quarta-feira, 31 de maio de 2023

ORAÇÃO: SPIRITUS SANCTUS

Hildegarde Von Bingen, uma das grandes místicas da Igreja, compôs também diversas orações e hinos religiosos, incluindo 77 sinfonias em estilo similar ao gregoriano. O hino Spiritus Sanctus de sua autoria constitui uma curta oração de louvor ao Espírito Santo, tomada do texto do Salmo 110 (111).


Spiritus Sanctus vivificans vita,
movens omnia,
et radix est in omni creatura,
ac omnia de immunditia abluit,
tergens crimina,
ac ungit vulnera,
et sic est fulgens ac laudabilis vita,
suscitans et resuscitans omnia.

Espírito Santo vivificante,
que tudo move
fonte de todas as criaturas,
que lava as impurezas,
redime as culpas
e cura todas as feridas;
eis a luminosa e gloriosa vida
que sublima e ressuscita a todos.

terça-feira, 30 de maio de 2023

'SÃO AS OBRAS QUE FALAM...'


Quem está repleto do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamos estas línguas quando os outros as veem em nós mesmos. A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras. Por este motivo o Senhor nos amaldiçoa, como amaldiçoou a figueira em que não encontrara frutos, mas apenas folhas. Diz São Gregório: 'Há uma lei para o pregador: que faça o que prega'. Em vão pregará o conhecimento da lei quem destrói a doutrina por suas obras.

Os apóstolos, entretanto, falavam conforme o Espírito Santo os inspirava (cf At 2,4). Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme suas ideias! Pois há alguns que falam movidos pelo próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como suas, atribuindo-as a si mesmos. Destes e de outros semelhantes, diz o Senhor por meio do profeta Jeremias: 'Terão de se haver comigo os profetas que roubam um do outro as minhas palavras. Terão de se haver comigo os profetas, diz o Senhor, que usam suas línguas para proferir oráculos. Eis que terão de haver-se comigo os profetas que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, que os contam, e seduzem o meu povo com suas mentiras e seus enganos. Mas eu não os enviei, não lhes dei ordens, e não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor' (Jr 23,30-32).

Falemos, portanto, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe humilde e devotamente que derrame sobre nós a sua graça, a fim de podermos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e na observância do decálogo. Que sejamos repletos de um profundo espírito de contrição e nos inflamemos com essas línguas de fogo que são os louvores divinos. Desse modo, ardentes e iluminados pelos esplendores da santidade, mereceremos ver o Deus Uno e Trino.

(Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua)

segunda-feira, 29 de maio de 2023

7 DIMENSÕES DA CARIDADE CRISTÃ


1. 'Amarás o próximo como a ti mesmo'. 

(Mt 22, 39)

2. 'De muito boa vontade darei o que é meu e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos eu mais, seja por vós menos amado'.

(II Cor 12, 15)

3. 'Que no meu pensamento, nas minhas palavras, nas minhas obras para com o próximo – seja ele quem for –  nunca deixe de praticar a caridade, nunca dê entrada na minha alma à indiferença'. 

(São Josemaria Escrivá)

4. 'A verdadeira caridade é paciente na adversidade e comedida na prosperidade; é forte no sofrimento doloroso, alegre nas boas obras, perfeitamente segura na tentação; é suave com os verdadeiros irmãos e paciente com os falsos; é inocente nas armadilhas; chora na maldade; respira na verdade... É humilde na obediência de Pedro e livre na argumentação de Paulo. É humana no testemunho dos cristãos, divina no perdão de Cristo. Porque a verdadeira caridade, queridos irmãos, é a alma de todas as Escrituras, a força da profecia, a moldura do conhecimento, o fruto da fé, a riqueza dos pobres, a vida dos moribundos. Conservai-a pois com fidelidade; amai-a com todo o vosso coração e com toda a força do vosso entendimento'.

(São Cesário de Arles)

5. 'Não ignoreis nenhuma destas verdades, se tiverdes por Jesus Cristo uma fé e uma caridade perfeitas. Estas duas virtudes são o princípio e o fim da vida: a fé é o seu princípio, a caridade, a sua perfeição; a união das duas, o próprio Deus; todas as outras virtudes as seguem em procissão para conduzir o homem à perfeição'.

(Santo Inácio de Antioquia)

6. 'Se queremos uma solidariedade universal, é necessária a união dos espíritos na verdade, a união das vontades na moral, a união dos corações no amor de Deus e de seu filho Jesus Cristo. Ora, esta união só poderá ser realizada pela caridade católica, que é a única, por consequência, que pode conduzir os povos no caminho do progresso, para o ideal da civilização'.

(São Pio X)  

7. 'Ensinai-me, Senhor, a amar o próximo sem ser amado por ele, a amá-lo sem olhar à minha utilidade, mas só porque Vós me amais, só para pagar o Vosso amor gratuito. Assim cumprirei o mandamento da lei: amar-Vos sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesma'.

(Santa Catarina de Sena)

domingo, 28 de maio de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai!(Sl 103)

Primeira Leitura (At 2,1-11) - Segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13)  -  Evangelho (Jo 20, 19-23)

 28/05/2023 - Solenidade de Pentecostes

27. Solenidade de Pentecostes 


Emitte Spiritum tuum et creabuntur et renovabis faciem terrae

'Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra'

Originalmente, Pentecostes representava uma das festas judaicas mais tradicionais de 'peregrinação' (nas quais os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo), sempre celebrada após 50 dias da Páscoa e na qual eram oferecidas a Deus as primícias das colheitas do campo. No Novo Pentecostes, a efusão do Espírito Santo torna-se agora o coroamento do mistério pascal de Jesus Cristo, na celebração da Nova Aliança entre Deus e a humanidade redimida.

Eis que os apóstolos encontravam-se reunidos, com Maria e em oração constante, quando 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2, 4), manifestado sob a forma de línguas de fogo, vento impetuoso e ruídos estrondosos, sinais exteriores do poder e da grandeza da efusão do Novo Pentecostes. Luz e calor associados ao fogo restaurador da autêntica fé cristã; ventania que evoca o sopro da Verdade de Deus sobre os homens; reverberação que emana a força da missão confiada aos apóstolos reunidos no cenáculo e proclamada aos apóstolos de todos os tempos.

O Paráclito é derramado numa torrente de graças, distribuindo dons e talentos, porque 'Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos' (1 Cor 12, 4-6). Na simbologia dos vários membros de um mesmo corpo, somos mensageiros e testemunhas de Cristo no meio dos homens, na identidade comum de Filhos de Deus partícipes e continuadores da missão salvífica de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também Eu vos envio' (Jo 20, 21).

No Espírito Consolador, não somos mais meros expectadores de uma efusão de graças e dons tão diversos, mas apóstolos e testemunhas, iluminados e portadores da Verdade, pela qual será renovada a face da terra e pelo qual será apagada a mancha do pecado no mundo: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23).

sábado, 27 de maio de 2023

A DEMOCRACIA PODE SER CRISTÃ?


Para São Tomás, as formas possíveis de uma sociedade são três: monarquia, aristocracia e democracia. A monarquia é o governo exercido por uma única pessoa; a aristocracia é a administração da sociedade por um grupo limitado de pessoas e a democracia é o governo do Estado por uma classe numerosa de pessoas (que expressam a 'vontade soberana' de um povo). Qual seria a melhor forma de governo dentre estas três opções ou, em outras palavras, o que seria mais proveitoso para uma dada sociedade, submeter-se ao governo de um só ou ao governo de muitos?

Em primeiro lugar, há que se considerar que não existe um regime social perfeito pois estamos falando de homens e dos pecados dos homens, que tendem a corromper todas as coisas e todos os cenários possíveis. A monarquia pode se aviltar como tirania; a oligarquia seria a corrupção direta da aristocracia e a demagogia conspurca e envilece quaisquer espasmos de democracia. A tirania, porém, representa também o fruto mais podre da corrupção da aristocracia e da democracia e tende a ser mais dolorosa e brutal sob o regime de alguns ou de muitos. Em quaisquer circunstâncias, entretanto, a tirania - seja de um só, de poucos ou de muitos - é o arbítrio mais monstruoso e o cenário mais pervertido da opressão e de usurpação dos direitos e deveres de qualquer povo ou sociedade. 

