quarta-feira, 9 de julho de 2025

FRASES DE SENDARIUM (LV)

'Na oração, alça-se voo bem alto até perder de vista as misérias da terra, incensado da serenidade dos que já estão vizinhos do Céu'

(Serva de Deus Madre Maria de Jesus)

Oferecei a Deus os preciosos minutos de tua vida numa oração profunda: 'que se faça a vossa vontade, Senhor, e não a minha vontade'! Deus quer trocar com você tempos bem diversos: alguns minutos de agora pelos amanhãs sem fim da eternidade!

OS PAPAS DA IGREJA (XVIII)



terça-feira, 8 de julho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIX/Final)

P. 41 - Quais são as disposições que os membros da Igreja de Cristo devem ter e que linha de conduta devem seguir em relação àqueles que estão separados de sua comunhão?

É impossível ter um amor verdadeiro e sincero por Deus sem também amar tudo o que está relacionado com Ele; e quanto mais algo estiver relacionado com Deus, maior deve ser o nosso amor por isso. Ora, todos aqueles que estão em uma religião falsa, embora separados da comunhão da Igreja, têm, em muitos outros aspectos, uma conexão muito próxima com Deus, pois são suas criaturas, obra de suas mãos, feitas para sua glória; são suas imagens, feitas à semelhança e semelhança de Deus; são redimidos pelo sangue de Jesus, que morreu pela humanidade; são criados para serem eternamente felizes com Ele no céu; pois Deus não deseja a morte do pecador, mas sim que ele se converta e viva.

Todas estas considerações mostram que somos obrigados a ter um amor sincero e fervoroso por eles, e um zelo caridoso pela sua salvação eterna e, consequentemente, a ter a mais terna simpatia e compaixão por eles, considerando o perigo em que se encontram as suas almas; e esta é a disposição radical e essencial dos nossos corações, que somos obrigados a ter para com toda a humanidade, sem exceção. Temos um belo exemplo disso em São Paulo, que expressa assim a disposição de seu coração para com seus irmãos, os judeus incrédulos: 'Falo a verdade em Cristo, não minto, minha consciência me testemunha no Espírito Santo, que tenho grande tristeza e pesar em meu coração: pois eu desejava ser anátema' (isto é, uma maldição) de Cristo, por meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne' (Rm 9,1-3). Agora, esse amor sincero e zelo pela salvação deles deve se manifestar principalmente nos seguintes pontos:

(i) 'Estar sempre prontos para satisfazer a todos os que nos pedirem razão da esperança que há em nós' (1Pd 3,15), isto é, estar sempre dispostos e prontos para explicar nossa santa fé a eles e mostrar-lhes os fundamentos sobre os quais nossa fé está construída, sempre que algum deles nos pedir para fazê-lo. Isso deve ser feito com toda a modéstia e mansidão para com eles, sem entrar em disputas inúteis, nem manter contendas com calor e acrimônia, mesmo que eles sejam tão irracionais no que dizem contra nós, mas dando conta da esperança que há em nós com mansidão e caridade, e deixando o resto à disposição da Divina Providência; pois a Escritura diz: 'Rejeita as discussões tolas e absurdas, visto que geram contendas. Não convém a um servo do Senhor altercar; bem ao contrário, seja ele condescendente com todos, capaz de ensinar, paciente em suportar os males. É com brandura que deve corrigir os adversários, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento e o conhecimento da verdade, e voltem a si, uma vez livres dos laços do demônio, que os mantém cativos e submetidos aos seus caprichos'. (2 Tm 2,23-26) e 'Procedei com sabedoria no trato com os de fora. Sabei aproveitar todas as circunstâncias. Que as vossas conversas sejam sempre amáveis, temperadas com sal, e sabei responder a cada um devidamente' (Cl 4,5-6).

(ii) Ser sincero em orar a Deus pela conversão e salvação deles é como expressamente ordenado nas Escrituras: 'Desejo, portanto, antes de tudo, que súplicas, orações, intercessões e ações de graças sejam feitas por todos os homens... pois isso é bom e agradável aos olhos de Deus, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,1.3-4). Temos um belo exemplo disso no mesmo santo apóstolo, que, cheio de caridade pela salvação dos judeus, tem pena do zelo equivocado deles por seus próprios erros e derrama as orações de seu coração por eles: 'Irmãos' - diz ele - 'a vontade do meu coração e a minha oração a Deus é pela salvação deles; pois lhes dou testemunho de que têm zelo por Deus, mas não segundo o discernimento' (Rm 10, 1-2).

(iii) Dar-lhes bom exemplo, pelo exercício de boas obras e pela prática de todas as virtudes cristãs. Nada é mais eficaz para dar aos outros uma opinião favorável de nossa santa religião do que uma vida boa. Este é um argumento vivo que ensina os mais ignorantes e convence os mais obstinados. E, por isso, encontramos isso repetidamente ordenado nas Escrituras com o propósito de edificar aqueles que estão de fora e estimulá-los a glorificar a Deus. 'Assim brilhe a vossa luz' - diz o próprio Jesus Cristo - 'diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai celestial' (Mt 5,16). E São Pedro se expressa assim sobre este importante dever: 'Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos da carne, que combatem contra a alma. Comportai-vos nobremente entre os pagãos. Assim, naquilo em que vos caluniam como malfeitores, chegarão, considerando vossas boas obras, a glorificar a Deus no dia em que ele os visitar... porque esta é a vontade de Deus que, praticando o bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos' (1Pd 2, 11-12.15).  São Paulo também exige a mesma coisa, dizendo: 'Em tudo, mostre-se um exemplo de boas obras, na doutrina, na integridade, na seriedade; que a sua fala seja sã, de modo a não ser censurada, para que o adversário seja confundido, não tendo a dizer de nós mal algum (Tt 2,7-8).

