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sexta-feira, 13 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVII)

P. 37 - De que maneira, então, esses santos se expressam sobre esse assunto?

Seria interminável coletar todos os seus testemunhos; os poucos que se seguem podem ser suficientes como amostra do todo. Santo Inácio, bispo de Antioquia e discípulo dos apóstolos, em sua epístola aos filadelfianos, diz: 'Aqueles que se separam não herdarão o reino de Deus'. São Irineu, bispo de Lyon e mártir na segunda era, diz: 'A Igreja é a porta da vida, mas todos os outros são ladrões e salteadores e, portanto, devem ser evitados' (DeHar., lib. i. c. 3). São Cipriano, bispo de Cartago e mártir em meados da terceira era, diz: 'A casa de Deus é uma só, e ninguém pode ter a salvação senão na Igreja' (Epist. 62, 4). E no seu livro sobre a unidade da Igreja, ele diz: 'Não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe. Se alguém que estivesse fora da arca de Noé pudesse escapar, então aquele que está fora da Igreja também poderia escapar'.

No século IV, São Crisóstomo diz assim: 'Sabemos que a salvação pertence SOMENTE à Igreja e que ninguém pode participar de Cristo, nem ser salvo, fora da Igreja Católica e da fé católica' (Hom. i. in Pasch). Santo Agostinho, na mesma época, diz: 'Somente a Igreja Católica é o corpo de Cristo; o Espírito Santo não dá vida a ninguém que esteja fora deste corpo' (Epist. 185, 50). E em outro lugar: 'Ninguém pode ter a salvação, a não ser na Igreja Católica. Fora da Igreja Católica, pode ter tudo menos a salvação. Pode ter honra, pode ter o batismo, pode ter o Evangelho, pode acreditar e pregar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; mas não pode encontrar a salvação em nenhum outro lugar que não seja a Igreja Católica' (Serm. ad Cczsariens de Emerit). E ainda uma outra vez (Epist. 209, ad Feliciam).: 'Na Igreja Católica, há bons e maus. Mas aqueles que estão separados dela, enquanto as suas opiniões forem opostas às dela, não podem ser bons. Pois, embora a conversa de alguns deles pareça louvável, a sua própria separação da Igreja torna-os maus, de acordo com o que diz o nosso Salvador: 'Aquele que não está comigo está contra mim; e aquele que não ajunta comigo, espalha' (Lc 11,23).

Lactâncio, outra grande luz da quarta era, diz: 'É somente a Igreja Católica que mantém a verdadeira adoração. Esta Igreja é a fonte da verdade, é a casa da fé, é o templo de Deus. Se alguém não entrar nesta Igreja ou se afastar dela, a sua salvação eterna estará perdida. Ninguém deve iludir-se obstinadamente, pois a sua alma e a sua salvação estão em jogo' (Divin. Instit., lib. iv. c. 30). São Fulgêncio, no século VI, diz assim: 'Acredite firmemente, e sem qualquer dúvida, que ninguém que seja batizado fora da Igreja Católica pode participar da vida eterna, se, antes do fim desta vida, não for restaurado à Igreja Católica e incorporado nela' (Lib. de Fid., c. 37). Isto é suficiente para mostrar a fé do mundo cristão em todas as épocas anteriores; pois todos os escritores sagrados do cristianismo, em todas as épocas, falam sobre este assunto da mesma forma.

P. 38. Esses testemunhos são fortes e falam claramente sobre o assunto; mas, depois de tais provas, não é surpreendente que alguém questione esse ponto?

Isso, na verdade, só pode ser explicado pelo espírito geral de mundanismo e desconsideração por toda religião que agora prevalece universalmente; pois os primeiros reformadores e alguns de seus seguidores, vendo as fortes provas da Escritura para essa doutrina e não encontrando o menor fundamento nesses escritos sagrados para apoiar o contrário, reconheceram-na de forma justa, por mais que isso fosse contra eles mesmos. Vimos como os teólogos de Westminster se pronunciam sobre este assunto na Confissão de Fé, usada até hoje pela Igreja da Escócia, e que foi ratificada e adotada pela Assembleia Geral no ano de 1647, como padrão da sua religião. 

Mas os seus antecessores no século anterior, quando a religião presbiteriana começou na Escócia, falam com igual clareza sobre o mesmo assunto; pois na sua Confissão de Fé, autorizada pelo Parlamento no ano de 1560, 'como uma doutrina fundamentada na Palavra infalível de Deus', eles dizem o seguinte, no Artigo xvi: 'Assim como acreditamos em um único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, também acreditamos firmemente que, desde o início, existiu, existe agora e existirá até o fim do mundo uma única Igreja, ou seja, uma única comunidade e multidão de homens, escolhidos por Deus, que o adoram e abraçam corretamente pela verdadeira fé em Jesus Cristo... Essa Igreja é católica, isto é, universal, porque contém os eleitos de todas as épocas e, fora dessa Igreja não há vida nem felicidade eterna; e, portanto, abominamos totalmente a blasfêmia daqueles que afirmam que os homens que vivem de acordo com a equidade e a justiça serão salvos, qualquer que seja a religião que professem'. Esta confissão da Igreja original da Escócia foi reimpressa e publicada em Glasgow no ano de 1771, de onde esta passagem foi retirada. O próprio Calvino confessa a mesma verdade, nestas palavras, falando da Igreja visível: 'Fora do seu seio' - diz ele - 'não se pode esperar remissão dos pecados, nem salvação, de acordo com Isaías, Joel e Ezequiel... de modo que é sempre altamente pernicioso afastar-se da Igreja' e isto ele afirma nas suas próprias instituições (B. iv. c. i 4).

Acrescentaremos mais um testemunho particularmente forte; é do Dr. Pearson, bispo da Igreja da Inglaterra, na sua exposição do Credo (edit. 1669), onde ele diz: 'A necessidade de acreditar na Igreja Católica apareceu, em primeiro lugar, no fato de Cristo a ter designado como o único caminho para a vida eterna. Lemos no início do Livro dos Atos (At 2,47), que o Senhor acrescentava diariamente à Igreja aqueles que deveriam ser salvos; e o que era feito diariamente naquela época tem sido feito continuamente desde então. Cristo nunca designou dois caminhos para o céu; nem construiu uma Igreja para salvar alguns e criou outra instituição para a salvação de outros homens (At 4,12). Não há outro nome dado aos homens sob o céu pelo qual devamos ser salvos, senão o nome de Jesus; e esse nome não é dado sob o céu senão na Igreja. 

Assim como ninguém foi salvo do dilúvio, exceto aqueles que estavam dentro da arca de Noé, construída para recebê-los por ordem de Deus; assim como nenhum dos primogênitos do Egito sobreviveu, exceto aqueles que estavam dentro das habitações cujas ombreiras das portas foram aspergidas com sangue, por designação de Deus, para sua preservação; assim como nenhum dos habitantes de Jericó pôde escapar do fogo ou da espada, exceto aqueles que estavam dentro da casa de Raab, para cuja proteção foi feita uma aliança; assim NINGUÉM escapará da ira eterna de Deus uma vez que não pertença à Igreja de Deus. 

Vede até que ponto a força da verdade prevaleceu entre os membros mais eminentes da Reforma antes que os princípios liberais se infiltrassem entre eles! Que reprovação deve ser esta perante o tribunal de Deus para aqueles membros da Igreja de Cristo que questionam ou procuram invalidar esta grande e fundamental verdade, a própria fronteira e barreira da verdadeira religião: que é tão repetidamente declarada por Deus nas suas Sagradas Escrituras, professada pela Igreja de Cristo em todas as épocas, atestada nos termos mais fortes pelas luzes mais eminentes do cristianismo e reconhecida com franqueza pelos escritores e teólogos mais célebres da Reforma! Não será que toda tentativa de enfraquecer a importância desta verdade divina será considerada pelo grande Deus como uma traição à sua causa e aos interesses da sua santa fé? E aqueles que assim o fizerem serão capazes de invocar a sua predileta e invencível ignorância em sua própria defesa perante Ele?

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVI)

P. 35 - O que devemos dizer sobre os membros da Igreja de Cristo que abandonam a sua religião e renunciam à sua fé?

Como o próprio Deus deu uma resposta completa e clara a esta pergunta em três passagens diferentes das suas Sagradas Escrituras, seria presunção responder com outras palavras que não as suas. Primeiro, Ele diz, pela boca do seu santo apóstolo São Paulo: 'É impossível que aqueles que uma vez foram iluminados, provaram também o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram, além disso, a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e aindaa ssim se afastaram, sejam renovados novamente em penitência, crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus e zombando dele. Porque a terra que bebe a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz ervas úteis para aqueles que a cultivam, recebe bênção de Deus; mas aquela que produz espinhos e sarças é rejeitada e está muito perto de uma maldição, cujo fim é ser queimada' (Hb 6,4). 