'Tudo para nós mesmos e nada para os demais parece ter sido, sempre e em qualquer lugar, a máxima vil dos seres humanos'

(Adam Smith)

Neste contexto, a premissa de refrear mais sólida e efetivamente a viabilização ou a implantação de um regime tirânico deveria constituir as bases e diretrizes de qualquer forma de governo. No altar das oferendas democráticas, vende-se o oráculo de que o equilíbrio entre os três poderes - executivo, legislativo e judiciário - modelados por princípios constitucionais de autonomia, independência e harmonia - garantem plenamente a sanidade e o livre exercício do regime. É bastante estúpido acreditar em quaisquer oráculos, mormente um de tal solicitude: se a tirania é, nesse caso, propiciada por muitos, é evidente que a mesma somente poderia ser exercida pelo conluio de muitos, engajados e aliciados pela mesma causa comum, com origens e atuações específicas nos três poderes constitucionalmente instituídos.

Quando este cenário se impõe, a corrupção da sociedade tende a ser sistêmica. E a decantada democracia das falsas liberdades e dos direitos ilimitados - seja qual for o seu apelido ou o seu engodo - mostra a real expressão da sua mímica brutal: uma sociedade em que alguns se governam sem restrição alguma; governam para si, para outros iguais, para a manutenção de um sistema completamente dominado pela imposição sem tréguas de suas ideias, interesses e perspectivas. E o povo, amordaçado e passivamente controlado, é um tributo sem vez e sem voz.

'O poder do homem para fazer de si mesmo o que bem quiser significa o poder de alguns homens para fazer dos outros o que bem quiserem'

(C. S. Lewis)

E dois elementos - siameses em sua gestação - alimentam e reforçam esse estado de coisas. O primeiro resulta da ideia de que a 'soberania popular' (?) é concretizada pelo sufrágio universal e pelo voto direto para a escolha dos seus governantes e representantes. Qualquer princípio de avaliação segura é baseada no critério inconteste de mérito: quem decide e delibera é o mais capaz. É a competência do cidadão comum que molda a escolha pelo voto? São os mais qualificados que assumem os cargos mais relevantes de governo? Na hierarquia dos poderes, são os mais preparados que ditam as normas e as prescrições aos demais? Na maioria das vezes, estes valores de referência tendem a ser exatamente o oposto, ditados por imposições de ordem econômica, ideológica ou corporativista e, quase sempre, pela associação extrema de todas elas.
  
'O que nós devemos respeitar é a vontade do povo e não os votos do povo; dar a um homem o direito de voto contra a sua vontade é fazer do direito de voto uma coisa mais valiosa do que a democracia que esse direito expressa'

(G.K.Chesterton)

O segundo elemento é traduzido pelo solapamento das instituições e pelo adensamento crônico do modelo que é sempre repetido, cada vez mais corrompido e corruptor. O sistema é sempre gerido pelo domínio da maioria sob quaisquer preços e medidas. As forças econômicas e ideológicas impõem toda sorte de tributos ou serventias aos poderes vigentes, dependendo do interesses imediatos. O que era apanágio, vira direito pronto e estabelecido. A reação intempestiva passa a ser refém do indiferentismo. O odor de esgoto se espalha e, de repente, torna-se tolerável. As regras e as leis, infringidas e conspurcadas, são meros fetiches de uma realidade que tende a se tornar extrema e tenebrosa. Os que a dominam, a exaltam como democracia. E ai de quem ousar confrontar suas sequelas e infortúnios... 

A democracia [este modelo falacioso de liberdade plena e do progresso do relativismo como forma de conduta permissiva e generalizada] não tem nada de cristã; não pode ser cristã alguma coisa que, irremediavelmente sujeita às vicissitudes humanas, tende a descambar em tirania [uma democracia cristã somente seria possível se fosse um regime de todos governado, em caráter irrevogável, exclusivamente pela Lei de Deus; fora isso, seria meramente mais um lugar comum das democracias de fachada]. Tais modelos de democracia não podem nunca fomentar a paz e a concórdia porque resultam sempre na imposição de ideologias, a ferro e a fogo, de muitos homens sobre outros tantos. Nenhuma democracia assim pode prosperar. Nenhuma democracia assim pode acabar bem. 

'É mais que evidente que o povo não pode conferir a outro um poder que ele próprio não possui; o verdadeiro poder só pode vir do alto, e é por isso que só pode ser legitimado pela sanção de alguma coisa superior à ordem social, ou seja, uma autoridade espiritual. Se for de outra maneira, será apenas uma contrafação de poder, um estado de fato que é injustificável por defeito de princípio, e em que não pode haver senão desordem e confusão'.
(René Guénon)

Mas, seria realmente a democracia um sistema assim tão intrinsecamente mau, a ponto de não constituir uma alternativa cristã de regramento social? É relevante destacar, nesse contexto, que a única manifestação democrática inserida nas Sagradas Escrituras refere-se a uma escolha, por parte da turba ensandecida, pela libertação de um certo Barrabás. Isso diz muito sobre 'democracia' e a civilização cristã, como abismos intransponíveis, mesmo porque a barbárie da democracia é o comunismo:

'O comunismo precisa da democracia
como o corpo humano precisa de oxigênio'

(Leon Trotsky)

sexta-feira, 26 de maio de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (IV)

  

Erunt sigma in sole et luna et stellis 

'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas' (Lc 21, 25)

Segunda Parte

Suponha que uma cidade turca - digamos, Constantinopla - na qual muitos cristãos são mantidos cativos e gemem acorrentados, seja sitiada por um potentado cristão; o rugido e o estrondo da artilharia ressoam o dia inteiro de modo que mal se ouve a própria voz; as paredes e as torres são atacadas e derrubadas pelas balas de canhão; bombas e granadas com estilhaços de fogo estão voando incessantemente no ar, queimando e destruindo tudo em todas as direções e, por toda a cidade, nada se ouve a não ser o rugido da artilharia, o estrondo das paredes caindo e uivos e lamentações terríveis. 

Os homens rastejam e se escondem nos porões mais escuros para evitar as balas de canhão; os soldados em desespero gritam: 'Ai de nós, temos que nos render, a cidade foi sitiada!' O que vocês acham, meus queridos irmãos, que seriam os sentimentos dos cristãos cativos nesta ocasião? Verdadeiramente, no que diz respeito à visão e à audição, eles estão tão mal quanto os turcos; eles também devem se esconder para evitar as bombas e as granadas; mas como eles se sentem no coração? Não há dúvida de que eles se regozijam e exultam quanto mais vigorosamente o cerco prossegue. Quanto maior o desespero dos soldados engajados na defesa, maior a alegria e a esperança dos cristãos. Por que? Ó, eles pensam, agora é chegada a hora em que a cidade deve se render a um poder cristão e seremos libertados do cativeiro e da escravidão. Aí, meus queridos irmãos, vocês têm, em algum grau, uma caricatura e uma imagem do estado de espírito dos justos e dos ímpios ao verem os terríveis portentos que anunciarão o fim do mundo. Os ímpios, aqueles que têm um má consciência, de fato murcharão de medo e consternação e procurarão se esconder sob a terra; eles vão uivar e gemer e lamentar como os turcos sitiados.

Dirão então: 'Ai de nós, estamos perdidos! Devemos agora nos render; eis o fim de todos os prazeres e delícias que desfrutamos na terra; honra e cargos importantes não mais existem; devemos deixar nossa riqueza para trás pois o último dia está próximo; em pouco tempo a terrível trombeta soará em nossos ouvidos as palavras: levantai-vos, mortos, eis o dia do juízo! Em breve compareceremos diante de nosso irado Juiz, a quem desprezamos e tornamos nosso inimigo por causa dos nossos pecados! Agora se aproxima o tempo em que as coisas vergonhosas que escondemos dos homens e não ousamos mencionar nem mesmo no tribunal da penitência serão declaradas abertamente perante todo o mundo! Em breve ouviremos as terríveis palavras: 'Afastem-se de mim, malditos, para o fogo eterno'¹⁵. E teremos que nos despedir eternamente de Deus, nosso bem supremo; de Maria, a Mãe de Deus, de todos os anjos e eleitos, e descer ao inferno com os demônios! Ai de nós!' Quão grande será o terror e a angústia dos ímpios ao verem os sinais e portentos do último dia!