(iv) Por último, se, apesar de tal comportamento piedoso e edificante, perseguições e provações forem permitidas pela Divina Providência para nos atingir por seus próprios propósitos sábios e justos, se formos caluniados falsamente, se as verdades de nossa santa religião forem difamadas e nossa doutrina deturpada, não devemos nos surpreender nem desanimar; mas lembrar que essa foi a maneira como o mundo tratou nosso próprio Senhor e Mestre, que predisse que os seus fiéis seguidores seriam tratados da mesma maneira. São Pedro também nos assegura que este é um dos sinais daqueles que seguem seitas de perdição, falar mal da verdade, 'por meio dos quais' - diz ele - 'o caminho da verdade será difamado' (2Pd 2,2) e São Judas acrescenta: 'que blasfemam contra tudo o que ignoram' (Jd 1,10).

Tais provações não devem diminuir, nem mesmo no menor grau, nossa sincera caridade por eles e nosso desejo de sua salvação; mas, ao contrário, devem aumentar nossa piedade e compaixão por suas pobres almas e nos tornar mais sinceros em nossas orações por eles, imitando nosso abençoado Salvador, que, na própria cruz, orou por seus perseguidores: 'Pai' - disse Ele - 'perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem'. Acima de tudo, nunca devemos ter o menor pensamento de vingança, 'não retribuindo mal com mal, nem injúria com injúria, mas, pelo contrário, abençoando; pois para isso fostes chamados, para que herdeis a bênção' (1Pd 3,9). Pelo contrário, considerando nossas provações como dispostas e ordenadas pela mão de Deus, 'sem o qual nem um cabelo de nossa cabeça pode cair em terra', devemos 'regozijar-nos por sermos considerados dignos de sofrer afronta por causa de Cristo' (At 5,41).

Pois 'se também sofrerdes por causa da justiça, sois bem-aventurados... pois é melhor fazer o bem (se tal for a vontade de Deus) e sofrer do que fazer o mal' (1Pd 3,14.17). E, portanto, 'Caríssimos, não vos perturbeis no fogo da provação, como se vos acontecesse alguma coisa extraordinária. Pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo, para que vos possais alegrar e exultar no dia em que for manifestada sua glória. Se fordes ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós. Que ninguém de vós sofra como homicida, ou ladrão, ou difamador, ou cobiçador do alheio. Se, porém, padecer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por ter esse nome' (1Pd 4,12-16), lembrando-se sempre das palavras de nosso Senhor: 'Bem-aventurados sois quando os homens vos injuriarem e perseguirem, e disserem falsamente todo mal contra vós por minha causa; alegrai-vos e exultai, pois será grande a vossa recompensa nos céus' (Mt 5,12).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 7 de julho de 2025

CIVILIZAÇÃO CRISTÃ OU SOCIEDADES MORTAS

Os perniciosos erros que se espalham pelo mundo tendem à descristianização completa dos povos. Ora, isto começa no século XVI com a renovação do paganismo, ou seja, com a renovação da soberba e da sensualidade pagã entre cristãos. Este declínio avançou com o protestantismo, através da negação do Sacrifício da Missa, do valor da absolvição sacramental e, por consequência, da confissão; pela negação da infalibilidade da Igreja, da Tradição ou Magistério, e da necessidade de se observar os preceitos para a salvação.

Em seguida, a Revolução Francesa lutou manifestamente para a descristianização da sociedade, conforme os princípios do deísmo e do naturalismo. O espírito da revolução conduziu ao liberalismo que, por sua vez, queria permanecer numa meia altitude entre a doutrina da Igreja e os erros modernos. Ora, o liberalismo nada concluía; não afirmava, nem negava, sempre distinguia, e sempre prolongava as discussões, pois não podia resolver as questões que surgiam do abandono dos princípios do cristianismo. Assim, o liberalismo não era suficiente para agir, e depois veio o radicalismo mais oposto aos princípios da Igreja, sob a capa de anticlericalismo', para não dizer anticristianismo: a maçonaria.

O radicalismo, então, conduziu ao socialismo e o socialismo, ao comunismo materialista e ateu, como na Rússia, e quis invadir a Espanha e outras nações negando a religião, a propriedade privada, a família, a pátria, e reduzindo toda a vida humana à vida econômica como se só o corpo existisse; como se a religião, as ciências, as artes, o direito fossem invenções daqueles que querem oprimir os outros e possuir toda a propriedade privada.

Contra todas essas negações do comunismo materialista, só a Igreja, somente o verdadeiro Cristianismo ou Catolicismo pode resistir eficazmente, pois só ele contém a Verdade sem erro. Portanto, o nacionalismo não pode resistir eficazmente ao comunismo. Nem, no campo religioso, o protestantismo, como na Alemanha e na Inglaterra, pois contém graves erros, e o erro mata as sociedades que nele se fundam, assim como a doença grave destrói o organismo; o protestantismo é como a tuberculose ou como o cancro, é uma necrose por causa da sua negação da Missa, da confissão, da infalibilidade da Igreja, da necessidade de observar os preceitos.

O que, pois, se segue dos erros citados no que diz respeito à legislação dos povos? Esta legislação torna-se paulatinamente ateia. Não somente desconsidera a existência de Deus e a lei divina revelada, tanto positiva como natural, mas formula várias leis contrárias à lei divina revelada, por exemplo, a lei do divórcio e a lei da escola laica, que termina por tornar-se ateia. Por fim, vem a liberdade total de cultos ou religiões, e da própria impiedade ou irreligião.

