segunda-feira, 30 de junho de 2014

OS SANTOS E O PURGATÓRIO

'Devemos ajudar aos que se acham no purgatório. Seria por demais insensível quem não auxiliasse um ser querido encarcerado na terra; mais insensível ainda é o que não auxilia a um amigo que está no purgatório, pois não há comparação entre as penas deste mundo e as de lá'.

(São Tomás de Aquino)

'Se soubéssemos como é grande o poder das boas almas do Purgatório [em nosso favor] sobre o Coração de Jesus, e se soubéssemos também quantas graças poderíamos obter por intercessão delas, é certo, não seriam tão esquecidas'.

(São João Batista Vianney, o Cura D'Ars)

'A alma justa, ao sair de seu corpo, vendo em si mesma alguma coisa que empana a sua inocência primitiva e se opõe a sua união com Deus, experimenta uma aflição incomparável; e como sabe muito bem que este impedimento não pode ser destruído senão pelo fogo do purgatório, desce ali subitamente e com plena vontade (…) Sabendo que o purgatório é o banho destinado a lavar estas espécies de manchas, corre até ele (…), pensando muito menos nas dores que lhe esperam do que na felicidade de encontrar ali sua primitiva pureza'.

(Santa Catarina de Gênova)

'Se Jesus Cristo disse que há faltas que não serão perdoadas nem neste mundo nem no outro, é sinal de que há faltas que, sim, são perdoadas no outro mundo'.

(São Gregório Magno)

'Sepultem meu corpo onde queiram, porém lhes peço que, de onde quer que estejam, recordem-se de mim diante do altar do Senhor'.

(Santa Mônica)

'Que se recordem com piedoso afeto daqueles que foram meus pais na terra… para que aquilo que minha mãe me pediu no último instante, seja-lhe concedido mais abundantemente pelas orações de muitos, provocadas por estas Confissões e não unicamente pelas minhas orações' (...) 'O sofrimento do purgatório é muito mais penoso que tudo o que se pode sofrer neste mundo'.

(Santo Agostinho)

'Se o Senhor promete ser misericordioso para com os que praticam misericórdia: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7), com muita razão pode esperar a salvação quem procura socorrer as almas do purgatório, tão aflitas e tão caras a Deus'.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 29 de junho de 2014

AS COLUNAS DA IGREJA

Páginas do Evangelho - São Pedro e São Paulo Apóstolos


Neste domingo, a liturgia católica celebra a Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, primícias da fé, fundamentos da Igreja. 'Naquele tempo', as mensagens e as pregações públicas de Jesus estavam consolidadas; os milagres e os poderes sobrenaturais do Senhor eram de conhecimento generalizado; multidões acorriam para ver e ouvir o Mestre, dominados pela falsa expectativa de encontrar um personagem mítico e um Messias dominador do mundo. Na oração profunda, Jesus afasta-se do júbilo fácil do mundo e das multidões errantes, que O tomam por João Batista, por Elias, por um dos antigos profetas. Jesus, então, reúne os seus discípulos e lhes pede o testemunho próprio:  'E vós, quem dizeis que eu sou?' (Mt 16, 15). Por inspiração divina, a resposta de Pedro é uma confissão extremada da fé humana: 'Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo' (Mt 16, 16).

E, diante tal testemunho do Apóstolo, Jesus impõe a ele as primícias do  papado e da Igreja: 'Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la' (Mt 16, 18). Esta será a Igreja Militante, a Igreja Temporal, A Igreja da terra, obra temporária a caminho da Igreja Eterna do Céu. Mas ligada a Pedro e aos sucessores de Pedro, sumos pontífices herdeiros da glória, poder e realeza de Cristo.

(Cristo entrega as chaves a São Pedro - Basílica de Paray-le-Monial, França)

E Jesus vai declarar, em seguida e sem condicionantes, o poder universal e sobrenatural da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana: 'Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mt 16, 19). Ligado ou desligado. Poder absoluto, domínio universal, primado da verdade, Cátedra de Pedro. Na terra árida de algum ermo qualquer da 'Cesareia de Felipe', erigiu-se naquele dia, pela Vontade Divina, nas sementeiras da humanidade pecadora, a Santa Igreja, a Videira Eterna.

Com São Paulo, a Igreja que nasce, nasce com um gigante do apostolado e se afirma como escola de salvação universal. Eis aí a síntese do espírito cristão levado à plenitude da graça: Paulo se fez 'outro Cristo' em Roma, na Grécia, entre os gentios do mundo. No apostolado cristão de São Paulo, está o apostolado cristão de todos os tempos; a síntese da cristandade nasceu, cresceu e se moldou nos acordes pautados em suas epístolas singulares proferidas aos Tessalonicenses, em Éfeso ou em Corinto. Síntese de fé, que será expressa pelas próprias palavras de São Paulo: 'Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé' (2Tm 4,7).

(São Paulo Apóstolo - Basílica de Alba, Itália)

São Pedro foi o patriarca dos bispos de Roma, São Paulo foi o patriarca do apostolado cristão. Homens de fé e coragem extremadas, foram as colunas da Igreja. São Pedro morreu na cruz, São Paulo morreu por decapitação pela espada. Mártires, percorreram ambos os mesmos passos da Paixão do Senhor. E se ergueram juntos na Glória de Deus pela Ressurreição de Cristo.

29 DE JUNHO - FESTA DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO

FUNDAMENTOS DA IGREJA

São Pedro e São Paulo - Jusepe de Ribera (1591 - 1652)

"Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16).

“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (II Tm 4,7).

Excertos da Homilia do Papa João Paulo II, na Solenidade de São Pedro e São Paulo, em 29/06/2000


Jesus dirige aos discípulos esta pergunta acerca da sua identidade, enquanto se encontra com eles na Alta Galileia. Muitas vezes acontecera que foram eles a interrogar Jesus; agora é Ele quem os interpela. A sua pergunta é específica e espera uma resposta. Simão Pedro toma a palavra em nome de todos:  "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (Mt 16, 16). A resposta é extraordinariamente lúcida. Nela se reflete de modo perfeito a fé da Igreja. Nela nos refletimos também nós. De modo particular, reflete-se nas palavras de Pedro o Bispo de Roma, por vontade divina, seu indigno sucessor.

2. "Tu és o Cristo!". À confissão de Pedro, Jesus replica:  "És feliz, Simão, filho  de  Jonas,  porque  não  foram  a carne nem o sangue quem to revelou, mas  o  Meu  Pai  que  está  nos  céus" (Mt 16, 17).

És feliz, Pedro! Feliz, porque esta verdade, que é central na fé da Igreja, não podia emergir na tua consciência de homem, senão por obra de Deus. "Ninguém, disse Jesus, conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11, 27). Reflitamos sobre esta página evangélica particularmente densa:  o Verbo encarnado revelara o Pai aos seus discípulos; agora é o momento em que o próprio Pai lhes revela o seu Filho unigênito. Pedro acolhe a iluminação interior e proclama com coragem:  "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo"!

Estas palavras nos lábios de Pedro provêm do profundo do mistério de Deus. Revelam a verdade íntima, a própria vida de Deus. E Pedro, sob a ação do Espírito divino, torna-se testemunha e confessor desta soberana verdade. A sua profissão de fé constitui assim a sólida base da fé da Igreja:  "Sobre ti edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18). Sobre a fé e a fidelidade de Pedro está edificada a Igreja de Cristo.

