sábado, 31 de outubro de 2015

DAS VERDADEIRAS AMIZADES

Ó Filoteia, ama a todos os homens com um grande amor de caridade cristã, mas não traves amizade senão com aquelas pessoas cujo convívio pode te ser proveitoso; e quanto mais perfeitas forem estas relações, tanto mais perfeita será a tua amizade.

Se a relação é de ciências, a amizade será honesta e louvável e o será muito mais ainda se a relação for de virtudes morais, como prudência, justiça, fortaleza; mas se for a religião, a devoção e o amor de Deus e o desejo da perfeição o objeto duma comunicação mútua e doce entre ti e as pessoas que amas, ah! então tua amizade é preciosíssima. É excelente, porque vem de Deus; excelente, porque Deus é o laço que a une, excelente, enfim, porque durará eternamente em Deus.

Ah! quanto é bom amar já na terra o que se amará no céu e aprender a amar aqui estas coisas como as amaremos eternamente na vida futura. Não falo, pois, aqui simplesmente do amor cristão que devemos ao nosso próximo, todo e qualquer que seja, mas aludo à amizade espiritual, pela qual duas, três ou mais pessoas se comunicam mutuamente as suas devoções, bons desejos e resoluções por amor de Deus, tornando-se um só coração e uma só alma. Com toda a razão podem cantar então as palavras de Davi: Oh! quão bom e agradável é habitarem juntamente os irmãos! Sim, Filoteia, porque o bálsamo precioso da devoção está sempre passando de um coração ao outro por uma contínua e mútua participação; tanto assim que se pode dizer que Deus lançou sobre esta amizade a sua bênção por todos os séculos dos séculos.

Todas as outras amizades são como as sombras desta e os seus laços são frágeis como o vidro, ao passo que estes corações ditosos, unidos em espírito de devoção, estão presos por uma corrente toda de ouro. Filoteia, todas as tuas amizades sejam desta natureza, isto é, todas aquelas que dependem de tua livre escolha, porque não deves romper nem negligenciar as que a natureza e outros deveres te obrigam a manter, como em relação a teus pais, parentes, benfeitores e vizinhos.

Hás de ouvir talvez que não se deve consagrar afeto particular ou amizade a ninguém, porque isto ocupa por demais o coração, distrai o espírito e causa ciúmes; mas é um mau conselho, porque, se muitos autores sábios e santos ensinam que as amizades particulares são muito nocivas aos religiosos, não podemos, no entanto, aplicar o mesmo princípio às pessoas que vivem no século — e há aqui uma grande diferença.

Num mosteiro onde há fervor, todos visam o mesmo fim, que é a perfeição do seu estado e, por isso, a manutenção das amizades particulares não pode ser tolerada aí, para precaver que, procurando alguns em particular o que é comum a todos, passem das particularidades aos partidos. Mas no mundo é necessário que aqueles que se entregam à prática da virtude se unam por uma santa amizade, para mutuamente se animarem e conservarem nesses santos exercícios. Na religião os caminhos de Deus são fáceis e planos e os que aí vivem se assemelham a viajantes que caminham numa bela planície, sem necessitar de pedir a mão em auxílio. Mas os que vivem no século, onde há tantas dificuldades a vencer para ir a Deus, se parecem com os viajantes que andam por caminhos difíceis, escabrosos e escorregadiços, precisando sustentar-se uns nos outros para caminhar com mais segurança.

Não, no mundo nem todos têm o mesmo fim e o mesmo espírito e daí vem a necessidade desses laços particulares que o Espírito Santo forma e conserva nos corações que lhe querem ser fiéis. Concedo que esta particularidade forme um partido, mas é um partido santo, que somente separa o bem do mal: as ovelhas das cabras, as abelhas dos zangões, separação esta que é absolutamente necessária. Em verdade não se pode negar que Nosso Senhor amava com um amor mais terno e especial a São João, a Marta, a Madalena e a Lázaro, seu irmão, pois que o Evangelho o dá a entender claramente. Sabe-se que São Pedro amava ternamente a São Marcos e a Santa Petronila, como São Paulo ao seu querido Timóteo e a Santa Tecla.

São Gregório Nazianzeno, amigo de São Basílio, fala com muito prazer e ufania de sua íntima amizade, descrevendo-a do modo seguinte: 'parecia que em nós havia uma só alma, para animar os nossos corpos, e que não se devia mais crer nos que dizem que uma coisa é em si mesma tudo quanto é e não numa outra; estávamos, pois, ambos em um de nós e um no outro. Uma única e a mesma vontade nos unia em nossos propósitos de cultivar a virtude, de conformar toda a nossa vida com a esperança do céu, trabalhando ambos unidos como uma só pessoa, para sair, já antes de morrer, desta terra perecedora'.

Santo Agostinho testemunha que Santo Ambrósio amava a Santa Mônica unicamente devido às raras virtudes que via nela e que ela mesma estimava este santo prelado como um anjo de Deus. Mas para que deter-te tanto tempo numa coisa tão clara? São Jerônimo, Santo Agostinho, São. Gregório, São Bernardo e todos os grandes servos de Deus tiveram amizades particulares, sem dano algum para a sua santidade.

São Paulo, repreendendo os pagãos pela corrupção de suas vidas, acusa-os de gente sem afeto, isto é, sem amizade de qualidade alguma. Santo Tomás reconhecia, com todos os bons filósofos, que a amizade é uma virtude e entende a amizade particular, porque diz expressamente que a verdadeira amizade não pode se estender a muitas pessoas. A perfeição, portanto, não consiste em não ter nenhuma amizade, mas em não ter nenhuma que não seja boa e santa.

(Excertos da obra 'Filoteia ou Introdução à Vida Devota', de São Francisco de Sales)

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

ORAÇÃO: DIES IRAE


Dies Irae (Dia da Ira) é um famoso hino litúrgico que era originalmente utilizado pela Igreja como sequência (antes do Evangelho) no Primeiro Domingo do Advento e lido ou cantado na Missa dos Fieis Defuntos. Posteriormente, com a reforma litúrgica introduzida no pontificado do Papa Paulo VI, o hino foi transferido para o âmbito do Ofício Divino ou Liturgia das Horas, sendo utilizado apenas na última semana do Tempo Comum.