As repercussões destas leis em toda sociedade são enormes. Por exemplo, a repercussão da lei do divórcio: qualquer que seja o ano, qualquer que seja a nação, milhares de famílias são destruídas pelo divórcio e deixam sem educação, sem orientação, crianças que acabam por se tornar ou incapazes, ou exaltadas, ou más e, por vezes, péssimas.

Do mesmo modo, saem da escola ateia, todos os anos, muitos homens ou cidadãos sem nenhum princípio religioso. E portanto, em lugar da fé, da esperança e da caridade cristã, têm eles a razão desordenada, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, o desejo de riqueza e a soberba de vida. Todas essas coisas são erigidas num sistema especialmente materialista, sob o nome de ética laica ou independente, sem obrigação e sanção, na qual às vezes remanesce algum vestígio do decálogo, mas um vestígio sempre mutável. Portanto, qual é, segundo este princípio, o modo de discernir o falso do verdadeiro? O único modo é a livre discussão, no parlamento ou em algum outro lugar, e esta liberdade é, portanto, absoluta, nada pode ser subtraído à sua jurisdição, nem a questão do divórcio, nem a necessidade da propriedade individual, nem a da família ou da religião para os povos.

Neste caso, é para se concluir que estas sociedades, fundadas sobre princípios falsos ou sobre uma legislação ateia, tendem para a morte. Nelas, com o auxílio da graça, as pessoas individuais ainda se podem salvar. Mas estas sociedades, como tais, tendem para a morte, pois o erro, sobre o qual se fundam, mata, como a tuberculose ou o cancro que, progressiva e infalivelmente, destrói o nosso organismo. Só a fé cristã e católica pode resistir a estes erros, e tornar a cristianizar a sociedade, mas, para isso, requer-se uma condição: uma fé mais profunda, conforme as Escrituras: 'Este é o poder vitorioso que venceu o mundo: a nossa fé' (1Jo 5, 4).

(Pe. Reginald Garrigou-Lagrange)

domingo, 6 de julho de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira' (Sl 65)

Primeira Leitura (Is 66,10-14) - Segunda Leitura (Gl 6,14-18) -  Evangelho (Lc 10,1-12.17-20)

  06/07/2025 - DÉCIMO QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM

APOSTOLADO E ORAÇÃO


Eis a missão: levar a Boa Nova do Reino de Deus a todas as criaturas. Eis a síntese do apostolado cristão para os homens de sempre: anunciar o Evangelho de Cristo ao mundo inteiro. Ser missionário e se fazer apóstolo, aí estão as marcas de identidade de um cristão no mundo. De todos os cristãos: os primeiros doze apóstolos, os outros setenta e dois, os cristãos de todos os tempos, eu e você. Porque 'a messe é grande e os trabalhadores são poucos' (Lc 10,2) e a nossa oração sincera é semente profícua que faz brotar novos apóstolos e novos missionários no Coração do Senhor da Messe.

Como cordeiros entre lobos, como emissários da paz entre promotores das guerras, os cristãos estão no mundo para torná-lo um mundo cristão. O apostolado começa com o bom exemplo, expande-se com o amor ao próximo, multiplica-se pela caridade. Não é preciso levar alforge ou vestimenta especial, apenas a entrega complacente à Santa Vontade de Deus. É imperioso o serviço da vocação; os frutos pertencem aos ditames da Providência. 

O reino de Deus deve ser proclamado para todos, em todos os lugares, mas a Boa Nova será recebida com jubilosa gratidão num lugar ou indiferença profunda em outro; aqui vai gerar frutos de salvação, mais além será pedra de tropeço. Em outros lugares ainda, será rejeitada simplesmente e, nestes, a sentença não será velada: 'Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós' (Lc 10,11).

Operários da grande messe do Senhor, nós, os cristãos, não podemos dispor das comodidades do mundo para vivermos a planura das alegrias efêmeras das calmarias. Não há amor sem sofrimento. Não há graça corrompida pelo respeito humano. Não há frutos de salvação em palavras amenas e solícitas. Deus nos quer valorosos combatentes da fé, pregadores perseverantes da Verdade Plena. À luz do Evangelho de Cristo, somos o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5,13-14). E ainda que sejamos capazes de domar a natureza e realizar prodígios, a felicidade cristã não está nos eventos temporais aqui na terra, mas na Eterna Glória daqueles que souberam combater o 'bom combate' (2Tm 4,7) e os quais Jesus nomeou como santos de Deus: 'vossos nomes estão escritos no céu' (Lc 10,20).

sábado, 5 de julho de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS II (19/22)

 

19. PRESTES A MORRER

Após 60 anos de casado, um pobre velho ficou gravemente enfermo e, sentindo-se no fim da vida, disse à sua velha esposa:
➖ Vou morrer. E que farás tu depois da minha morte?
➖ Quando a morte te fulminar - respondeu a velha - eu te vestirei como para uma festa e junto do teu cadáver chorarei tanto que comoverei a todos que vierem ver-te.
Disse-lhe então o velho:
➖ Sei que me queres bem, mas para que me servirão os teus gemidos e soluços? Eu não os ouvirei mais. E depois?
Respondeu a esposa:
➖Depois eu te colocarei num lindo caixão e, quando te levarem ao cemitério, eu te acompanharei chorando e te cobrirei das mais belas flores.
Ao que respondeu o velho:
➖ Agradeço-te, mas de que me servirão as flores? Eu não lhes sentirei mais o perfume... E depois?
Respondeu a esposa:
➖ Depois comprarei muitas velas para as acender todos os dias ao redor de ti.
Ao que respondeu o velho:
➖ Agradeço-te; mas de que me servirão as tuas velas? Eu não lhes vejo mais a luz... E depois?
Respondeu a esposa:
➖ Depois, quando estiveres debaixo da terra, ficarei aos pés da tua sepultura e chorarei tanto que as minhas lágrimas, atravessando a terra, chegarão a ti e te aquecerão.
Ao que respondeu o velho:
➖ Quanto me amas, querida! Mas de que me servirão as tuas lágrimas? Eu não as sentirei mais a tepidez...
Respondeu a esposa:
➖ Oh! Como é triste a morte!
Ao que respondeu o velho:
➖ A morte é bela, mas somente para aqueles que fizeram boas obras. 
E expirou. Vivamos, pois, de tal modo que, no dia de nossa morte, a lembrança das boas obras realizadas nos console.