Mas quais serão os sentimentos daqueles justos servos de Deus que mantiveram inviolável fidelidade ao seu Criador ou que, por um verdadeiro arrependimento, lavaram seus pecados, e que viveram, neste vale de lágrimas, em meio a tantos perigos da alma e do corpo, suspirando como prisioneiros por seu lar e lugar de descanso eterno? Como, eu pergunto, será com eles? Ouvi o que Cristo lhes diria, depois de ter falado dos terríveis sinais precursores do último dia: 'quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima'¹⁶. 'Estar de cabeça baixa é um sinal de tristeza e de medo que, meus queridos filhos, não é para vós, mas para os ímpios que se recusaram a amar-me e a honrar-me. Deixai-os definhar de medo, porque não têm parte no meu Reino eterno; mas vós, almas justas que guardastes a minha Lei e em tudo tentastes fazer a minha vontade, 'olhai para cima e levantai as vossas cabeças'; regozijai-vos e alegrai-vos 'porque a vossa redenção está próxima!'. Este é o tempo pelo qual tendes suspirado durante tanto tempo; o tempo para a vossa libertação do cativeiro, de todos os perigos e aflições; o tempo para entrardes no repouso eterno dos filhos de Deus. Este é o dia em que os meus e os vossos inimigos, que vos perseguiram e oprimiram de tantas maneiras - este é o dia em que eles ficarão tremendo e gemendo sob os vossos pés. Este é o dia em que Eu darei a conhecer ao mundo a vossa humildade e vossas virtudes que os homens desconheciam e que os mundanos vaidosos desprezavam! Alegrai-vos, meus filhos! A vossa redenção está próxima; o Reino dos Céus abrir-se-á em breve para vós. Vinde, ó bem-aventurados, possuí o Reino que meu Pai e vós mesmos preparastes para vós! Vinde comigo para as alegrias eternas!'

'Olhai para a figueira e para todas as árvores' - continuaria a falar Nosso Senhor - 'quando agora brotam os seus frutos, sabeis que o verão está próximo e que o frio do inverno já passou. Assim também vós, quando virdes sucederem estas coisas, sabereis que está próximo o reino de Deus'¹⁷. O que Ele quer dizer é que, no inverno, as árvores estão nuas, sem folhas e nem frutos, e cobertas de neve como por um manto de luto; mas quando chega a bela primavera, que mudança ocorre nelas! Adornam-se com os botões frescos, com folhas verdes e frutos, e os pássaros cantam melodias alegres nos seus ramos. 'Assim é também convosco, servos fieis. Até aqui passastes pelo frio do inverno; fostes odiados e desprezados pelo mundo, que desprezastes em favor do meu nome; muitas vezes tivestes de gemer sob a pressão da adversidade mas, quando virdes os sinais da primavera e do verão eterno, 'olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima'. Ficai atentos! Levantai os vossos corações e mentes para o alto! A vossa redenção está próxima; as obras de virtude que realizastes para mim estão agora prestes a dar frutos, e sereis coroados com uma coroa de alegrias eternas'.

Foi este pensamento que trouxe tanta consolação de espírito a São Paulo nas suas múltiplas provações e perseguições, como escreve ao seu discípulo Timóteo: 'Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua vinda'¹⁸. É por isso que devemos ansiar incessantemente, como o próprio Nosso Senhor nos ensinou a rezar diariamente: 'Pai nosso, que estais no céu, venha a nós o vosso reino!' Ou, como nos diz São Pedro: 'Uma vez que todas essas coisas se hão de desagregar, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o dia do Senhor, esse dia em que se hão de dissolver os céus inflamados e se hão de fundir os elementos abrasados! Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. Portanto, caríssimos, espe­rando essas coisas, esforçai-vos em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz''¹⁹. Apressai-vos em vossos desejos, com alegria, para encontrar o dia do Senhor.

Meus queridos irmãos, qual deve ser o nosso pensamento sobre este assunto? Se esses horríveis presságios fossem visíveis nos céus, no dia de hoje, para nos anunciar o fim do mundo, teríamos todos ocasião de erguer a cabeça e de esperar a vinda do nosso Juiz com alegria e exultação? Alegrar-te-ias, ó homem ambicioso, que agora valorizas mais a estima dos homens do que a graça e o favor do teu Deus? Alegrar-te-ias, ó homem avarento, cuja maior e única preocupação todos os dias da tua vida é acumular riquezas de todas as maneiras possíveis; cujas mãos e cofres ainda estão fechados em bens mal adquiridos? Alegrar-te-ias, ó homem sem valor, que até agora te entregaste às tuas paixões imundas e, com as tuas importunações perversas, seduziste muitas almas inocentes ou que ainda continuas a viver em intimidade ilegal com alguém que cativou o teu coração nas malhas do amor impuro? Alegrar-te-ias, ó homem vingativo, que ainda alimentas a ira contra o teu próximo e te entregas a sonhos de vingança? Alegrar-te-ias, ó bêbado, que em todas as ocasiões que se apresentam te roubas a razão e te arruínas a ti e aos que te cercam? Alegrar-te-ias, ó vaidoso filho do mundo, que ainda estás tão apegado ao mundo e não conheces outra lei senão as suas falsas máximas, levando uma vida ociosa e morna? Em suma, todos vós que tendes um pecado mortal na consciência, exultaríeis com a vinda do vosso Juiz? Haveria motivo para vos animar com as palavras de Nosso Senhor: 'Olhai e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima', quando se vissem no céu estes sinais terríveis? Ai de vós! É fácil falar-vos de alegria! O medo, a angústia, o terror, o definhamento por medo, eis os tristes efeitos que esses sinais terão sobre vós. Ah, então por que não tememos ofender a Deus? Como ousar passar uma hora sequer em estado de pecado mortal, pois se a morte nos surpreendesse então, nada mais teríamos a esperar senão um julgamento sem misericórdia e um inferno sem fim?

Ó almas justas que têm uma boa consciência! Para vós seria tudo alegria, uma esperança exultante! Permanecei firmes em apenas servir ao vosso Deus com fidelidade e zelo! 'Vivemos sóbria, justa e piedosamente neste mundo' - eis a exortação que nos dá São Paulo - 'aguardando a bem-aventurada esperança e a vinda da glória do grande Deus e Nosso Salvador Jesus Cristo'²⁰. Cristãos aflitos, que tendes de sofrer toda a espécie de provações e contradições, o que pensais? Tremendos serão os sinais que então vereis, impostos tão severamente pela mão de Deus; quão tremendos serão! Mas consolai-vos! Porque, assim como os sinais terríveis que anunciam o fim do mundo são precursores da redenção próxima para os justos e, portanto, fonte de alegria e consolação para eles, assim também as dores, por maiores que sejam, que agora vos afligem, se as suportardes com boa consciência e resignação à vontade divina, são para vós sinais infalíveis da glória futura no céu, como vos mostrarei em ocasião futura. 

Para vos consolardes e aliviardes de vossas penas, dizei a vós mesmos: o que agora sofro há de acabar; não durará muito; cada dia me aproxima mais da minha libertação. Se sou pobre e destituído por pouco tempo, essa pobreza é um sinal seguro de futuras riquezas no céu. Se eu for desprezado, perseguido pelo mundo e abandonado pelos homens, essa humilhação é um sinal da minha próxima glória e honra na sociedade dos eleitos no céu. Se agora sofro danos e perdas nos meus bens terrenos, essa perda é um sinal do meu ganho futuro, de um tesouro que me espera no céu. Se agora choro de tristeza e angústia, é sinal da minha futura alegria no Céu. Se agora estou doente e fraco, é sinal do futuro bem estar eterno no Céu. Se agora sou obrigado a trabalhar arduamente todos os dias para me sustentar e aos que dependem de mim, é sinal e precursor do futuro repouso eterno no reino dos céus. Por isso, meu Deus, resigno-me à vossa vontade e à vossa providência: com a ajuda da vossa graça, sofrerei tanto tempo, quanto e como quiseres que eu sofra! Por maiores que sejam as minhas tribulações, elas não serão nada em relação às alegrias do céu que me prometeste, 'aguardando a bem-aventurada esperança e a vinda da glória do grande Deus e Nosso Salvador Jesus Cristo'²⁰. Com esta consolação, regozijar-me-ei em todas as minhas provações, esperando o cumprimento dessa bem venturada esperança e a vinda do dia da grande glória do meu Deus e Salvador. 'Eu sei' - direi como Jó - 'que o meu Redentor vive, e que no último dia ressuscitarei da terra... e que na minha carne verei o meu Deus; eu mesmo o contemplarei, meus olhos o verão e esta esperança está guardada em meu peito'²¹. Esta única esperança é o único conforto suficiente para mim. Amém.

15. Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum (Mt 25,41).
16. His antem fieri incipientibus, repicite, et levate capita vestra, quoniam appropinquat redemptio vestra (Lc 21,28).
17. Videte ficulneam, et omnes arbores. Cum producunt jam ex se fructum, scitis quoniam prope est aestas. Ita et vos cum videritis haec fieri, scitote quoniam prope est regnum Dei (Lc 29, 30-31).
18. A resolução do Tempus é meae instantânea. Bonum certamen certavi, cursum consummavi, fidem servavi. In reliquo reposita est mihi corona justitiae, quam reddet mihi Dominus in illa die justus judex; non solum autum mihi, sed et iis qui diligunt adventum ejus (2Tm 4, 6-8).
19. Cum igitur haec omnia dissolvenda sint, quales oportet vose esse in sanctis conversationibus et pietatibus, exspectantes et properantes in adventum diei Domini. Novus vero caelos, et novam terram secundum promissa ipsius expectamus. Propter quod, carissimi, haec exspectantes, satagite immaculati et inviolati ei inveniri in pace (2 Pd 3, 11-14).
20. Sobrie, et juste, et pie vivamus in hoc saeculo; expectantes beatam spem, et adventum gloriae magni dei, et Salvatoris nostri Jesu Christi (Tt 2, 12-13).
21. Scio enim quod Redemptor meus vivit, et in novissima die de terra surrecturs sum….et in carne mea videbo Deum meum. Quem visurus sum ego ipse, et oculi mei conspecturi sunt; reposita est haec spes mea in sinu meo (Jó 19, 24-25).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 27, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 25 de maio de 2023

DOUTORES DA IGREJA (XI)

   11Santo Anselmo, Bispo (†1109)

Doutor Magnífico
Concessão do título: 1720 - Papa Clemente XI

Celebração: 21 de abril (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 

  • De Grammatico - O Gramático
  • De Veritate - A Verdade
  • De Libertate Arbitrii - Sobre a Liberdade de Arbítrio
  • De Casu Diaboli - Sobre a Queda do Demônio
  • De Incarnatione Verbi - Sobre a Encarnação do Verbo
  • Cur Deus Homo - Por que Deus feito Homem
  • De Conceptu Virginali et de Originali Peccato  - Sobre a Imaculada Conceição e o Pecado Original
  • De Processione Spiritus Sancti - Sobre a Processão do Espírito Santo
  • De Sacrificio Azymi et Fermentati - Sobre o Sacrifício Ázimo e o Fermentado
  • De Sacramentis Ecclesiae - Sobre os Sacramentos da Igreja
  • De Concordia
  • Monologion ou Monologium - Monológio
  • Proslogion ou Proslogium - Proslógio

quarta-feira, 24 de maio de 2023

VERSUS: ORAÇÃO PELO CÉU X ORAÇÃO CONTRA O INFERNO


Oração para obter o paraíso 

Meu Jesus Crucificado, fazei-me conhecer as magníficas recompensas que tendes preparadas para as almas que Vos amam. Dai-me tal desejo do paraíso que, esquecendo a terra, faça nele a minha morada contínua e, pelo resto da minha vida, não aspire senão a sair deste exílio, para ir Vos ver face a face e Vos amar perfeitamente no Vosso reino eterno. Não mereço esta felicidade, sei até que o meu nome esteve outrora escrito no livro dos condenados ao inferno; mas hoje, porque nutro a confiança de estar em graça, Vos conjuro, pelo sangue que derramastes por mim na cruz, inscrevei-me no Livro da Vida. Morrestes para me fazer adquirir o paraíso; eu o quero, ardentemente o desejo, e espero obtê-lo pelos Vossos merecimentos, ó meu Salvador; sim, espero Vos amar um dia com todas as minhas forças e consumir-me todo de amor para convosco; lá, esquecendo-me de mim mesmo e esquecendo-me de tudo o que não é vosso, pensarei somente em Vos amar, só Vos desejarei amar, e nada mais farei do que amar-Vos. Ó meu Jesus, quando chegará esse dia feliz? Ó Maria, Mãe de Deus, as vossas orações devem-me abrir o paraíso: já que sois a minha advogada, cumpri o vosso ofício, tirai-me deste exílio e conduzi-me a Jesus, fruto bendito do vosso ventre. Amém.


Oração para evitar o inferno 

Amadíssimo Jesus, meu Salvador e Juiz, quando vierdes a me julgar, por piedade não me condeneis ao inferno. Nessa negra prisão, não vos poderia amar, mas odiar-vos sempre; como, porém, odiar-vos, se sois tão amável e tanto me haveis amado? Se quereis condenar-me ao inferno, concedei-me ao menos a graça de vos amar de todo o meu coração. Não mereço esta graça por causa dos meus pecados; mas, se não a mereço, para mim a merecestes pelo sangue que derramastes com tanta dor na cruz. Numa palavra, ó meu divino Juiz, infligi-me todas as penas que quiserdes, mas não me priveis da faculdade de vos amar. Mãe do meu Deus, vede o perigo que corro de ser condenado e não poder mais amar o vosso Filho adorável que merece um amor infinito. Vinde em meu socorro e tende compaixão de mim. Amém.

(Excertos da obra 'As Mais Belas Orações de Santo Afonso', do Pe. Saint-Omer)

terça-feira, 23 de maio de 2023

BREVIÁRIO DIGITAL - LEGENDA ÁUREA (VII)


Certa vez, ao cair do dia, quando Jerônimo estava sentado com seus irmãos para escutar a leitura sagrada, entrou de repente no mosteiro um leão que mancava. Vendo-o, todos os irmãos fugiram, mas Jerônimo foi ao seu encontro como se ele fosse um hóspede. O leão mostrou que estava ferido na pata e Jerônimo chamou os irmãos, ordenando-lhes que lavassem a sua pata e procurassem atentamente o lugar da ferida. Assim fazendo, descobriram que espinhos haviam machucado a planta da pata. Todo cuidado foi dedicado ao leão, que, curado, passou a morar com eles quase como um animal doméstico.

Então Jerônimo percebeu que não era tanto para curar a pata do leão, quanto pela utilidade que disso se poderia tirar, que o Senhor o enviara. A conselho dos irmãos, decidiu confiar-lhe a tarefa de conduzir ao pasto e proteger o asno que a comunidade empregava para trazer lenha da floresta. Assim foi feito. O leão cuidava do asno como um hábil pastor, servia de companheiro que todos os dias ia aos campos com ele e era seu vigilante defensor enquanto ele pastava. Só o deixava um pouco para procurar seu próprio alimento, e todos os dias na mesma hora voltava com ele para casa. 

Um dia, porém, o asno estava pastando e o leão adormeceu profundamente, quando passaram por ali mercadores com camelos, que viram o asno sozinho e o raptaram. Ao acordar, não achando seu companheiro, o leão pôs-se a correr aqui e ali, rugindo. Enfim, não o encontrando, voltou muito triste para as portas do mosteiro, e cheio de vergonha não teve coragem de entrar como fazia habitualmente. Os irmãos, vendo-o voltar mais tarde que de costume e sem o asno, acharam que, levado pela fome, ele comera o animal e não quiseram lhe dar sua ração costumeira, dizendo-lhe: 'Vá comer o que sobrou do burrico, vá saciar a sua gula'. Entretanto, como não estavam certos de que ele tivesse cometido essa má ação, foram ao pasto ver se encontravam um indício de que o asno estava morto. Não encontraram nada e foram relatar tudo a Jerônimo, que impôs ao leão a função do asno: trazer nas costas a lenha cortada. O leão suportou isso com paciência. 