O hino, cuja provável autoria é desconhecida, embora tradicionalmente atribuída a Tomas de Celano, é uma reflexão sobre o Juízo Final, o fim do mundo e as duas vindas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em linguagem dura, na perspectiva terrível do julgamento de Deus para toda a humanidade, invoca também a esperança do perdão em Cristo nosso Salvador. Neste sentido, evidencia-se a associação direta da sua utilização na liturgia dos falecidos e ao final do ano litúrgico por serem ambos períodos especiais em que são mais intensas as meditações sobre os novíssimos do homem.

Na transposição do hino para a sua inclusão na Liturgia das Horas, foram feitas três alterações no texto original:

1. Remoção da estrofe final: Pie Iesu Domine, dona eis requiem. Amen [Pio Senhor Jesus, dai-lhe o descanso eterno], originalmente acrescentada para se usar o Dies Irae na Missa dos Defuntos;
2. Acréscimo de uma estrofe de invocação ao Deus da Santíssima Trindade: O tu Deus majestatis / alme candor Trinitatis / nos coniunge cum beatis. Amen. [Ó, Vós, Deus de majestade / esplendor da Trindade / contai-nos entre os eleitos. Amém];
3. Alteração do verso Qui Mariam absolvisti [Vós, que absolvestes Maria] para Peccatricem qui solvisti [Vós, que absolvestes a pecadora].

DIES IRAE*

I


Dies irae, dies illa, 
solvet saeculum in favilla, 
teste David cum Sibylla. 

Quantus tremor est futurus, 
quando iudex est venturus, 
cuncta stricte discussurus! 

Tuba mirum spargens sonum 
per sepulcra regionum, 
coget omnes ante thronum. 

Mors stupebit et natura, 
cum resurget creatura, 
 iudicanti responsura

Liber scriptus proferetur, 
in quo totum continetur, 
unde mundus iudicetur. 

Iudex ergo cum sedebit, 
Quidquid latet apparebit: 
nil inultum remanebit. 

O tu Deus majestatis / alme candor Trinitatis / nos coniunge cum beatis. Amen.

Dia de ira, aquele dia, volve o mundo em cinza fria: diz Davi e a Sibila.
Que terror não há de haver, quando Deus comparecer para julgar com rigor!
Nos sepulcros ressoando, vai a tuba convocando os mortos ao tribunal.
A terra inteira estremece, quando o homem comparece para o juízo final.
Um livro será trazido em que tudo está contido para o mundo ser julgado.
Quando o Juiz se sentar, tudo se há de revelar: a justiça e o pecado.

Jesus, Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, contai-nos entre os eleitos. Amém.

II

Quid sum miser tunc dicturus? 
Quem patronum rogaturus? 
Cum vix iustus sit securus. 

Rex tremendae maiestatis, 
qui salvandos salvas gratis, 
salva me, fons pietatis. 

Recordare Iesu pie, 
quod sum causa tuae viae: 
ne me perdas illa die. 

Quaerens me, sedisti lassus: 
redemisti crucem passus: 
 tantus labor non sit cassus. 

Iuste iudex ultionis, 
donum fac remissionis, 
ante diem rationis. 

Ingemisco, tamquam reus: 
culpa rubet vultus meus: 
supplicanti parce Deus. 

O tu Deus majestatis / alme candor Trinitatis / nos coniunge cum beatis. Amen.

Pobre de mim, que direi, que patrono invocarei ao ver o justo em temor?
Rei de excelsa majestade, que salvais só por bondade, salvai-me no vosso amor.
Recordai-Vos, bom Jesus: por mim deixastes os Céus, não me condeneis então.
A buscar-me Vos cansastes, pela Cruz me resgatastes: tanta dor não seja em vão.
Justo Juiz do castigo, usai de graça comigo antes de chegar o fim.
Como réu envergonhado, sinto-me tremer, culpado: tende compaixão de mim.

Jesus, Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, contai-nos entre os eleitos. Amém.

III

Peccatricem qui solvisti [Qui Mariam absolvisti], 
et latronem exaudisti, 
mihi quoque spem dedisti. 

Preces meae non sunt dignae: 
sed tu bonus fac benigne, 
ne perenni cremer igne. 

Inter oves locum praesta, 
et ab haedis me sequestra, 
statuens in parte dextera. 

Confutatis maledictis, 
flammis acribus addictis. 
Voca me cum benedictis. 

Oro supplex et acclinis, 
cor contritum quasi cinis: 
gere curam mei finis. 

Lacrimosa dies illa, 
qua resurget ex favilla. 
Iudicandus homo reus: 
Huic ergo parce Deus. 

O tu Deus majestatis / alme candor Trinitatis / nos coniunge cum beatis. Amen.

[Pie Iesu Domine, 
dona eis requiem. Amen]

A pecadora absolvendo e o bom ladrão acolhendo, grande esperança me dais.
Embora não seja digno, vós me livrareis, benigno, dos tormentos infernais.
Entre os cordeiros contado, dos precitos separado, ponde-me à vossa direita.
Repelidos os malvados e a vivas chamas lançados, suba eu à pátria eleita.
Com profunda contrição imploro o vosso perdão: ajudai-me na agonia.
Quando nesse triste dia, das cinzas em que jazia, ressurgir o homem réu, perdoai-lhe, Deus do Céu.

Jesus, Deus de majestade, vivo esplendor da Trindade, contai-nos entre os eleitos. Amém.

[Pio Senhor Jesus, dai-lhe o descanso eterno. Amém]

* versão para a Liturgia das Horas, tradução em português diferente daquela constante do livro litúrgico oficial da Liturgia das Horas utilizada no Brasil; I - Ofício das Leituras; II - Laudes; III - Vésperas; trechos entre colchetes: versão original para a Missa dos Defuntos. 