20. APOSTOLADO DE UMA MENINA

Pregava-se o tríduo de preparação da Páscoa nas vizinhanças de Chambery. Dirigindo-se a professora, uma menina de seus doze anos disse:
➖ Peço-lhe o favor de mandar rezar na classe e levar esta oferta a Santo Antônio, para que em nossa paróquia todos façam bem a Páscoa.
➖ Tens tanto interesse em alcançar essa graça?
➖ Oh! sim, professora são principalmente duas pessoas que desejo muito ver na igreja cumprindo o seu dever, pois faz trinta anos que não recebem o bom Jesus em seus corações. Oh! se essas duas se convertessem, que felicidade para a nossa paróquia!
Começou-se a novena. Ao oitavo dia apareceu a menina toda radiante de alegria.
➖ Senhora professora, venho comunicar-lhe que as duas pessoas comungaram. Agora é preciso agradecer a Santo Antônio.

21. O QUE CAUSA MEDO AOS SANTOS

O célebre Padre Lacordaire pregava em Lyon. Nunca se tinha visto semelhante sucesso; era um delírio.
Uma noite, após uma de suas mais belas conferências, estando ele em um humilde aposento, onde costumava retirar-se para rezar e ficar recolhido, tocou para a refeição, mas ele não apareceu. Esperaram bastante e, vendo que não aparecia, um sacerdote subiu ao quarto para chamá-lo.

E, como ninguém respondesse, entrou e viu o Padre Lacordaire aos pés do crucifixo, com a cabeça entre as mãos, absorto numa oração entrecortada de soluços e gemidos. O sacerdote aproximou-se e, abraçando-o, perguntou:
➖ Padre, o que se passa?
➖ Tenho medo - respondeu o pregador.
➖ Medo? Medo de que, Padre?
➖ Tenho medo deste sucesso!

22. UMA COMUNHÃO FERVOROSA

Um grande do século, tendo-se confessado a São João Vianney, fez a sua comunhão na igreja de Ars. Aquele senhor possuía um capital de trezentos mil francos. Que é que fez então? Deu cem mil francos para a construção de uma igreja, distribuiu cem mil aos pobres e cem mil aos parentes. E depois? Deu-se inteiramente a Deus, abraçando o estado religioso e fazendo-se trapista. Que comunhão santa, uma só bastou para desgostar o homem das coisas da terra e fazê-lo abraçar as delícias do céu.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos' - Volume II, do Pe. Francisco Alves, 1960; com adaptações)

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sexta-feira, 4 de julho de 2025

SOBRE O ANIQUILAMENTO DA ALMA CRISTÃ

Quando nos falam de renunciarmos a nós mesmos, de aniquilar-nos; quando nos dizem ser esse o fundo da moral cristã, consistir nisso a adoração em espírito e verdade, tal palavra nos parece dura e até injusta: não queremos ouvi-la e repelimos quem no-lo prega da parte de Deus. Convençamo-nos, uma vez por todas, de que esse preceito nada de injusto encerra e na prática é mais suave do que pensamos. Em seguida, humilhemo-nos se nos faltar coragem para pô-lo em prática e, ao invés de condená-lo, condenemos a nós mesmos.

Que nos pede o Senhor, ordenando que nos aniquilemos? Pede fazermos justiça a nós mesmos, colocarmo-nos em nosso lugar e reconhecermo-nos tais quais somos. Quando mesmo tivéssemos nascido e vivido sempre na inocência, quando jamais houvéssemos perdido a graça original, outra coisa não seríamos, por nós mesmos, senão nada; não poderíamos considerar-nos de outro modo sem nos desconhecermos e injustos seríamos pretendendo que diversamente Deus ou os homens nos tratassem. Que se pode dever ao que nada é? Que pode exigir o que nada é? Se a sua própria existência é uma graça, também e com razão maior é tudo quanto tem. Há, portanto, injustiça formal da nossa parte em recusarmos ser tratados e tratar-nos a nós mesmos como verdadeiros nadas.

Diz-se nada custar e ser justa essa confissão em relação a Deus; mas que assim não é a respeito dos homens, porquanto estes, nada sendo, como nós, não têm título algum para obrigar-nos a tal confissão e às suas consequências. A confissão nada custa em relação a Deus, se nos limitamos a fazê-la de boca; porém, quando faz-se mister procedermos de acordo com ela, deixarmos que Ele se arrogue e exerça sobre nós todos os direitos que lhe pertencem, consentirmos em que disponha ao seu talante de nosso coração, de todo o nosso coração, de todo o nosso ser, custa-nos infinitamente e com grande dificuldade não chamamos ser injustiça. Ele, todavia, poupa a nossa fraqueza, não usa dos seus direitos com todo o rigor, jamais nos expõe a certas provas aniquiladoras, sem ter obtido o nosso consentimento.