Um dia, depois de cumprida sua tarefa, foi ao campo e pôs-se a correr aqui e ali desejando saber o que fora feito de seu companheiro, quando viu ao longe chegar negociantes conduzindo camelos carregados, tendo um asno na frente. O hábito nessa região é que quando se percorre uma longa distância com camelos, estes, para seguir um caminho mais direto, são precedidos por um asno que os conduz por meio de uma corda presa ao pescoço. O leão reconheceu o asno, lançou-se com terríveis rugidos sobre os negociantes e pôs todos os homens em fuga... [Após o retorno do asno], o leão começou a correr pelo mosteiro, cheio de alegria, como fazia antigamente, prostrando-se aos pés de cada irmão. Parecia, brincando com a cauda, pedir perdão por uma falta que não cometera.

(Excertos da obra 'Legenda Áurea - Vidas de Santos, de Jacopo de Varazze)

Legenda Áurea constitui meramente um livro de devoção católica, acessível às pessoas comuns de todas as épocas, sem nenhum propósito de abordagem biográfica da vida dos santos sob o escopo da veracidade ou da confiabilidade histórica. Trata-se, portanto, de uma coletânea de fatos ficcionais e inverídicos (lendários) que, uma vez associados às virtudes heroicas específicas dos diferentes santos da Igreja, tinha por objetivo incrementar a devoção católica do leitor pelos santos para a sua própria santificação pessoal. Alguns deles serão publicados no blog. A excelência dos objetivos e resultados alcançados pela obra pode ser aferida pelo enorme sucesso das muitas e diversas versões e traduções realizadas desde a sua publicação original no século XIII. 

segunda-feira, 22 de maio de 2023

TESOURO DE EXEMPLOS (223/225)

223. O TEMOR DO JUÍZO

Na manhã de 14 de setembro do ano de 258, no campo Sextio, ainda molhado pelo orvalho da noite, degolaram o bispo de Cartago. Prenderam-no os inimigos de Cristo e conduziram-no ao tribunal do procônsul Galério, que lhe fez esta pergunta: 'És tu Táscio Cipriano?'. Ao que Cipriano respondeu com firmeza: 'Sou'. Galério ordenou: 'Que Táscio Cipriano seja degolado'. E o mártir respondeu: 'Deo gratias'.

Mas, quando os soldados se dispunham a executar a sentença; quando, despidos os ornamentos episcopais, os fieis estendiam os seus lenços para recolher o sangue que ia jorrar, o santo tremeu e cobrindo as faces com as mãos exclamou: 'Vae mihi cum ad judicium venero' - ou seja - 'Ai de mim quando vier o Juízo! Foi só por um instante, pois logo inclinou a cabeça e ofereceu a Deus o sacrifício. Se a lembrança do Juízo fazia tremer os mártires, o que será de nós? O que iremos dizer ao divino Juiz?

224. A VITÓRIA SERÁ NOSSA!

Santa Joana d'Arc estava no sítio de Orleans. Combatera por sete horas, sempre calma e intrépida no meio dos soldados. Era chegado o momento de tomar ao inimigo a famosa fortaleza de Tourelles. De repente avançou e tomou a escada para subir impetuosamente até à torre. Feriu-a no peito uma flecha. Jorrou o sangue. Ela empalideceu e tremeu indecisa no meio da escada. Chorando de dor e de medo, desceu a escada e recolheu-se para se curar. Era a debilidade humana. Os ingleses animaram-se e os franceses atemorizados cederam o campo e iniciam a retirada. 

Mas ao primeiro toque de clarim, Joana levanta-se, recorda-se da visão que tivera, das vozes que ouvira e faz uma breve oração. Em seguida, de um golpe arranca a flecha e com o peito manchado de sangue gritou: 'Avante! Seremos os vencedores!' E venceu.

Cristãos, a vida é uma batalha pela conquista do reino de Deus. Se algum dia nos assaltarem o temor e a debilidade, recordemos nossa fé, avivemos nossas convicções e fortaleçamo-nos com a oração. Em seguida, como Santa Joana, sigamos avante, seguros de que a vitória será nossa.

225. ANIMA VESTRA IN MANIBUS VESTRIS

O Pe. Segneri costumava contar o seguinte episódio. Havia na praça de Atenas um famoso adivinho, que a todos dava prognósticos, predizia o futuro e descobria o passado. Um dia, querendo zombar dele, apresentou-se um homem astuto que tinha um pequeno passarinho fechado na mão.
➖ Sabes dizer-me - perguntou ao adivinho - se este passarinho está vivo ou morto?
O astuto pensava assim: se ele disser que está morto, eu o deixarei voar mas, se disser que está vivo, eu o apertarei com o polegar e o matarei.

O adivinho, porém, foi mais esperto e respondeu: 'Cavalheiro, esse passarinho está como o senhor quiser: se o quiser vivo, está vivo; se morto, morto'. Todos os espectadores aplaudiram o adivinho.

Amigos, aquela sagaz resposta nós a podemos dirigir também a vós. Vossa alma será qual a quiserdes: se salva, salva; se condenada, condenada.
Anima vestra... in manibus vestris (a sua alma está em suas mãos).

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


domingo, 21 de maio de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Por entre aclamações Deus se elevou, o Senhor subiu ao toque da trombeta(Sl 46)

Primeira Leitura (At 1,1-11) - Segunda Leitura (Ef 1,17-23)  -  Evangelho (Mt 28,16-20)

 21/05/2023 - Ascensão do Senhor

26. 'IDE E FAZEI DISCÍPULOS MEUS TODOS OS POVOS'


Antes de subir aos Céus, Jesus manifesta a seus discípulos (de ontem e de sempre) as bases do verdadeiro apostolado cristão, a ser levado a todos os povos e nações: 'Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei!' (Mt 28, 18 - 20). Ratificando as mensagens proféticas do Antigo Testamento, Nosso Senhor imprime diretamente no coração humano os sinais da fé sobrenatural e da esperança definitiva na Boa Nova do Evangelho, que nasce, se transcende e se propaga com a Igreja de Cristo na terra.

Antes de subir aos Céus, Jesus nos fez testemunhas da esperança: 'Vós sereis testemunhas de tudo isso' (Lc 24, 48). Pela ação de Pentecostes, pela efusão do Espírito Santo, pela manifestação da 'Força do Alto', os apóstolos tornar-se-iam instrumentos da graça e da conversão de muitos povos e nações. Na mesma certeza, somos continuadores dessa aliança de Deus com os homens, na missão de semear a Boa Nova do Evangelho nos terrenos áridos da humanidade pecadora para depois colher, a cem por um, os frutos da redenção nos campos eternos da glória. Como missionários da graça, 'Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos' (Ef 1, 18).

E a sua derradeira proclamação aos discípulos é a sua promessa de estar sempre junto aos homens de todos os tempos, até a consumação dos séculos: 'Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo' (Mt 28, 20). Promessa que tem, para nós, membros do seu Corpo Vivo, que é a Santa Igreja, a dimensão de uma vitória antecipada, na feliz esperança de sermos partícipes de sua glória.

E Jesus se eleva diante dos seus discípulos e sobe para os Céus. Jesus vai primeiro porque é o Caminho e para preparar para cada um de nós 'as muitas moradas da casa do Pai'. Na solenidade da Ascensão do Senhor, a Igreja comemora a glorificação final de Jesus Cristo na terra, como o Filho de Deus Vivo e, ao mesmo tempo, imprime na nossa alma o legado cristão que nos tornou, neste dia, testemunhas da esperança eterna em Cristo e herdeiros dos Céus.

sábado, 20 de maio de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (III)

 

Erunt sigma in sole et luna et stellis 

'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas' (Lc 21, 25)

Introdução

Esses sinais serão para os iníquos uma fonte de medo, angústia e pavor; mas, para os bons, uma fonte de alegria e exultação. Todos os cristãos católicos acreditam que, em seu segundo advento, Jesus Cristo virá como o Juiz dos vivos e dos mortos a este mundo; mas ninguém sabe o dia de sua vinda. No entanto, o mundo poderá aprender que o dia do julgamento está próximo pelos sinais que o próprio Cristo anunciou como precursores do último dia. O primeiro sinal, ou seja, o reinado do Anticristo, e o que temos a aprender com isso, já foi explanado. Passo agora a falar dos outros sinais.