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

AS PROFECIAS DE MARIE JULIE JAHENNY


Marie Julie Jahenny, considerada uma das grandes místicas da Igreja, viveu toda uma vida de absoluto sofrimento e expiação dos pecados dos homens em uma pequena cabana situada na aldeia de La Faudrais, na região da Bretanha, oeste da França. Nasceu em 12 de fevereiro de 1850 e recebeu, a partir dos 23 anos e até a sua morte, ocorrida em 4 de março de 1941, os estigmas de Cristo em escala inimaginável na história humana: as cinco chagas nas mãos, pés e lado; as feridas da coroa de espinhos, as lacerações e feridas nos ombros pelo peso da cruz e as marcas da flagelação. 

Foi privilegiada com inúmeros e extraordinários dons sobrenaturais. Com grande precisão, previu as duas guerras mundiais, a eleição do Papa São Pio X, as perseguições à Igreja e os castigos advindos à humanidade por sua apostasia. Era dotada de faculdades sobrenaturais que incluíam a levitação, premonições, percepção dos pecados alheios e compreensão de cânticos sagrados e orações feitas em qualquer idioma. Por um longo período de cinco anos, a partir de 28 de dezembro de 1875, sobreviveu tendo como único alimento a Santa Eucaristia. 

(casa onde viveu a estigmatizada francesa)

Suas inúmeras profecias são resultado de visões sobrenaturais (ela teve, por exemplo, visões de um diálogo entre o demônio e Nosso Senhor) e de mensagens manifestadas por Jesus e Nossa Senhora, das quais se destacam as seguintes:

'O primeiro período [da história da Igreja] é o do Meu Sacerdócio, existente desde Mim. O segundo é o da perseguição, quando os inimigos da Fé e da Santa Religião vão impor suas fórmulas no livro da segunda celebração. Muitos dos meus santos sacerdotes rejeitarão este livro, selado com as palavras do abismo mas, infelizmente, muitos outros o aceitarão'.

'Os discípulos que não pertencem ao meu Evangelho estão trabalhando duro para refazê-lo segundo as suas próprias ideias e sob a influência do inimigo das almas segundo uma nova Missa que conterá palavras que me são odiosas Quando chegar a hora fatídica, quando a fé dos meus sacerdotes for posta à prova, serão estes os textos [da Missa] que serão celebrados neste segundo período'.

'Um terrível castigo está preparado para aqueles que erguem todas as manhãs a pedra do Santo Sacrifício [os sacerdotes]. Eu não vim para estes altares para ser torturado. Sofro mil vezes mais por esses corações do que por qualquer outro. Eu vos absolvo dos vossos muitos pecados, meus filhos, mas não posso conceder perdão algum a estes sacerdotes [que traem a Igreja]'.

'Satanás ditará tudo por um tempo e reinará absoluto sobre tudo; toda bondade, fé e religião serão enterrados no túmulo... ele e seus eleitos triunfarão com alegria... não restará vestígio do Santo Sacrifício, nem traço aparente de fé, mas apenas uma grande confusão em toda parte... mas, depois deste triunfo do mal, o Senhor reunirá de novo o seu povo e reinará triunfante, resgatando do túmulo a Igreja enterrada e a Cruz prostrada' [palavras de São Miguel]


'Atacarei a Igreja. Esmagarei a Cruz, dizimarei a religiosidade dos homens, depositarei uma grande fraqueza da fé em seus corações. Haverá então um grande repúdio à religião. Por um tempo, serei o dono de tudo e tudo estará sob o meu controle, até mesmo o teu templo santo e todo o teu povo'. [palavras de Satanás, em diálogo com Nosso Senhor].

'Todas as obras aprovadas pela Igreja infalível cessarão por um tempo. Nesta triste aniquilação, sinais brilhantes se manifestarão na terra. Se, por causa da maldade dos homens, a Santa Igreja mergulhará na escuridão, o Senhor também haverá de enviar a escuridão [a chamada profecia dos três dias de trevas] para impedir os maus em sua busca do mal'.

'A terra será coberta pela escuridão e o inferno será libertado na terra... Durante três dias de escuridão aterradora, nenhuma janela deverá ser aberta, porque ninguém será capaz de ver a terra e as trevas desses terríveis dias de castigo sem morrer no ato... O céu estará ardendo, a terra tremerá como no juízo e o terror será enorme. Durante esta escuridão, os demônios e os ímpios tomarão formas horríveis... A terra será sacudida desde seus alicerces e o mar há de lançar as suas ondas furiosas sobre os continentes... a terra se converterá em um grande cemitério e os corpos dos ímpios e dos justos cobrirão o solo' [palavras de Nossa Senhora].

(Excertos da obra 'Marie Julie Jahenny - La stigmatisée bretonne', de Marquis de la Franquerie)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O SIGNIFICADO DA SANTA MISSA

A Santa Missa é um compêndio de toda a vida de Jesus Cristo.

O Intróito significa o desejo que tinham os santos Patriarcas da vinda do Senhor.

O Kyrie Eleison significa as vozes dos Patriarcas e Profetas, que pediam a Deus esta vinda há tanto tempo desejada.

O Gloria in Excelsis significa o nascimento do Senhor.

As orações significam a apresentação no templo e a oferenda determinada por lei.

A Epístola* significa a pregação de São João Batista, anunciando aos homens o reino de Cristo.

O Gradual* significa a conversão das multidões ao ouvirem a pregação de São João Batista.

O Evangelho significa a pregação do Senhor que da esquerda nos passa à direita, isto é, das coisas temporais às eternas, e do pecado à graça; as luzes e o incenso à leitura do Evangelho significam que este iluminou o mundo, enchendo-o do suave aroma da graça de Deus.

O Credo significa a conversão dos santos Apóstolos e dos outros discípulos do Senhor.

As Secretas*, que principiam depois do Credo, significam os ocultos conciliábulos dos Judeus contra Cristo.

O Prefácio*, terminado com o Hosana In Excelis, significa a entrada solene de Jesus Cristo em Jerusalém no dia de Ramos.

As outras orações secretas que se recitam em seguida significam a Paixão do Senhor.

A Elevação da Hóstia significa a elevação de Cristo na Cruz.

O Pater Noster significa a oração do Senhor quando pendente da cruz.

A Fração da Hóstia significa a chaga aberta pela lança.

O Agnus Dei significa o pranto de Maria no descimento da cruz.

A Comunhão do Sacerdote significa a sepultura.

O Post-communio [pós-comunhão] significa a ressurreição.