3. "O Senhor assistiu-me e deu-me forças a fim de que a palavra fosse anunciada por mim e os gentios a ouvissem" (2 Tm 4, 17). São palavras de Paulo ao fiel discípulo Timóteo:  escutamo-las na Segunda Leitura. Elas dão testemunho da obra nele realizada pelo Senhor, que o tinha escolhido como ministro do Evangelho, "alcançando-o" na via de Damasco (cf. Fl 3, 12). Envolvido numa luz fulgurante, o Senhor se lhe havia apresentado, dizendo:  "Saulo, Saulo, por que Me persegues?" (Act 9, 4), enquanto uma força misteriosa o lançava por terra (cf. ibid., v. 5).

"Quem és Tu, Senhor?", perguntara Saulo. "Eu sou Jesus, a quem tu persegues!" (ibid.). Foi esta a resposta de Cristo. Saulo perseguia os seguidores de Jesus e Jesus fez-lhe tomar consciência de que era Ele mesmo a ser perseguido neles. Ele, Jesus de Nazaré, o Crucificado, que os cristãos afirmavam ter ressuscitado. De Damasco, Paulo iniciará o seu itinerário apostólico, que o levará a defender o Evangelho em tantas partes do mundo então conhecido. O seu impulso missionário contribuirá assim para a realização do mandato de Cristo aos Apóstolos:  "Ide, pois, ensinai todas as nações..." (Mt 28, 19).

4. Caríssimos Irmãos no Episcopado vindos para receber o Pálio, a vossa presença põe em eloquente ressalto a dimensão universal da Igreja, que derivou do mandato do Senhor:  "Ide... ensinai todas as nações" (Mt 28, 19). Todas as vezes que vestirdes estes Pálios, recordai, Irmãos caríssimos que, como Pastores, somos chamados a salvaguardar a pureza do Evangelho e a unidade da Igreja de Cristo, fundada sobre a "rocha" da fé de Pedro. A isto nos chama o Senhor; esta é a nossa irrenunciável missão de guias previdentes do rebanho que o Senhor nos confiou.

5. A plena unidade da Igreja! Sinto ressoar em mim a recomendação de Cristo. Deus nos conceda chegarmos quanto antes à plena unidade de todos os crentes em Cristo. Obtenhamos este dom dos Apóstolos Pedro e Paulo, que a Igreja de Roma recorda neste dia, no qual se faz memória do seu martírio e, por isso, do seu nascimento para a vida em Deus. Por causa do Evangelho, eles aceitaram sofrer e morrer e se tornaram partícipes da ressurreição do Senhor. A sua fé, confirmada pelo martírio, é a mesma fé de Maria, a Mãe dos crentes, dos Apóstolos,  dos Santos  e Santas  de  todos  os séculos.

Hoje a Igreja proclama de novo a sua fé. É a nossa fé, a imutável fé da Igreja em Jesus, único Salvador do mundo; em Cristo, o Filho de Deus vivo, morto e ressuscitado por nós e para a humanidade inteira.

sábado, 28 de junho de 2014

SERMÕES DO CURA D'ARS (I)

SOBRE AS TENTAÇÕES

As tentações são necessárias para que possamos perceber que não somos nada por nós mesmos. Santo Agostinho diz-nos que deveríamos agradecer a Deus tanto pelos pecados dos quais Ele nos preservou, como pelos pecados que Ele, por caridade, nos perdoou. Caso venhamos a cair nas ciladas do demônio, nós pensamos que somos capazes de nos levantarmos novamente, confiando muito mais nas nossas promessas e resoluções do que na força de Deus. Isto é uma grande verdade! Quando nós não temos nada do que nos envergonhar, quando todas as coisas estão correndo bem e de acordo com os nossos desejos, nós ousamos pensar que nada poderia nos derrubar. Nós esquecemos facilmente do nosso próprio nada e de nossa fraqueza interior. Chegamos mesmo a protestar, que estamos prontos a morrer do que permitirmos sermos vencidos. 

Nós vemos o esplêndido exemplo de São Pedro, que disse ao Senhor que ainda que todos se escandalizassem Dele, ele não se escandalizaria. Coitado! Para mostrar-lhe, como o homem entregue às suas próprias forças, não é absolutamente nada, Deus fez uso, não de reis, príncipes ou armas, mas sim da voz de uma simples empregada na noite da prisão de Jesus, que confrontou Pedro com um monte de interrogações. E nesse momento Pedro protesta dizendo que nem sequer conhecia o Senhor, e fez de contas que nem sabia do que ela estava falando. Para assegurar aos presentes, de um modo ainda mais veemente de que ele não conhecia Jesus, ele chegou mesmo a jurar! Ó Senhor, o que não somos capazes de fazer quando nós estamos entregues a nós mesmos! 

Existem pessoas, que fazem questão de dizer, o quanto eles invejam os santos que fizeram grandes penitências! Eles chegam a acreditar que poderiam fazer o mesmo! Às vezes quando lemos sobre a vida de alguns mártires, nós gostaríamos, nós pensamos, estarmos prontos para sofrer tudo que eles sofreram por amor a Deus. Chegamos ao ponto de pensar: é um momento de sofrimento muito curto para a recompensa que vamos receber no Céu! Mas o que faz Deus para nos ensinar a nos conhecermos, ou melhor, para reconhecermos que não somos absolutamente nada? 

Eis o que Ele faz: Ele permite que o demônio se aproxime um pouquinho mais de nós. E nesse momento, veja o que acontece com os cristãos que há apenas uns minutos atrás invejavam aquele eremita que vivia retirado no deserto, alimentando-se somente de ervas e raízes e que fez a firme resolução de submeter seu corpo a duras penitências. Coitado! Uma leve dor de cabeça, a simples espetada de um espinho, o faz se condoer todo por si próprio! Não importando o quão grande e forte ele possa aparentar. Ele se aborrece, reclama da dor. A poucos momentos atrás, estava disposto a fazer todas as penitências dos anacoretas (monges do deserto) e agora, o menor contratempo o faz cair no desespero! 

Agora vejamos esse outro cristão, que parece querer entregar toda sua vida a Deus. Que possui um ardor que tormento algum poderia apagar! Um pequeno escândalo... uma palavra de calúnia... e até mesmo uma fria receptividade ou pequena injustiça cometida contra ele... uma gentileza retribuída com ingratidão... imediatamente desperta nele todos os sentimentos de ódio, vingança e descontentamento, a ponto de frequentemente, ele desejar nunca mais ver o seu próximo ou pelo menos tratá-lo de um modo frio, de forma a demonstrar o quanto aquela pessoa o ofendeu. E quantas vezes, isso se torna o seu primeiro pensamento ao acordar, assim como o pensamento que sempre o impede de dormir em paz? Coitado! Meus caros amigos, nós somos umas coisas pobres, e por isso deveríamos contar muito pouco com nossas próprias resoluções. 

Cuidado se você não sofre tentações! A quem o demônio mais persegue? Talvez você ache que as pessoas que são mais tentadas, são indubitavelmente, os beberrões, os provocadores de escândalos, as pessoas imodestas e sem vergonha que deitam e rolam na sujeira e na miséria do pecado mortal, que se enveredam por toda espécie de maus caminhos. Não, meu caro irmão! Não são essas pessoas! Ao contrário, o demônio os deixa de lado, ou seja, ele se apóia nelas enquanto elas vivem, porque do contrário ele não teria tanto tempo para fazer o mal. Isso porque, quanto mais tempo essas pessoas viverem, mais seus maus exemplos arrastarão outras almas para o Inferno. 

