sábado, 3 de fevereiro de 2024
UMA PROFECIA FRANCISCANA
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023
A ALEGRIA PERFEITA
quinta-feira, 17 de novembro de 2022
HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XXIII)
quarta-feira, 13 de abril de 2022
DO FAZ DE CONTA... (POSTAGEM 10 ANOS DE SENDARIUM)
terça-feira, 29 de março de 2022
HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XXII)
quarta-feira, 9 de março de 2022
'SENHOR, AJUDA A MINHA INCREDULIDADE!'
sábado, 19 de fevereiro de 2022
CARTAS A MEU PAI (X)
Pai:
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
PORQUE NÃO SOMOS UM
A redenção de Cristo é uma herança da misericórdia destinada a toda a humanidade, a todos os homens, de toda raça, língua e nação. Mas, pelo atributo do livre arbítrio, grande parte desta mesma humanidade não apenas revogou contra si essa graça extraordinária, como aliou-se de corpo e alma num mergulho sem volta aos porões do abismo. E a única coisa que move toda essa gente é angariar, sufocar, escravizar e corromper ainda muita mais gente no caminho do desvario absoluto.
Perdemos as referências, o conceito do bem e do mal, a transparência das águas tranquilas. Tudo é movido agora pelo embate, pelo ódio enraizado, pela gana dos sentidos, pelo aviltamento do outro. Nada é mais relativo do que a opinião que não se omite, nada é mais afrontoso do que o pensamento de quem ousa confrontar o vazio. Não somos mais criaturas de Deus em terreno baldio nessa terra de lágrimas, somos semideuses demolidores da própria criação, incluindo nós mesmos.
Tudo isso conforma por completo o que há muito deixamos de agir como criaturas de Deus e vivemos exclusivamente sob a força dos impulsos humanos. O homem passou a querer ser apenas a obra do homem. Na verdade, do homem - tecapto, que, paradoxal em tudo, em vez de nos remeter a uma ancestralidade anêmica, projeta agora todas as suas sombras e tentáculos sobre a crença de que serão apenas névoas e fantasmas que se nutrem de vazios quando já não mais se nutrirem de vida. Respiram e procriam como homens, vivem como homens, morrem como homens - sem Deus.
Deus nos criou como criaturas e como herdeiros do Reino dos Céus. E nos dotou de uma alma - epicentro da sua graça infinita de consolação e amor eterno. A redenção de Cristo é um plano de salvação divina para os homens destinados à eternidade com Deus. Não há meio termo possível entre aquele que presta culto a Deus com aquele que se opõe a Deus; não há caminho comum possível e nem direção certa para quem anda em sentidos opostos; não há rota e nem porto seguro para quem se sustenta nas vertigens de senhores das marés; não há Deus como meta possível onde possam almejar descanso os homens que vivem apenas como homens.
Essa é a distância incomensurável sobre dois abismos - Deus e o mundo dos homens. O ecumenismo é um fantoche sem alma, a irmandade universal é uma falácia gongórica, o grito por uma humanidade única é o estertor do magma. Não somos TODOS, nunca seremos TODOS, nem TODOS serão UM. O que devemos - e como devemos crer nisso! - é que podemos ser MUITOS e, pelos frutos de um apostolado de vida inteira, ainda MUITOS de MUITOS mais.
O maior erro do cristão no mundo é querer ponderar os frutos do seu apostolado com as dimensões do mundo; essa visão anêmica e distorcida da graça divina recai comumente na tibieza, no indiferentismo e na inércia diante de uma missão gigantesca - que, na verdade, é impossível porque não existe. Deus nos pede obras humanas - simples, pequenas, inexpressivas - para fazer novos céus e nova terra. É no barro humano que se constroem as grandes maravilhas de Deus.