O Ite Missa est* significa a ascensão.

A bênção do sacerdote significa a descida do Espírito Santo.

O Evangelho Final* significa a pregação dos santos Apóstolos, quando, cheios do Espírito Santo, começaram a pregação do Evangelho por todo o mundo e a conversão do povos.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

*Epístola: leituras prévias ao Evangelho;
* Gradual: canto litúrgico na forma de poucos versículos cantado logo após a primeira (e única) leitura antes do Evangelho, no rito da missa tridentina. Na missa nova, embora também seja ainda usado, é frequentemente substituído pelo Salmo Responsorial, com texto bem mais extenso e constituído por várias estrofes, inserido logo após a primeira leitura que antecede o Evangelho (na Missa Nova, o rito pode comportar uma ou duas leituras - procedimento mais corrente - antes do Evangelho).
* Secretas: orações rezadas em voz baixa pelo sacerdote.
*Prefácio: parte inicial da chamada oração eucarística.
*Ite Missa est: oração final de despedida, seguida da bênção do sacerdote.
* Evangelho Final: após a despedida, o Evangelho de São João foi incluído pelo Papa Pio V, como uma oração de exorcismo (omitido na Nova Missa).

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

BIBLIOTECA DIGITAL

Na Biblioteca Digital deste blog, em INDEX DAS APARIÇÕES MARIANAS, procedeu-se à atualização dos arquivos relativos às aparições marianas destacadas no quadro abaixo.

domingo, 25 de outubro de 2015

'SENHOR, QUE EU VEJA!'

Páginas do Evangelho - Trigésimo Domingo do Tempo Comum


São Marcos descreve, no Evangelho deste domingo, uma certa caminhada de Jesus pelas terras da Galileia, rumo a Jerusalém. Junto com Ele, além dos seus discípulos, ia uma grande multidão, ansiosa por ver, ouvir e compartilhar as santas alegrias do convívio com Aquele por quem já estavam plenamente convencidos de ser realmente o Messias esperado pelos séculos, ainda que com uma visão algo distorcida da verdadeira natureza divina do seu reino de glória.

O burburinho da multidão em marcha coloca em alerta um mendigo cego sentado à beira do caminho. Um homem cego, muito conhecido naquela região, tão conhecido que o seu nome ficou transcrito para sempre nas páginas das Sagradas Escrituras, Bartimeu, filho de Timeu. No meio do vozerio de tantos, grita mais alto do que todos: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!' (Mc 10, 47). E, diante da reprimenda para se calar e não abafar os ensinamentos de Jesus, insiste ainda mais alto: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!' (Mc 10, 48).

A fé vibrava firme na sua alma sem precisar dos acordes dos olhares e visões do mundo. Jesus percebeu de imediato a grandeza daquele sentimento, daquele gesto, daquela súplica, e o atendeu com deferência, fazendo calar o vozerio em volta: 'Chamai-o' (Mc 10, 49). De pronto e de súbito, diante do chamado de Jesus, Bartimeu se apura em pé num salto, desfaz-se do manto de uma vez e se coloca diante do Senhor, em muda expectativa. 'O que queres que eu te faça?' (Mc 10, 51) pergunta Jesus. E Bartimeu responde, cheio de fé e confiança no Senhor: 'Mestre, que eu veja!' (Mc 10, 51). E a luz da sua fé é então contemplada com os acordes da visão do Senhor: 'Vai, a tua fé te curou' (Mc 10, 52).

Bartimeu, privilegiado na graça, pediu a visão e recebeu a luz, a luz de Cristo, que rompe as trevas do pecado e eleva a alma às glórias eternas. Como cegos, muitas vezes tateando nas penumbras de uma fé claudicante, temos uma imensa dificuldade de vida espiritual e de aceitar e acolher Jesus em plenitude. Como Bartimeu, sejamos capazes de saltar além das quietudes e sonolências terrenas e nos livrarmos do manto das inquietações e vozerios do mundo, para irmos ao encontro do Senhor que passa e, como homens eivados de graça, 'seguir Jesus pelo caminho' (Mc 10, 52). 

25 DE OUTUBRO - SANTO ANTÔNIO GALVÃO


Um homem marcado pela caridade e por um profundo espírito missionário: este foi o compromisso de fé que levou à santidade Antônio Galvão de França - o Frei Galvão, nascido em 1739 em Guaratinguetá, cidade do interior do estado de São Paulo, e falecido na cidade de São Paulo, em 23 de dezembro de 1822.

A devoção cristã permeou a sua vida desde a infância, levando-o a estudar com os jesuítas na Bahia e, mais tarde, a proceder os votos solenes como franciscano da Ordem Terceira (adotando, então, o nome de Antônio Sant'Ana Galvão) e à ordenação sacerdotal, em 11 de julho de 1762, no Rio de Janeiro. Após a ordenação, tornou-se pregador da ordem franciscana e confessor do Recolhimento de Santa Teresa, onde viviam algumas monjas e que, naquela época, constituía o único estabelecimento de religiosas então existente em São Paulo. Nesta instituição, sob a inspiração da Irmã Helena Maria do Sacramento, Frei Galvão fundou e construiu um novo recolhimento na cidade, no local chamado campo da Luz, hoje Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, e ali foi enterrado. 

Era dotado de dons prodigiosos, como levitação e a bilocação. Particularmente interessantes são as chamadas 'pílulas de Frei Galvão'. Diante de um homem padecendo muitas dores devido a cálculos renais, o santo teve a súbita inspiração de escrever em um papelote a seguinte frase do ofício da Santíssima Virgem Maria: Post partum Virgo inviolata permansisti: Dei Genitrix intercede pro nobis - 'Depois do parto, ó Virgem, permanecestes intacta; Mãe de Deus, intercedei por nós' e o deu ao homem como remédio, que expeliu em seguida um grande cálculo renal. Utilizando-se deste meio outras tantas vezes, as pílulas logo tornaram-se de uso generalizado até os nossos dias, para curar problemas renais ou de parto ou quaisquer outras dores ou enfermidades. Por sua intercessão, os Céus realizaram muitos milagres e curas sobrenaturais.