Sobre essa passagem, o falecido erudito e piedoso editor do Novo Testamento de Reims diz, na nota, 'que é impossível para aqueles que caíram após o batismo serem batizados novamente; e muito difícil para aqueles que apostataram da fé, depois de terem recebido muitas graças, retornarem novamente ao estado feliz do qual caíram'. Mais uma vez, 'se pecarmos voluntariamente', diz o mesmo santo apóstolo, 'depois de termos recebido o conhecimento da verdade, não resta nenhum sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectativa terrível de julgamento e a fúria de um fogo que consumirá os adversários' (Hb 10,26). Sobre o que o mesmo autor erudito diz: 'Ele fala do pecado da apostasia voluntária da verdade conhecida; depois disso, como não podemos ser batizados novamente, não podemos esperar ter aquela remissão abundante dos pecados, que Cristo comprou com a sua morte, aplicada às nossas almas de maneira tão ampla como no batismo; mas temos, antes, todos os motivos para esperar um julgamento terrível; tanto mais porque os apóstatas da verdade conhecida raramente ou nunca têm a graça de voltar a ela'. 

Por fim, pela boca do santo apóstolo São Pedro, Deus declara assim o estado dessas pessoas: 'Pois, se, fugindo das contaminações do mundo, pelo conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, eles se envolvem novamente nelas e são vencidos, o seu estado posterior torna-se pior do que o anterior. Pois teria sido melhor para eles nunca terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de o terem conhecido, se afastarem do santo mandamento que lhes foi entregue. Pois o verdadeiro provérbio aconteceu-lhes: O cão voltou ao seu vômito, e a porca lavada voltou a revolver-se na lama' (2Pd 2,20-22).

P. 36 - O senhor disse acima que só recentemente essa maneira descuidada de pensar e falar sobre a necessidade da verdadeira fé e de estar em comunhão com a Igreja de Cristo, que temos examinado, surgiu entre os membros da Igreja; essa mesma linguagem não era usada pelos cristãos em todas as épocas anteriores?

Longe disso; e esse é um dos maiores motivos para sua condenação. É uma novidade, é uma nova doutrina; era algo inédito desde o início; aliás, é diretamente oposto à doutrina uniforme de todas as grandes luzes da Igreja em todas as épocas anteriores. Esses homens grandes e santos, as testemunhas mais irrepreensíveis da fé cristã em seus dias, não conheciam outra linguagem sobre esse assunto além daquela que viram ser falada diante deles por Cristo e seus apóstolos; eles sabiam que seu Mestre Divino havia declarado: 'Aquele que não crer será condenado'; ouviram o seu apóstolo proclamar um terrível anátema contra qualquer um, mesmo que fosse um anjo do céu, que ousasse alterar o Evangelho que Ele havia pregado (cf Gl 1,8); ouviram-no afirmar em termos expressos que 'sem fé é impossível agradar a Deus' e mantiveram constantemente a mesma linguagem. E como não viam na Escritura o menor fundamento para pensar que aqueles que estavam fora da Igreja poderiam ser salvos por ignorância invencível, essa cogitação enganosa não aparece nem uma única vez em todos os seus escritos.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 26 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XV)

P. 33 - Quais são esses argumentos sofísticos com os quais eles são tão enganados?

Nós os vimos acima e os refutamos completamente, um por um. Mas o grande erro deles surge de suas idéias errôneas de ignorância invencível e das condições requeridas para ser um membro da Igreja de Cristo. Pois como eles devem ou negar sua própria fé ou permitir essa proposição geral, que 'sem fé é impossível agradar a Deus', enquanto eles admitem a verdade disso, eles pretendem que, como a ignorância invencível desculpará um homem diante de Deus em todos os outros casos, então ela deve desculpá-lo nisso também. E que, portanto, embora um homem não tenha a verdadeira fé, 'a ignorância invencível o salvará', não advertindo para os dois sentidos que essas palavras contêm, um dos quais é certamente verdadeiro, e o outro não menos certamente falso. A ignorância invencível de fato o salvará da culpa de ter uma fé falsa e de não ter a fé verdadeira: isso é certamente verdade. Mas dizer que a ignorância invencível o salvará, isto é, o levará à salvação, é certamente falso, como tudo o que vimos acima prova plenamente.

Novamente, enquanto eles admitem essa outra proposição geral, que 'fora da verdadeira Igreja de Cristo não há salvação', que eles devem reconhecer ou desistir de sua própria religião, eles supõem que um homem pode ser um membro da verdadeira Igreja aos olhos de Deus, embora não esteja unido a ela em comunhão, como todas as crianças batizadas são, embora nascidas em heresia, pelo menos até que cheguem à idade de julgar por si mesmas. O erro deles está em não refletir que todos os adultos em uma religião falsa podem ser membros da Igreja à vista de Deus em nenhum outro sentido além daqueles de quem nosso Salvador diz: 'Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco'. Mas como Ele declarou expressamente que era necessário trazer até mesmo esses à comunhão da sua Igreja, isso evidentemente mostra que eles e todos os outros não são membros da Igreja de tal forma que possam ser salvos em seu estado atual sem serem unidos a esta comunhão.

P. 34 - Mas não é louvável e digno de louvor mostrar toda a indulgência e condescendência para com aqueles que estão fora da Igreja e se comportar em relação a eles com toda a clemência e brandura?

Sem dúvida: não é apenas louvável, mas um dever estrito, até onde a verdade pode chegar. Mas trair a verdade com essa visão constitui um crime grave e altamente prejudicial para ambas as partes. A experiência, de fato, mostra que a maneira solta de pensar e falar, que alguns membros da verdadeira Igreja têm adotado ultimamente, produz as piores consequências, tanto para eles mesmos quanto para aqueles a quem desejam favorecer.

(i) Aqueles que estão separados da Igreja de Cristo bem sabem que ela professa constantemente, como um artigo de seu credo, que sem a verdadeira fé e fora da sua comunhão, não há salvação. Quando, portanto, eles veem os membros dessa Igreja falando duvidosamente sobre esse ponto, parecendo questionar a verdade da doutrina e até mesmo alegando pretextos e desculpas para explicá-la, o que eles podem pensar? Que efeito isso deve ter em suas mentes? Será que isso não tende a extinguir qualquer desejo de investigar a verdade que Deus possa ter lhes dado e a fechar seus corações contra qualquer pensamento positivo? O amor-próprio nunca deixa de se apoderar avidamente de tudo o que favorece seus desejos; e se uma vez encontrarem essa verdade questionada, mesmo por aqueles que professam acreditar nela, eles a considerarão como uma mera disputa retórica e não pensarão mais no assunto.

(ii) Essa maneira de pensar e falar tende naturalmente a extinguir todo zelo pela salvação das almas nos corações daqueles que a adotam; pois enquanto eles se persuadem de que há uma possibilidade de salvação para aqueles que morrem em uma falsa fé e fora da Igreja de Cristo, o amor próprio facilmente os inclinará a não se preocuparem com sua conversão. Às vezes, chega-se ao ponto de fazer com que alguns pensem que é mais aconselhável não se esforçar para desiludi-los, para que isso não mude sua atual ignorância desculpável, como eles a chamam, em uma obstinação culpável; não refletindo que, por seus esforços piedosos e zelosos, eles podem ser levados ao conhecimento da verdade e salvar suas almas, enquanto que, por sua negligência sem caridade, podem ser privados de tão grande felicidade. Ai do mundo, de fato, se os primeiros pregadores do cristianismo tivessem sido reféns de sentimentos tão pouco cristãos!

(iii) Não é menos prejudicial para os próprios membros da Igreja adotar tais maneiras de pensar; pois isso não pode deixar de esfriar seu zelo e estima pela religião, torná-los mais descuidados em preservar sua fé, prontos para, por motivos mundanos, expô-la ao perigo e, em tempos de tentação, abandoná-la inteiramente. De fato, se um homem estiver completamente persuadido da verdade de sua santa religião e da necessidade de ser membro da Igreja de Cristo, como é possível que ele se exponha a qualquer ocasião de perder um tesouro tão grande, ou que, por qualquer medo ou favor mundano, o abandone? Uma vez que a experiência mostra que muitos, por alguma vantagem mundana insignificante, se expõem a tal perigo, indo a lugares onde não podem praticar sua religião, mas encontram todos os incentivos para abandoná-la, ou, ao se envolverem em empregos inconsistentes com seu dever, expõem seus filhos às mesmas ocasiões perigosas, isso só pode surgir da falta de uma ideia justa da importância de sua religião; e, após um exame rigoroso, sempre se descobre que algum grau ou outro dos sentimentos de tolerância ou de indiferentismo expostos acima é a causa radical.