Quanto aos homens, concordo não terem por si mesmos domínio algum sobre nós e que injusto é da sua parte qualquer desprezo, humilhação ou ultraje. Mas nem por isso temos direito de nos queixarmos dessa injustiça, porque no fundo não é injustiça a nós, que nada somos, a quem nada é devido, mas para com Deus, cujo mandamento violam desprezando-nos, humilhando-nos, ultrajando-nos. É, pois, o Senhor quem deve ressentir-se da injúria que lhe fazem maltratando-nos e não nós, que em tudo quanto nos acontece não devemos ser sensíveis senão à injúria feita a Deus. Meu próximo despreza-me; não tem razão, porque não é mais do que eu e Deus lhe proíbe. Mas não terá ele razão porque eu sou verdadeiramente digno de estima, porque em mim nada há merecedor de desprezo? Não, porque se ele arrebata meus bens, mancha a minha reputação, atenta contra a minha vida, é certamente culpado e muito culpado para com Deus; mas será também para comigo? Estarei autorizado a querer-lhe mal e a vingar-me?

Não; porque tudo quanto possuo, tudo quanto sou, não pertence propriamente a mim; que só tenho de meu o nada e a quem nada se pode tirar. Se assim encarássemos, sempre do lado de Deus e jamais do nosso, tudo que nos acontece, não seríamos tão melindrosos, tão sensíveis, tão sujeitos a nos queixarmos e irritarmos. Toda a desordem vem sempre de supormos que somos alguma coisa, de nos arrogarmos direitos que não possuímos, de em tudo começarmos sempre por nos considerarmos diretamente e não prestarmos atenção aos direitos e aos interesses de Deus, os únicos lesados no que nos concerne.

Confesso que isso é de prática muito difícil e para consegui-lo faz-se mister renunciarmos, absoluta e completamente, a nós mesmos. Mas, em suma, é justo e a razão coisa alguma pode opor. Deus, portanto, nada exige de nós que não seja razoável, quando a seu respeito e a respeito do próximo quer que nos portemos como nada sendo, nada tendo, nada pretendendo.

Isto como já se disse, seria justo, quando mesmo tivéssemos conservado a nossa primeira inocência. Mas, se nascemos culpados, se estamos inteiramente cobertos de pecados pessoais, se contraímos infinitas dívidas para com a justiça divina, se merecemos não sei quantas vezes a condenação eterna, não é para nós castigo demasiado brando só sermos tratados como nadas? E não deve o pecador colocar-se infinitamente abaixo do que nada é? Se qual for a provação imposta a ele por Deus, sejam quais forem os maus tratos suportados do próximo, terá direito de se queixar? Poderá acusar de rigor excessivo a Deus ou de injustiça os homens? Não deve, antes, considerar-se muito feliz em resgatar, com alguma pena temporal, tormentos eternos? 

Se a religião não é uma ilusão, se é verdade o que a fé nos ensina acerca do pecado e dos suplícios que lhe estão reservados, como pode entrar no espírito de um pecador - a quem Deus se dispõe a perdoar - que não merece tudo quanto se possa suportar de males neste mundo, embora dure sua vida milhões de séculos? Sim, é injustiça soberana, é monstruosa ingratidão de quem ofendeu a Deus (e quem de nós não o ofendeu?) não aceitar de pronto, em reconhecimento, por amor, por dedicação aos interesses de Deus, tudo quanto de sofrimentos, se essas humilhações aprouver à divina bondade enviar-lhe. E que será se tais sofrimentos, se essas humilhações passageiras são, não só a compensação do inferno, mas o preço de uma felicidade eterna, o preço da posse eterna de Deus; se no céu seremos glorificados na proporção do nosso aniquilamento aqui na terra? Teremos ainda horror a nos aniquilarmos? Pensaremos que é nos fazer mal, quando, por sermos pecadores e para emergirmos do nada, exige-se a renúncia completa do nosso eu, com a promessa de uma recompensa que sempre durará?

Acrescento que semelhante forma de aniquilamento, contra a qual a natureza tanto se insurge e clama, ao invés de tão penosa como imaginamos, é até suave, porque antes de tudo Jesus Cristo a declarou como tal: 'Tomai sobre vós o meu jugo' - disse Ele - porque é suave e leve'. Por mais pesado que seja esse jugo, Deus o suaviza para os que o tomam de boa vontade e consentem em carregá-lo por seu amor. O amor não nos impede de sofrer, mas faz como que amemos o sofrimento e torna-o preferível e a todos os prazeres.

A recompensa presente do aniquilamento é a paz do coração, a calma das paixões, a cessação de todas as agitações do espírito, das murmurações, das revoltas interiores. Vejamos, em pormenores, a prova disto. Qual é o maior mal do sofrimento? Não é a própria dor, é a revolta, a sublevação interior que a acompanha. A alma aniquilada sofreria todos os males imagináveis sem perder o repouso conexo ao seu estado: é fato de experiência. Custa-nos conseguir o nosso aniquilamento, temos que fazer grandes esforços sobre nós mesmos: mas também gozamos da paz na proporção das vitórias alcançadas.

O hábito de renunciarmos a nós mesmos, de não atendermos ao nosso eu, torna-se cada dia mais fácil; admiramo-nos de que não nos faça mais sofrer, no fim de certo tempo, aquilo que nos parecia intolerável, assustava a imaginação, sublevava as paixões e punha a natureza em estado violento. Nos desprezos, nas calúnias, humilhações, o que no-las torna tão duras de suportar é o nosso orgulho; é o nosso desejo de ser estimados, considerados, tratados com certas atenções; é o pavor que temos das zombarias e do desprezo do próximo. Eis o que nos agita e enche de indignação, o que nos torna a vida amarga e insuportável. Trabalhemos com afinco para aniquilar-nos; não demos alimento nenhum ao orgulho, deixemos caírem todos os artifícios de estima e amor próprio, aceitemos interiormente as pequenas mortificações que se apresentarem.

