Certo homem tinha três amigos. Dois desses amigos ele amava de forma tão especial que seria capaz de sacrificar tudo por tais amizades. Para o primeiro amigo, dedicava todo o seu tempo e todo o seu afeto e, para satisfazer todas as suas vontades, esquecia todo o resto e todos à sua volta. Na verdade, ele tinha também uma dedicação acentuada por um segundo amigo. Este segundo amigo o consumia por inteiro nas horas vagas do primeiro amigo, e estar com ele proporcionava uma felicidade particular e uma alegria extrema. E, para não faltar com a verdade, tinha ele ainda um terceiro amigo. Que não era exatamente como os outros dois. A sua companhia não era assim tão frequente, nem tinha realmente um zelo característico de uma amizade sincera e continuada. Era, enfim, um amigo das horas que sobravam.
Certa noite de um incerto dia, foi acordado por uma forte batida na porta. Levantou-se algo sonolento e, apressado, atendeu ao chamado. Era um estranho oficial com uma ainda mais estranha intimação - 'Eis aqui uma intimação que convoca você a participar de uma audiência judicial' - 'Audiência judicial? Mas de que estou sendo acusado?' respondeu o homem, apavorado - 'Eu não sei. Sou apenas o oficial da intimação. Tenho outras tantas intimações a fazer. Você deve comparecer amanhã diante do juiz. Favor assinar aqui, por favor'. E, em seguida, partiu apressado.
O homem, agora um suspeito intimado pela justiça, estava perplexo e apavorado. 'De que estarei sendo julgado? O que pode ter acontecido, que coisa mais inesperada e sem sentido. O que posso fazer? O que devo fazer? Tenho poucos recursos e não tenho como pagar advogados'. As perguntas e as dúvidas consumiam o pobre homem. 'Meus amigos, devo procurar os meus diletos amigos, a quem poderia recorrer senão a eles? Eles poderão me ajudar, eles vão depor a meu favor, pois conhecem a minha integridade moral. Eles certamente me ajudarão a sair desta enrascada'. E, sem mais esperar, aprontou-se e saiu para contactar os seus amigos.
Chegado à casa do primeiro e maior amigo, bateu à porta resoluto. 'Este vai me ajudar de pronto, tenho sido para ele um amigo fiel e servil, nele tenho colocado toda a minha dedicação e todo o meu apuro'. 'Quem é?' rugiu uma voz impaciente. 'Quem vem me incomodar a esta hora da noite?' - 'Sou eu, meu bom amigo, preciso imensamente de sua ajuda generosa e imediata'. A contragosto, a porta se abriu e o amigo mal humorado o atendeu: 'Mas, você precisa de minha ajuda justo agora?' - 'Desculpe-me, velho amigo, mas preciso de você desesperadamente'. E contou-lhe sobre o oficial, a intimação, o tribunal, o julgamento do dia seguinte. - 'Conto com você, para me apoiar e me defender nesta questão. Você sabe que eu sou inocente. Por favor, me ajude'.
- 'Sinto muito, mas infelizmente não será possível. Tenho todo o dia de amanhã tomado por um importante encontro de negócios, ao qual tenho me devotado há bastante tempo. Levo em enorme consideração a nossa frutuosa amizade e o seu zelo para comigo durante tanto tempo, mas não posso perder este negócio. Sei das suas dificuldades materiais e, neste sentido, posso lhe ajudar de alguma maneira'. Entrou em casa e voltou em seguida com um elegante terno nas mãos. 'Eis um terno refinado, que muito lhe ajudará a fazer boa figura frente ao juiz durante a sua defesa'. Desculpe-me, mas isto é tudo que posso fazer neste momento'. E, sem mais delongas, deu boa noite e lhe fechou a porta na cara. - 'Um terno', pensava o homem, dobrando cuidadosamente a roupa, 'uma amizade que eu julgava eterna tem o preço de um terno?'.
'Esqueça a ingratidão, homem, para que serve ter mais de um amigo? Vamos atrás de quem vai me receber de braços abertos e me confortar neste momento: o meu bom e velho segundo amigo'. Com estes pensamentos otimistas, dirigiu-se o pobre homem a uma segunda casa. A recepção, embora mais tarde da noite, foi mais calorosa. O segundo amigo o recebeu na ante-sala e perguntou-lhe o motivo de tanta ansiedade. O oficial, a intimação, o tribunal. O amigo o interrompeu solícito: 'Que absurdo, que acusação mais temerária. Como podiam acusar o amigo de coisas tão terríveis? Claro que ele estava à disposição, ele podia voltar na semana seguinte e aí pensariam juntos a melhor defesa, como responder às insinuações caluniosas, como provar a ilibada reputação do amigo...' - 'Agradeço a consideração, meu amigo, sabia que podia contar com você. Mas preciso de sua ajuda logo, urgente, porque o julgamento já está marcado para amanhã!'.