Frei Galvão se fez servo de todos e para todos tinha uma enorme generosidade de acolhimento, de perdão, de serenidade e de direção espiritual e, como 'filho e escravo perpétuo de Maria', dedicou toda a sua vida ao apostolado e à salvação das almas e, em meio a tantas glórias e virtudes, só recentemente foi elevado aos altares. Frei Galvão Frei Galvão foi beatificado pelo papa João Paulo II em 25 de outubro de 1998 e canonizado em 11 de maio de 2007 pelo papa Bento XVI, em São Paulo, tornando-se, então, o primeiro santo da Igreja nascido no Brasil. A sua festa litúrgica acontece em 25 de outubro, data de sua beatificação.

(Recolhimento de Nossa Senhora da Luz, século XVIII, atual Mosteiro da Luz)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

AS SEIS VIAS DA SANTIDADE PELA PACIÊNCIA

O apóstolo São Tiago dizia que a paciência era por excelência a obra perfeita de uma alma. A terra é lugar onde se conquistam merecimentos e, portanto, não é lugar de descanso, mas de trabalho e padecimento: e aquele que não sofre com paciência, sofre menos e salva-se; ao passo que sofre muito mais quem sofre com impaciência, e pode condenar-se. A paciência deve ser praticada:

1. Nas enfermidades

Estas são a pedra de toque, para discernir o espírito das pessoas. Algumas há que são devotas, e até, ao parecer, fervorosas, enquanto gozam boa saúde: mas se a enfermidade as visita, impacientam-se, queixam-se de todos, entregam-se a tristeza e cometem muitas outras faltas.

2. Na morte dos parentes 

Quantos há que pela perda de um parente ficam inconsoláveis, a ponto de deixarem a oração, os sacramentos e todas as obras de piedade, chegando alguns a queixar-se até do próprio Deus! Que temeridade!

3. Na pobreza

Soframos com resignação a perda de nossos interesses, confiando no Senhor, pois Ele não deixará de socorrer a quem a Ele se confia.

4. Nos desprezos e perseguições

Pois se Jesus, sendo a própria inocência, padeceu tanto por nosso amor; que muito será que nós padeçamos alguma coisa por Ele. Diz o Apóstolo que, todo aquele que quiser viver neste mundo, unido com Jesus Cristo, deverá ser perseguido.

5. Nas angústias de espírito

Estes são os sofrimentos mais duros e custosos de suportar a uma alma que ama a Deus: são, porém, um meio de que Deus se serve para provar os seus escolhidos. Nestas circunstâncias deve haver sumo cuidado em não omitir nenhuma das obras de piedade costumadas, como orações, devoções, visitas, leituras espirituais etc. Pois que, ainda quando tudo pareça perdido, por se fazer com tédio e dificuldade, cumpre-se, com inteiro agrado de Deus, à sua Santíssima Vontade.

6. Nas tentações 

Almas há, tão pusilânimes, que se a tentação for mais demorada, assustam-se e julgam-se abandonadas de Deus. E, não obstante, Deus nunca permite que sejamos tentados além do que as nossas forças comportam e, a cada tentação vencida, correspondem muitas graças de glória. É necessário, sem dúvida, pedir ao Senhor que nos livre das tentações, mas quando elas chegam, não é menos necessário resignar-nos com a vontade de Deus e pedir-lhe força para resistir a elas e vencê-las.

(Excertos da obra 'Sagrada Família', por um padre redentorista, 1910)

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

SEQUÊNCIA DAS SETE VIRTUDES DE MARIA


1° DIA: Fazer-se humilde como Maria

Maria se lembrava que tudo nela era dom de Deus. Guardava em segredo, mesmo diante de seu esposo, as graças e favores divinos com que era agraciada por Deus. Ela oferecia ao Senhor os louvores que recebia. Ela se comprazia em servir ao próximo e a se colocar sempre em último lugar. Ela não temia o desprezo; ela não foi vista em Jerusalém no Domingo de Ramos, na ocasião em que o povo recebeu seu Filho com todas as honrarias. Mas não teve medo de comparecer ao Calvário, onde foi reconhecida como a mãe de um condenado.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, rogai por mim quando eu quiser me valorizar diante do próximo, revestindo-me com o manto da vossa humildade.

'Ó Maria, dai-nos a virtude da humildade'.

2° DIA: Amar a Deus e ao próximo como Maria

Cristo nos deu este mandamento: amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e a teu próximo como a ti mesmo. Maria cumpriu plenamente este preceito. Segundo São Bernardo, o amor de Jesus entrou como uma espada no coração de Maria e o transpassou de um lado ao outro a fim de que nenhuma dobra e nenhuma prega ficasse sem o ferimento de amor. O coração de Maria tornou-se, então, fogo e chama: fogo por causa do amor que a queimava interiormente e chama resplandecendo no exterior, através da prática da caridade.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, como em Caná, rogai por mim ao vosso Filho, dizendo-lhe: 'Eles não têm mais amor', e concedei-me a graça de praticar a caridade, como vós. Que o teu exemplo e a tua doação incondicional me lembre o amor a Deus e ao próximo, quando eu der preferência a mim, dentre os outros. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude do amor'.

3° DIA: Crer como Maria

Foi pela sua fé que Maria foi proclamada bem-aventurada por sua prima Isabel. Na Paixão de Jesus, os discípulos foram tomados por dúvidas e somente a Virgem Maria se manteve firme na fé. A fé é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, uma virtude. É um dom de Deus, enquanto luz que Ele próprio faz resplandecer sobre a alma. É uma virtude quando a alma a põe em prática. O verdadeiro cristão vive segundo a sua fé. Assim viveu a Virgem Maria.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, rogai por mim quando eu duvidar; dai-me olhos que visualizem toda a luz da fé. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da fé'.

4° DIA: Esperar com confiança como Maria

A esperança nasce da fé. A Virgem Maria demonstrou quão grande era a sua confiança em Deus, plenamente confiante de que Deus preservaria sua inocência, sua honra e sua vida. E mesmo quando ela se viu excluída das hospedarias e constrangida a buscar abrigo num estábulo, e ainda na sua fuga para o Egito, um país estrangeiro e desconhecido e, sobretudo nas Bodas de Caná, quando seu pedido foi primeiramente recusado por Jesus, Maria estava confiante de que seu Filho lhe concederia a graça solicitada.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, vós sois, depois de Jesus, toda a minha esperança, ensinai-me a praticar o abandono, a entrega à Providência Divina. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da esperança'.