Pouco a pouco chegaremos a não mais nos inquietarmos com o que se pensa e diz de nós, nem com o modo pelo qual nos tratam. Um morto nada sente; para ele não há honra nem reputação; os louvores e as injúrias lhe são indiferentes. A maior parte dos sofrimentos e desgostos por que passamos no serviço de Deus provém de não estarmos bastante aniquilados em sua presença, de conservarmos certa vida própria no meio dos nossos exercícios, de imiscuir-se um secreto orgulho em nossa devoção. E por isso não somos indiferentes às consolações e à sua falta; sofremos quanto Deus parece afastar-se de nós; esgotamo-nos em desejos e esforços tendentes a fazê-lo voltar; ficamos abatidos e desolados, se o afastamento perdura muito. Por isso também temos falsos alarmes a respeito do nosso estado. 

Afigura-se-nos estarmos mal com Deus, porque Ele nos priva de algumas doçuras sensíveis. Julgamos más as nossas comunhões, porque as fazemos sem gosto, a mesma coisa acontecendo quanto às nossas leituras, orações e outras práticas. Sirvamos a Deus com espírito de aniquilamento; sirvamo-lo por Ele e não em atenção a nós; sacrifiquemos os nossos interesses à sua glória e ao seu bel-prazer; então, estaremos sempre contentes com o seu modo de tratar-nos, persuadidos de que nada merecemos e de ser imensa a bondade de sua parte, não digo aceitando, porém suportando os nossos serviços.

Nas grandes tentações contra a pureza, a fé, a esperança,o que há de mais penoso para nós não é precisamente o temor de ofender a Deus, senão o medo de perder-nos, ofendendo-o. É o nosso interesse que nos ocupa muito mais do que a sua glória. Eis a razão de ter um confessor tanta dificuldade em tranquilizar-nos e reduzir-nos à obediência. Cremos que ele nos engana, transvia e perde, porque nos obriga a deixar de lado as nossas vãs apreensões. Aniquilemos o nosso conceito; não julguemos por nós mesmos... Encontraremos a paz e paz perfeita, no esquecimento total de nós mesmos. Nada há no céu, na terra, nem do inferno, capaz de perturbar a alma verdadeiramente aniquilada.

(Excertos da obra 'Manual das Almas Interiores', do Pe. Grou, 1932)

quarta-feira, 2 de julho de 2025

SOBRE SER VIGILANTE E DILIGENTE NO SERVIÇO DE DEUS


1. Sê vigilante e diligente no serviço de Deus, e pergunta-te a miúdo: a que vieste, para que deixaste o mundo? Não será para viver por Deus e tornar-te homem espiritual? Trilha, pois, com fervor o caminho da perfeição, porque em breve receberás o prêmio dos teus trabalhos; nem te afligirão, daí por diante, temores nem dores. Agora, terás algum trabalho; mas depois acharás grande repouso e perpétua alegria. Se tu permaneceres fiel e diligente no seu serviço, Deus, sem dúvida, será fiel e generoso no prêmio. Conserva a firme esperança de alcançar a palma; não cries, porém segurança, para não caíres em tibieza ou presunção.

2. Certo homem que vacilava muitas vezes, ansioso, entre o temor e a esperança, estando um dia acabrunhado pela tristeza, entrou numa igreja, e diante dum altar, prostrado em oração, dizia consigo mesmo: Oh! se eu soubesse que havia de perseverar! E logo ouviu em si a divina respostas: Se tal soubesses, que farias? Faze já o que então fizeras, e estarás bem seguro. Consolado imediatamente, e confortado, abandonou-se à divina vontade, e cessou a ansiosa perplexidade. Desistiu da curiosa indagação acerca do seu futuro aplicando-se antes em conhecer qual fosse a vontade e o perfeito agrado de Deus para começar e acabar qualquer boa obra.

3. Espera no Senhor e faze boas obras, diz o profeta, habita na terra e serás apascentado com suas riquezas (Sl 37,3). Há uma coisa que esfria em muitos o fervor do progresso e zelo da emenda: o horror da dificuldade ou o trabalho da peleja. Certo é que, mais que os outros, aproveitam nas virtudes aqueles que com maior empenho se esmeram em vencer a si mesmos naquilo que lhes é mais penoso e contrariam mais suas inclinações. Porque tanto mais aproveita o homem, e mais copiosa graça merece, quanto mais se vence a si mesmo e se mortifica no espírito.

4. Não custa igualmente a todos se vencer e mortificar-se. Todavia, o homem diligente e porfioso fará mais progressos, ainda que seja combatido por muitas paixões, que outro de melhor índole, porém menos fervoroso em adquirir as virtudes. Dois meios, principalmente, ajudam muito a nossa emenda, e vêm a ser: apartar-se valorosamente das coisas às quais viciosamente se inclina a natureza, e porfiar em adquirir a virtude de que mais se há mister. Aplica-te também a evitar e vencer o que mais te desagrada nos outros.

