TESOURO DE EXEMPLOS (II)

  

201. MORTO E CONDENADO

O conde Orloff e um general russo, ambos incrédulos, juraram por zombaria que o primeiro deles que morresse apareceria ao outro, para comunicar-lhes e há inferno. Poucos meses mais tarde, teve o general de seguir para a guerra, pois as tropas do imperador francês Napoleão haviam invadido a Rússia.

Eis que um dia, ao amanhecer, estando o conde Orloff em seu leito, mas bem acordado, abrem-se de par em par as cortinas do aposento e aparece o general, em pé, com o rosto muito pálido e as mãos sobre o peito. Espantou-se não pouco o conde; maior, porém, espanto, quando ouviu estas palavras:
➖ Existe o inferno e eu estou nele!" - e a visão desapareceu.
Poucos dias depois recebia o conde uma carta em que lhe era comunicada a morte do general. Precisamente o dia e hora, em que aparecera a o conde, recebera uma bala no peito e falecera.

O inferno existe. É uma verdade de fé. Foi Deus que o revelou. De Deus não se zomba impunemente.

202. VENCIDO PELA PACIÊNCIA DE DEUS

A vida do venerável Queriolet, contemporâneo de São Vicente de Paulo, é a mais bela prova da paciência de Deus com o pecador. Até aos trinta anos, esta alma impetuosa vivera numa contínua alternativa de confissões e pecados.

Depois, possuído de um ódio satânico contra Jesus Cristo, partiu para Constantinopla para se fazer maometano. Num bosque da Alemanha foi assaltado por assassinos que, depois de matarem seus dois companheiros, queriam acabar com ele também. Diante da morte iminente, Queriolet fez voto a Nossa Senhora de converter-se se ela o livrasse dos assassinos. 

Ela o livrou, mas ele não se converteu e, não tendo podido fazer-se maometano, fez-se huguenote ao regressar à França. Deus, porém, o seguia como o pastor procura a ovelha desgarrada. Numa tenebrosa noite de grande tempestade, acorda com a queda de um raio sobre a casa. Queriolet saltou do leito como uma fera, cerrou os punhos e blasfemou. 

Qualquer homem já teria cansado de suportá-lo; mas Deus não se cansa e o segue. Em Loudun, uma pobre mulher desconhecida o detém e lhe diz: 'Tu tens um voto a cumprir. Lembra-te de que, naquele bosque na Alemanha, te queriam assassinar?' Queriolet tremeu como naquele dia em que estivera nas mãos dos assassinos. Mas, como o sabia aquela mulher, se ele não comunicara isso a ninguém? Teria Deus suscitado aquela mulher para a sua conversão? Deus ainda tinha compaixão dele para o chamar daquela maneira? Este pensamento venceu-o finalmente, e depois de alguns anos, Queriolet ressuscitava à graça para nunca mais cair, tornando- se a admiração do mundo inteiro por suas virtudes.

Não obstante os nossos grandes pecados, não desesperemos; voltemos a Deus. Ele nos espera.

203. A CONFIANÇA NA PROVIDÊNCIA

Uma vez, estando Santa Catarina muito atribulada, apareceu-lhe Jesus e disse-lhe: 'Catarina, pensa em mim e eu pensarei em ti e em tuas necessidades'. Quando as cruzes, as desgraças e as perseguições nos afligirem, pensemos em Deus, pondo nele a nossa confiança.

Sem a confiança na Providência, como São CamiloSão Jerônimo EmilianiSão João BoscoSão José Cottolengo e tantos outros teriam podido asilar e manter milhares de pessoas, milhares de infelizes? Lede a história deles. Alguma vez chegou a faltar o dinheiro, a roupa, o pão... e o único que não faltou foi a confiança na Providência. E esta encarregava-se de provê-los de tudo.

204. PENSAI NO VOSSO FIM!

Quando Otão III, imperador da Alemanha, impelido pela extraordinária fama de santidade e dos milagres de São Nilo, foi visitá-lo e ofereceu-lhe magníficos presentes, o santo, agradecendo humildemente, assegurou-lhe que em sua pobreza era tão rico, que não carecia de coisa alguma.
➖ Se não quereis aceitar os meus presentes - replicou o imperador - ao menos pedi-me alguma graça para que se não diga que um monarca veio pedir-vos conselhos com as mãos vazias.
➖ Isto sim - respondeu o santo com o rosto iluminado - isto sim. Uma graça, uma só graça desejo muitíssimo, que é: 'Pensai no vosso fim!'