De fato, se o demônio tivesse perseguido esse velho companheiro obsceno e sem-vergonha, ele teria encurtado a duração de sua vida em 15 ou 20 anos, de forma que ele não teria destruído a virgindade daquela garota ali, seduzindo-a para a inominável mira de suas indecências. Ele não teria novamente seduzido aquela mulher casada e nem ensinado suas más lições àqueles rapazinhos, que talvez as continue a praticar até o final de suas vidas. 

Se o demônio tivesse incitado a este ladrão ali na frente, a roubar em tudo quanto é ocasião, ele teria ido acabar na forca e não teria tempo pra induzir seu vizinho a seguir seu mau exemplo. Se o demônio tivesse encorajado esse beberrão ali, a se embebedar incessantemente com o vinho, ele já teria morrido a muito tempo atrás nas suas libertinagens, e não teria tempo de fazer com que outros seguissem seu mesmo caminho. Se o demônio tivesse tirado a vida deste músico ali, ou daquele organizador de bailes, ou daquele dono de cabaré, em algum tipo de tumulto ou assalto, ou em qualquer outra ocasião, quantas almas não seriam poupadas da danação eterna! 

Santo Agostinho nos ensina que o demônio não importuna muito essas pessoas; pelo contrário, ele até as despreza e cospe sobre elas. Assim, você me perguntaria: então quem são as pessoas mais tentadas? São estas, meus caros amigos, observem-nas atentamente. As pessoas mais tentadas são aquelas que estão prontas, com a graça de Deus, a sacrificar tudo pela salvação de suas pobres almas, que renunciam a todas as coisas que a maioria das pessoas buscam ansiosamente. E não é um demônio só que as tenta, mas milhões de demônios procuram armar-lhes ciladas. 

Uma vez, São Francisco de Assis e todos os seus religiosos estavam reunidos numa área plana e aberta, onde eles tinham erguido algumas choupanas de palha. Buscando um meio de fazer com que todos fizessem penitências extraordinárias, São Francisco ordenou que fossem trazidos todos os instrumentos de penitência, e seus religiosos os trouxeram aos feixes. Nesse momento, havia um jovem homem a quem Deus concedeu a graça de poder ver o seu Anjo da Guarda. De um lado, ele viu todos esses bons religiosos que buscavam satisfazer sua sede por mais penitências e, do outro, o Anjo permitiu-lhe ver uma legião de 18 mil demônios, que estavam se reunindo em conselho para ver de que modo eles poderiam subverter esses religiosos pela tentação. Um dos demônios disse: 'Vocês não percebem mesmo! Esses religiosos são tão humildes; Ah! que virtude espantosa! são tão desapegados de si próprios, tão apegados a Deus! Eles possuem um superior que os guia, de forma que é impossível ser bem sucedido em qualquer ataque que façamos a eles. Vamos esperar até que o superior deles morra e então introduziremos entre eles jovens sem nenhuma vocação que trarão um certo relaxamento de espírito para a ordem, e aí sim, nós os venceremos'. 

Mais tarde, quando esse homem entrou na cidade, ele viu um demônio sentado sozinho no portão de entrada da cidade e que tinha a tarefa de tentar todos os habitantes daquele lugar. Esse santo perguntou ao seu Anjo da Guarda porque motivo, para tentar apenas aquele grupo de religiosos, haviam tantos demônios, ao passo que, para toda aquela cidade, havia apenas um sentado à sua entrada. Seu bom Anjo respondeu-lhe então, que aquelas pessoas não precisavam de tentação, uma vez que já estavam entregues aos seus próprios pecados, ao passo que aqueles religiosos buscavam fazer tudo que era bom, apesar de todas as ciladas que os demônios podiam armar para eles. 

Meus caros irmãos, a primeira tentação com a qual o demônio tenta qualquer um que começou a servir melhor a Deus chama-se 'respeito humano'. Aquela pessoa acometida pelo respeito humano, não ousará mais a ser vista em todo lugar, passará a se esconder de todos aqueles com os quais ela andava misturada na busca de uma vida de prazeres. Se alguém lhe disser que ela está muito mudada, imediatamente ela ficará envergonhada! Aliás, o que as pessoas vão dizer dela, é a sua contínua preocupação. Chega a um ponto de perder a coragem de fazer qualquer boa ação diante dos olhos alheios. Se o demônio não consegue fazê-la retroceder na caminhada espiritual através do respeito humano, ele infundirá nela um extraordinário medo, dizendo-lhe que suas confissões não servem para nada, que seu confessor não a entende, que seja lá o que ela fizer, será sempre em vão, que ela irá para a condenação eterna do mesmo modo ou que ela obteria o mesmo resultado (a salvação) no final, deixando tudo correr solto ao invés de continuar a lutar, afinal as ocasiões de pecado já demonstraram ser demais para ela! 

Por que será, meus irmãos, que quando alguém não dá a mínima importância à salvação de sua alma, ele parece não sofrer a menor tentação? Mas assim que ele resolve mudar de vida, em outras palavras, assim que ele deseja reformar sua vida para que Deus venha morar nele, imediatamente todo o inferno cai em cima dele? Ouçamos o que nos diz Santo Agostinho a esse respeito: 'Do modo como o demônio se comporta em relação ao pecador: Ele atua como um carcereiro que possui muitos prisioneiros trancados em sua prisão, mas como ele não carrega ou não possui a chave que poderia libertá-los dali, ele tranquilamente pode sair sossegado, certo de que nenhum deles tem como fugir. Este é o modo como ele age com aqueles pecadores que nem sequer consideram a possibilidade de deixar o pecado para trás. Ele nem sequer se dá ao trabalho de tentá-los. Ele vê tais pessoas como perda de tempo, não apenas porque elas não pensam em deixá-lo, mas também porque ele não deseja multiplicar suas cadeias. Por outro lado, seria inútil tentá-los. Ele permite que eles vivam em paz enquanto estiverem vivendo no pecado mortal. Ele esconde do pecador a situação em que ele se encontra, o mais que ele pode, até a morte, e quando acontece dele pintar um quadro da vida daquele pecador, ele o faz de uma maneira tão aterrorizante, que o infeliz pecador súbito cai no desespero. Mas com qualquer um que se decidiu a mudar de vida, que se decidiu a entregar-se completamente à Deus, é toda uma outra história!'
Enquanto Santo Agostinho vivia no pecado e na maldade, ele não tinha porque se preocupar com as tentações. Ele acreditava se encontrar em paz, como ele mesmo nos conta. Mas no momento que ele resolveu dar as costas para o demônio, ele teve que travar um combate contra ele a ponto de perder sua respiração na luta. E isso durou cinco anos! Ele chorou as lágrimas mais amargas e fez as mais severas penitências. Ele chegou ao ponto de dizer: 'Eu discutia com ele em minhas cadeias! Um dia eu achei que tinha sido vitorioso, no próximo dia lá estava eu de novo, prostrado no chão. Esta guerra cruel e obstinada durou cinco anos. No final, Deus me concedeu a graça de vencer o combate contra o meu inimigo'. 

Você pode ver também a luta que São Jerônimo teve que empreender, quando ele se decidiu a viver apenas para Deus e também quando planejou visitar a Terra Santa. Quando ele ainda estava em Roma, concebeu um desejo novo de trabalhar pela sua salvação. Ao sair de Roma, ele se retirou para um deserto para se entregar a todos os exercícios que o amor por Deus o inspirasse a fazer. Então o demônio, prevendo como sua conversão iria influenciar tantas outras pessoas, se encheu de fúria e desespero. São Jerônimo não foi poupado da menor tentação. Eu não acredito que exista um santo que foi mais tentado do que ele. 