Que não se lamente o mal alastrante como fogo em mata seca e nem se corrompa a fé genuína na lama circundante, porque nem TODOS serão UM. A porta é estreita, mas a redenção de Cristo é e sempre será o caminho seguro para MUITOS. Caminho formado por pedras talhadas por obras humanas das criaturas de Deus - apequenadas e aparentemente inúteis. Das minhas obras, das suas obras, das obras de MUITOS.
segunda-feira, 6 de setembro de 2021
UM LUGAR MUITO ESPECIAL
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XXI)
Eis a visão que tive em Matspo naquele crepúsculo inglório: pensei ter visto milhares e milhares - milhões de milhões - de formigas movendo como um organismo único e flexível sobre uma encosta gigantesca. O exército colossal de formigas se arremetia sobre uma planície aberta ao pé da encosta, enquanto se nutria e continuava, sem lacuna alguma, de novas frentes tremendas que afluíam e se projetavam, em hordas repentinas e sucessivas, sobre o alto da colina que engolia por completo o horizonte. Não havia céu, nem sol, nem nuvens, nem terra: apenas a dimensão ilimitada da visão única diante dos meus olhos, como uma visão apocalíptica do nada.
Estava eu em algum ponto indefinido e a tal distância da colina que me era impossível discernir quaisquer elementos ou especificidades da visão: tudo era um borrão cinematográfico onde a única percepção possível era a de um movimento singular e absolutamente regular de uma massa que nascia, deslizava e se espraiava numa avalanche controlada e que avançava em velocidade incalculável em minha direção. Não se viam formigas, nem grupos de formigas, nem divisões formadas por formigas; o que se via era o todo como se não houvesse partes e nem frações movendo como um organismo em tsunami diante dos meus olhos petrificados nas órbitas.
Havia alguma coisa - ou alguém? - ao meu lado, um pouco atrás de mim, e essa sensação era tão forte e tão sensível quanto a própria visão. Mas, como meus olhos, meu corpo estava imobilizado de qualquer vontade ou reação. Meu corpo se resumia nos meus olhos fixados na avalanche desmedida que se empurrava contra mim num cenário descomunal: sem saídas, sem rotas de fuga, sem alternativa alguma, sem refúgio possível, sem uma mínima possibilidade de me curvar, virar, deitar, correr ou fugir. E aquilo vinha, em velocidade inimaginável, diretamente na minha direção.
Eu e meu corpo morto tínhamos apenas uma posse: a visão do infinito contra um ponto no vazio. E ainda mais, a certeza de algo ou alguém do meu lado, cuja presença me era óbvia e sensível, mas cujo significado não detinha qualquer explicação ou percepção. A nuvem começou a ter então espasmos de sombras, o volume passou a assumir contornos finitos e ovalados. E eu comecei a ter as dores do parto medonho do medo. Aquilo era muito além do pesadelo mais tenebroso que ousasse imaginar.
Minhas retinas gemeram de pavor quando simplesmente compreendi que as formas em movimento - as milhões de formas em movimento ordenado - não eram formigas! Não eram formigas e nem eram bandos ou manadas de animais desembestados em fúria colina abaixo: eram... fetos! Fetos, milhões e milhões de fetos, unidos como organismo vivo numa procissão horripilante. Milhões de fetos abortados, milhões de fetos que nunca nasceram, milhões e milhões de fetos que foram criados mas que nunca viveram. Eu sabia tudo sobre eles, como médico; eles sabiam tudo sobre mim, como vítimas das dezenas e dezenas de abortos que fizera.
A multidão dos não nascidos agora transformada num plasma vivo de extensão infinita vinha sobre mim, com um juízo mais pesado que montanhas de chumbo. E agora eu percebia que não havia alguém apenas do meu lado mas, ainda que não pudesse me virar, pressenti a multidão de homens e mulheres atrás de mim, enfileirados como estátuas preenchidas de vazio e de pavor, todos vivos apenas para a visão dos mortos. E, mais do que nunca, com o brilho do cristal de maior pureza, tive a certeza absoluta de que havia uma encosta íngreme atrás de mim e um abismo sem fim ao final da encosta. E que aquele abismo seria preenchido por estátuas de vazio e de pavor.
('Histórias que Ouvi Contar' são crônicas do autor deste blog)