O imperador prometeu não se esquecer daquela recomendação. Feliz foi pois, tendo apenas 22 anos, quando ainda esperava grandes triunfos políticos e quando a sua noiva vinha da Grécia para a ltália, trazendo em dote grandes tesouros e terras, ele morreu em Paternó.

205. O MUNDO É ENGANADOR

Regressando Cristóvão Colombo da América, espalhou-se por toda a Europa a notícia desta região maravilhosa, onde os frutos eram tão grandes que quebravam os galhos das árvores e as montanhas escondiam ouro e prata e as crianças brincavam com pérolas. 

Acudiram então muitos aventureiros desejosos de riquezas e fortunas. Por meio de táticas de dissimulação, aproximaram-se dos índios e, enganando-os, trocavam espelhos, campainhas e outras bagatelas por barras de ouro e prata. E se alguns, percebendo o engano, não queriam dar a verdadeira riqueza em troca de ninharias, obrigavam-nos com violência e até os matavam.

A indignação que sentis ao pensar nessa ignóbil astúcia e crueldade ajudar-vos-á a compreender o que é mundo. O mundo é um mercado diabólico. Satanás sabe que, pelos méritos de Jesus Cristo, possuímos riquezas inestimáveis; conhece, também, a nossa ingenuidade; e por isso percorre as praças do mundo com suas mercadorias infernais (principalmente as más leituras) e muitos são os que se deixam iludir e enganar.

206. CUIDADO COM O MUNDO!

Santo Anselmo, arrebatado em êxtase, viu um grande rio cheio de imundícies e as águas coalhadas de cadáveres de homens, mulheres e crianças. Interrogando o céu sobre o significado daquela visão, foi-lhe revelado que o rio é o mundo e os náufragos são aqueles que o amam.

Essa visão seria, hoje em dia, muito mais espantosa. Por isso é preciso levantar a voz e clamar como Jeremias: 'Fugi dessa Babilônia, se quereis salvar a vossa alma'. Sim; é preciso fugir do mundo, de seus enganos, de suas loucuras, de suas obras. Não podeis servir a dois senhores!

207. NÃO ACREDITAVA NA ALMA

Herbois, amigo íntimo do famoso Robespierre, ambos homens sanguinários, atacava com fúria a existência de Deus e a imortalidade da alma. Foi desterrado em 1795. No desterro, foi acometido de uma febre violenta que o consumia. Com grandes gritos pedia a Deus (ele que dizia não existir Deus) que o socorresse. 

Um soldado, a quem pervertera com suas conversas ímpias, perguntou-lhe:
➖ Olhe; como é que há alguns meses o senhor zombava de Deus e da alma?
➖ Amigo, quem mentia pela boca não era a cabeça, mas o coração. 
E horrorizava aos que o ouviam, gritando:
➖Meu Deus! Meu Deus! Não posso esperar o perdão de minhas maldades? Envia-me quem me console...

Era tão horrível a agonia, que correram a chamar um padre para que o confessasse; mas, quando chegou o padre, o infeliz já estava morto. E o corpo daquele que vivera como animal, foi devorado pelos animais, para os quais não existe outra vida.

208. UMA CONTRARIEDADE QUE SALVA A VIDA

São Francisco de Sales embarcou um dia para Veneza. Naquele navio estava também uma dama distinta com o seu séquito. Ao ver a dama que o santo bispo viajaria no mesmo navio, irritada, insultou-o e exigiu com ameaças que ele ficasse em terra. 

Os companheiros do santo também se irritaram; ele, porém, cheio de mansidão e doçura, desceu da nau, dizendo: 'Neste mar são muito frequentes as tempestades. Quem sabe se não está alguma muito próxima!' A embarcação pôs-se então a caminho. Poucas horas depois, chegava ao santo a notícia de que o navio fôra engolido pelas águas.