Isto foi o que ele escreveu a um de seus amigos: 'Meu caro amigo, eu quero confidenciar-lhe sobre minhas aflições e o estado ao qual o demônio procura reduzir-me. Quantas vezes nessa vasta solidão, na qual o calor do sol se faz insuportável, quantas vezes os prazeres de Roma parecem me assaltar! A dor e a amargura, das quais minh'alma se encontra repleta, fazem me derramar rios de lágrimas dia e noite sem parar. Eu procurei me esconder nos lugares mais isolados para lutar contra minhas tentações e chorar pelos meus pecados. Meu corpo está todo desfigurado e coberto com uma veste rude em trapos. Eu não tenho outra cama a não ser o chão nu e minha única comida é um cozido de raízes e água, mesmo quando estou doente. Apesar de todos esses rigores, meu corpo ainda se recorda dos sórdidos prazeres dos quais Roma inteira está envenenada, meu espírito ainda se encontra no meio daqueles companheiros de prazer e aventuras com os quais eu tão imensamente ofendi a Deus. Nesse deserto, ao qual eu mesmo me condenei para evitar o inferno, junto dessas rochas sombrias, onde eu não tenho outra companhia, a não ser escorpiões e os animais selvagens, meu espírito ainda queima dentro do meu corpo morto, com um fogo de impurezas. O demônio ainda assim, ousa a me oferecer prazeres para que eu os prove. Eu me contemplo tão humilhado por essas tentações e o único pensamento que me faz morrer de pavor é não saber quais austeridades às quais eu ainda devo submeter o meu corpo para uni-lo com Deus. Eis porque eu me atiro ao chão, aos pés do meu crucifixo, banhado em minhas próprias lágrimas, e quando eu não posso mais chorar, eu pego algumas pedras e bato no meu peito com elas, até que o sangue saia pela minha boca, implorando por misericórdia, até que Deus tenha piedade de mim. Será que existe alguém, capaz de entender a miséria do meu estado, desejando tão ardentemente agradar a Deus e amar somente a Ele? Ainda assim, eu estou sempre pronto a ofendê-lo. Que dor isso representa para mim? Ajude-me, meu caro amigo, com o auxílio de suas orações, de forma que eu me torne mais forte para repelir o demônio, que jurou me levar para a condenação eterna'. 

Meus caros amigos, são esses os combates a que são submetidos os grandes santos de Deus. Coitados de nós! Como somos dignos de pena por não sermos assaltados ferozmente pelo demônio! De acordo com todas as aparências, podemos dizer que somos amigos do diabo: ele nos faz viver numa falsa paz, ele nos embala no sono, deixando-nos com a pretensão de que recitamos algumas boas orações, distribuímos algumas esmolas e que fizemos menos más ações do que os outros. De acordo com o nosso padrão, meus caros irmãos, se perguntarmos, por exemplo, àquele sustentador do cabaré ali, se o demônio o tem tentado, ele simplesmente dirá que nada o incomoda absolutamente! Pergunta a esta garota ali, esta filha da vaidade, quais são os combates que ela tem que travar contra o inimigo, e ela vai responder-lhe sorrindo que ela não tem nenhuma luta e que, aliás, ela nem sabe o que é ser tentada. Assim vocês verão, meus caros amigos, que a tentação mais terrível de todas, é exatamente não ser tentado. E vocês verão ainda mais! Vocês verão o estado daqueles a quem o demônio está preservando para o inferno. Eu ousaria dizer ainda, que ele tem o máximo cuidado em não atormentar tais pessoas com a recordação de suas vidas no passado. Do contrário, seus olhos poderiam se abrir para seus pecados! 

O maior de todos os males não é ser tentado porque há então motivos para acreditar que o demônio está apenas esperando nossas mortes para nos arrastar para o inferno. Nada poderia ser mais fácil de ser entendido. Apenas considere o cristão que está tentando, ainda que seja de um modo pequeno, salvar sua alma. Tudo em volta dele parece incliná-lo para o mal, ele dificilmente consegue levantar os olhos sem ser tentado, apesar de todas as orações e penitências! E mesmo assim, um pecador empedernido, que passou uns 20 anos chafurdando na lama do pecado ainda tem a coragem de dizer que não é tentado! Este está num estado muito pior, meus caros amigos, muito pior! Isso é o que deveria fazer você tremer de pavor: não saber o que são as tentações, pois dizer que você não é tentado, é o mesmo que dizer que o demônio não existe ou que ele perdeu todo seu raio de ação sobre as almas cristãs. 

São Gregório nos diz: 'Se você não sofre tentações é porque o demônio é seu amigo, seu líder e seu pastor. E ao permitir que você passe sua pobre vida na tranquilidade, no final de seus dias, ele lhe arrastará com todos os outros para as profundezas do abismo'. Santo Agostinho diz-nos que a maior tentação é não sofrer tentações, pois isso apenas significa que uma pessoa assim, é uma pessoa que foi rejeitada por Deus, abandonada por Deus, e deixada inteiramente à mercê de suas próprias paixões.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

VIDA ESPIRITUAL - A MULHER E A MÃE CRISTÃ

Mulher cristã, tu não nasceste para fazer obras mestras. As grandes obras da política, da guerra, da ciência, da literatura, da arte, não brotaram das tuas mãos, nem do teu engenho. Tudo isto é obra dos homens. Todavia, tu fizeste o que mais vale, formaste esses homens, não só porque os geraste com o teu sangue, mas também porque os modelaste com tua paciência e com teus encantos.

Esposa, Deus te criou para ajuda do homem. Casaste para auxiliar a teu esposo na grande obra de dar filhos a Deus, cidadãos à sociedade, fiéis à Igreja e eleitos ao céu. Sê generosa com Deus; não lhe negues por egoísmo, por temor ao trabalho e à dor, os filhos que te quer dar. Eles serão tua coroa no céu.

Casaste para ajudar teu marido a salvar sua alma, sendo estímulo de sua religião e remédio de suas paixões. Ama-o e sê fiel a ele como a Igreja a Cristo; assiste-lhe com diligência e carinho como a teu companheiro inseparável e sustento de tua existência; obedece-lhe e respeita-o como a teu superior e cabeça; suporta-o com paciência; responde-lhe com mansidão, cala-te quando ele está enfadado; aconselha-o com prudência e sem cansá-lo; não lhe dês ocasião de ciumes com familiariades alheias. Respeita teus sogros, seus pais, como a teus pais; trata as tuas cunhadas, suas irmãs, como a tuas irmãs; promove a harmonia e união entre todos os de casa. Vive em paz com teus parentes e vizinhos.

Mãe, ajuda a teu marido na educação dos filhos. De ti depende, sobretudo, que teus filhos sejam bons cristãos, de ti, que estás sempre com eles; de ti, que és anjo da guarda deles, centro da vida deles, ímã de seus corações e que vales para eles mais que todos os mestres de escola. O que tu lhes ensinares não chegarão jamais olvidar.

Um grande político dizia certo dia: 'Eu teria sido ateu se houvesse podido olvidar uma coisa: a recordação do tempo em que minha mãe tomava minhas mãozinhas com as suas e me fazia ajoelhar dizendo: Pai Nosso que estais nos céus...' Ensina-lhes a rezar, anima-os a frequentar os sacramentos, vigia suas companhias e diversões; tem sumo cuidado em que exista a devida separação entre filhos e filhas e pessoas de diferentes sexos. Corrige-os com amor. Não os castigues com rancor.