(iv) Além disso, se uma pessoa começa a hesitar sobre a importância de sua religião, que estima ou consideração ela pode ter pelas leis, regras ou práticas dela? O amor-próprio, sempre atento à sua própria satisfação, logo lhe dirá que, se não for absolutamente necessário ser dessa religião, muito menos necessário será submeter-se a todos os seus regulamentos; portanto, liberdades são tomadas na prática, os mandamentos da Igreja são desprezados, os exercícios de devoção são negligenciados e uma sombra de religião é introduzida sob a aparência de sentimentos liberais, numa dissipação completa de toda virtude e de uma piedade sólida.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 16 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIV)

P. 31 - Isto é muito forte, de fato. Mas como este é um caso em que muitos pretendem dar grande ênfase, de onde vem o peso que parece ter para estes em favor daqueles que até mesmo morrem em uma religião falsa?

O erro deles decorre da ideia que formam para si mesmos das chamadas boas obras e de não observarem a grande diferença que existe entre as boas ações morais naturais e as boas obras cristãs sobrenaturais, que por si só levarão o homem ao céu. Por mais corrompida que seja a nossa natureza pelo pecado, ainda assim há poucos ou nenhum da semente de Adão que não tenha certas boas disposições naturais, sendo alguns mais inclinados a uma virtude, outros a outra. Assim, alguns têm uma disposição humana e benevolente; alguns têm um coração terno e compassivo para com os outros em dificuldades; alguns são justos e retos em seus negócios; alguns são temperantes e sóbrios; alguns são brandos e pacientes; alguns também têm sentimentos naturais de devoção e reverência pelo Ser Supremo. Ora, todas essas boas disposições naturais, por si mesmas, estão longe de ser virtudes cristãs, e são totalmente incapazes de levar um homem ao céu. De fato, elas tornam aquele que as possui agradável aos homens e obtêm estima e consideração daqueles com quem vive, mas não têm qualquer utilidade perante Deus no que diz respeito à eternidade. Para nos convencermos disso, basta observar que boas disposições naturais desse tipo são encontradas em muçulmanos, judeus e pagãos, bem como entre os cristãos; no entanto, nenhum cristão pode supor que um muçulmano, judeu ou pagão, que morre nesse estado, obterá o reino dos céus por meio dessas virtudes.

Os fariseus, entre o povo de Deus, eram notáveis por muitas dessas virtudes: tinham grande veneração pela lei de Deus; faziam profissão aberta de piedade e devoção; davam grandes esmolas aos pobres; jejuavam e oravam muito; eram assíduos em todas as observâncias públicas da religião; eram notáveis por sua estrita observância do sábado e tinham aversão a toda profanação do santo nome de Deus; contudo, o próprio Jesus Cristo declara expressamente: 'Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus' (Mt 5,20). Dizem-nos que um deles subiu ao templo para orar e que era, aos olhos do mundo, um homem muito bom, levava uma vida inocente, livre dos crimes mais grosseiros que são tão comuns entre os homens, jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de tudo o que possuía; no entanto, o próprio Cristo nos assegura que ele foi condenado aos olhos de Deus. Tudo issonos prova que nenhuma das boas disposições da natureza acima mencionadas é capaz, por si só, de levar qualquer homem ao céu. E a razão é que 'não há outro nome dado aos homens debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos, a não ser o nome de Jesus' (At 4,12) e, portanto, nenhuma boa obra, qualquer que seja ela, realizada apenas pelas boas disposições da natureza, pode jamais ser coroada por Deus com a felicidade eterna. 

Para obter essa gloriosa recompensa, nossas boas obras devem ser santificadas pelo sangue de Jesus e se tornarem virtudes cristãs. Ora, se examinarmos as Sagradas Escrituras, encontraremos duas condições absolutamente necessárias para tornar nossas boas obras agradáveis a Deus e conducentes à nossa salvação. Primeiro, que estejamos unidos a Jesus Cristo pela verdadeira fé, que é a raiz e o fundamento de todas as virtudes cristãs; pois São Paulo diz expressamente: 'Sem fé é impossível agradar a Deus' (Hb 11,6). Observe-se a palavra impossível; ele não diz que é difícil, mas que é impossível. Portanto, mesmo que um homem tenha tantas boas disposições naturais e seja tão caridoso, devoto e mortificado quanto os fariseus, se ele não tiver verdadeira fé em Jesus Cristo, não poderá entrar no reino dos céus. Recusaram-se a crer nele e, portanto, todas as suas obras de nada valeram para a sua salvação e, a menos que a nossa justiça exceda a deles neste ponto, como o próprio Cristo nos assegura, nunca entraremos no seu reino celestial. 

Mas mesmo a fé verdadeira, por mais necessária que seja, não basta por si só para tornar as nossas boas obras disponíveis para a salvação; pois é necessário, em segundo lugar, que estejamos em caridade com Deus, na sua amizade e graça, sem o que mesmo a fé verdadeira nunca nos salvará. Para nos convencermos disso, basta ouvirmos São Paulo, que diz: 'Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, ainda que distribuísse todos os meus bens para alimentar os pobres, ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, isso de nada me aproveitaria' (ICor 13,2). Assim, se um homem for pacífico, regular, inofensivo e religioso em seu caminho, caridoso para com os pobres, e o que mais lhe aprouver, ainda assim, se ele não tiver a verdadeira fé de Jesus Cristo e não estiver em caridade com Deus, todas as suas virtudes aparentes não servem para nada; é impossível para ele agradar a Deus por meio delas e se ele viver e morrer nesse estado, elas não lhe aproveitarão em nada. Por isso,  é manifesto que aqueles que morrem numa religião falsa, por mais inaceitável que seja sua conduta moral aos olhos dos homens, ainda assim, como eles não têm a verdadeira fé de Cristo, e não estão em caridade com Ele, eles não estão no caminho da salvação; pois nada pode nos valer em Cristo, senão 'a fé que opera pela caridade' (Gl 5,6).

P. 32 -  Mas sendo tudo isto tão evidente, como é que hoje em dia alguns, que se professam membros da Igreja de Cristo, parecem por em causa esta verdade, advogando continuamente a favor daqueles que não são da sua comunhão, propondo desculpas para eles e usando todos os seus esforços para provar uma possibilidade de salvação para aqueles que vivem e morrem numa falsa religião?

Este é um daqueles artifícios de que o inimigo das almas faz uso nestes tempos infelizes para promover sua própria causa e que há motivos para temer que tenha, por várias razões, encontrado seu caminho até mesmo entre aqueles que pertencem ao rebanho de Cristo, pelas seguintes razões:

(i) como eles vivem entre aqueles que praticam falsas religiões e muitas vezes têm as conexões mais íntimas com eles, eles naturalmente e muito louvavelmente contraem um amor e afeição por eles. Isso faz com que, a princípio, não queiram pensar que seus amigos deveriam estar fora do caminho da salvação. Depois, passam a desejar e esperar que não seja assim. Daí chegam a questionar o fato de ser assim e, a partir daí, é fácil agarrarem-se a qualquer pretexto para se persuadirem disso; 

(ii) princípios fundamentais podem ser encontrados em todos os lugares nestes nossos dias; uma misericórdia não pactuada, por assim dizer, é encontrada em Deus para muçulmanos, judeus e infiéis, que nunca foi ouvida entre os cristãos. Isso é revestido com o caráter ilusório de uma maneira liberal de pensar e sentimentos generosos e tornou-se moda pensar e falar dessa maneira. Ora, a moda é um persuasivo muito poderoso, contra o qual mesmo as pessoas de bem nem sempre estão à prova; e quando alguém ouve esses sentimentos todos os dias ressoando em seus ouvidos e qualquer coisa que pareça contrária a eles ser ridicularizada e condenada, ele naturalmente cede à ilusão e desvia sua mente de querer examinar a força desses sentimentos, por medo de descobrir sua falsidade. Quando, por medo de sermos desprezados, desejamos que qualquer coisa seja verdadeira, é muito fácil acreditar que ela seja verdadeira e, sem um exame mais aprofundado, qualquer demonstração sofística da razão a seu favor é adotada como conclusiva;

(iii) o interesse mundano também muitas vezes concorre com sua influência dominante para produzir o mesmo fim. Um membro da Igreja de Cristo vê seu amigo separado dela mas com poder e crédito no mundo, capaz de ser de grande interesse para ele, e sabe que, se ele abraçasse a verdadeira fé, perderia toda a sua influência e se tornaria incapaz de servi-lo. Isso o faz esfriar em desejar seu amigo ser realmente um homem de fé. Isso faz com que ele não tenha um real desejo pela sua conversão; mas o pensamento de que seu amigo não está no caminho da salvação o aflige e o sujeito então começa a desejar que ele possa ser salvo como ele se encontra em sua própria religião. Por isso, começa a esperar por isso e adota de bom grado qualquer prova que o faça pensar que sim. É verdade, de fato, que todas estas razões teriam pouca influência sobre um membro sincero da Igreja de Cristo, que compreende a sua religião e tem um sentido justo do que ela lhe ensina a este respeito; 

(iv) o grande infortúnio de muitos que adotam essas maneiras frouxas de pensar e falar é que são ignorantes dos fundamentos de sua religião e não examinam o assunto minuciosamente e, uma vez infectados pelo espírito dos tempos, eles nem estão dispostos a examinar e até mesmo consideram impróprio se qualquer amigo zeloso tentar desiludi-los; agarrando-se a esses sofismas miseráveis que são alegados em favor de sua maneira frouxa de pensar, recusam-se a abrir os olhos para a verdade ou mesmo a considerar as próprias razões que a legitimam.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 2 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIII)

P. 27 - Mas suponhamos que uma pessoa viva em uma religião falsa e morra sem ser reunida à comunhão da Igreja de Cristo, pode dizer-se que ela está então definitivamente perdida?

