segunda-feira, 11 de setembro de 2017

CATEDRAIS MEDIEVAIS!

Na catedral inteira sente-se a certeza e a fé; em nenhum lugar a dúvida. Esta impressão de serenidade, a catedral ainda hoje no-la transmite, por pouco que queiramos prestar atenção. Esqueçamos por um momento nossas inquietações, nossos sistemas. Vamos a ela. De longe, com seus transeptos, suas flechas e suas torres, ela nos parece uma nau possante, partindo para uma longa viagem. Toda a cidade pode embarcar sem temor em seus robustos flancos.

Catedral de Notre Dame / França

Aproximemo-nos. No pórtico, encontramos logo Jesus Cristo, como o encontra todo homem que vem a este mundo. Ele é a chave do enigma da vida. Em torno d’Ele está escrita uma resposta a todas as nossas questões. Ficamos sabendo como o mundo começou e como terminará; as estátuas, das quais cada uma é símbolo de uma idade do mundo, nos dão a medida de sua duração. Todos os homens cuja história nos importa conhecer, nós os temos diante dos olhos — são aqueles que na Antiga ou na Nova Lei foram símbolos de Jesus Cristo — pois os homens só existem na medida em que participam da natureza do Salvador. Os outros — reis, conquistadores, filósofos — são apenas sombras vãs. Assim o mundo e a história do mundo se nos tornam claros.
 Catedral de Reims / França

Mas nossa própria história vem escrita ao lado da história desse vasto universo. Nós aí aprendemos que nossa vida deve ser um combate: luta contra a natureza a cada estação do ano, luta contra nós mesmos a todos os instantes, eterna psicomaquia. Àqueles que bem combateram, os anjos, do alto do Céu, estendem coroas. Há lugar aqui para uma dúvida, ou para uma mera inquietação de espírito?
  
Catedral de Salisbury / Inglaterra

Penetremos na catedral. A sublimidade das grandes linhas verticais atua logo de início sobre a alma. É impossível entrar nel sem se sentir purificado. Unicamente por sua beleza, ela age como um sacramento. Ali também encontramos um espelho do mundo. Assim como a planície, como a floresta, ela tem sua atmosfera, seu perfume, sua luz, seu claro-obscuro, suas sombras. [...] Mas é um mundo transfigurado, no qual a luz é mais brilhante que a da realidade, e no qual as sombras são mais misteriosas. Sentimo-nos no seio da Jerusalém celeste, da cidade futura. Saboreamos a paz profunda; o ruído da vida quebra-se nos muros do santuário e torna-se um rumor longínquo: eis aí a arca indestrutível, contra a qual as tempestades não prevalecerão. Nenhum lugar no mundo pôde comunicar aos homens um sentimento de segurança mais profundo.

Catedral de York / Inglaterra

Isto que nós sentimos ainda hoje, quão mais vivamente o sentiram os homens da Idade Média! A catedral foi para eles a revelação total. Palavra, música, drama vivo dos Mistérios, drama imóvel das imagens, todas as artes ali se harmonizavam. Era algo além da arte, era a pura luz, antes que ela se tivesse diversificado em fachos múltiplos pelo prisma. O homem confinado numa classe social, numa profissão, disperso, esmagado pelo trabalho de todos os dias e pela vida, nela retomava o sentimento de unidade da sua natureza; ele ali encontrava o equilíbrio e a harmonia. A multidão, reunida para as grandes festas, sentia que ela era a própria unidade viva; ela tornava-se o corpo místico de Cristo, cuja alma se confundia com sua alma. Os fiéis eram a humanidade, a catedral era o mundo, o espírito de Deus pairava ao mesmo tempo sobre o homem e a criação. A palavra de São Paulo tornava-se uma realidade: vivia-se e movia-se em Deus. Eis o que sentia confusamente o homem da Idade Média, no belo dia de Natal ou de Páscoa, quando os ombros se tocavam, quando a cidade inteira lotava a imensa igreja.
Catedral de Burgos / Espanha

Símbolo de fé, a catedral foi também um símbolo de amor. Todos para ela trabalharam. O povo ofereceu o que tinha: seus braços robustos. Ele se atrelava aos carros, carregava as pedras nas costas, tinha a boa vontade do gigante São Cristóvão. O burguês deu seu dinheiro, o barão sua terra, o artista seu gênio. Durante mais de dois séculos, todas as forças vivas da França colaboraram: daí vem a vida possante que se irradia dessas obras. Até os mortos associavam-se aos vivos: a catedral era pavimentada de pedras tumulares; as gerações antigas, com as mãos juntas sobre suas lápides mortuárias, continuavam a rezar na velha igreja. Nela, o passado e o presente uniam-se num mesmo sentimento de amor... A catedral pode substituir todos os livros.

(voando com um drone pela Catedral de Amiens) 

(Texto - Excertos traduzidos da obra 'L'Art Religieux du XIIIe Siécle', de Émile Mâle, publicado originalmente na Revista Catolicismo)