Preocupa-te, sobretudo, com as tuas filhas: não dês asas à vaidade delas; obriga-as a aprender os labores de uma dona de casa; não tenhas tanta pressa em casá-las de maneira que não consideres a verdadeira vocação delas, fazendo-as infelizes nesta e na outra vida. Grava em teu coração os mesmos desejos, e em teus lábios as mesmas palavras de Santa Branca de Castela para seu filho São Luís, rei da França: 'Antes que te ver em pecado, quisera ver-te despojado das insígnias régias ou morto'.

(Excertos de texto publicado pela Parroquia del Santísimo Redentor, Chile, pelo Pe. Pedro Felix Salas Fernández).

Retrato de uma mãe

Há uma mulher que tem algo de Deus pela imensidade de seu amor, e muito de anjo pela incansável solicitude de seus cuidados; uma mulher que, sendo jovem, tem a reflexão de uma anciã e na velhice, trabalha com o vigor da juventude; a mulher que, se é ignorante, descobre os segredos da vida com mais acerto que um sábio e, se é instruída, se acomoda à simplicidade das crianças; uma mulher que, sendo rica, daria com gosto seu tesouro para não sofrer em seu coração a ferida da ingratidão; uma mulher que, sendo débil, se reveste às vezes da bravura do leão; uma mulher que, enquanto vive, não a sabemos estimar porque a seu lado todas as dores se esquecem, e que, entretanto, depois de morta, daríamos tudo que temos para vê-la de novo um instante, para receber dela um só abraço, para escutar um só acento de sua voz.(...) 

(Mons. Ramón Ángel Jara)

PALAVRAS DE SALVAÇÃO





'Todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus. 

Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus.' 

(Mt 10, 32 - 33)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

CINCO SINAIS DE PROGRESSO NA VIDA ESPIRITUAL

A vida espiritual é toda feita de contradições; isto, em outras palavras, quer dizer que a natureza humana é uma natureza decaída. Uma das maiores contradições, e talvez das mais difíceis de manejar, é a seguinte: na espiritualidade é importantíssimo termos um profundo conhecimento de nós mesmos e, ao mesmo tempo, pensarmos muito pouco em nossa pessoa, o que não é muito fácil de conciliar. Menciono esta dificuldade, de início, porquanto, no correr deste tratado, teremos de olhar muito para nós mesmos, e, consequentemente, corrermos risco de pensar também muito em nós; e disto poderia advir maior mal, do que, daquilo bem.

Nenhum conhecimento nos pode ser mais útil que saber a situação em que estamos perante Deus. Tudo depende disso. É para nós a ciência das ciências, mais do que a ciência do bem e do mal que tentou tão violentamente Adão e Eva. Se estamos bem com Deus, tudo está bem conosco, ainda que as mais negras adversidades nos cerquem. Se não estamos bem com ele, nada está bem conosco, esteja embora aos nossos pés o que o mundo possui de melhor e de mais brilhante. É natural que desejemos saber se progredimos na vida espiritual, nada havendo de mal, nem sequer de imperfeito neste desejo, conquanto não seja demasiado. Ser-nos-ia imensa consolação termos razões para supor que adiantamos. Se, pelo contrário, tivermos motivos para crer que haja algo de errado, pelo menos nos será uma segurança e uma garantia ver que não continuamos nas trevas numa matéria que nos toca mais de perto que qualquer outra. O amor gosta de saber se é aceito e retribuído e, sendo Deus o seu objeto, se não é rejeitado como merece ser. O temor deseja esse mesmo conhecimento, por causa dos interesses eternos que estão em jogo.

Não podemos, no entanto, por mais que o desejemos, ter completo conhecimento do nosso progresso na vida espiritual, e isto tanto pelas razões que pertencem a Deus, como pelas nossas. Quanto a Deus, ele gosta de ocultar os seus desígnios. Quanto a nós, o amor próprio exagera o pouco que fazemos. Nem sabemos, com certeza, se estamos em estado de graça, ou, como diz a Escritura, se merecemos amor ou ódio. Asilamos no coração uma quantidade de pecados secretos, e como nos admoesta o inspirado Escritor, não devemos estar sem receio, mesmo quanto ao pecado perdoado.

Há meios errôneos de adquirir este conhecimento, que o coração impaciente e ansioso procura. Todo desejo que não for rigorosamente disciplinado e firmemente subjugado, torna-se, com o tempo, exagerado e desregrado e então sabe encontrar, com astúcia fatal, os meios mais funestos de satisfazer-se a si próprio. Um desses meios errôneos é importunar os diretores para saber qual a opinião que tem a nosso respeito. Isto lhes repugna, porque não querem parecer que tem dons sobrenaturais, como é o discernimento dos espíritos, e porque sabem que esse conhecimento raras vezes é para nosso bem.

(...) Um certo conhecimento do nosso estado é, todavia, possível, desejável e mesmo necessário, enquanto for desejado com moderação e procurado com reta intenção. Carecemos de consolo em tão difícil e duvidosa batalha, e não estamos ainda suficientemente certos no conhecimento claro das operações de graça em nossas almas. Não podemos ser muito dados à oração, sem termos algum conhecimento do proceder de Deus para conosco; e, na verdade, se não soubermos quais as graças que Deus nos dá, não lhes poderemos corresponder. Assim, certa soma de conhecimentos é-nos absolutamente necessária para continuarmos a luta dos cristãos, e os meios lícitos de adquiri-los são a oração, o exame de consciência e as admoestações espontâneas do diretor espiritual.

Sobre o conhecimento do nosso próprio estado espiritual, basta repetir o que já foi dito. É assunto árduo e arriscado. O menor conhecimento que nos possa satisfazer é o bastante, porque é muito difícil procurá-lo com retidão e usá-lo com moderação. Não podemos, porém, dispensá-lo de todo, ainda que sua importância varie segundo a condição espiritual do indivíduo.

É importante, pois, termos uma noção clara no tocante à condição da vida espiritual em que atualmente nos encontramos. Quem se converte, quem torna a Deus, e começa vida nova, faz penitência dos pecados e abjura as falsas máximas que até então observara; sente-se outro para com Deus e Jesus Cristo; entrega-se a certas práticas de mortificação; obriga-se a certas observâncias religiosas; põe-se sob obediência de um diretor espiritual. Então sente os primeiro fervores, é ajudado pela prontidão sobrenatural em tudo o que se refere ao serviço de Deus, pela doçura sensível na oração, pela alegria na recepção dos sacramentos, por um gosto novo pela penitência e pela humildade, por uma facilidade para a meditação, e às vezes pela cessação total ou parcial das tentações. Esses primeiros fervores podem durar semanas, ou meses, ou um ano, ou mesmo dois, mas depois sua obra está feita. Correspondemos mais ou menos fielmente. Tais fervores tem seus característicos próprios, suas peculiaridades, seus sintomas, suas dificuldades. Tem um feitio particular, e necessitam de uma direção especial, que não conviria de outra forma. Agora já passaram e estão fora do nosso alcance. Encontrá-lo-emos de novo no diz do juízo, e não antes.

(...) Pelo amor de Deus, não vos entregueis ao desânimo, senão tudo está perdido. Mas direis: se soubesse pelo menos que estou avançando; se pudesse realmente crer que estou fazendo algum progresso, forçaria meus membros cansados a prosseguir! Dois valem mais que um, diz a Escritura; pois então vamos trabalhar juntos durante algum tempo, falando dos nossos obstáculos e dos meios que temos para superá-los. Não somos santos, bem o sabeis. Não aspiramos talvez à altura dos santos, e, portanto, não devemos tomar liberdades de santos. As nossas lições devem ser sóbrias, seguras e simples. Em todo o caso, não devemos nem voltar atrás, nem parar em meio caminho.