Plano de Discurso

Haverá sinais terríveis nos céus e em todos os elementos. Estas e suas causas explicarei na primeira parte. Esses sinais serão para os iníquos uma fonte de medo, angústia e pavor; mas para os bons, uma fonte de alegria e exultação. Isso eu mostrarei na segunda parte. Pecadores, se desejais que o último dia não seja motivo de pavor para vós, convertei-vos! Cristãos fieis! Regozijai-vos se agora tiverdes que passar pelos tempos de tribulação! Esta deverá ser a conclusão. Ajudai-nos, ó justo Juiz, a cumpri-la pela vossa graça, que Vos pedimos pela intercessão de Maria e dos nossos santos anjos da guarda.

Primeira Parte

Quando aqueles três anos e meio do reinado do terrível perseguidor Anticristo tiverem expirado, então, diz Nosso Senhor no Evangelho de São Mateus - 'Imediatamente após a tribulação daqueles dias, o sol escurecerá e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e os poderes do céu serão abalados'¹. Assinale a palavra 'imediatamente'. Não devemos entender por isso que, no momento em que o Anticristo for precipitado no abismo, esses sinais serão visíveis. Não; pois, de acordo com os exegetas, a misericórdia de Deus concederá uma pausa de alguns meses, ou, como dizem alguns, de alguns anos, para que aqueles que foram pervertidos pelo Anticristo tenham tempo de se arrepender, pois será um tempo em que quase o mundo inteiro retornará a Cristo após a terrível apostasia. 

Mas, quando finalmente chegar a hora do julgamento geral, 'Haverá sinais no sol, e na lua e nas estrelas e, sobre a terra, angústia das nações, por causa da confusão do bramido do mar e das ondas'². O sol será privado do seu brilho e o dia tornar-se-á noite, tal como a escuridão se apossou do Egito: 'Houve uma escuridão terrível em toda a terra do Egito por três dias. Ninguém via um ao outro; e ninguém se levantou do lugar onde estava'³. A lua, de cor vermelho-sangue, aparecerá como um fantasma pavoroso à noite e as estrelas cairão do céu; não, rigorosamente falando, em termos das estrelas que Deus colocou no firmamento, pois onde poderiam cair? Não na Terra, porque, segundo os astrônomos, a menor estrela é muito maior que a Terra. Mas as estrelas esconder-se-ão como se tivessem realmente caído do firmamento e, ao mesmo tempo, um vapor incandescente de estrelas precipitar-se-á sobre o globo terrestre, como se o quisesse incendiar totalmente.

Todos os elementos serão perturbados; o ar ressoará com terríveis tempestades e trovões; o mar e todas as águas serão movimentadas por ondas poderosas subindo e descendo; a terra será abalada e quase dilacerada por terremotos que engolirão cidades inteiras, enquanto o fogo explodirá com grande estrondo nas montanhas e cavernas. Em uma palavra, as engrenagens do grande relógio do mundo estarão todas quebradas e desconjuntadas, como nos fala Luis de la Puente [teólogo espanhol - 1554/1624], como sinal de que a última hora do julgamento está próxima, e tal será o medo, a angústia, a aflição e o pavor dos homens, e o rugido e estertor das feras, que ninguém saberá para onde se virar ou o que fazer. Daí aquela velha expressão para distinguir o mau tempo: 'é como se fosse o último dia'.

E qual é o significado de tudo isso, meus queridos irmãos? Para 'que fim essa grande perturbação e consternação de todas as criaturas?' Primeiro, diz Abulensis [Alonso Tostado, bispo de Ávila, 1410/1455], é um sinal de compaixão, como se fosse um desmaio e agonia de toda a natureza às vésperas da destruição do mundo. Quando o chefe de família está à beira da morte, toda a família fica perturbada e confusa; a esposa chora e arranca os cabelos em agonia de dor; as crianças dão vazão à sua tristeza em gritos ruidosos; os parentes choram; os servos correm de um lado para o outro suspirando e gemendo; o dobre de finados toca as suas tristes notas na torre da igreja; amigos e vizinhos vestidos de luto chegam para o funeral. Tudo se consome em dor e lamentação. Assim será quando o fim do mundo se aproximar e a raça humana - o chefe desta família deste mundo - estiver dando os seus últimos suspiros; toda a natureza será tomada de medo e consternação; o céu perderá seus luminares e se revestirá com o traje negro da noite; os elementos devem, por assim dizer, chorar e ficar desorientados enquanto a atmosfera ressoando com trovões e furacões violentos será analogamente como o dobre de finados pelo mundo moribundo.

Além disso, esses sinais mostrarão a grande ira e o desagrado de Deus Todo Poderoso em relação aos homens pecadores. Os céus agora anunciam a glória de Deus, como diz o Profeta Davi: 'Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento declara a obra de suas mãos'⁴. 'E então' - diz Barradius [Sebastião Barradas, teólogo português, 1543/1615] - 'eles declaram a ira de Deus contra os ímpios'⁵. Pois Deus fará com que todas as criaturas se levantem contra os pecadores; fazendo com que as estrelas percam a sua luz, Ele irá, por assim dizer, fechar as janelas pelas quais qualquer luz poderia penetrar na terra, para que Ele possa ferir o homem no escuro e sem misericórdia, como Isaías profetiza: 'Eis que virá o dia do Senhor, dia implacável, de furor e de cólera ardente, para reduzir a terra a um deserto, e dela exterminar os pecadores. Nem as estrelas do céu, nem suas constelações brilhantes, farão resplandecer sua luz; o sol se obscurecerá desde o nascer, e a lua já não enviará sua luz'. Punirei o mundo por seus crimes, e os pecadores por suas maldades. Abaterei o orgulho dos arrogantes e humilharei a arrogância dos poderosos'⁶.  'A lua vai corar de vergonha e o sol vai se empalidecer'⁷ 'porque' - acrescenta o Cardeal Hugo [cardeal dominicano francês, Hugo de Saint-Cher, 1200/1263]- 'eles serviram a tais mestres'⁸, mestres que foram tão ingratos ao seu Criador. Ora, segundo São Paulo, as criaturas servem aos pecadores contra a sua vontade e como que por força e necessidade: 'Porque a criatura foi sujeita à vaidade, não voluntariamente'; portanto, gemem sob o jugo de sua escravidão e suspiram pelo dia em que serão libertados dela, 'pois sabemos que toda criatura não para de gemer e dar à luz até hoje'⁹. O sol, a lua e as estrelas gemem e lastimam por ter que dar a sua luz aos homens para ser utilizada indevidamente por eles para ofender e insultar a Deus; a terra, o fogo, a água e o ar imploram, por assim dizer, ao Deus Todo Poderoso que os libertem da servidão aos homens pecadores. 

Isso acontecerá no fim do mundo, quando todas as criaturas serão elevadas e libertadas da escravidão, e então, como um único e poderoso exército, avançarão em bloco contra os ímpios para envergonhá-los, como lemos no Livro da Sabedoria: 'E seu zelo vai armá-los, cada criatura empunhará uma armadura para enfrentar os seus inimigos ... e o mundo inteiro lutará com Ele contra os insensatos'¹⁰. O sol declarará guerra, como Tamerlão [conquistador mongol do século XIV, 1336 /1405] fazia antigamente, com uma bandeira negra estendida; a lua tingida de sangue e as estrelas desordenadas e fora do seu curso começarão a batalha. Elas dirão que deram a sua bela luz gratuitamente e por tanto tempo aos pecadores que não eram dignos dela; que marcaram para eles as horas, dias, semanas, meses e anos; pela regularidade dos seus movimentos, foram exemplos da constância e obediência que deviam a Deus, mas que os homens pecadores preferiram seguir as sugestões do demônio, os prazeres da carne, os costumes e as regras de um mundo pervertido, em vez de obedecer à lei do seu Criador e também porque amaram mais as trevas do que a luz; e que, portanto, eis chegado o tempo do fim do servilismo em que, de agora em diante, serão para as infelizes criaturas apenas uma fonte de medo e de terror.