209. DANDO A VIDA POR SUAS OVELHAS

Era em 1849. Os canhões retumbavam espantosamente pelas ruas de Paris; uma revolução do povo contra o exército enchia a cidade de ruínas e de ódios, e regava as ruas com sangue humano. Um homem de aspecto venerando, com o rosto transfigurado de dor, apareceu entre os mortos e feridos e exclamou com acento de caridade e aflição: 'Meus filhos, basta! Paz! Paz!'

Ao surgir aquela figura e ao ouvir aquela voz, cessou o fogo; os feridos perguntavam: 'Quem é este homem?' Naquele instante ouve-se uma descarga. Aquele homem caiu ferido e o seu sangue escorreu do seu peito. As suas últimas palavras foram: 
➖ Meu Deus, que o meu sangue seja o último que se derrame aqui.

E assim foi. Cessou a luta. Aquele homem era o arcebispo de Paris, Mons. Affre; era o Pastor que dava a vida pelas suas ovelhas.

210. UM TRABALHO DESTRUÍDO, OUTRO RECOMPENSADO

A natureza é mestra do homem. Há dois insetos muito laboriosos: a aranha e a abelha. A aranha trabalha de manhã e de noite, estende sua teia sutil e anda sem descanso de um fio a outro. Alarga, une, cruza os fios e forma polígonos concêntricos. A abelha, ao contrário, vai de flor em flor, liba o néctar, transformando-o, ao chegar à colmeia, em dulcíssimo mel. Passa o dono da casa e, com a vassoura, destrói furioso o trabalho da aranha; diante do favo de mel, fabricado pela abelha, porém, pára e sorri contente.

Assim é no mundo: todos trabalhamos, uns segundo a palavra de Deus e outros, segundo a palavra do demônio. Mas quando Nosso Senhor passar, destruirá a obra destes e recompensará a daqueles.

211. A ALMA OCIOSA NÃO ENTRARÁ NO CÉU

Como é triste ver um cadáver, frio, inerte, estendido numa cama! Aqueles olhos outrora brilhantes, agora não se movem mais, estão apagados para sempre. Os lábios, antes abertos aos sorrisos e às mais doces expressões do coração, agora estão cerrados e imóveis para sempre. Mais alguns dias e aquele corpo será reduzido a um punhado de pó que o vento poderá espalhar.

Ora, o apóstolo São Tiago diz que, se a nossa fé não estiver acompanhada de boas obras, também ela estará morta (Tg 2, 26). É um corpo que tem todos os meios para agir, para trabalhar, para mover-se... mas não faz nada. Mas, então, que aproveitam os olhos, se não veem? Para que servem os lábios, se não falam? Para que as mãos, se não apalpam?

Façamos o bem enquanto temos tempo, pois como o corpo acaba numa cova, como a planta infrutuosa é cortada e lançada no fogo, do mesmo modo a alma ociosa cairá no inferno. No reino do céu entra somente quem faz a vontade do Pai celeste.

212. QUEM SE HUMILHA...

Quando Santo Hilário chegou, o Concílio já havia começado e os demais bispos estavam reunidos em assembleia. O santo entrou. Todos ocupavam solenemente seus altos assentos e ninguém se moveu, ninguém se levantou para oferecer-lhe o lugar. Então o santo bispo, que se tinha por indigno de estar ao lado dos outros, assentou-se no chão, dizendo humildemente a palavra do profeta: Domini est terra - a terra é de Deus. 

No momento em que o corpo de Santo Hilário, ao assentar-se, tocou a terra, esta ergueu-se de tal modo que colocou o santo à mesma altura dos outros bispos; e todos, vendo o exemplo e o milagre, lembraram se das palavras de Cristo Senhor Nosso: Qui se himiliat exaltabitur - aquele que se humilha será exaltado.

Não nos queixemos se outros nos estimam pouco ou só nos deixam o último posto, ou nos negam aquele pouco mérito que poderíamos ter. Deus saberá exaltar-nos no paraíso.