Estamos progredindo: infelizmente, no caminho celeste não há nem poço nem palmeira pelo qual possamos medir as distâncias; só há areia e horizonte. Coragem! Vou indicar-vos cinco sinais de progresso. Se tiverdes um, está bem; se dois, melhor; se três, melhor ainda; se quatro, ótimo; se todos os cinco, alegrai-vos sumamente.

1. Estamos nós descontentes com o nosso estado atual, qualquer que seja, e anelamos algo de melhor e de mais elevado? Então temos razão para ser agradecidos a Deus, porque esse descontentamento é um dos seus melhores dons, e sinal evidente de que realmente estamos progredindo na vida espiritual. Mas devemos lembrar-nos que esse descontentamento deve ser de natureza a aumentar-nos a humildade, e não a causar inquietação de espírito ou desassossego nos exercícios espirituais. Deve consistir num desejo, um tanto impaciente, de adiantar na santidade, acompanhado de profunda gratidão pelas graças passadas e grande confiança nas futuras, e de um sentimento de viva indignação pelo número muito maior de graças recebidas do que correspondidas.

2. Talvez pareça estranho, mas é sinal de progresso estarmos sempre a tentar novos esforços. O grande Santo Antônio fazia a perfeição consistir nisto. Para pessoas, porém, que confundem novos esforços na vida devota com o incessante levantar e recair dos pecados habituais, parece, por ignorância, motivo de desânimo. Não devemos confundir esses esforços contínuos e sempre novos com a inconstância que tantas vezes leva à dissipação e nos retém no caminho do céu. Esses esforços visam coisa mais alta e, portanto, mais árdua, enquanto a inconstância está cansada do jugo e procura conforto e variedade. Nem tão pouco consistem esses esforços em mudar de livros espirituais, de penitências ou métodos de oração, muito menos de diretores. Consistem principalmente em duas coisas: primeiro, em renovar a intenção de querer a maior glória de Deus; e, segundo, em reanimar o fervor.

3. É também sinal de progresso na vida espiritual o termos em vista algo de determinado, como seja envidar esforços para adquirir certa virtude, emendar certo defeito ou praticar certa penitência. Tudo isto é prova de diligência e também indício de vigor da graça em nós. Se não atacarmos um ponto particular da linha do inimigo, dificilmente será uma batalha. Se atirarmos sem alvo, só resultará barulho e fumaça. Não é provável que progredimos, se caminharmos a esmo, sem ter um fim claramente escolhido e sem empregar os devidos esforços e atividades para alcançá-lo, depois de o ter conscienciosamente escolhido.

4. Mas é ainda maior sinal de progresso termos na alma a firme convicção de que Deus quer algo de nós em particular. Estamos certas vezes cientes de que o Espírito Santo nos está atraindo em uma direção de preferência a outra; de que ele deseja a remoção de certo defeito ou quer que nos encarreguemos de alguma obra pia.

Os escritores espirituais chamam a isto 'atração'. Para alguns será uma atração perseverante que dura toda a vida. Para outros muda constantemente. Para muitos é tão obscura que só a percebem de vez em quando; para outros, enfim parece não haver chamado especial. Quando essa atração se alia a um ativo conhecimento próprio e a uma constante vigilância na oração interior, é um grande dom de Deus pelas imensas facilidades que proporciona para levar a alma à perfeição; assemelha-se quase a uma revelação especial. Sentir, pois, com sóbria reverência, essa atração do Espírito Santo é sinal de progresso. Todavia convém lembrar que ninguém deve inquietar-se pela ausência de tal sentimento, que não é nem universal nem indispensável.

5. Aventuro-me também a dizer que certo desejo geral, e cada vez mais crescente, de adiantar na perfeição, não deixa de ter certo valor, como sinal de progresso, e isso, apesar do que tenho dito da importância de visar determinado objetivo. Acho que não estimamos bastante esse desejo geral da perfeição. Naturalmente não nos devemos deter nele, nem nos contentar unicamente com ele. Só nos é dado para prosseguirmos.

Quando, porém, consideramos o quanto ainda se apegam ao mundo a maioria dos bons cristãos e quão espantosa é a sua cegueira para com os interesses de Jesus e quão inacessíveis são aos princípios sobrenaturais, devemos confessar que esse desejo de santidade vem de Deus, que é um grande dom, e que muita coisa, de consequência superior, está nele compreendida. Deus seja louvado por toda alma que no mundo tem a fortuna de possuí-lo

É quase inconsistente com a tibieza, o que não é, em si, pequena recomendação; e embora possamos subir e ir além desse mero desejo, ainda assim ele continua a ser uma condição indispensável para atingir o que lhe fica acima. Não devemos, entretanto, ignorar os perigos inerentes. Todo desejo sobrenatural gozado e não correspondido praticamente deixa-nos em pior estado do que nos encontrou. Para ficarmos seguros, devemos proceder sem demora, transformando o desejo em ato: oração, penitência ou ação zelosa; nunca, porém, precipitadamente ou sem tomarmos conselho.

Aí temos, pois, cinco sinais mais ou menos prováveis de progresso e nenhum está tão acima da inteligência que não esteja ao alcance do mais fraco dentre nós. Não quero dizer, todavia, que a existência desses sinais implique que tudo esteja certo na nossa vida espiritual; mas mostra que estamos vivos, adiantando no caminho da graça. Possuir qualquer desses sinais é possuir algo de inefável, algo de mais precioso do que tudo que nos possa dar a terra de melhor e mais elevado. Repito: se temos um desses sinais, está bem; se dois, melhor; se três, melhor ainda; se quatro, ótimo; se todos os cinco, alegremo-nos sumamente.

(Excertos da obra 'Progresso na Vida Espiritual', do Pe. Frederico W. Faber)

terça-feira, 24 de junho de 2014

POEMAS PARA REZAR (XIV)

Conta e Tempo

Deus pede estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta.
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta.
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.

Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta!

Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo...

(Frei Antônio das Chagas, Séc. XVII)

DO EXAME DE CONSCIÊNCIA

São João Crisóstomo, ao comentar as palavras do Profeta Davi (Sl 4, 5): 'Refleti nos vossos corações, nos vossos aposentos', trata deste exame e aconselha que seja feito cada noite, antes de deitar. E para isso aponta duas boas razões: 

A primeira é para que, no dia seguinte, nos encontremos mais dispostos e preparados para não pecar, nem cair nas mesmas faltas que hoje caímos. Porque, tendo hoje nos examinado e arrependido delas, e feito propósito de emenda, claro está que isto servirá como freio para não voltar a cometê-las amanhã. 

A segunda é que, mesmo para o dia de hoje, servirá como freio sabermos que, à noite, devemos nos examinar, dar conta do que fizemos. Isto nos fará andar com mais atenção e viver com mais recato. Pois, assim como um senhor - diz São João Crisóstomo - não consente que seu encarregado de compras deixe de prestar contas cada dia, para não haver descuidos e esquecimentos que sejam motivo de contas mal prestadas, assim também devemos nos examinar cada dia, para que o descuido e o esquecimento não conturbe as contas que devemos prestar. 

A alma que não é cuidadosa em examinar-se é semelhante à vinha do homem preguiçoso, da qual diz o Sábio (Prov 24, 30-31) que passou por ela e viu que estava caída e cheia de urtigas e espinhos: 'Passei pelo campo do homem preguiçoso, e pela vinha do homem insensato; e vi que tudo estava cheio de urtigas, e que os espinhos cobriam a sua superfície, e que o muro de pedra estava caído'. Assim está a alma daquele que não se preocupa em examinar sua consciência, como uma vinha que não se cuida, abandonada, repleta de ervas daninhas e espinhos. 