Tenho de colocar aqui outra questão. Suponhamos que um grande pecador continue a viver em seus pecados e morra sem qualquer aparência de arrependimento, poder-se-ia dizer que ele está irremedivalmente perdido? Certamente que não, porque ninguém sabe, ou pode saber, o que se passou entre Deus e a sua alma nos seus últimos momentos; tudo o que se pode dizer é que, se ele realmente morreu sem arrependimento, está certamente perdido; mas se Deus, pela sua infinita bondade, deu a ele a graça de um arrependimento perfeito e ele correspondeu da sua parte a tão grande favor, será salvo. Da mesma forma, se uma pessoa que vive em uma religião falsa morre sem dar qualquer sinal de abraçar a verdadeira fé ou sem se reconciliar com a Igreja de Cristo, nunca poderemos dizer com certeza que ela está perdida; tudo o que podemos dizer deve estar sob a mesma condição que no outro caso: se ela realmente morreu como viveu, separada da verdadeira Igreja de Cristo, e sem a verdadeira fé de Cristo, ela não pode ser salva. Mas se Deus, por sua grande misericórdia, deu a ela, em seus últimos momentos, luz e graça para ver e abraçar a verdadeira fé, e ela correspondeu com um favor tão grande como Deus requer, será salva. Ora, como ninguém sabe, ou pode saber, o que pode ter passado na alma de um ou de outro nos seus últimos momentos, assim nenhum homem pode pronunciar com certeza que a alma de um ou de outro estará irremedivalmente perdida.

P. 28 -  Mas, no caso proposto, se uma pessoa, em seus últimos momentos, receber a luz da fé de Deus e abraçá-la com todo o seu coração, isso seria suficiente para torná-la um membro da verdadeira Igreja aos olhos de Deus?

Sem dúvida; o caso é o mesmo neste como no caso do batismo. Embora Jesus Cristo diga expressamente: 'Se alguém não nascer de novo da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus' (Jo 3,5), tal premissa estabelece a necessidade absoluta do batismo para a salvação; contudo, suponhamos que um pagão seja instruído na fé de Cristo e a abrace de todo o coração, mas morra subitamente sem batismo, ou seja levado por amigos infiéis, ou colocado na impossibilidade absoluta de receber o batismo, e morra nas disposições acima com arrependimento sincero e desejo de batismo, essa pessoa receberá indubitavelmente de Deus todos os frutos do batismo, e por isso se diz que foi batizada em desejo. Da mesma forma, suponhamos que uma pessoa educada em uma religião falsa abraça de todo o coração a luz da verdadeira fé, que Deus lhe dá nos seus últimos momentos, uma vez que lhe é absolutamente impossível, nesse estado, juntar-se à comunhão externa da Igreja aos olhos dos homens, no entanto, será certamente considerada unida a ela aos olhos de Deus, por meio da verdadeira fé que abraça e do seu desejo de se unir à Igreja, se isso estiver ou estivesse ao seu alcance.

P. 29 - Há alguma razão para acreditar que Deus Todo-Poderoso muitas vezes concede a luz da fé, ou a graça do arrependimento, na hora da morte, àqueles que viveram toda a sua vida em heresia ou em pecado?

Que Deus pode, num único instante, converter o coração mais obstinado à verdadeira fé ou ao arrependimento, é manifesto pelos exemplos de São Paulo, do publicano Zaqueu, do apóstolo São Mateus e de muitos outros; e, em particular, de São Pedro, a quem revelou, num instante, a divindade de Jesus Cristo, que lhe disse: 'Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus' (Mt 16,17). Que Ele pode fazer isso na hora da morte, tão facilmente quanto em qualquer momento da vida, não pode ser duvidado, como vemos no caso do bom ladrão na cruz. Ele é o mesmo Deus todo-poderoso em todos os momentos. Mas é preciso reconhecer que há muito pouca razão para pensar que isso seja frequentemente o caso. Certamente não há a menor base da revelação para pensar assim. Não, as Escrituras, como vimos acima, ameaçam o contrário. Tudo o que pode ser dito é que, como Deus é capaz, Ele pode fazê-lo; e como Ele é misericordioso, Ele pode fazê-lo: e a possibilidade disso é suficiente para nos impedir de julgar o estado de qualquer alma que tenha deixado este mundo: mas seria certamente o cúmulo da loucura, e uma manifesta tentação de Deus, uma pessoa se agarrar a isso e continuar em um caminho mau na esperança de encontrar tal misericórdia no final da vida.

P. 30 - Não vemos, mesmo entre as falsas religiões, muitas pessoas sérias e bem-dispostas, que vivem bem, e são até mesmo devotas e piedosas à sua própria maneira; não é difícil pensar que tais pessoas não serão salvas?

Mas não é muito mais razoável em si mesmo, bem como mais conforme a todo o teor do que Deus revelou, dizer que se eles são verdadeiramente tais diante de Deus como eles aparecem aos olhos dos homens, e tais como Ele sabe que continuarão a corresponder às graças que Ele lhes dá, Ele não permitirá que eles morram em sua falsa religião, mas sem dúvida os trará para a verdadeira fé antes que morram? A porta da salvação não está de modo algum fechada a essas pessoas por nada do que aqui foi dito; a única dificuldade está no modo como podem chegar a ela. Supor que eles podem alcançá-la, embora morram em sua falsa religião, é supor que Deus age contrariamente a si mesmo, e em oposição a tudo o que Ele tem revelado aos homens sobre este assunto.

Mas aderindo à sua santa Palavra, e acreditando firmemente que Deus 'acrescenta diariamente à Igreja aqueles que serão salvos', sem dúvida acrescentará aqueles aqui mencionados, se eles forem desse número feliz, não tornando a sua salvação mais difícil nem para eles mesmos nem para Deus; assim, evitamos a terrível consequência de supor que Deus poderia agir contrariamente a si mesmo e à sua própria vontade revelada. Se essas pessoas são realmente tais aos olhos de Deus como aparecem aos homens e se Jesus Cristo, prevendo a sua perseverança em melhorar as graças que lhes concede, as reconhece entre o número de suas ovelhas, 'às quais dá a vida eterna', então é evidente que elas estão no estado daquelas de quem Ele diz no Evangelho: 'Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco' (Jo 10,16).

Mas, sobre estas, Ele imediatamente acrescenta: 'Também as hei-de trazer e elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor'. Não era suficiente para a sua salvação serem reconhecidas como suas ovelhas; mas porque o eram, era necessário que fossem reunidas ao aprisco ao qual então não pertenciam. O mesmo deve ser então o caso daqueles de quem aqui falamos: são ovelhas de Jesus Cristo, porque Ele prevê que serão finalmente salvas; mas como não estão atualmente no aprisco da sua Igreja, a fim de assegurar a sua salvação, 'também é necessário que Ele as traga para ela' antes de morrerem, para que haja 'um só rebanho e um só pastor'.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

terça-feira, 22 de abril de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XII)

P. 25 - Ninguém é trazido à fé e à Igreja de Cristo senão aqueles que correspondem como devem às graças recebidas anteriormente?

Deus não permita; pois, embora seja certo que Deus nunca deixará de trazer à fé e à Igreja de Cristo todos aqueles que correspondem fielmente às graças que Ele lhes concede, ainda assim Ele não se obrigou em lugar algum a conceder essa singular misericórdia a nenhum outro. Se fosse esse o caso, quão poucos de fato a receberiam! Mas Deus, para mostrar as riquezas infinitas da sua bondade e misericórdia, concede-a a muitos dos mais indignos. Ele a concedeu até mesmo a muitos dos judeus endurecidos que crucificaram Jesus Cristo e aos sacerdotes que o perseguiram até a morte, embora eles tivessem se oposto obstinadamente a todos os meios que Ele havia usado anteriormente por meio da sua doutrina e milagres para convertê-los. 