5° DIA: Viver a castidade como Maria

Deus nos deu, em Maria, o modelo perfeito em relação ao amor de Deus. Maria consagrou-se inteiramente a Deus, abrindo o caminho para muitas outras jovens. No entanto, o chamado evangélico à castidade dirige-se a todos os cristãos, seja qual for seu estado civil. Trata-se de um apelo a não usar o próximo apenas para o seu próprio prazer. A castidade é um modo livre de viver, respeitando o outro.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, que o vosso nome, pronunciado com confiança, seja o meu recurso quando eu tiver que renunciar às paixões do espírito e da carne, para deixar Deus passar. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da castidade'.

6° DIA: Fazer-se pobre como Maria

Vemos Maria entrar no Templo não com um cordeiro, que seria a oferenda das pessoas ricas, mas com um par de rolinhas, que constituía a oferenda dos pobres. Havia concordado em desposar José, que vivia exclusivamente do árduo trabalho de suas mãos. Partira para o Egito para salvar seu filho, abandonando tudo o que tinha. Quando a virtude da pobreza nos faz sentir seus espinhos em nossa própria carne, que fonte de consolo encontramos na pobreza de Maria e José!

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, que dizeis, em vosso sublime cântico: Minha alma exulta no Senhor. Dai-me a graça de poder sempre ter a Deus como prioridade na minha vida. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da pobreza'.

7° DIA: Praticar a obediência e a paciência como Maria

A Virgem Santa era de tal modo apegada ao Senhor que se intitulou serva do Senhor. Maria, com humildade, viveu sua vida em total adesão à vontade de Deus. Do momento que a mulher do Evangelho, dirigindo-se a Jesus, exclamou: 'Feliz o seio que te trouxe ao mundo!', Jesus respondeu: 'Mais felizes são aqueles que escutam a palavra de Deus e a põe em prática'. Naquele episódio, Maria surge como a primeira discípula de seu Filho.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, dai-me a graça de obedecer fielmente à vontade de Deus, de suportar em paz as cruzes e amar a Deus cada vez mais. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da obediência e da paciência'.

Em cada oração, pode-se oferecer uma rosa aos pés de Maria e rezar:

Pai Nosso - Ave Maria - Glória ao Pai


Oração Final

Ó Maria Santíssima, cuja vida é modelo de santidade, fazei que floresça em nossas vidas as tuas virtudes, a fim de que possamos, também nós, alcançarmos a santidade.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

SÍMBOLOS CRISTÃOS (I)

ROSA

Na arte cristã, a rosa vermelha é símbolo do martírio, a rosa branca constitui símbolo da pureza e uma grinalda de rosas é um símbolo da eterna alegria celestial. A rosa amarela (ou dourada) é o símbolo da perfeição. 

A rosa é um símbolo por excelência de Nossa Senhora; com efeito Maria é  a Rosa das rosas, Rosa Mística (como é invocada na Ladainha Lauretana), Rainha das Rosas, Nossa Senhora do Rosário, do latim Rosarium, que significa 'Coroa de Rosas'. O rosário pode ser considerado como uma coroa simbólica de rosas vermelhas, brancas e amarelas: os Mistérios Gozosos, que são relacionados com os acontecimentos felizes da vida de Maria seriam as rosas brancas; os Mistérios Dolorosos, aqueles relacionados com o sofrimento, seriam as rosas vermelhas e os Mistérios Gloriosos, relativos aos eventos triunfantes, são simbolizados por rosas amarelas ou douradas. 

Maria é a rosa sem espinhos, por ter nascido isenta do pecado original (na simbologia cristã, a rosa nascida no éden não tinha espinhos e passou a tê-los, uma vez transplantada à terra depois da queda de Adão e Eva, como uma memória perene pelos pecados cometidos pelo homem, mantendo, entretanto, a beleza e o aroma, como reflexos da perfeição do Paraíso). As rosas brancas de cinco pétalas fazem referência às cinco alegrias de Maria e às cinco letras do seu nome, sendo símbolo da Natividade, pois há brotar sempre no Natal, fechar-se como morta durante a Paixão e reflorescer triunfante na Ressurreição do Senhor.

CRAVO

Símbolo do amor puro e do verdadeiro amor maternal. Na simbologia cristã, a flor teria nascido das lágrimas derramadas por Maria ao seguir Jesus no caminho do Calvário. Por correlação direta, tornou-se o símbolo da fidelidade e do matrimônio cristão. Em outra simbologia, estas flores representam os cravos que pregaram as mãos e os pés de Cristo durante a Crucificação.

LÍRIO

O lírio constitui o símbolo da pureza e da natureza humana e divina de Cristo, da Virgem Maria e do homem: da semente aparentemente inútil, brota uma flor de beleza ímpar, ou seja, do corpo sepultado sem vida, nasce uma alma para a vida eterna. A flor-de-lis é um lírio estilizado, comumente composto por três pétalas, simbolizando a Santíssima trindade.

domingo, 18 de outubro de 2015

QUEM ESTARÁ À DIREITA OU À ESQUERDA DO SENHOR?

Páginas do Evangelho - Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum


A glória humana alimentava o pedido despropositado de Tiago e João, filhos de Zebedeu, feito a Jesus quando da sua derradeira subida a Jerusalém: 'Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!' (Mc 10, 37). Aqueles dois homens (que representam o conjunto de todos os demais apóstolos, que se 'indignaram' depois pela audácia deles), mais do que moldados pela graça, ainda estavam envoltos pela penumbra das glórias terrenas e, na dimensão dos poderes de um reino fictício no mundo dos homens, pleiteavam os postos mais elevados 'à direita e à esquerda' do Senhor.

Jesus vai prometer a ambos uma glória muito maior que qualquer poder concedido na escala dos homens. Os poderes e as glórias do mundo, por maiores que sejam, são instáveis e passageiros; Jesus tem a oferecer a eles heranças eternas. Na busca dos valores humanos, imperam a cobiça, a ambição, a disputa desenfreada por aplausos e pompas; a eternidade é moldada pelo recolhimento interior, pela oração e despojamento do ser, pela via do sofrimento e da dor: 'Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?' (Mc 10, 38).

