua oração foi ouvida. Mal terminou a missa, a doente recobrou a consciência e constatou-se que estava completamente mudada. Estava tão bem disposta que pediu os últimos sacramentos, os quais recebeu com pungente fervor. Depois, ouvindo do seu confessor que não tinha nada a temer do Purgatório, expirou perfeitamente serena e com um sorriso nos lábios.

A partir dessa hora, o Padre Nieremberg foi submetodo a todo tipo de sofrimento, tanto do corpo como da alma. Os dezesseis anos restantes da sua vida foram um longo martírio e um rigoroso purgatório. Nenhum remédio humano podia aliviá-lo e seu único consolo estava na lembrança da sagrada causa pela qual ele os suportou. Finalmente, a morte veio pôr fim aos seus terríveis sofrimentos e, ao mesmo tempo, podemos razoavelmente acreditar, abrir-lhe as portas do Paraíso, pois está escrito: 'bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXVII)

'Fazer a Vontade de Deus em tudo é praticar a caridade com o próximo a qualquer custo'

(Santo Padre Pio)

A caridade é a mãe de todas as virtudes, assim como a soberba é a raiz de todos os pecados. Sê humilde e pratica a caridade em tudo e com todos os teus irmãos, em todas as situações. Espelha-te no bom samaritano em todos os caminhos de tua vida!

terça-feira, 16 de abril de 2024

É PRECISO SER FERMENTO NA MASSA

Há algo mais irrisório do que um cristão que não se preocupa com os outros? Não tomes como pretexto a tua pobreza: a viúva que pôs duas pequenas moedas na arca do tesouro (Mc 12,42) levantar-se-ia contra ti; Pedro também, ele que dizia ao coxo: 'Não tenho ouro nem prata' (At 3,6), e também Paulo, tão pobre que muitas vezes passava fome. Não uses a tua condição social, pois os apóstolos também eram humildes e de baixa condição. Não invoques a tua ignorância, porque eles eram homens iletrados. Mesmo se fosses escravo ou fugitivo, tu poderias sempre fazer o que dependia de ti. Assim era Onésimo que Paulo elogiou. Serás tu de saúde frágil? Timóteo também o era. Sim, seja o que for que sejamos, não importa quem pode ser útil ao seu próximo, se se quer verdadeiramente fazer o que se pode.

Vês quantas árvores da floresta são vigorosas, belas, esbeltas? E contudo, nos jardins, preferimos árvores de frutos ou oliveiras cobertas de pomos. Belas árvores estéreis... assim são os homens que apenas consideram o seu próprio interesse.

Se o fermento não levedasse a massa, não seria um verdadeiro fermento. Se um perfume não perfumasse os que estão perto, poderíamos chamá-lo de perfume? Não digas pois que é impossível teres uma boa influência sobre os outros porque, se és verdadeiramente cristão, é impossível que não possas agir em nada; isso faz parte da essência própria do cristão. Será tão contraditório dizer que um cristão não pode ser útil ao seu próximo como negar ao sol a possibilidade de iluminar e aquecer.

(São João Crisóstomo)

segunda-feira, 15 de abril de 2024

DECÁLOGO SOBRE A DESCONFIANÇA

1. 'Quem pensa estar de pé, tome cuidado para não cair!' (I Cor 10,12)

2. 'Maldito o homem que confia em outro homem, que da carne faz o seu apoio e cujo coração vive distante do Senhor!' (Jr 17,5)

3. 'Mais vale procurar refúgio no Senhor do que confiar no homem' (Sl 117,8)

4. Não coloqueis nos poderosos a vossa confiança, são apenas homens nos quais não há salvação (Sl 145,3)

5. 'Vós, pois, caríssimos, advertidos de antemão, tomai cuidado para que não caiais da vossa firmeza, levados pelo erro desses homens ímpios' (II Pd 3,17)

6. 'Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito, mas exa­minai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo' (I Jo 4,1)

7. 'Guarda bem o que Deus te deu; guarda-te de tudo o que Ele proibiu e aguarde com confiança o que Ele prometeu' (São Bernardo)

8. 'A terceira maneira de resistir às tentações e vencê-las é desconfiar de nós mesmos. Quem se considera firme deve ter cuidado para não cair, como nos diz o Grande Apóstolo (Cornelio Lapide)

9. 'Deus não permite que o diabo engane a alma que desconfia de si mesma e permanece forte na fé' (Santa Teresa de Ávila)

10. 'Nossa melhor política é colocar toda a nossa confiança na graça de Deus e desconfiar inteiramente de nossas próprias forças' (São Roberto Belarmino).

domingo, 14 de abril de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face!' (Sl 4)

Primeira Leitura (At 3,13-15.17-19) - Segunda Leitura (1Jo 2,1-5a) -  Evangelho (Lc 24,35-48)

  14/04/2024 - TERCEIRO DOMINGO DA PÁSCOA

20. TESTEMUNHAS DA RESSURREIÇÃO DO SENHOR


Neste Terceiro Domingo da Páscoa, os Evangelhos evocam mais uma das muitas manifestações de Jesus Ressuscitado aos discípulos reunidos no Cenáculo. Mesmo depois dos relatos das aparições de Jesus às santas mulheres, à Maria Madalena, ao próprio Pedro, e aos dois discípulos de Emaús, muitos ainda permaneciam incrédulos e continuavam a negar a ressurreição de Jesus. E o dogma da ressurreição, essência da fé cristã, não poderia conviver com tais dúvidas e não poderia prescindir da solidez confiante do testemunho de muitos e de todos.