Nisso, Ele age como Senhor e Mestre, e como um livre disponente dos seus próprios dons; Ele dá a todos os auxílios necessários e suficientes para o estado atual deles; àqueles que cooperam com esses auxílios, Ele nunca deixa de dar mais abundantemente; e, a fim de mostrar as riquezas da sua misericórdia, em um número dos mais indignos, Ele concede seus favores mais singulares para a conversão deles. Portanto, ninguém tem motivo para reclamar; todos devem ser solícitos em operar com o que têm; ninguém deve se desesperar por causa de sua ingratidão passada, mas ter a certeza de que Deus, que é rico em misericórdia, ainda terá misericórdia deles, se voltarem para Ele. Só devem temer e tremer aqueles que permanecem obstinados em seus maus caminhos, que continuam a resistir aos apelos da sua misericórdia e adiam sua conversão dia após dia. Pois, embora sua infinita misericórdia não conheça limites no perdão dos pecados, por mais numerosos e graves que sejam, se nos arrependermos, ainda assim as ofertas da sua misericórdia são limitadas e, se excedermos esses limites por nossa obstinação, não haverá mais misericórdia para nós. 

O tempo da misericórdia é determinado para cada um e, se deixarmos de aceitar suas ofertas dentro desse tempo, as portas da misericórdia se fecharão contra nós. Quando o noivo entra na câmara nupcial, as portas são fechadas, e as virgens tolas que não estavam preparadas são excluídas para sempre, com esta terrível reprovação de Jesus Cristo: 'Não vos conheço; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade'. Portanto, visto que nenhum homem sabe quanto tempo durará o tempo de misericórdia para ele, não deve demorar um momento sequer; se negligenciar a presente oferta, pode ser a última. Essa hora virá como um ladrão na noite, quando menos esperarmos, como o próprio Cristo nos assegura, e por isso Ele nos ordena que estejamos sempre prontos.

P. 26 - Que opinião, então, pode ser formada sobre a salvação de qualquer pessoa, em particular, que esteja fora da verdadeira Igreja de Cristo e viva em uma religião falsa?

Em resposta a isso, pode-se fazer outra pergunta: Que opinião você formaria sobre a salvação de alguém que esteja vivendo em estado aberto de pecado mortal, como adultério, roubo, impureza ou algo semelhante? Ninguém poderia presumir dizer que esse homem certamente se perderá; mas todos podem dizer que, se ele morrer nesse estado, sem arrependimento, não poderá ser salvo. Se for a vontade de Deus salvá-lo positivamente, Ele, antes que ele morra, lhe dará a graça do arrependimento sincero; porque o Deus Todo-Poderoso exige expressamente dos pecadores um arrependimento sincero como condição sem a qual eles não podem ser salvos: 'Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis' (Lc 13,3). 

O mesmo deve ser dito de uma pessoa que está fora da Igreja verdadeira e vive em uma religião falsa. Se ela morrer nesse estado, não poderá ser salva; e se for a vontade de Deus salvá-la de fato, Ele sem dúvida a trará para a verdadeira fé e a tornará membro da Igreja de Cristo antes que ela deixe este mundo; e a razão é a mesma que no outro caso. Deus, como vimos acima, exige que todos os homens estejam unidos à Igreja pela fé verdadeira como condição de salvação e, portanto, diariamente 'acrescenta à Igreja aqueles que serão salvos' (At 2,47). Agora, embora um homem seja um grande adversário da Igreja de Cristo no momento ou um grande pecador, embora seja membro da Igreja, ainda assim, como nenhum homem pode saber o que Deus pode querer fazer por qualquer um deles antes de morrer, então nenhum homem pode declarar e dizer que um ou outro estará perdido; pois, se Deus quiser, Ele pode dar a luz da verdadeira fé a um e a graça do verdadeiro arrependimento ao outro, mesmo em seus últimos momentos, e salvá-los.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 7 de abril de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XI)

P. 23 -  Mas suponhamos que uma pessoa esteja nas regiões selvagens da Tartária ou da América, onde o nome de Cristo nunca foi ouvido; suponhamos também que essa pessoa atenda aos ditames da consciência, iluminada pelas graças que Deus se agrada em lhe conceder, e os cumpra constantemente; ainda assim, como é possível que ela seja levada ao conhecimento e à fé em Jesus Cristo?

Esse caso é certamente possível; e, se isso acontecer, não se deve duvidar de que Deus Todo-Poderoso, dos tesouros da sua infinita sabedoria, providenciaria algum meio de levar essa pessoa ao conhecimento da verdade, mesmo que Ele enviasse um anjo do céu para instruí-la. A mão do Senhor não está recolhida, para que Ele não possa salvar uma pobre alma, em quaisquer dificuldades que possa estar; Ele fez, em tempos passados, coisas maravilhosas em casos desse tipo e Ele não é menos capaz de fazer o mesmo novamente. Uma vez que Ele ordenou tão claramente que, fora da verdadeira Igreja e sem a verdadeira fé em Cristo, não há salvação, não pode haver dúvida de que, no caso proposto, Ele cuidaria efetivamente de trazer tal pessoa para essa felicidade.

P. 24 - Existe alguma autoridade nas Escrituras para provar isso?

Não pode haver prova mais forte nas Escrituras do que alguns fatos ali relatados. Temos nas Escrituras dois belos exemplos de Deus agindo dessa maneira em casos semelhantes, o que mostra que Ele faria o mesmo novamente, se algum caso o exigisse. O primeiro é o caso do eunuco de Candace, rainha da Etiópia. Ele, seguindo as luzes que Deus lhe deu, embora vivendo a uma grande distância de Jerusalém, familiarizou-se com a adoração do verdadeiro Deus e estava acostumado a ir de tempos em tempos a Jerusalém para adorá-lo. Quando, porém, o Evangelho começou a ser publicado, a religião judaica não pôde mais salvá-lo; mas estando bem disposto, por fidelidade às graças que havia recebido até então, ele não foi abandonado pelo Deus Todo-Poderoso; pois quando ele estava voltando de Jerusalém para seu país, o Senhor enviou uma mensagem por um anjo a São Filipe para encontrá-lo e instruí-lo na fé de Cristo, e batizá-lo (At 8,26).

O outro exemplo é o de Cornélio, que era um oficial do exército romano do grupo itálico e foi criado na idolatria. No decorrer dos acontecimentos, quando seu regimento chegou à Judéia, ele viu ali uma religião diferente da sua, a adoração de um único Deus. A graça moveu o seu coração, ele acreditou nesse Deus e, seguindo os movimentos posteriores da graça divina, deu muitas esmolas aos pobres e orou fervorosamente a esse Deus para que o orientasse sobre o que fazer. Deus o abandonou? De modo algum; Ele enviou um anjo do céu para lhe dizer a quem se dirigir a fim de ser totalmente instruído no conhecimento e na fé de Jesus Cristo e ser recebido em sua Igreja pelo batismo. 

O que Deus fez nesses dois casos, Ele não é menos capaz de fazer em todos os outros, e tem mil maneiras em ua sabedoria de conduzir as almas que estão realmente empenhadas no conhecimento da verdade e na salvação. E ainda que tal alma estivesse nas mais remotas regiões selvagens do mundo, Deus poderia enviar um Filipe ou um anjo do céu para instruí-la, pela superabundância da sua graça interna ou por inúmeras outras maneiras desconhecidas para nós, poderia infundir em sua alma o conhecimento da verdade. O mais importante é que façamos cuidadosamente a nossa parte, cumprindo o que Ele nos dá, pois temos certeza de que, se não lhe faltarmos, Ele nunca faltará a nós, mas, assim como começou a boa obra em nós, também a aperfeiçoará, se tivermos o cuidado de corresponder e não colocar obstáculos aos seus desígnios.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 31 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (X)

P. 21 - Como se demonstra que se um homem resistir ou negligenciar as graças de Deus, elas lhe serão tiradas? E ainda: se ele se perder, que a culpa é sua?

Isto também é manifesto em toda a Escritura, mas para que este ponto possa ser completamente compreendido, devemos considerar as diferentes consequências fatais que fluem de um abuso obstinado destas graças.

(i) Estas graças são retiradas deles; não, de fato, de uma só vez, pois Deus, em sua infinita misericórdia, espera pacientemente pelos pecadores, e repete os seus esforços para sua conversão; mas se eles ainda resistem ou abusam de suas graças, estas são diminuídas e dadas mais raramente. Assim diz o nosso Salvador do servo inútil: 'Tirai-lhe a moeda... porque ao que não tem, até o que tem lhe será tirado' (Lc 19,24.26). Como assim? Se ele não tem, como é que alguma coisa lhe pode ser tirada? O sentido é: aquele que não melhorou o que tem, até o que tem lhe será tirado. O mesmo é repetido em várias outras ocasiões.