Da mesma forma, os quatro elementos reunidos entrarão em batalha contra os pecadores. O ar - que lhes deu fôlego e voz, para que pudessem respirar e falar; que permitiram as chuvas benéficas; no qual as aves cruzavam para seu deleite e nutrição - vai se projetar sobre eles por todos os lados, destruindo as construções pela violência de ventos contrários, arrancando as árvores pela raiz, explodindo em tempestades de granizo para matar os animais do campo, infestadas de trovões e relâmpagos e cenário de terríveis aparições, como nunca foram vistas nem mesmo no Egito no tempo do faraó perseguidor e nem em Jerusalém quando foi destruída, que encherão de pavor e consternação aos pecadores, com uma palavra de condenação: 'pois estenderam a mão contra Deus e desafiaram o Todo Poderoso'¹¹. 

A água que fornecia aos pecadores bebida, sal e peixes para a sua alimentação e que os servia como via de transporte de um país para outro na exploração dos seus negócios, ultrapassaria então os seus limites e inundaria a terra adjacente por toda parte; cheia de furor e em vergalhões contra os ímpios, pronto para engoli-los como fez com Jonas: 'Tenha vergonha, ó Sidon, pois o mar fala'¹². Os mares e as águas, vergados por ondas impetuosas, então dirão: 'Tenha vergonha, ó cristão, envergonhe-se de que nós, que não temos o entendimento de você, por quem Deus não morreu como morreu por você; que não temos castigo eterno a temer nem recompensas eternas a esperar como você - envergonhe-se de que ficamos por seis mil anos obedientes ao Criador e não nos movemos nem por um grão de areia além dos limites que Ele traçou para nós, mas sempre permanecemos nos domínios dos seus desígnios; enquanto você, ao contrário, dotado de razão e benefícios incontáveis, seduzido pela esperança do céu e pleno do temor de se perder no inferno, muitas vezes e deliberadamente transgrediu os mandamentos de Deus e chafurdou em um mar de vícios! Tenha vergonha de ser superado por uma coisa tão menor quanto nós, na obediência a Deus!'. Ó Deus Todo-Poderoso, as ondas clamarão ao subirem em direção ao céu, para mostrar a vossa justiça contra os pecadores e, como eles desprezaram viver no oceano da vossa misericórdia e buscar a vossa salvação! Deixai-os agora afundar no profundo abismo da vossa justiça e sentir o peso do vosso braço vingador! 

A terra que por tanto tempo serviu aos homens perversos para sua nutrição, roupas, moradia, remédios e prazer, suprindo-os com frutas, árvores, ervas e flores que produziu em abundância - a terra então se abrirá em mil estertores, clamando por vingança contra os pecadores por terem abusado de seus dons de maneira tão ingrata e indiferente. As feras sairão de suas cavernas e de suas tocas com uivos horríveis para perseguir estes infelizes por toda parte, enchendo-os de terror. O mundo inteiro lutará com Ele contra os insensatos; o universo pegará em armas movido pela ira de Deus contra os ímpios e os pecadores e, por meio de sua fúria, anunciará a todos o quão próximos está o dia terrível no qual o Juiz se vingará de todos os seus inimigos; aquele dia que o profeta Sofonias chama de 'o grande dia do Senhor': 'Terrível é o ruído que faz o dia do Senhor; o mais forte soltará gritos de amargura nesse dia; um dia de ira, dia de angústia e de aflição, dia de ruína e de devastação; dia de trevas e escuridão, dia de nuvens e de névoas espessas'¹³. Onde se esconderão, para encontrar conforto e consolação, quando o céu e a terra estiverem em tal desordem e unirem todas as suas forças para os atacar? Nosso Senhor já nos disse como os homens se sentirão nesse dia: 'Os homens definha­rão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas'¹⁴. Mas isso só acontecerá com os pecadores pois, por mais terríveis que sejam os sinais que precederão o último dia, os servos de Deus encontrarão neles uma ocasião de júbilo e exultação, como veremos na Segunda Parte deste discurso.

1. Statim autem post tribulationem dierum illorum sol obscurabitur, et luna non dabit lumen suum, et stellae cadent de caelo, et virtutes caelorum commovebuntur (Mt 24,29).
2. Erunt signa in sole, et luna, et stellis, et in terris pressura gentium prae confusoe sonitus maris et fluctuum (Lc 21,25).
3. Factae sunt tenebrae horribiles in universa terra Egypti tribus diebus. Nemo vidit fratrem suum, nec movit se de loco in quo erat (Ex 10, 22-23).
4. Caeli enarrant gloriam Dei, et opera manuum ejus annuntiat firmamentum (Sl 17,2).
5. Tunc vero iram Dei, impiis annuntiabunt.
6. Ecce dies Domini veniet, crudelis, et indignationis plenus, et irae, furorisque, ad ponendam terram in solitudinem, et peccatores ejus contendondos de ea. Quoniam stellae caeli, et splendor earum, lumen suum não expansivo; obtenebratus est sol in ortu suo, et luna non splendebit in lumine suo. Et visitabo super orbis mala, et contra impios iniquitatem eorum; et quescere faciam superbian infidelium, et arrogantian fortium humiliabo (Is 8, 9-11).
7. Erubescet luna, et confundetur sol (Is 24, 23).
8. Quod talibus dominis servierunt.
9. Vanitati enim creatura subjecta est non volens. Scimus enim quod omnis creatura ingemiscit, et parturit usque adhuc (Rm 7, 20.22).
10. Accipiet armaturam zelus illius, et armabit creaturam ad ultionem inimicorum,….et pugnabit cum illo orbis terrarum contra insensatos (Sb 5, 18.21).
11. Tetendit adversus Deum manum suam, et contra Omnipotentem roboratus est (Jó 15, 25).
12. Erubesce Sidon; ait enim mare (Is 23,4).
13. Dies irae dies illa, dies tribulationis et angustiae, dies calamitatis et miseriae, dies tenebrarum et caliginis, dies nebulae et turbinis; vox diei Domini amara, tribulabitur ibi fortis (Sf  1, 14-15).
14. Arescentibus hominibus prae timore, et exspectatione, quae supervenient universo orbi (Lc 21,26).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 27, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 19 de maio de 2023

PALAVRAS DA SALVAÇÃO


A Deus pertenceis vós nesta vida mortal, servindo-o fielmente no meio dos trabalhos que tiverdes, levando a cruz, acompanhando-o na vida imortal, bendizendo-o eternamente com toda a corte celeste. O grande bem das nossas almas é o estar com Deus; nosso maior bem é pertencer só a Deus. Quem só pertence a Deus apenas se entristece por ter ofendido a Deus e a sua tristeza neste ponto consiste num profundo ato de humildade e submissão, sereno e pacífico, que então se eleva e é oferecido à bondade divina, com uma confiança doce e perfeita e sem qualquer temor ou despeito.

(São Francisco de Sales)

quinta-feira, 18 de maio de 2023

SOBRE COMO LEVAR AS NOSSAS CRUZES

Alegro-me do que padeço por vós, diz São Paulo, e estou cumprindo em minha carne o que resta de padecimentos a Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol de seu Corpo Místico, que é a Igreja: Gaudeo in passionibus, et adimpleo e aquae desunt passionum Christi, in carne mea, pro corpore ejus, quod est Ecclesia (Col 1, 24). A paixão de Jesus Cristo é completa e perfeita em si mesma. Sendo de um mérito infinito, ela é mais que suficiente para resgatar-nos. Contudo, falta-lhe algo que deve proceder de vós; falamos da parte que devemos tomar nos sofrimentos e méritos de Jesus Cristo, em uma palavra, de nossa cooperação. Não somente Jesus Cristo devia sofrer em si mesmo; deve também sofrer em seus membros; e, por esta comunidade de sofrimentos, seu Corpo, que é a Igreja, engrandece-se e aperfeiçoa- se.