Quando ambos afirmam que 'sim', estão sendo apenas suscetíveis à crença de superação de dificuldades passageiras. Não conseguem vislumbrar os eventos tão próximos da Paixão e Morte do Senhor, o drama do Calvário, tantas vezes mencionado e reafirmado por Jesus em outras ocasiões. Jesus vai, num primeiro momento, confirmar este 'sim': 'Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado' (Mc 10, 39). Com efeito, São João, o discípulo amado, acompanhou Jesus até o instante derradeiro da Paixão e Morte na Cruz; São Tiago foi o primeiro apóstolo a colher as palmas do martírio.

Mas, em seguida, Jesus os alerta que as moradas eternas estão destinadas àqueles forjados pela Santa Vontade do Pai: 'não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado' (Mc 10, 40). Na escala dos valores eternos, o maior é o que serve a todos, o posto mais alto será destinado ao que, por amor a Deus, tornar-se o menor entre os seus irmãos. A verdadeira glória passa pelo Calvário, por uma senda de dor e de sofrimento, e quem estará 'à direita ou à esquerda' de Jesus será aquele que viver e morrer, com maior semelhança, a própria vida e morte do Senhor: 'Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos' (Mc 10, 45). 

sábado, 17 de outubro de 2015

ANJOS E DEMÔNIOS (III): SANTA GEMMA GALGANI


Não admira que este vivo afeto, numa alma simples e ingênua, desse origem a uma familiaridade que pode parecer excessiva. Ao ouvir as conversas de Gemma com o seu querido Anjo, ao ouvi-la discutir vivamente para o levar a ter a sua opinião, dir-se-ia que se tratava com um igual. Eu mesmo a princípio fiquei admirado, adverti-a de que era mau o seu proceder e disse-lhe que era orgulhosa, pois levava a familiaridade até ao ponto de tratar por ‘tu’ a um espírito puro em vez de tremer diante dele. Para a experimentar, proibi que ultrapassasse certos limites. A donzela baixou a cabeça e respondeu com toda a humildade: 'Tendes muita razão, Padre; hei de corrigir-me. Daqui por diante direi sempre ‘vós’ ao Anjo; e quando me for dado vê-lo, testemunhar-lhe-ei grande reverência, conservando-me a cem passos atrás dele'.

Na primeira visita do celeste guarda, Gemma advertiu-o da norma de conduta: 'Tende paciência, querido Anjo, o Padre não está contente, preciso de mudar de procedimento'. E absteve-se de ultrapassar o limite marcado enquanto não levantei a proibição. Pela força do hábito, acontecia-lhe muitas vezes enganar-se e misturar o ‘tu’ com o ‘vós’, mas corrigia-se, mesmo em êxtase. Algumas vezes o Anjo não aparecia só, mas com outros espíritos celestes para fazerem alegre companhia à angélica irmãzinha. Logo que tive conhecimento disso, mostrei estar muito descontente e escrevi a Gemma dizendo, sempre para por à prova a sua virtude, que era tempo de acabar. Gemma respondeu: 'Na verdade, Padre, não compreendo nada disso. Os outros, quando estão a rezar, vêem o seu Anjo da Guarda. Se eu também o vejo, ralhais e afligi-vos. Mas ontem, dia em que eles se festejavam, despedi-os a todos. O meu não quis partir, nem o outro em que vos falei; ora que hei de eu fazer? Não vos zangueis outra vez, serei boa e obediente'.

A familiaridade de Gemma com o Anjo da Guarda era simples, espontânea, cheia de humildade, como testemunham as duas seguintes aparições, tomadas entre mil e contadas pela própria menina: 'Estava eu no leito, muito atormentada, quando me senti subitamente possuída de um profundo recolhimento. Juntei as mãos e com toda a força do meu fraco coração fiz o ato de contrição com uma viva dor dos meus inúmeros pecados. Estando o meu espírito absorvido pela lembrança das minhas ofensas, notei o Anjo junto do leito. Fiquei envergonhada de me ver em sua presença. Ele, ao contrário, com uma amabilidade cheia de encanto, disse-me: 'Jesus tem uma grande afeição por ti, ama-O muito'. Depois acrescentou: 'Amas a Mãe de Jesus? Envia-lhe muitas vezes as tuas saudações. Ela fica muito contente em as receber e nunca deixa de as retribuir. Se não o faz sempre sensivelmente, é para experimentar a tua fidelidade'. Abençoou-me e desapareceu'.

Outra visão: 'Enquanto fazia as minhas orações da noite, o Anjo da Guarda aproximou-se de mim e, batendo-me no ombro, disse: ‘Gemma, como é que tu levas tanto desgosto para a oração'? – 'Não é desgosto', respondi, 'há dois dias que não me sinto bem'. Ele continuou: ‘Faze o teu dever com cuidado e Jesus te amará mais'. Roguei-lhe que fosse pedir a Jesus permissão para passar a noite junto de mim. Desapareceu imediatamente e, obtida a permissão, voltou para o meu lado. Oh! Como se mostrou bom! Quando estava para partir, pedi-lhe que não me deixasse ainda. ‘Não posso', respondeu, 'é conveniente que eu vá’. – 'Está bem, ide', eu lhe disse, 'saudai a Jesus por mim'. Lançando-me um último olhar, acrescentou: ‘Não quero que tenhas conversações com as criaturas. Quando quiseres falar, fala com Jesus e com o teu Anjo da Guarda'.

Tal é, pouco mais ou menos, o gênero das outras aparições. Daqui se pode concluir como devia ser amada de Deus esta virgem que recebia a honra de ser assim visitada, assistida e dirigida por espíritos angélicos nos caminhos da santidade. Não lhe tenhamos inveja, porque também nós recebemos do mesmo Pai celeste um Anjo para nos guardar, e se formos, como Gemma, muito puros, muito humildes, simples de coração, cheios de fé e de santos desejos de perfeição, ele também nos cercará da mesma solicitude e do mesmo amor.

(...)