(ii) Quanto mais as graças de Deus são enfraquecidas ou retiradas dos pecadores por seu repetido abuso delas, mais suas paixões são fortalecidas em seus corações, adquirindo maior domínio sobre eles, até que finalmente se tornam seus miseráveis escravos; 'Meu povo não ouviu minha voz' - diz o Deus Todo-Poderoso - 'Israel não me ouviu: então eu os deixei ir de acordo com os desejos de seu coração; eles andarão em suas próprias invenções (Sl 80,12). E São Paulo assegura-nos que, embora os sábios entre as nações pagãs, pela luz da própria razão, chegaram a um claro conhecimento da existência de Deus e do seu poder e divindade, mas 'porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato... Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imun­dície' (Rm 1,21.24).

(iii) Se a obstinação deles ainda aumenta, e eles continuam a fechar os olhos para a luz da verdade que Deus lhes oferece, Ele então permite que eles sejam seduzidos pela falsidade, por 'dar ouvidos a espíritos de erro e doutrinas de demônios' (1Tm 4,1). Assim, 'Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem, por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar. Por isso, Deus lhes enviará um poder que os enganará e os induzirá a acreditar no erro. Desse modo, serão julgados e condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas consentiram no mal' (2T 2,10-12). 10. Este texto forte mostra claramente duas grandes verdades; primeiro, que Deus oferece a verdade a todos; e, segundo, que a fonte da condenação deles é inteiramente deles mesmos, ao se recusarem a recebê-la.

(iv) Se, portanto, eles ainda continuarem em sua perversidade, e morrerem em seus pecados, uma terrível condenação será sua porção para sempre; para eles 'Por isso, jurei na minha cólera: não hão de entrar no lugar do meu repouso (Sl 94,11). Sobre eles, Ele pronuncia aquela terrível sentença: 'Uma vez que recusastes o meu chamado e ninguém prestou atenção quando estendi a mão, uma vez que negligenciastes todos os meus conselhos e não destes ouvidos às minhas admoestações, também eu rirei do vosso infortúnio e zombarei, quando vos sobrevier um terror, quando vier sobre vós um pânico, como furacão; quando se abater sobre vós a calamidade, como a tempestade; e quando caírem sobre vós tribulação e angústia. Então me chamarão, mas não responderei; eles me procurarão, mas não atenderei. Porque detestam a ciência sem lhe antepor o temor do Senhor, porque repelem meus conselhos com desprezo às minhas exortações; comerão do fruto dos seus erros e se saciarão com seus planos, porque a apostasia dos tolos os mata e o desleixo dos insensatos os perde' (Pv 1, 24-32). 

A condenação deles é prefigurada na de Jerusalém, que havia sido rebelde a todos os apelos de Deus, e sobre cujo destino nosso Salvador lamenta com estas palavras tocantes: 'Jerusalém, Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados; quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a tua casa te será deixada deserta' (Mt 23,37-38). 'Eu quis, e tu não quiseste!' Este é o grande crime cometido por eles. 'Enviei-vos os meus profetas e servos, as minhas graças, luzes e intenções sagradas, mas vós os matastes e destruístes, e não lhes destes ouvidos!' O destino miserável de todos esses infelizes pecadores, prefigurado em Jerusalém, arrancou lágrimas dos olhos de Jesus, quando Ele chorou sobre aquela cidade e disse: 'Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas não, isso está oculto aos teus olhos. Virão sobre ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; eles destruirão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada' (Lc 19,42-44). São aqueles que, tendo sido convidados para a ceia nupcial do grande Rei, rejeitaram o seu convite e mataram os seus servos; por isso 'Ele enviou os seus exércitos e destruiu aqueles assassinos, e queimou a sua cidade' (Mt 22,7), declarando depois que 'o banquete está pronto, mas os convidados não foram dignos' (Mt 22,8).

P. 22 - Qual é a consequência de todas essas verdades?

A consequência é muito clara, a saber: embora Deus Todo-Poderoso tenha se agradado em ordenar que ninguém será salvo uma vez que não tenha a verdadeira fé em Jesus Cristo, e não esteja em comunhão com a sua santa Igreja, ainda assim isso não é de forma alguma inconsistente com a infinita bondade de Deus, porque Ele dá a todos as graças suficientes, pelas quais eles podem, se corresponderem a elas, ser trazidos para a verdadeira fé e Igreja de Cristo; e que, se alguém se perde, não é devido a qualquer falta de bondade em Deus, mas ao seu próprio abuso das graças que lhes foram concedidas. A alguns, na verdade, Ele concede essas graças mais abundantemente, dando-lhes cinco talentos; a outros, Ele dá mais parcimoniosamente, dois talentos e a outros apenas um; mas Ele dá a todos o suficiente para suas necessidades atuais, e dará mais se estas forem melhoradas, até que finalmente Ele os leve ao conhecimento da verdade e à salvação.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 20 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (IX)

P. 19 - Esta é, de fato, uma prescrição completa da bondade Divina; mas há algumas partes dela que precisam ser explicadas; primeiro, como as Escrituras nos apresentam que Deus dá a toda a humanidade as graças aqui mencionadas com vista à sua salvação?

Isto é manifesto a partir de três fortes razões registadas nas Escrituras: Primeiro, as Escrituras asseguram-nos que Deus quer que todos os homens sejam salvos, e que nenhum se perca. Assim, 'por minha vida' - diz o Senhor Deus - 'não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta do seu caminho e viva' (Ez 33,11). Assim declara nosso Salvador: 'Não é da vontade de nosso Pai, que está nos céus, que um só destes pequeninos pereça' (Mt 18,14). 'Deus tem paciência por vós' - diz São Pedro - 'não querendo que nenhum pereça, mas que todos se arrependam' (2Pd 3,9). E São Paulo afirma-o expressamente: 'Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,4). Ele quer que todos os homens se salvem e que cheguem ao conhecimento da verdade, como condição essencial da salvação. Ora, desta vontade sincera de Deus para a salvação de todos os homens, segue-se como consequência necessária que Ele dá a todos os homens tais ajudas da sua graça que são suficientes, se eles fizerem um bom uso delas, para levá-los tanto ao conhecimento da verdade quanto à salvação; pois como eles são absolutamente incapazes de dar qualquer passo em direção a este fim sem a sua ajuda, se Ele quer este propósito, Ele deve também aplicar os meios de tal maneira que, se o fim não for realizado, não é devido a Ele. Se Deus não fizesse isso, não poderíamos concebê-lo afirmando que Ele quer que todos os homens sejam salvos e que não quer a morte dos ímpios.

Em segundo lugar, as Escrituras declaram que Jesus Cristo morreu para a redenção de toda a humanidade, sem exceção. Assim, 'Jesus Cristo deu-se a si mesmo em redenção por todos' (1Tm 2,6). 'Se um morreu por todos, logo todos estão mortos, e Cristo morreu por todos' (2CorR 5,15). 'Esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis' (1Tm 4,10). 'Se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo, e Ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo' (1Jo 2,1). Por isso, São João Batista disse dele: 'Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo' (Jo 1,29). E Ele mesmo diz: 'O pão que Eu darei é a Minha carne, para a vida do mundo' (Jo 6,52). E mais: 'O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido' (Lc 19,10) e 'Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo' (Jo 12,47). São Paulo diz ainda: 'Uma palavra fiel e digna de toda a aceitação, que Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores' (1Tm 1,15). Mas como todos estavam perdidos, como todos, sem exceção, eram pecadores, portanto Jesus Cristo veio para procurar e salvar todos. Agora, disto também se segue, como uma consequência necessária, que todos, sem exceção, devem receber, em algum grau ou outro, tais frutos e benefícios da sua redenção, seja direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente, como são suficientes para obter sua salvação, se eles cooperarem com eles. Se alguém, então, não for realmente salvo, isso não pode ser devido a qualquer deficiência da parte de Jesus Cristo, mas ao seu próprio abuso das suas graças; pois seria trivial dizer que Ele é o Salvador de todos, se todos não recebessem os frutos da sua redenção com vistas à sua salvação.

Em terceiro lugar, as Escrituras asseguram-nos que todos os homens recebem efetivamente de Deus, no grau, maneira e proporção que Ele considera adequados, de acordo com o seu estado atual, tais ajudas das suas graças que lhes permitiriam assegurar a sua salvação, se cooperassem com elas. Pois, em primeiro lugar, Deus Todo-Poderoso, por seu sincero desejo pela salvação de todos, 'enviou o seu Filho ao mundo, para que o mundo pudesse ser salvo por Ele' (Jo 3,17). São Paulo expressa claramente este argumento: 'Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, mas o entregou por todos nós, como não nos deu também com ele todas as coisas?' (Rm 8,32); pelo menos todas as coisas absolutamente necessárias para a nossa salvação, e sem as quais nunca estaria em nosso poder alcançá-la? Ora, como Ele entregou o seu Filho para todos, sem exceção, e com este mesmo objetivo, 'para que o mundo', isto é, toda a humanidade, 'possa ser salva por Ele': portanto, a todos, sem exceção, Ele dá a todos tais ajudas e graças que, mediata ou imediatamente, direta ou indiretamente, colocam em poder deles a salvação.