Nesta má terra de nossa carne nunca deixam de brotar algumas ervas daninhas. Assim, é preciso andar sempre com a enxada na mão, arrancando a má erva e a má semente que brota. Para isto, serve o exame de consciência, como enxada, para cortar e arrancar o vício e o mal sinistro que começa a brotar, não o deixando progredir nem criar raízes.

(Excertos da obra 'Ejercicio de perfección y virtudes cristianas' do Pe. Alonso Rodríguez)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

ORAÇÃO: SI QUAERIS MIRACULA

Esta oração de louvor - ou responsório - em honra de Santo Antônio, embora já tenha sido atribuída a São Boaventura (1218-1274), foi composta provavelmente entre os anos de 1232 e 1240, pelo frei Giuliano de Spira. A oração faz referência a alguns acontecimentos e milagres associados à vida de Santo Antônio de Pádua.

Si quaeris miracula
mors, error, calamitas,
daemon, lepra fugiunt
aegri surgunt sani.

Cedunt mare, vincula;
membra, resque perditas,
petunt et accipiunt
juvenes et cani.

Pereunt pericula,
cessat et necessitas,
narrent hi qui sentiunt,
dicant Paduani.

Cedunt mare, vincula...

Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto...

Cedunt mare, vincula…

Ora pro nobis, beate Antoni.
Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Oremus:
Ecclesiam tuam, Deus, beati Antonii Confessoris tui commemoratio votiva laetificet, ut spiritualibus semper muniatur auxiliis et gaudiis perfrui mereatur aeternis. Per Christum Dominum nostrum. Amen.

(vídeo)

Se milagres desejais, recorrei a Santo António
Vereis fugir o demônio e as tentações infernais.

Recupera-se o perdido. / Rompe-se a dura prisão, 
e no auge do furacão / cede o mar embravecido.

Pela sua intercessão, foge a peste, o erro, a morte, 
O fraco torna-se forte, e torna-se o enfermo são.

Recupera-se o perdido...

Todos os males humanos se moderam, se retiram,
Digam-no aqueles que o viram, e digam-no os paduanos.

Recupera-se o perdido...

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

Recupera-se o perdido...

Rogai por nós, bem-aventurado Antônio
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos:
Que a vossa Igreja, ó Deus, possa louvar jubilosa a solene comemoração do bem-aventurado Antônio e, por seus méritos e assistência espiritual, possamos alcançar as alegrias eternas. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

domingo, 22 de junho de 2014

'NÃO TENHAIS MEDO!'

Páginas do Evangelho - Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum


O Evangelho deste domingo nos infunde o sopro da Verdade de Deus. Todas as nossas ações, gestos, pensamentos, palavras, silêncios, desejos, intenções, atos e omissões, praticados a cada segundo, durante toda a vida de cada um de nós, são conhecidos por Deus como escritos em manchetes nas estrelas: 'Até os cabelos de vossa cabeça estão contados' (Mt 10, 30). Nada, absolutamente nada, ficará envolto em penumbra ou esquecimento; todas as coisas serão refletidas no espelho da verdade divina, como oráculo universal: 'nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido' (Mt 10, 27).

A certeza final é que deveremos prestar contas de cada palavra, de cada gesto, de cada intenção. Tudo será pesado na balança do juízo particular. A resposta à graça concedida e o mal devido ao pecado; a caridade anônima ou o juízo temerário, a palavra de conforto ou o gesto de revolta. O valor de uma alma é infinito, pois se trata de um ato puro da criação do Pai, na escolha personalíssima de Deus como criatura destinada a partilhar a eternidade com Ele no Céu. Mas o legado desta graça é cumprir fielmente os desígnios de Deus para as almas de sua predileção.

O pensamento da eternidade transforma em palha e espuma os tesouros, grandezas e glórias do mundo. Deus nos escolheu não para sermos peregrinos nesta terra, mas como herdeiros do Céu. E,assim, em cada pensamento ou palavra, o fim último deve ser sempre a busca da vida eterna em Deus, conforme nos fala o Apóstolo: 'Com temor e tremor trabalhai por vossa salvação’ (Fl 2,12). E esta busca passa pelo horror ao pecado e a tudo que nos aniquila como Filhos de Deus: 'Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!' (Mt 10, 28).

'Não tenhais medo!' (Mt 10, 31). O triunfo da alma é seguir o Cristo, Caminho, Verdade e Vida. Quem tem Deus no coração, ama a Verdade e a pratica em tudo e em todos. Quem ama a Verdade, faz a Vontade do Pai que está nos Céu; quem nega a Verdade, é réu de pecado eterno: 'todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus (Mt 10, 32 - 33). Iustus ex fide vivit — O justo vive pela fé.

sábado, 21 de junho de 2014

REVELAÇÕES DA BEATA ANNA MARIA TAIGI


Anna Maria Antonia Gesualda, nasceu em 29 de maio de 1769, em Siena mas, ainda muito nova, sua família mudou-se para Roma. Sem saber ler nem escrever, a jovem foi trabalhar no palácio da nobre família Maccarani, onde conheceu seu futuro marido, Domenico Taigi, com quem teve sete filhos, três dos quais morreram na primeira infância.

Deus concedeu à Beata Anna Maria Taigi, uma simples e humilde dona de casa e mãe exemplar de muitos filhos, visões e revelações extraordinárias em relação aos perigos que ameaçavam a Igreja, acontecimentos futuros e sobre os mistérios da fé. Estas visões e revelações eram feitas por meio da presença de um 'sol místico', disco brilhante com as mesmas dimensões do sol distante, mas provido de raios irradiantes, que se projetava cerca de doze palmos do seu olho esquerdo e três palmos acima de sua cabeça, conservando sempre essa posição. O 'sol místico' lhe apareceu pela primeira vez a ela por volta de 1790 como um disco de fogo e a acompanhou durante toda a sua vida, tornando-se cada vez mais brilhante ao longo dos anos e sua natureza lhe foi revelada por Deus nos seguintes termos:

'Este é um espelho que Eu te mostro, para que conheças o bem e o mal que é praticado'

Nas condições difíceis da família, um novo inquilino passou a ocupar um quartinho da casa simples: Mons. Raffaele Natali, que iria conviver com a beata por cerca de 30 anos e que escreveu mais de 4 mil páginas manuscritas com as transcrições às pressas das inúmeras visões obtidas pela beata através do 'sol místico', e que constituem o tesouro das referências destes eventos extraordinários ocorridos na primeira metade do século XIX.

(página manuscrita das visões de Anna Maria Taigi)

Eis alguns exemplos das profecias da beata obtidas através do 'sol místico' e transcritas pelo Mons. Natali:

  • Sobre a crença geral de que o 'o Paraíso é ali' (setembro de 1831):

'Ah, filha! Paraíso, Paraíso!... Não acredites que nestes tempos os Pontífices possam ir direta e tão rapidamente ao Paraíso. É bom que saibas que houve Pontífices no passado que foram verdadeiramente bons. Mas, Eu te digo que ainda estão para entrar no Paraíso. Que ainda estão purgando!' 

(...) 'fala-se muito apressadamente: ‘Como era bom! Fez isto e aquilo, e certamente foi para o Paraíso!’ Se pudessem ver onde eles estão e quanto penam!' (Vol. IX, 32-34).