5. Procura tirar proveito de tudo: se vês ou ouves relatar bons exemplos, anima-te logo a imitá-los; mas, se reparares em alguma coisa repreensível, guarda-te de fazê-la, e, se em igual falta caíste, procura emendar-te logo dela. Assim como tu observas os outros, também eles te observam a ti. Que alegria e gosto ver irmãos cheios de fervor e piedade, bem acostumados e morigerados! Que tristeza, porém, e aflição, vê-los andar desnorteados e descuidados dos exercícios de sua vocação! Que prejuízo descurar os deveres do estado e aplicar-se ao que Deus não exige!

6. Lembra-te da resolução que tomaste, e põe diante de ti a imagem de Jesus crucificado. Com razão te envergonharás, considerando a vida de Jesus Cristo, pois até agora tão pouco procuraste conformar-te com ela, estando há tanto tempo no caminho de Deus. O religioso que, com solicitude e fervor, se exercita na santíssima vida e paixão do Senhor, achará nela com abundância tudo quanto lhe é útil e necessário, e escusará buscar coisa melhor fora de Jesus. Oh! se entrasse em nosso coração Jesus crucificado, quão depressa e perfeitamente seríamos instruídos!

7. O religioso cheio de fervor tudo suporta de boa vontade e executa o que lhe mandam. O relaxado e tíbio, porém, encontra tribulação sobre tribulação, sofrendo de toda parte angústias: é que ele carece da consolação interior e lhe é vedado buscar a exterior. O religioso que transgride a regra anda exposto a grande ruína. Quem busca a vida cômoda e menos austera, sempre estará em angústias, porque uma ou outra coisa sempre lhe desagrada.

8. Que fazem tantos outros religiosos que guardam a austera disciplina do claustro? Raro saem, vivem retirados, sua comida é parca, seu hábito grosseiro, trabalham muito, falam pouco, vigiam até tarde, levantam-se cedo, rezam muito, lêem com freqüencia e conservam-se em toda a observância. Olha como os cartuxos, os cistercienses, e os monges e monjas das diversas ordens se levantam todas as noites para louvar o Senhor. Vergonha, pois, seria, se tu fosses preguiçoso em obra tão santa, quando tamanha multidão de religiosos entoa a divina salmodia.

9. Oh! se nada mais tivesses que fazer senão louvar a Deus Nosso Senhor de coração e boca! Oh! se nunca precisares comer, nem beber, nem dormir, mas sempre pudesses atender aos louvores de Deus e aos exercícios espirituais! Então serias muito mais ditoso do que agora, sujeito a tantas exigências do corpo! Oxalá não existissem tais necessidades, mas houvesse só aquelas refeições que - ai! - tão raro gozamos!

10. Quando o homem chega ao ponto de não buscar sua consolação em nenhuma criatura, só então começa a gostar perfeitamente de Deus, e anda contente, aconteça o que acontecer. Então não se alegra pela abundância, nem se entristece pela penúria, mas confia inteira e fielmente em Deus, que lhe é tudo em todas as coisas, para quem nada perece nem morre, mas por quem vivem todas as coisas e a cujo aceno, com prontidão, obedecem.

11. Lembra-te sempre do fim, e que o tempo perdido não volta. Sem empenho e diligência, jamais alcançarás as virtudes. Se começares a ser tíbio, logo te inquietarás. Se, porém, procurares afervorar-te, acharás grande paz e sentirás mais leve o trabalho com a graça de Deus e o amor da virtude. O homem fervoroso e diligente está preparado para tudo. Mais penoso é resistir aos vícios e às paixões que afadigar-se em trabalhos corporais. Quem não evita os pequenos defeitos pouco a pouco cai nos grandes. Alegrar-te-ás sempre à noite, se tiveres empregado bem o dia. Vigia sobre ti, anima-te e admoesta-te e, vivam os outros como vivem, não te descuides de ti mesmo. Tanto mais aproveitarás, quanto maior for a violência que te fizeres. Amém.

(Da Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis)

terça-feira, 1 de julho de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXV)

 

113. Quando você tenta desobedecer a algum dos mandamentos divinos, como você se comporta? É especialmente no momento da tentação que a humildade é necessária. Toda vez que o diabo o tenta a cometer algum pecado grave, ele o tenta a se revoltar contra Deus, a desprezá-lo e a ofendê-lo.

114. Como você submete sua vontade à vontade de Deus nos momentos de adversidade, que são especialmente aqueles em que devemos nos humilhar, como nos diz o Espírito Santo pela boca de São Pedro: 'Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus' [1Pd 5,6]? Como todas as tribulações deste mundo são ordenadas por Deus, e as suas lhe são enviadas por Ele especialmente para humilhar o seu orgulho e mantê-lo na devida humildade, você realmente as recebe com a intenção de corresponder à intenção de Deus, dizendo com o Profeta: 'É bom para mim que Tu me tenhas humilhado' [Sl 118, 71]? 

O melhor meio de obrigar Deus a nos livrar de nossas tribulações é nos humilharmos, e o rei Davi testemunha isso por sua própria experiência: 'estava abismado na aflição e na ansiedade ... e o Senhor me salvou' [Sl 114,3.6]. Você já praticou esse meio de se humilhar em suas tribulações, protestando que as mereceu e as merece, mesmo que seja apenas por causa do seu orgulho? Deus envia adversidades para humilhá-lo, e Ele o humilha para que, a partir dessa humilhação, você possa aprender a humildade. Mas que fruto de humildade você colheu de todas as adversidades que teve até agora? Você pode dizer, como Moisés disse aos hebreus: 'Nós nos alegramos pelos dias em que Tu nos humilhaste' [Sl 89,15]?