Por outro lado, as Escrituras declaram que Cristo 'é a verdadeira luz, que ilumina todo homem que vem a este mundo' (Jo 1,9). Conseqüentemente, todo homem que vem a este mundo participa da sua luz em tal grau e proporção que Ele acha apropriado dar e em tal tempo, lugar e maneira que Ele acha adequado. Pois, 'a cada um de nós é dada graça de acordo com a medida da doação de Cristo' (Ef 4,7) e 'manifestou-se a graça de Deus como fonte de salvação para todos os homens' (Tt 2,11). A bondade e a misericórdia de Deus para com toda a humanidade é assim exposta nas Escrituras: 'Tendes compaixão de todos, porque vós podeis tudo; e para que se arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens. Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum. Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada? Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida.' (Sb 11,23-26). Ora, como se poderia dizer que Ele 'poupa todos os seres' e que 'tem compaixão de todos', por causa do arrependimento, se Ele não desse a todos as graças que são absolutamente necessárias para ajudá-los e levá-los ao arrependimento? 

Finalmente, o próprio Salvador diz: 'Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e me abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo; e ao que vier por acréscimo, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono' (Ap 3,20). Ele bate em todas as portas, em todos os corações, pelos movimentos da sua santa graça; e se qualquer homem abrir e cooperar com esta graça, de modo a se superar, tudo estará bem. Disto é manifesto que todos os homens, sem exceção, em qualquer estado que estejam, em algum momento ou outro recebem graças de Deus, como frutos da redenção de Jesus, com vistas à sua salvação eterna e que, mediata ou imediatamente, os levariam a esse fim, se fizessem um uso adequado delas; se, portanto, não forem salvos, a culpa é inteiramente deles. As graças, na verdade, não são dadas no mesmo grau e proporção a todos, mas 'de acordo com a medida da doação de Cristo', pois 'cada um tem de Deus o seu próprio dom: um este; outro, aquele' (1Cor 7,7). Na distribuição dos talentos, um recebeu cinco, outro dois, e outro apenas um, pois Deus, sendo senhor dos seus próprios dons, pode dar mais abundantemente a um do que a outro, como lhe apraz; mas o que cada um recebe é suficiente para o seu propósito atual, e aquele que recebeu apenas um talento tinha pleno poder de obter a mesma recompensa que os outros dois, se tivesse aperfeiçoado seu talento como eles fizeram; mas como ele foi negligente e inútil, foi justamente condenado pela sua preguiça.

P. 20 - Como se pode demonstrar que, se um homem cooperar com as graças que Deus a ele concede, receberá sempre mais e mais dEle?

Isso é evidente pelos seguintes motivos: (i) pelo próprio fim que Deus tem em dá-las; pois todas as graças que Deus concede ao homem, através dos méritos de Cristo, são dadas com vistas à sua salvação e pelo desejo de salvá-lo. Se o homem não coloca nenhum obstáculo de sua parte, ele pode ser salvo. Se o homem, portanto, não coloca nenhum obstáculo de sua parte, mas melhora a graça presente, o mesmo desejo ardente que Deus tem pela sua salvação, e que o moveu a dar a primeira graça, deve também movê-lo a dar uma segunda, uma terceira, e assim por diante, até que Ele aperfeiçoe a grande obra para a qual Ele as dá; é por isso que a Escritura diz: 'aquele que iniciou em vós esta obra excelente lhe dará o acabamento até o dia de Jesus Cristo' (Fp 1,6). É uma verdade indubitável, então, que Deus nunca falhará de sua parte em nos dar todos os outros auxílios necessários, se fizermos um bom uso daqueles que Ele já deu; pois Ele nunca nos abandonará, se nós não o abandonarmos primeiro. Por isso, o mesmo santo apóstolo nos exorta: 'trabalhai na vossa salvação com temor e tremor... porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar' (Fp 2,12-13), mostrando-nos que Deus não faltará se fizermos a nossa parte, e trabalharmos, com temor e tremor, de acordo com as graças que Ele concede. Daí, também, as frequentes exortações do mesmo apóstolo: 'Não negligenciar a graça de Deus' (1Tm 4,14); 'reavivar a chama do dom de Deus que recebeste' (2Tm 1,6); 'não receber a graça de Deus em vão' (2Cor 6,1) e 'olhar diligentemente para que ninguém tenha falta da graça de Deus' (Hb 12,15).

(ii) pelos testemunhos das Escrituras onde nos é assegurado que, se servirmos a Deus e obedecermos a Ele, avançaremos em seu amor e na união com Ele, pois servi-lo e obedecê-lo é fazer um bom uso das graças que Ele nos dá; e ser mais amado por Ele e unido a Ele é receber dEle graças ainda maiores. Assim, o nosso Salvador diz: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra' (isto é, fará a minha vontade, corresponderá à minha graça) e 'meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele e faremos a nossa morada com ele' (Jo 14,23). Assim também São Tiago diz: 'Aproximai-vos de Deus, e ele se aproximará de vós. Lavai as mãos, pecadores, e purificai os vossos corações, ó homens de dupla atitude. Reconhecei a vossa miséria, afligi-vos e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto e a vossa alegria em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará (Tg 4, 8-10). Por isso, São Pedro exorta-nos a não cairmos da nossa própria firmeza, mas a crescermos na graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2Pd 3,17-18), porque a perseverança no seu serviço, correspondendo à sua graça, é o caminho seguro para obtermos mais dEle.

(iii) pela declaração expressa de Jesus Cristo, que disse: 'Eu sou a videira, e meu Pai é o lavrador... todo ramo que em mim der fruto, ele o purificará, para que dê mais fruto' (Jo 15,1). Também na parábola das moedas, Ele ordenou que a moeda fosse tirada do servo inútil, e dada ao outro que tinha dez moedas, e então acrescentou: 'a todo aquele que tiver, lhe será dado mais' (Lc 19,26), isto é, a todo aquele que tem e faz bom uso do que tem; pois o patrão, ao partir, deu uma moeda a cada um de seus servos, 'e disse-lhes: negociai o dinheiro até que eu venha' (Lc 19,13). E quando voltou, descobriu que um tinha ganhado dez moedas, mas o servo preguiçoso não tinha ganhado nada, pois tinha guardado a moeda que tinha recebido num guardanapo; de modo que a única diferença entre esses dois era que um tinha melhorado o que tinha recebido de seu mestre, e o outro não; e, portanto, para aquele que tinha melhorado sua renda, mais e mais foi dado, para que tivesse em abundância. A mesma expressão é repetida por nosso Salvador em diferentes ocasiões, mas particularmente em (Mc 4), onde, considerando a grande graça concedida aos judeus, ao comunicar-lhes a sua santa Palavra, Ele os exorta a serem cuidadosos em fazer um amplo retorno a Deus, melhorando essa graça, e prometendo que, se o fizessem, mais lhes seria dado: 'Atendei ao que ouvis: com a medida com que medirdes, vos medirão a vós, e ain­da se vos acrescentará. Pois, ao que tem, se lhe dará; e ao que não tem, se lhe tirará até o que tem' (Mc 4,24-25). Da mesma forma, o Deus Todo-Poderoso diz a todos os pecadores cujos corações Ele toca com as suas repreensões e com o controle de suas consciências: 'Convertei-vos à Minha repreensão; eis que Eu espalharei sobre vós o meu espírito, e vos mostrarei as minhas palavras' (Pv 1,23). Se cooperarem com a graça da sua repreensão e se converterem, Ele conceder-lhes-á maiores favores.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 17 de março de 2025

SOBRE O FUNDAMENTO DA FÉ

A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória dos nossos antepassados. Pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível.

Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício bem superior ao de Caim, e mereceu ser chamado justo, porque Deus aceitou as suas ofertas. Graças a ela é que, apesar de sua morte, ele ainda fala. Pela fé Henoc foi arrebatado, sem ter conhecido a morte: e não foi achado, porquanto Deus o arrebatou; mas a Escritura diz que, antes de ser arrebatado, ele tinha agradado a Deus. Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele é necessário que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram. 

Pela fé na Palavra de Deus, Noé foi avisado a respeito de aconteci­mentos imprevisíveis; cheio de santo temor, construiu a arca para salvar a sua família. Pela fé ele condenou o mundo e se tornou o herdeiro da justificação mediante a fé. Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu não sabendo para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacó, coer­deiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos (eternos), cujo arquiteto e construtor é Deus.