  • Sobre os pecados de Roma (31 de agosto de 1816)

'Oh Roma, Roma, habitantes iníquos, que desconheceis o bem que Eu vos fiz. Vou tomando nota de vossa incorrespondência. Mas, quando Meu Pai der a ordem, tudo acabará!... Sabei que agora as almas chovem como neve no inferno. Chorem e chorem todos amargamente, porque Roma não pode mais ser chamada de santa'.

'Os homens vivem como animais. E não procuram senão comodidades e prazeres, e satisfazer plenamente a sua iniquidade. (...) Eu cobrarei vingança sobre eles e deveria aniquilá-los por causa de seus pecados. Contudo, Eu sou Pai amoroso e fico aguardando. Mas quando o tempo estiver esgotado, não haverá mais remédio. Com teus próprios olhos verás um dia aquelas almas que são premiadas nesta terra e que pela sua soberba' [vão para o inferno]. 

'Quero fazer-te ver este lugar. Então, sim, minha filha, terás medo. Pedirás piedade e misericórdia para eles, mas não haverá piedade para muitos. Porque hão de penar para sempre. Sim! Verás como serão atormentados pelos diabos na proporção de seus pecados. Mas, o que mais me atormenta e mais me causa pena, é Eu ser de tal maneira mal recompensado por meus ministros. E aqueles que devem dar o bom exemplo cometem mais pecados que os leigos' (...)

  • Sobre o destino eterno de Napoleão Bonaparte (24 de julho de 1831)

[a cadeira de Napoleão no inferno] 'é feita inteiramente de pontas afiadas como diamantes, toda ela consumida por um fogo que ardia violentamente. Ouviu que nenhuma alma entre as mais amadas por Deus no Céu podia revogar o decreto'. 

'Na manhã do dia seguinte à chegada da notícia [da morte de Napoleão], logo após comungar, ela ouviu na Missa as seguintes palavras, pronunciadas em tom suave e agradável: eis que acabaram os anos, os dias e os momentos daquele que havia posto o mundo em revolução'.

'De que lhe servem agora todos os seus ornamentos de pedras preciosas, prata e ouro que roubou? O sangue dos pobres clama por vingança e clamará até o dia do Juízo Final. E ele, lá embaixo, sofrerá a pena, e toda a sua estirpe vai se reunir com ele. Porque aqueles que, no mundo gozaram prazeres e contentamentos, é necessário que os paguem na outra vida com cruéis tormentos' (Vol. V, 803 - 805).

  • Sobre o futuro da Igreja (novembro de 1816)

'Tudo o que aconteceu não é nada [tribulações durante o pontificado de Pio VII]. Antes bem, não é mais do que um sopro. Ah o que vai ser a 'definitiva'! [nome usado por Deus para descrever o embate futuro e final entre o bem e o mal] (...) Ah, então sim, chorarão'. 

'Pobre Igreja! Pobres igrejas! Oh como estão mal cuidadas! Oh como estão mal administradas! E por quem! Ai! Para dizer toda a verdade, eu quero destruí-las todas, convertê-las em ruínas, não deixar pedra sobre pedra. Que da antiga igreja não fique sequer um sinal. (...) Dentro de todas elas há relíquias de meus santos. Mas, como são tratadas?' (...) 

'Destruirei!... Estou para destruir Roma. Mas não ainda, por causa de tantas almas minhas que ali estão. Mas ai, mísera Roma! Como acabará! Em que mãos vai cair! Os bons virão comigo e os perversos acabarão seus dias amargamente e depois [sofrerão] eternamente, para sempre' (Vol. VII, 265 - 266).

  • Sobre o respeito humano (1828)

'O respeito humano leva ao inferno muitos confessores com todos os seus penitentes. Para não dar um remédio amargo ou o mais mínimo desgosto, morrem tantas almas e vão para a casa do diabo. (...) de quem é a culpa? (...) Sabes de quem é? (...) Quando esses estarão diante de meu Tribunal, o que será deles? (...) Por esta razão, chove almas no inferno como a neve. (...) Vedes quantas ruínas há no mundo? Esta é a causa' (Vol. VII, 433 - 437).

  • Sobre os maus costumes e a confusão das ideias (8 de junho de 1829)

'Agora reinam os maus costumes, a política, o respeito humano, a simulação. Há um escândalo geral por toda parte. Este é o maior e mais forte castigo que caiu sobre todo o mundo: a confusão das ideias. Muitas vezes te disse que antes do fim passaríamos pela Torre de Babel. Mas o fim virá quando Eu achar por bem'. (Vol. VII, 468).

  • Sobre o Restaurador da Glória da Igreja (1828)

'Viste? Observas? Contemplas? Eis a alma apostólica, eis o homem que luta pela vinha, eis aquele que é igual aos que tanto lutavam pela minha glória. Seus esforços, seus suores, suas obras serão premiadas no Paraíso com tanta glória que mente humana alguma jamais conseguirá imaginar'. 

'É tamanho o amor que Eu tenho por essa criatura, que ela só o conhecerá no Paraíso. Esse é um homem verdadeiramente zeloso. Esse não tem mancha alguma. Esse não tem finalidades humanas, não procura interesses e, desde a mais tenra juventude, jamais passou por ele o vício do cortesão'. (Vol. VII, 380).

  • Sobre os tempos finais (13 de setembro de 1831, mensagem de Nossa Senhora)

'Agora não é tempo de milagres, porque a hora de a Igreja retornar ao seu primeiro estado ainda não chegou. Filhos meus, eis aqui vossa Mãe. Eu vos abençoo, abençoa-vos Meu Pai, mas sede bons, sede bons, sede bons'. 

'Sofrei com boa disposição por meu amor, até que venha o Espírito Santo para vos abrasar de amor e dar a definitiva a este mundo iníquo. Tereis chegado ao fim. Fica-vos pouco por padecer. Todos os reinos, cidades, povos, castelos, províncias, se encontrarão em penas, em problemas, em tribulações, em tormentos até a definitiva' (Vol. IX, 152 - 155).

A beata foi marcada, durante toda a sua vida, por incessantes ataques diabólicos, como se pode concluir neste depoimento do Mons. Natali (que morou num quartinho da casa da beata e conviveu com ela, por cerca de 30 anos):

'Ela era de tal maneira oprimida e infestada pelos demônios durante a noite, que sem uma ajuda extraordinária do Senhor um espírito mais robusto teria sucumbido. Lembro-me que, nos primeiros cinco anos em que morei em sua casa, eram de tal maneira frequentes os fantasmas, os rumores, as aparições monstruosas de espíritos malignos que assolavam toda a casa, que me senti obrigado a dormir vestido sobre um sofá, para ir lhe aspergir água benta; e naquelas circunstâncias eu experimentei a grande virtude desse sacramental contra os demônios'. 

'Eu confesso minha fraqueza: se o Senhor não me sustentasse especialmente, eu fui muitas vezes tentado a deixar essa casa, embora lembrasse que meu bispo [S. Vincenzo Maria Strambi] me dissera que jamais a deixasse. E quando se aproximava o fim da tarde, eu ficava pensando na noite e parecia-me cair sobre mim um peso insuportável ' (Proc. Ordin.,  379 - 380).

Anna Maria Taigi morreu em 9 de junho de 1837, ao cabo de nove meses de agudos sofrimentos, com a idade de sessenta anos. Foi beatificada em 1920 e seu corpo incorrupto  jaz em ataúde de cristal na Igreja de São Crisógono em Roma, dos padres Trinitários, em cuja ordem a beata era terceira.