213. O DOM DA FORTALEZA

Prenderam a virgem Santa Apolônia e, diante de uma fogueira, declararam-lhe que, se não renegasse a Jesus Cristo, seria lançada ao fogo. Vendo a enorme fogueira, ela não só não se espantou, mas mais ainda, movida interiormente pelo Espírito Santo, desembaraçou-se dos soldados, e ela mesma se arrojou às chamas. Foi o efeito do dom da fortaleza.

214. COMO SE CONVERTEU LUÍS VEUILLOT

Este grande escritor católico tinha um filho de muito mau gênio. A mãe dizia a miúdo ao pai: 'Tem paciência: verás como mudará de gênio quando fizer a primeira comunhão'. E assim foi. Tornou-se tão bom, que chegou a conseguir a conversão do pai, até então incrédulo e inimigo de nossa religião.

215. O TRABALHO INÚTIL

Apresentou-se na corte de Henrique IV um homem pedindo ao rei permissão para executar um jogo de muita habilidade, que nunca se vira em nenhuma festa. O rei consentiu e todos foram assistir à façanha. O homem fincou no meio da arena uma estaca de madeira e na ponta colocou uma agulha de coser. Nos olhos de todos notava-se grande curiosidade. 

Eis que o homem, montando em um cavalo arreado, e tendo na mão uma linha muito comprida, passa galopando ao lado da estaca e enfia a linha na agulha, tirando-a pelo lado oposto sem parar. Diante dos calorosos aplausos da multidão, apresenta-se ao rei para receber um prêmio ou um louvor.

➖ Quantos anos empregaste nesse trabalho? - indagou o rei.
➖ Doze anos. Ensaiei, e tornei a ensaiar, trabalhando durante doze anos - respondeu o homem.
➖ Pois bem - replicou o rei - ficarás encarcerado durante doze anos, por teres gasto tanto tempo sem honra para teu rei e sem utilidade para a tua pátria.

Ah! quantos cristãos não terão de ouvir no dia do Juízo: empregastes toda a vida num trabalho que não honrou a Deus nem aproveitou à vossa alma. E é por isso que permanecereis no cárcere do inferno por toda a eternidade.

216. PERDOAR AOS INIMIGOS

Sublime é o exemplo de Santa Joana d'Arc, a jovem singular vinda da Lorena para salvar a França. Depois de haver rompido o cerco de Orleans e de haver levado Carlos VII de triunfo em triunfo até a coroação do mesmo em Reims, foi desprezada, abandonada, atraiçoada. Deus queria indicar-lhe que sua missão terminara e só faltava o supremo sacrifício de sua vida.

Em Compiègne foi feita prisioneira e vendida aos ingleses que a condenaram à fogueira. Apareceu na Praça de Ruão, aos 18 anos de idade, condenada à morte, mas não mostrou nenhum temor. O rei banqueteava-se bem distante dali sem nenhum sentimento de compaixão para com aquela que viera da Lorena para salvar a França.

Quando as chamas envolveram aquele corpo inocente, como numa tormentosa auréola, Joana ergueu os olhos cheios de esperança e exclamou, em alta voz, que perdoava o rei, aos franceses e aos ingleses que a queimavam.

217. ESCOLHEI!

Depois que Moisés explicou ao povo a Lei de Deus, concluiu assim: 'Filhos de Israel, eis que eu ponho hoje diante dos vossos olhos a benção e a maldição; a benção, se observardes os mandamentos de Deus; a maldição, se não obedeceres aos mandamentos do Senhor vosso Deus'. Escolhei! (Dt 11, 26-).

218. A MALDIÇÃO DE UMA MÃE

Antes da aurora foi Agostinho, o santo bispo de Hipona, despertado por uns gemidos e profundos soluços que vinham da rua. Dois homens seminus, de barba e cabelos compridos, sujos, fracos e famintos, tremiam convulsivamente diante da residência do bispo.
➖ Como vos chamais? - perguntou Agostinho.
➖ Paulo e Paládio, responderam sem cessar de chorar.
➖ Tranquilizai-vos, nós vamos ajudá-los.
➖ É impossível tranquilizar-nos. 

Vimos de Cesareia da Capadócia; em nossa família éramos sete irmãos e três irmãs. Ofendemos a nossa mãe viúva e ela nos amaldiçoou e a maldição penetrou em nossa carne, em nosso sangue, em nossos ossos. Livrai-nos, Santo de Deus, da maldição de nossa mãe. E se não o podeis, fazei-nos ao menos morrer.