Por isso, mais uma vez, Jesus se apresenta aos seus discípulos e os saúda com a paz de Cristo. Homens incrédulos responderam à saudação de Jesus como homens incrédulos: 'Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma' (Lc 24, 37). Turbados pela presença de Jesus, julgaram ver um espírito, um fantasma que atravessava paredes e portas fechadas. O temor e a desconfiança deles era tão grande que foram capazes, mais uma vez, de confundirem o mistério da graça com uma reação baseada na lógica simples da natureza humana. Jesus surgira do nada, e as portas estavam fechadas; tratava-se, pois, da aparição de um fantasma...

Jesus os conclama a compreender o mistério da graça: 'Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho. E, dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés' (Lc 24, 38 - 40). E, agora, movidos por uma incredulidade mais afeta à alegria pela confirmação da ressurreição de Cristo do que a descrença pelo sobrenatural, os discípulos oferecem a Jesus, a pedido dele, um pedaço de peixe assado: 'Ele o tomou e comeu diante deles' (Jo 24, 43). Não podia existir prova mais definitiva da real presença de Jesus Ressuscitado; em seu corpo glorioso, embora não precisasse de alimento algum, Aquele que antes comia e bebia com eles, estava de novo comendo com eles. Era o mesmo Jesus, Jesus Ressuscitado, não um espírito, não um fantasma.

Em seguida, após confirmar a sua missão salvífica, Jesus exorta os seus discípulos a serem, mais que apenas as testemunhas singulares da Ressurreição, os continuadores de sua missão, constituindo-os sacerdotes da Igreja e herdeiros do seu sumo e eterno sacerdócio. Missão destinada a ser cumprida pelo ministério sacerdotal até o fim dos tempos, na busca da confirmação da obra universal da redenção e para a salvação e a santificação das almas: 'e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso' (Lc 24, 47 - 48).

sábado, 13 de abril de 2024

ORAÇÃO AO ANJO DA GUARDA DA BOA MORTE


Meu bom Anjo da Guarda, não sei quando e de que modo irei morrer. É possível que eu seja levado de repente ou que, antes do meu último suspiro, eu me veja privado das minhas capacidades mentais. E há tantas coisas que eu gostaria de dizer a Deus, no limiar da Eternidade...

Por isso hoje, com a plena liberdade da minha vontade, venho pedir, Anjo da minha Guarda, que faleis por mim a Deus nesse temível momento. Direis, então, ao Senhor:

🙏Que quero morrer na Santa Igreja Católica, Apostólica Romana, no seio da qual morreram todos os santos, depois de Jesus Cristo, e fora da qual não há salvação;

🙏 Que peço a graça de participar nos méritos infinitos do meu Redentor e que desejo morrer pousando os meus lábios na Cruz que foi banhada com o seu Sangue;

🙏 Que abomino e detesto todos os meus pecados que ofenderam a Jesus e que, por amor a Ele, perdoo os meus inimigos, como eu próprio desejo ser perdoado;

🙏 Que aceito a minha morte como sendo da vontade de Deus e que, com toda a confiança, me entrego ao seu amável e Sacratíssimo Coração, esperando por toda a sua misericórdia;

🙏 Que, no meu inexprimível desejo de ir para o Céu, me disponho a sofrer tudo quanto a sua soberana Justiça haja por bem infligir-me.

Não recuseis, ó Santo Anjo da minha Guarda, ser o meu intérprete junto de Deus e expor diante dEle que estes são os meus sentimentos e a minha vontade. Amém.

(São Carlos Borromeu)

sexta-feira, 12 de abril de 2024

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Uma só razão têm os homens para não obedecer, e é quando se lhes pede algo que repugne abertamente o direito natural ou divino; pois todas aquelas coisas em que se infringe a lei natural ou a vontade de Deus, é tão ilícito o mandar como o fazer. Se, no entanto, suceder que alguém seja obrigado a escolher uma de duas coisas, ou a desprezar os mandamentos de Deus ou o dos Príncipes, deve obedecer a Jesus Cristo, que manda dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, e seguindo o exemplo dos Apóstolos, responder animosamente: importa obedecer antes a Deus do que aos homens. Porém, não há razão para acusar quem procede deste modo de quebrar a obediência; pois se a vontade dos Príncipes contraria a vontade de Deus, eles ultrapassam os limites do seu poder e perturbam a justiça: nem mesmo assim pode valer a sua autoridade, a qual é nula onde não é justa'.

(Papa Leão XIII, Encíclica Diuturnum Illud, 1881)