115. Se você tem alguma qualidade boa, seja física ou espiritual, e se você fez alguma boa obra, você reconhece que tudo isso vem de Deus, atribuindo toda a glória a Deus como devida somente a Ele? 'Ao único Deus sejam dados honra e glória' [2Tm 1,17]. Nisso, diz São Paulo, discernimos o espírito de Deus, que é o espírito da humildade, do espírito do mundo, que é o espírito do orgulho, porque quem tem o espírito de Deus reconhece que tudo o que tem é simplesmente um dom de Deus: 'Agora, não recebemos o espírito do mundo, mas o espírito que vem de Deus, para que possamos conhecer as coisas que nos são dadas por Deus' [1Cor 2,12]. Mas de que serviria esse reconhecimento de que tudo vem de Deus, a não ser para referir todas as coisas a Ele e agradecer-lhe? Você agradece a Deus pelas muitas bênçãos que recebe constantemente dele - do fundo do seu coração, com verdadeira humildade, acreditando ser tão miserável que cairia em todos os pecados, e até mesmo no próprio inferno, se Deus não viesse em seu auxílio? 'Se o Senhor não me socorresse, minha alma em breve teria habitado no inferno' [Sl 93,17].

116. Nada é tão contrário à verdadeira humildade quanto buscar a própria estima no exercício das boas obras. Você às vezes faz o bem por motivos de respeito humano, a fim de ser visto, estimado? 'Cuidado' - diz o senhor - 'para não praticar a sua justiça diante dos homens, para ser visto por eles' [Mt 6, 1]. Você está simplesmente roubando a glória de Deus quando, dos dons que Ele lhe deu, reserva parte da glória para si mesmo. Examine as suas intenções; elas são puramente direcionadas à glorificação de Deus?

E admitindo que, ao fazer o bem, você não busca a estima dos homens, você às vezes faz isso para não perder as boas graças e favores dos outros, conformando-se ao espírito deles, que é viver de acordo com os costumes do mundo, esquecendo-se de Deus? Isso também é amar a glória do mundo mais do que a glória de Deus, e é uma falha que se opõe grandemente à humildade, e que foi condenada naqueles homens importantes entre os judeus que acreditavam em Cristo, mas por medo dos fariseus e por respeito à opinião deles não ousavam confessá-lo, 'porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus' [Jo 12,43].

117. Você tem talvez uma consciência tímida por causa de muitos escrúpulos? Se for esse o caso, examine-se e provavelmente descobrirá que a verdadeira razão dos seus escrúpulos reside no seu amor próprio, isto é, no seu orgulho. Você é indócil e não sabe como se submeter ao que seus diretores lhe dizem para fazer; e São Tomás ensina que isso é um efeito do orgulho, 'porque a docilidade é a bela filha da humildade e dispõe a alma à obediência' [2a 2æ, qu. xlviii; et qu. xlix, art. 3 ad 4]. Como é que, quando lemos a vida dos santos, não encontramos que eles eram agitados por esses escrúpulos? Os santos eram humildes, e onde há humildade, há também tranquilidade de espírito. Sabemos que muitas pessoas escrupulosas foram curadas de seus escrúpulos, que eram considerados quase incuráveis, por nenhum outro meio senão dizendo a Deus com todo o coração: 'Eu me acuso de orgulho; lamento meu orgulho e peço a vossa ajuda para corrigir meu grande orgulho'.

Mas se você perceber que é escrupuloso menos por indocilidade do que por covardia, peça conselho mais uma vez a São Tomás, que ensina que essa covardia também vem do orgulho, porque ao julgar nossa própria suficiência, colocamos nosso próprio julgamento em oposição ao dos outros [2a 2æ, qu. cxxxiii. art. 1]. Você deseja desfrutar da paz de uma consciência tranquila e também de certos consolos espirituais que são uma grande ajuda para fazer de boa vontade tudo o que é necessário para levar uma vida devota e ser cada vez mais fervoroso no serviço de Deus? Não posso lhe dar melhor conselho do que este: Entregue-se à humildade e Deus encherá a sua alma de consolo inefável. 'E meu espírito se alegrou' - diz a Santíssima Virgem em seu cântico; e ela acrescenta, para sua instrução, que essa exultação lhe foi enviada por Deus por causa de sua humildade: 'Porque Ele considerou a humildade da sua serva' [Lc 1,48].
 
118. Se você tem um desejo sincero de salvar a sua alma, deve tomar os meios que Deus ordenou para você, e o principal e mais essencial deles é a humildade, como mostra a Sagrada Escritura: 'Porque Tu salvarás o povo humilde' [Sl 33,10]. 'E Ele salvará os humildes de espírito' [Sl 17,28]. 'A glória sustentará os humildes de espírito' [Pv 29,23]. E como você estima essa humildade? Como você a pratica? Com que fervor você a pede a Deus? Você a considera um preceito ou apenas um conselho que você é livre para escolher ou rejeitar à vontade? A entrada no Paraíso não é apenas estreita, mas também baixa, por isso Jesus Cristo disse: 'A menos que vocês se tornem como crianças, não poderão entrar no reino dos Céus' [Mt 18,3]. E somente aquele que 'se humilhar' poderá entrar nesse reino [Mt 18,4].

Há sempre perigo na jornada rumo ao nosso lar celestial para aqueles que mantêm a cabeça erguida e é mais seguro mantê-la baixa. Esta é uma regra geral para todos. São João Crisóstomo nos adverte: 'Quando nosso Senhor disse: ‘Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração’, Ele não se dirigia apenas aos monges, mas a todas as classes de homens' [Lib. 3]. A humildade de coração não foi exigida por Jesus Cristo apenas aos religiosos, mas também aos seculares, fossem eles quem fossem e sem qualquer exceção.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

OS PAPAS DA IGREJA (XVI)