Santo Agostinho rogou a Deus por eles e os curou. Se tanto pôde, naqueles filhos, a maldição de uma mãe terrena, qual não será terrível, irrevogável e final a maldição de Deus Pai ofendido por nossos pecados: Ite, maledicti, in ignem aeternum?

219. OS MORTOS ESTAVAM DE PÉ...

Quando, na grande guerra europeia, os bolcheviques entraram em Sebastopol, mataram muitas pessoas sem processo prévio algum. Levavam aos escolhos os condenados, atavam-lhes aos pés grandes pedras e os precipitavam ao mar.

Assim foi executado também um almirante; mas quando o atiraram ao mar, desconfiaram que levara consigo documentos importantes. Ordenaram a um escafandrista que fôsse buscar o cadáver. Desceu o homem, mas antes de tocar o fundo do mar, fez sinal para que o erguessem à superfície.

Voltou louco de terror e pronunciava palavras sem sentido. Curado após alguns dias, contou que, ao aproximar-se do fundo do mar, encontrou-se no meio de uma espantosa assembleia: todos os mortos estavam ali de pé e pareciam ir ao seu encontro ameaçando-o com vinganças terríveis. Era um fenômeno natural que, naquele momento, o escafandrista não soube explicar. Os cadáveres que há alguns dias estavam nas águas, que mitigavam a decomposição, tendiam a subir à superfície; mas não podiam pelo peso das pedras que tinham atadas aos pés.

Se a vista de alguns cadáveres, cambaleantes pelo impulso das correntes, fez desmaiar e enlouquecer de susto um homem habituado ao perigo, pensai o que será, então, quando os maus se encontrarem diante do Filho de Deus vivo, agitado pela ira terrível de sua inexorável justiça. Pois então não será mais o Cordeiro que tira os pecados, mas o Leão prestes a destroçar todos os seus inimigos.

220. A RECOMPENSA DO MUNDO

A rainha Isabel da Inglaterra, de triste memória, tinha entre os nobres de sua corte um extraordinário bailarino, chamado Tomás Pando. Quando bailava, todos gritavam com delírio: 'Outra vez! Bis, bis!' E ele continuava bailando. Mas um dia estava tão cansado que suas pernas não lhe permitiam nenhum esforço a mais. 

Mas a fanática rainha gritou: 'Outra vez! Outra vez!'. E Tomás, para fazer-lhe a vontade, bailou, nas últimas voltas, porém, teve vertigem e caiu ao solo. Puseram-se todos a rir, e a rainha gritou: 'Levanta-te boi!' O pobre bailarino ouviu o insulto, mordeu os lábios e levantou-se. No dia seguinte desapareceu da corte. Fugiu para os montes e nunca mais foi visto bailar.

Assim são as recompensas do mundo. Aos aplausos, louvores e sorrisos sucedem quase sempre o abandono, o desprezo e o insulto amargo: 'Levanta-te, boi!'

221. A ORAÇÃO NAS TENTAÇÕES

Em Roma foi metida no cárcere Daria, a santa esposa de Crisanto, por ser cristã e haver convertido inúmeras mulheres da idolatria à verdadeira religião. Empregaram contra ela os mais dolorosos tormentos; puseram em prática todas as astúcias infernais para arrebatar-lhe a virtude, mas tudo em vão.

Levaram-na, finalmente, a um lugar infame; mas Daria, levantando as mãos e os olhos aos céus, pôs-se a orar. Nem bem começara a rezar e eis que aparece, ao lado dela, um majestoso leão disposto a despedaçar a quem quer que se atrevesse a molestá-la (Leonis tutela contumedia divinitus defenditur). Nossa alma está rodeada de terríveis inimigos, como estava a de Santa Daria. Qual será a nossa defesa? A oração. Sem ela não há salvação.

22. SÃO E SALVO NO MEIO DOS LEÕES

O rei Dario proibira severamente toda e qualquer oração. Ora, numa casa com a janela aberta, viu-se um homem orando de joelhos e com o rosto voltado para Jerusalém, a cidade santa. Quem orava era Daniel, o grande ministro do rei.