Aceitando as penas e as dores da vida, os fieis participam dos méritos da Paixão, tornam-se semelhantes a Jesus Cristo Crucificado. Isto é o que quer dizer São Paulo com aquelas palavras: 'Estou cumprindo em minha carne o que resta de padecimentos a Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol de seu Corpo Místico, que é a Igreja'. Com a aceitação das cruzes, os fieis fazem-se participantes da natureza divina, como disse o Apóstolo São Pedro: Divinae consortes naturae (2 Pd 1, 4). Fazem-se também partícipes da glória de Jesus Cristo pela eternidade, diz São Paulo: Si tamen compatimur, ut et conglorificemur (Rm 8, 17). Aqui devemos observar com Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e outros Doutores:

I – Que, como a Igreja é um corpo místico, animado de uma só e mesma alma, tendo uma mesma vida com Jesus Cristo, deve sofrer uma só e mesma paixão com Ele; da mesma maneira que, no corpo do homem, o sofrimento é comum à cabeça e aos membros. São Paulo é quem faz esta admirável comparação: Se um membro padece, todos os demais se compadecem; e, se um membro é honrado, todo os membros alegram-se com ele. Vós, pois, sois o Corpo Místico de Cristo e membros unidos a outros membros: Se quid patitur unum membrum, compatiuntur omnia membra; sive gloriatur unum membrum, congaudent omnia membra. Vos estis corpus Christi, em membra de membro (1 Cor 12, 26-27). Isso explica por que que Jesus Cristo não dizia a Saulo que perseguia a sua Igreja: 'Por que persegues a minha Igreja?', senão: 'Por que me persegues?' Quid me persequeris? (At 26, 14). Assim, como Jesus Cristo comunica sua graça e sua paciência, comunica também seus sofrimentos, e compadece-se dos que sofrem.

II – Cumpro em minha carne o que resta de padecimentos a Jesus Cristo, isto é, convém que anuncie o Evangelho e dê a conhecer Jesus Cristo às nações, a fim de que a Igreja cresça, aperfeiçoe-se e participe plenamente da paixão e redenção do Salvador.

III – Cumpro em minha carne o que resta de padecimentos a Jesus Cristo. Isto significa também que o fiel, com suas boas obras, aplica-se a participar da expiação operada por Jesus Cristo, e satisfaz, sofrendo a pena temporal devida ao pecado.

O fiel deve saber que toda a vida do cristão é de sofrimento interior ou exterior, enviado ou buscado voluntariamente. Deve aguardá-lo todos os dias e até desejá-lo. Porque, todos os dias, lançam-lhe flechas ou Deus, ou o demônio, o mundo, a carne, os amigos, os inimigos, ou as más línguas. 'Retesou seu arco, e fez de mim alvo de suas flechas' - Tetendit arcum suum, et possuir me quasi signum (soopum) as sagittam (Lm 3, 12). As enfermidades, os contratempos e as provações são flechas enviadas por Deus. O cristão também deve saber que estas flechas, de qualquer parte donde venham, são flechas de amor, e nunca de ódio.

Deus nos fere com flechas para abater a nossa desobediência e o nosso orgulho; para castigar nossos pecados e fazer-nos expiar como castigou os judeus; para destruir e, sobretudo, debilitar em nós a concupiscência da carne. Ele lança contra nós flechas como enfermidades, contradições, decepções e remorsos, obrigando-nos deste modo a combater e vencer estas inclinações; para guiar o homem pelo caminho da paciência, da santidade e da perfeição; assim feriu Deus a Jó e a Tobias; para aproximar o homem a Jesus Cristo, e fazer-lhe semelhante a Ele.

Deus resolveu manifestar, com a admirável paciência dos santos, a virtude de sua Cruz. Ele mesmo, ao vir ao mundo, não escolheu outros bens senão os sofrimentos e o Calvário. Quereis encontrar a Deus? Buscai a Cruz, pois nela Ele está pregado; ali, tão somente ali, achá-lo-eis. Se vos encontrais sobrecarregado de pesares, alegrai-vos; encontrastes a Jesus Cristo, e agora estais com Ele. 'Bem aventurados aqueles que padecem perseguições por causa da justiça, pois deles é o Reino dos Céus' - Beati qui persecutionem patiuntur propter justitiam, quoniam ipsorum est regnum coelorum (Mt 5, 10). 'Ditosos sereis quando os homens, por minha causa, vos amaldiçoarem, e vos perseguirem, e disserem com mentira toda sorte de males contra vós. Alegrai-vos, então, e regozijai-vos, porque é muito grande a recompensa que vos aguarda nos Céus' (Mt 5, 11-12).

Quando sofreis, Deus está convosco. O próprio Deus o diz pela boca do Profeta: 'Estarei com ele em suas tribulações, salvar-lhe-ei e o cumularei de glória. Eu o saciarei com uma vida muito longa, e lhe farei ver o Salvador que enviarei' - Cum ipso sum in tribulatione, eripiam eum et glorificabo eum. Longitudine dierum replebo eum, et ostendam illi salutare meum (Sl 90, 15-16). Quando Santo Antônio, depois dos terríveis combates que tinha de sustentar contra os demônios, dizia a Jesus Cristo: 'Onde estavas, ó bom Jesus? - Ubi eras, bone Jesu?. 'Antônio, eu estava contigo' - respondia-lhe Jesus - 'pois queria te ver combater' (Vit. Patr.).

Deus fere ao homem a flechadas para matar nele os desejos e os pensamentos mundanos, e fazer entrar em sua alma os pensamentos e desejos do Céu. Assim é como o Senhor prepara o homem para entrar na cidade dos eleitos, segundo aquelas palavras da Escritura: 'É preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus' - Peer multas tribulationes oportet nos intrate in regnum Dei (At 14, 12); e aquelas outras palavras de Jesus Cristo: 'o Reino dos Céus alcança-se à viva força, e somente aqueles que fazem violência a si mesmos são os que se apoderam dele' - Regnum coelorum vim patibur, et violenti rapiunt illud (Mt 11, 12).

Saiba bem o cristão que deve sofrer todos os dias de sua vida, e estar constantemente estendido sobre a Cruz, para ser alvo das flechas de Deus. Ainda mais: não deve cessar de pedir a Deus alguma aflição, como fazia São Francisco Xavier que, em seus contínuos e penosos trabalhos, em suas provações e perseguições sem número, rogava a Deus que não lhe privasse das cruzes que detinha; e que estas fossem sempre em maior número (In ejus vita).

Para levar com resignação as cruzes e triunfar das provações, pensemos que nós nos encontramos colocados na terra como um alvo para as flechas de Deus, e achemo-nos dispostos a receber com paciência e valor todas as tribulações que, vindas do Céu, tendem à glória de Deus e à nossa salvação. Tenhamos nossa alma unida a Deus pela fé, a esperança e o amor. Aquele que vive com o pensamento e, sobretudo, com os desejos dos bem aventurados, olha os bens e os males deste mundo como pouca coisa. Elevemos, pois, nossa alma sobre as coisas da terra, façamo-la sair, de certo modo, de nosso corpo para colocá-la entre os anjos: Nostra conversatio in coelis est (Fl 3, 20).

Quando assim acontecer, a nossa alma tornar-se-á mais forte que as cruzes, com resignação e paciência, e já não as sentirá e nem as consentirá. Então, exclamava São Paulo: 'Estou inundado de consolo; transbordo de gozo em meio de todas as minhas tribulações' - repletus sum consolatione; superabundo gaudio in omni tribulatione nostra (2 Cor 8, 4). Sigamos Jesus Cristo ao Calvário. Verifiquemos quantos milhares de cristãos, crianças, mulheres, anciãos e de todas as condições, de geração em geração, desde tantos séculos, dirigem-se até aquela montanha de salvação eterna e sobem até o seu cume, levando a Cruz sobre os ombros. Sigamos todos eles no caminho do Céu.

(Dos Tesouros de Cornélio à Lápide)