Foi pela fé que a própria Sara cobrou o vigor de conceber, apesar de sua idade avançada, porque acreditou na fidelidade daquele que lhe havia prometido. Assim, de um só homem quase morto nasceu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e inumerável como os grãos de areia da praia do mar.

Foi na fé que todos (nossos pais) morreram. Embora sem atingir o que lhes tinha sido prometido, viram-no e o saudaram de longe, confessando que eram só estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Dizendo isto, declaravam que buscavam uma pátria. E se se referissem àquela donde saíram, ocasião teriam de tornar a ela. Mas não. Eles aspiravam a uma pátria melhor, isto é, à celestial. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o seu Deus; de fato, ele lhes preparou uma cidade.

Foi pela sua fé que Abraão, submetido à prova, ofereceu Isaac, seu único filho, depois de ter recebido a promessa e ouvido as palavras: Uma posteridade com o teu nome te será dada em Isaac. Estava ciente de que Deus é poderoso até para ressuscitar alguém dentre os mortos. Assim, ele conseguiu que seu filho lhe fosse devolvido. E isso é um ensinamento para nós!

Foi inspirado pela fé que Isaac deu a Jacó e a Esaú uma bênção em vista de acontecimentos futuros. Foi pela fé que Jacó, estando para morrer, abençoou cada um dos filhos de José e venerou a extremidade do seu bastão.Foi pela fé que José, quando estava para morrer, fez menção da partida dos filhos de Israel e dispôs a respeito dos seus despojos.

Foi pela fé que os pais de Moisés, vendo nele uma criança encantadora, o esconderam durante três meses e não temeram o edito real. Foi pela fé que Moisés, uma vez crescido, renunciou a ser tido como filho da filha do faraó, preferindo participar da sorte infeliz do povo de Deus, a fruir dos prazeres culpáveis e passageiros. Com os olhos fixos na recompensa, considerava os ultrajes por amor de Cristo como um bem mais precioso que todos os tesouros dos egípcios. 

Foi pela fé que deixou o Egito, não temendo a cólera do rei, com tanta segurança como estivesse vendo o invisível. Foi pela fé que mandou celebrar a Páscoa e aspergir (os portais) com sangue, para que o anjo exterminador dos primogênitos poupasse os filhos de Israel. Foi pela fé que os fez atravessar o mar Vermelho, como por terreno seco, ao passo que os egípcios que se atreveram a persegui-los foram afogados.

Foi pela fé que desabaram as muralhas de Jericó, depois de rodea­das por sete dias. Foi pela fé que Raab, a mere­triz, não pereceu com aqueles que resistiram, por ter dado asilo aos espias. Que mais direi? Irá me faltar o tempo, se falar de Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e dos profetas. Graças à sua fé conquistaram reinos, praticaram a justiça, viram se realizar as promessas. Taparam bocas de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam a fio de espada, triun­faram de enfermidades, foram corajosos na guerra e puseram em debandada exércitos estrangeiros. Devolveram vivos às suas mães os filhos mortos. Alguns foram torturados, por recusarem ser libertados, movidos pela esperança de uma ressurreição mais gloriosa.

Outros sofreram escárnio e açoites, cadeias e prisões. Foram apedrejados, massacrados, serrados ao meio, mortos a fio de espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra, necessitados de tudo, perseguidos e maltratados, homens de que o mundo não era digno! Refugiaram-se nas solidões das montanhas, nas cavernas e em antros subterrâneos. E, no entanto, todos estes mártires da fé não conheceram a realização das promessas! Porque Deus, que tinha para nós uma sorte melhor, não quis que eles chegassem sem nós à perfeição (da felicidade).

(Hb 11,1-40)

segunda-feira, 3 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (VIII)

P. 17 -  Sem dúvida, esta é uma prova inquestionável de que, pela nossa vocação mencionada na passagem relatada de São Paulo [P.16], se entende a nossa vocação para a fé e para a Igreja de Cristo; mas como isso pode ser provado?

Nada é mais evidente pelo texto do Novo Testamento; pois, onde quer que o objeto de nossa vocação seja mencionado, é sempre declarado que é a fé e a Igreja de Cristo. Assim, São Paulo, falando de sua própria vocação, diz: 'Mas, quando aprouve àquele que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça, para revelar seu Filho em minha pessoa' (Gl 1,15-16). Assim, ao nos exortar a abraçar dignamente a vocação à qual fomos chamados, com humildade e caridade, ele imediatamente acrescenta os objetos de nossa vocação como um motivo poderoso para fazermos isso: 'Um corpo, um espírito, um Senhor, uma fé, um batismo' (Ef 4,4). E também: 'Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual também fostes chamados em um corpo' (Cl 3,15). E ainda: 'nós vos temos exortado, estimulado, conjurado a vos comportardes de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu Reino e à sua glória.' (1Ts 2,12); para o seu reino aqui, e para a sua glória no futuro. 

O objeto, portanto, de nossa vocação é a única fé em Cristo; o corpo de Cristo e o reino de Cristo, que é a sua Igreja. Daí o mesmo apóstolo santo dizer em outro lugar: 'Mas vós vos aproximastes do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e da companhia de muitos milhares de anjos, e da Igreja dos primogênitos que estão escritos nos céus' (Hb 12,22). Vede aqui o objeto de nossa vocação, a Igreja de Cristo; e São Pedro diz: 'Mas vós sois uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua luz gloriosa' (1Pd 2,9). Ser, portanto, membro desta nação santa, ser um deste povo adquirido, ser levado à gloriosa luz da verdadeira fé, é o grande fim para o qual nossa vocação nos conduz.

P. 18 - Mas como podemos reconciliar isso com a infinita bondade de Deus, que ninguém será salvo sem a verdadeira fé em Cristo, e sem estar em comunhão com a sua Igreja, visto que, de acordo com isso, a maior parte da humanidade deve ser perdida, já que o número daqueles que não têm a fé, e que não estão em comunhão com a sua Igreja, sempre excede de longe o número dos que estão?

Que a maior parte da humanidade será perdida é uma verdade que Cristo mesmo declara quando diz que 'muitos são chamados, mas poucos são os escolhidos' e que 'muitos andam pelo caminho largo que leva à destruição, mas poucos são os que encontram o caminho estreito que leva à vida'. A dificuldade de reconciliar isso com a bondade de Deus desaparecerá se considerarmos o que a revelação cristã ensina; pois por meio dela aprendemos que o homem, pelo uso voluntário de seu livre-arbítrio, tendo perdido o estado feliz no qual Deus o havia criado, tornou-se indigno de qualquer favor ou misericórdia de Deus; de modo que Deus, com a maior justiça, poderia, se quisesse, tê-lo deixado sem remédio para a miséria que seus pecados mereciam, como Ele de fato aplicou aos anjos caídos. 

Foi, portanto, efeito apenas da sua infinita bondade que Deus se agradou em mostrar misericórdia ao homem; e ainda mais, em prover um remédio tão inaudito para seus males. 'Deus amou tanto o mundo' - diz nosso bendito Salvador - 'que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nEle crer não pereça, mas tenha a vida eterna' (Jo 3,16). Mas como o homem, pelo uso voluntário de seu livre-arbítrio, perdeu o favor de seu Deus, Deus decretou que nenhum que chegue ao pleno uso de sua razão colherá o benefício da redenção de Cristo, senão pela performance voluntária das condições que Ele exige deles, pois Cristo 'tornou-se a causa da salvação eterna para todos os que lhe obedecem' (Hb 5,9).

O homem, pela miserável corrupção de sua natureza pelo pecado, era absolutamente incapaz de realizar essas condições, por isso Deus, da riqueza da sua bondade, e do desejo de que todos sejam salvos, por meio dos méritos de Jesus Cristo, dá a toda a humanidade as ajudas sobrenaturais da sua graça, conforme Ele vê ser apropriado para o estado atual de cada um, com vistas à sua salvação. Deus, por meio dessas graças, move os homens a fazer o bem e evitar o mal; e, se cooperarem com as suas graças, Ele lhes dará novas e maiores graças. Se continuarem a corresponder, Ele lhes dará ainda mais, até que os conduza finalmente à verdadeira fé e Igreja de Cristo, e a um fim feliz; mas se resistirem às suas graças, se delas abusarem e agirem contra elas, se rejeitarem esses chamados e ofertas de misericórdia, Deus os suportará por um tempo, mas, por fim, Ele interromperá a continuidade de tais favores imerecidos e os deixará perecer em sua ingratidão e obstinação. Daí, se a maior parte da humanidade se perder, isso se deve totalmente a si mesmos, pelo abuso da bondade de Deus e pela resistência aos meios que Ele usa para a salvação deles; de modo que nossa salvação vem unicamente da bondade de Deus, e nossa perdição é totalmente de nossa responsabilidade, conforme o que Ele diz por meio do seu profeta: 'A destruição é tua, ó Israel; o teu auxílio está somente em Mim' (Os 13,9).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)