Espiaram-no muito os inimigos e viram que três vezes ao dia (de manhã, ao meio-dia e à noite), naquela humilde atitude, ele fazia a sua recolhida oração. Foi denunciado e condenado a morrer despedaçado pelos leões. Meteram-no na cova dessas feras e fecharam a abertura da mesma com uma grande pedra marcada com o selo real.

Ao amanhecer Dario, que não pregara os olhos, correu à cova e encontrou Daniel ileso e sorridente. O homem que ora em nome de Jesus será sempre vitorioso. Nem o mundo, nem o leão mais feroz (o demônio) poderão causar-lhe algum dano.

223. O TEMOR DO JUÍZO

Na manhã de 14 de setembro do ano de 258, no campo Sextio, ainda molhado pelo orvalho da noite, degolaram o bispo de Cartago. Prenderam-no os inimigos de Cristo e conduziram-no ao tribunal do procônsul Galério, que lhe fez esta pergunta: 'És tu Táscio Cipriano?'. Ao que Cipriano respondeu com firmeza: 'Sou'. Galério ordenou: 'Que Táscio Cipriano seja degolado'. E o mártir respondeu: 'Deo gratias'.

Mas, quando os soldados se dispunham a executar a sentença; quando, despidos os ornamentos episcopais, os fieis estendiam os seus lenços para recolher o sangue que ia jorrar, o santo tremeu e cobrindo as faces com as mãos exclamou: 'Vae mihi cum ad judicium venero' - ou seja - 'Ai de mim quando vier o Juízo! Foi só por um instante, pois logo inclinou a cabeça e ofereceu a Deus o sacrifício. Se a lembrança do Juízo fazia tremer os mártires, o que será de nós? O que iremos dizer ao divino Juiz?

224. A VITÓRIA SERÁ NOSSA!

Santa Joana d'Arc estava no sítio de Orleans. Combatera por sete horas, sempre calma e intrépida no meio dos soldados. Era chegado o momento de tomar ao inimigo a famosa fortaleza de Tourelles. De repente avançou e tomou a escada para subir impetuosamente até à torre. Feriu-a no peito uma flecha. Jorrou o sangue. Ela empalideceu e tremeu indecisa no meio da escada. Chorando de dor e de medo, desceu a escada e recolheu-se para se curar. Era a debilidade humana. Os ingleses animaram-se e os franceses atemorizados cederam o campo e iniciam a retirada. 

Mas ao primeiro toque de clarim, Joana levanta-se, recorda-se da visão que tivera, das vozes que ouvira e faz uma breve oração. Em seguida, de um golpe arranca a flecha e com o peito manchado de sangue gritou: 'Avante! Seremos os vencedores!' E venceu.

Cristãos, a vida é uma batalha pela conquista do reino de Deus. Se algum dia nos assaltarem o temor e a debilidade, recordemos nossa fé, avivemos nossas convicções e fortaleçamo-nos com a oração. Em seguida, como Santa Joana, sigamos avante, seguros de que a vitória será nossa.

225. ANIMA VESTRA IN MANIBUS VESTRIS

Pe. Segneri costumava contar o seguinte episódio. Havia na praça de Atenas um famoso adivinho, que a todos dava prognósticos, predizia o futuro e descobria o passado. Um dia, querendo zombar dele, apresentou-se um homem astuto que tinha um pequeno passarinho fechado na mão.
➖ Sabes dizer-me - perguntou ao adivinho - se este passarinho está vivo ou morto?
O astuto pensava assim: se ele disser que está morto, eu o deixarei voar mas, se disser que está vivo, eu o apertarei com o polegar e o matarei.

O adivinho, porém, foi mais esperto e respondeu: 'Cavalheiro, esse passarinho está como o senhor quiser: se o quiser vivo, está vivo; se morto, morto'. Todos os espectadores aplaudiram o adivinho.

Amigos, aquela sagaz resposta nós a podemos dirigir também a vós. Vossa alma será qual a quiserdes: se salva, salva; se condenada, condenada.
Anima vestra... in manibus vestris (a sua alma está em suas mãos).

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)