Diz-nos o Espírito Santo que satanás, nos últimos momentos da nossa vida, sabendo que tem pouco tempo para [nos] fazer mal, nos assalta com pérfidas tentações, como um leão que vê a presa prestes a escapar-lhe. Que supremos e furiosos ataques não devia dirigir contra a angélica donzela, a quem tinha perseguido durante toda a vida com ódio mortal, e procurado vencer ou ao menos desanimar com uma guerra sem tréguas! De outros santos se lê que, no fim dos seus dias, tiveram que suportar assaltos do demônio mais ou menos longos e terríveis, mas passageiros. Gemma, porém, suportou um ataque contínuo de sete meses, apenas interrompidos por curtos intervalos de trégua. O fato é aterrador, mas absolutamente certo, porque é unanimemente atestado por todas as pessoas que assistiram a jovem virgem durante a sua última doença. 

O espírito das trevas perturbava-lhe a imaginação com mil fantasmas próprios para encher o seu coração de tristeza, de ansiedades, de temor. O seu fim era levá-la ao desespero. Representava-lhe, sob os mais tétricos aspectos, o quadro de sua vida tão cheia de angústias, as desgraças da sua família, as privações de toda ordem; fazia-lhe passar por diante dos olhos os agentes da força pública indo, depois da morte de seu pai, acompanhados pelos credores, sequestrar os bens da sua casa, depois exclamava: 'Eis o resultado de todas as tuas fadigas no serviço de Deus'. Aproveitando o estado de extrema aridez espiritual em que, durante a maior parte do tempo, o Senhor a deixava para mais purificar a sua alma, o anjo das trevas empregava todos os artifícios para a persuadir de que estava irremediavelmente abandonada por Deus e que, de modo algum, escaparia à condenação. O tentador astucioso insinuava-lhe que as suas heróicas virtudes e mesmo os mais insignes favores divinos não eram mais que ilusão e hipocrisia. (...)

Procurou mais uma vez [o infernal inimigo] insultar o pudor virginal da santa menina. Sabia muito bem com que amor e cuidado este anjo tinha guardado, durante toda a vida, o casto tesouro, com que heroísmo tinha já sustentado, neste campo, lutas terríveis, coroadas sempre de triunfo, mas queria, senão alcançar uma vitória que julgava impossível, ao menos vingar-se das suas derrotas por meio daquelas tentações que sabia serem as mais próprias para encher de amargura os últimos dias da inocente pomba. 

O quarto da enferma pareceu então estar convertido num vestíbulo do inferno. Não eram pensamentos, imaginação, impulsos lascivos, aos quais não podia ser sensível uma alma daquela têmpera; eram aparições reais sob formas sempre novas e de um cinismo brutal. 'Padre, Padre, escrevia-me Gemma do seu leito de dor, este sofrimento é muito intenso para mim. Pedi a Jesus que o troque por qualquer outro. Enviai, mesmo de longe, maldições e esconjuros para afastar o velhaco do demônio, ou ordenai ao vosso Anjo da Guarda que venha afastá-lo para longe daqui'. 

Vencido em todos os campos, terminou por afligi-la com cruéis vexações exteriores. A enfermeira da Serva de Deus escrevia-me por várias vezes: 'Esta besta hedionda acaba-nos com a querida Gemma. Saio sempre de junto dela a chorar; este horrível demônio consome-a, e não vejo nenhum remédio a opor. São pancadas ensurdecedoras, figuras espantosas de animais ferozes; mata-a com certeza. Corremos em seu auxílio, lançando água-benta no quarto, o barulho cessa, mas para recomeçar pouco depois com mais raiva'.

Até onde o invisível inimigo do homem levou a crueldade para com a doce vítima! Gemma sentiu melhoras quanto à dificuldade de ingerir os alimentos. Satanás, porém, estava de atalaia; logo que apresentavam a comida à doente, parecia-lhe coberta de insetos repugnantes, de tudo quanto possa imaginar-se de nojento. Perante a repugnância do estômago, era forçoso retirar tudo. Animais repelentes, reais ou imaginários, entravam-lhe no leito, iam-lhe para o corpo e torturavam-na de mil maneiras, sem que se pudesse ver livre deles. Dizia muitas vezes à irmã enfermeira, com acentos de terror, que sentia uma serpente a envolvê-la da cabeça até aos pés e procurando sufocá-la. 

Pediu muitas vezes que se fizessem exorcismos mas, como julgassem que não deviam atender aos seus pedidos, ela mesma, voltando-se para o inimigo com o rosto inflamado, exclamou: 'Espíritos perversos, ordeno-vos que entreis no lugar que vos está destinado, aliás, desgraçados de vós! Acuso-vos ao meu bom Deus'.” Depois, voltada para a sua Mãe Celeste, começou a dizer: 'Minha Mãe, encontro-me em poder do demônio que me fere, me flagela, trabalha por me arrancar das mãos de Jesus. Não, não, Jesus, não me abandoneis, ser-vos-ei fiel. Ó minha Mãe, pedi a Jesus por mim. De noite, estou só, cheia de terror, oprimida e como que ligada em todas as potências da alma e em todos os sentidos do corpo, sem me poder mexer. Viva Jesus'!

De tempos a tempos, o Divino Mestre vinha reanimar-lhe a coragem e sossegá-la, fazendo-lhe sentir a sua doce presença e dizendo-lhe algumas palavras: 'Minha filha, por que é que, em vez de te entristeceres com as perseguições do inimigo, não aumentas a tua esperança em Mim? Humilha-te sob a minha poderosa mão, não te deixes abater pelas tentações. Resiste sempre, sem desânimo, e, se a tentação perseverar, persevera também na resistência; a luta levar-te-á à vitória'. 

Outras vezes era o Anjo da Guarda que vinha confortá-la. Mas estes momentos felizes duravam pouco, em breve a sua alma recaía nas trevas e o tentador aparecia de novo, mais furioso que nunca. Deste modo se passavam, para a pobre donzela, os dias, as semanas, os meses. Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gemma, na hora terrível da morte!

Excertos da obra 'Gema Galgani, Virgem de Luca', do Pe. Germano de Santo Estanislau, tradução do Pe. Matos Soares, 1923).