-'Amanhã?' O riso fácil desapareceu do rosto amigável do segundo grande amigo. 'Amanhã... amanhã é impossível!' É que amanhã já estou comprometido com uma festa da minha família. Vai ser o aniversário de 50 anos do meu irmão e já combinamos uma festa de dia inteiro, num sítio muito aprazível e com a participação de toda a minha família. Até a minha filha mais velha que anda sumida vai dar as caras. Sinto muito, meu amigo, entendo as suas necessidades, mas amanhã... amanhã é impossível'. - 'Amanhã é impossível; amanhã é impossível'. A frase ficou martelando na cabeça do pobre vistante. - 'Olha, o máximo que eu posso fazer é lhe acompanhar até a porta do tribunal; quem sabe a minha companhia pode lhe ser útil em alguma coisa? Assim, vou até lá com você logo cedo e ainda dará tempo para ir para o sítio e para a festa da minha família; o que você acha?' A pergunta ficou sem resposta pois o pobre homem, em total desconsolo, já havia alcançado a rua...
'Resta-me apenas o terceiro amigo, que mal conheço e por quem pouco apreço tenho. Estou perdido', a angústia começava a devorá-lo. 'Mas, depois de duas decepções tão grandes, de amizades que pareciam tão sinceras, o que seria mais um não de um amigo de poucas horas?'. Rumou o nosso desconsolado homem para a casa do seu terceiro amigo. À sua chegada, abriu-se uma espaçosa porta e lhe foi concedido o imediato assento no interior da casa. - 'Minha casa é a casa dos meus amigos. Seja bem-vindo e não se intimide por me procurar em momento inoportuno e a esta hora tardia. Os amigos, os verdadeiros amigos, não são para estas horas?'. Balbuciante e deveras trêmulo, esfregando as mãos no terno em desalinho, o pobre homem revelou ao seu terceiro e afastado amigo, todas as peripécias do seu drama: o oficial, a intimação, o tribunal, o julgamento do dia seguinte. - 'Você poderia me ajudar de alguma forma?' - 'Meu amigo, você ainda me pergunta se eu posso ajudar? Eu sou seu amigo, amigo de todas as horas, mesmo quando não estamos juntos. Você vai pernoitar na minha casa e quero que você se sinta aqui como se estivesse em sua própria casa. Amanhã iremos juntos ao tribunal e juntos ficaremos diante do juiz e eu serei, em todos os momentos, a sua segunda voz. Afinal, eu sou ou não sou o seu amigo?'
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Três amigos. Tão próximos de todos nós, homens comuns, como eu e você. Todos nós temos três amigos. O primeiro amigo que servimos incondicionalmente é o dinheiro. Fazemos tudo por ele, a ele damos toda a nossa atenção, todo o nosso tempo, toda a nossa devoção. O nosso segundo amigo são os parentes: pais, irmãos, filhos e netos. A eles, damos afeição, carinho, submissão; esquecemos de nós e lhes damos tudo o que possuímos, todos os presentes e todas as benesses. O terceiro amigo, o escondido de nós mesmos, são as nossas boas obras, são aqueles pequenos gestos, palavras e sentimentos que formam a nossa vocação de Filhos de Deus.
Um dia, numa manhã luminosa ou numa noite fria, um oficial de justiça virá bater à porta da nossa alma - esse visitante sobrenatural é a morte. E nos convocará sem ressalvas a prestarmos contas dos nossos atos diante do tribunal de Deus. Não haverá delongas, nem subterfúgios, nem instâncias a recorrer. Eu, você, a humanidade dos homens comuns terá apenas os três amigos a recorrer nestes derradeiros instantes.
O primeiro amigo - o dinheiro - há de lhe conceder apenas um terno. Toda a sua riqueza, ainda que enorme, vai lhe valer apenas o terno da sua última quimera. O seu segundo amigo - seus parentes - quer o amem muito ou mais ou menos, quer os tenha amado de todo coração, vão seguir os seus passos somente até a campa no cemitério. Não seguirão contigo, nem lhe farão companhia além; ali haverão de o deixar sozinho e retomar o cotidiano de suas próprias vidas.
Estará consigo, então, neste derradeiro adeus, apenas o seu terceiro amigo - as boas obras. Elas, sim, não lhe vestirão de galas externas e nem lhe abandonarão à beira do túmulo, mas compartilharão, como testemunhas fieis e solidárias, as suas palavras e a sua defesa diante do trono do juízo de Deus. E somente por elas, pela estrita intervenção cuidadosa deste seu terceiro amigo, é que o seu nome será escrito eternamente no Livro da Vida.
(texto de autor desconhecido, reescrito e adaptado pelo autor do blog)