segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

OS GRAUS DO SACRAMENTO DA ORDEM


O Sacramento da Ordem é um só, mas é subdividido em diferentes graus hierárquicos, que foram bastante reduzidos após as reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II. No rito tradicional, o Sacramento da Ordem era composto por sete graus distintos, que incluíam quatro ordens iniciais chamadas menores e três outras finais chamadas maiores, todas vinculadas a simbolismos explícitos associados a uma crescente hierarquia de ação litúrgica. 

O primeiro grau era chamado Ordem do Ostiário quando o seminarista recebia a incumbência de abrir e fechar a igreja e cuidar dos vasos sagrados.

O segundo grau constituía a Ordem do Leitor; pela qual o seminarista recebia a tarefa de ler as Sagradas Escrituras durante o Ofício Divino e catequizar o povo.

O terceiro grau compreendia a Ordem do Exorcista; com esta ordem, o seminarista recebia o poder de expulsar o demônio dos corpos daqueles que estão possuídos (embora o uso desse poder estivesse sujeito a uma formação e permissão adicionais).

O quarto grau constituía a Ordem do Acólito, pela qual o seminarista poderia fazer o ofício de servir a Santa Missa.

O quinto grau compreendia a Ordem do Subdiaconato; por essa ordenação, o postulante fazia o seu voto de castidade perpétua e recebia, então, o poder de ajudar o diácono e o sacerdote no Altar. 

Pelas reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II, o papa Paulo VI extinguiu as quatro Ordens Menores e o subdiaconato (o leitorato e o acolitato foram mantidos como ministérios e passíveis de concessão a leigos e obrigatórios aos postulantes do diaconatopresbiterado e episcopado). Com a denominação explícita de Ordem permaneceram apenas os graus de diaconato, presbiterado e episcopado na Igreja Latina. 

O sexto grau (atualmente vigente) consistia na Ordem do Diaconato, pelo qual o postulante recebe o poder de auxiliar o sacerdote no altar, de anunciar o Evangelho, fazer pregações e batismos.

O sétimo grau (atualmente vigente) compreendia a Ordem dos Sacerdotes (presbiterado para os padres e episcopado para os bispos) que outorga ao postulante o poder de consagrar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e o de perdoar os pecados, ou seja, de ser um sacerdote sendo um outro Cristo e continuar nesta terra a obra da redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, embora seja um único sacramento, a ordem é estabelecida em graus distintos para os bispos, os presbíteros e os diáconos do único sacerdócio de Cristo. Em cada modalidade da ordem - bispos, presbíteros ou diáconos - há um idêntico rito ou sinal que é a imposição das mãos, mas em cada um deles, pela fórmula da consagração, são invocadas graças específicas ou diferentes dons do Espírito Santo.

domingo, 29 de janeiro de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus(Sl 145)

Primeira Leitura (Sf 2,3; 3,12-13) - Segunda Leitura (1 Cor 1, 26-31)  -  Evangelho (Mt 5, 1-12a)

 29/01/2023 - Quarto Domingo do Tempo Comum

10. AS BEM AVENTURANÇAS


Neste Quarto Domingo do Tempo Comum, a Igreja celebra no Evangelho a síntese de toda a doutrina cristã e dos ensinamentos de Jesus - o Sermão da Montanha. Sobre um monte, Jesus vai proclamar as glórias excelsas do seu Reino e, diante a imensidão do Mar da Galileia prostrado à frente dos seus olhos, uma mensagem de amor e de justiça que há de ressoar pela humanidade de todos os tempos.

Bem-aventurados os pobres de espírito, os simples de coração, aqueles que anseiam as heranças eternas, desapegados dos bens e dos valores do mundo, porque deles é o reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos que padecem suas dores e seus sofrimentos no recolhimento da graça, para que se cumpra neles, sem regras ou limitações, a Santa Vontade de Deus, porque serão abundantemente consolados.

Bem-aventurados os mansos que se espelham no Coração de Jesus porque possuirão em plenitude a terra celeste. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, aqueles que buscam a santidade em meio às tantas dificuldades e provações desta vida passageira, sempre em direção à Terra Prometida, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, filhos prediletos da caridade, porque serão medidos pela Misericórdia Infinita do Senhor.

Bem-aventurados os puros de coração, aqueles que, desprezando o pecado e os vícios humanos, se fazem novas manjedouras onde possa recolher sem máculas o Sagrado Coração de Jesus. Bem-aventurados os que promovem a paz e os que são perseguidos por causa da justiça porque deles será o Reino dos Céus. E bem-aventurados os que foram injuriados e perseguidos em nome da Cruz, do Calvário, dos Evangelhos e de Jesus Cristo porque serão os santos dos santos de Deus!

sábado, 28 de janeiro de 2023

A SANTIDADE SEGUNDO GERMAINE COUSIN

A vida de Germaine Cousin* (1579 - 1601) é um mistério insondável dos desígnios divinos sobre a natureza da dor e do sofrimento nesta terra. Na percepção humana, é praticamente inconcebível a dimensão de tanto abandono e sofrimento que podem ser padecidos por uma criança inocente. E, quando descobrimos então que uma Cinderela realmente existiu, nos prostramos silenciados diante a realidade do mal.

Germana* nasceu na aldeia de Pibrac, perto de Toulouse, na França em 1579. Nasceu com a mão direita deformada e padecia de tuberculose linfonodal, uma doença caracterizada por alterações da pele e das mucosas e por tumefações ganglionares, que vai lhe impor uma saúde debilitada por toda a vida. Com a morte prematura da mãe e uma nova união do pai, viveu sob a autoridade, o desprezo e os maus-tratos de uma madrasta particularmente cruel, que a relegou a uma condição servil de trabalho escravo e a humilhações de toda ordem. Dormia sob uma escada no celeiro, fazia todo o trabalho servil na casa e ainda cuidava do rebanho de ovelhas da família sendo mantida, assim, o tempo todo, longe do convívio dos seus irmãos e irmãs. Tudo isso sob a complacência do pai que ignorou todos os seus sofrimentos. Não parece o retrato de uma personagem do reino da fantasia muito conhecida? Mas a maldade existe também em escala inimaginável no mundo real e Germana era um triste exemplo dessa realidade cruel.


E não há príncipes encantados nessa história. Germana aceitou cada minuto de uma vida de absoluta entrega a Deus pela via da santificação, moldada pela oração, humildade, caridade e sofrimento. E seus feitos foram tão espantosos quanto a sua história de vida e, no quase anonimato de uma aldeia francesa do século XVI, Deus a contemplou com milagres portentosos. Eis aqui três deles:

Ela costumava deixar o rebanho de ovelhas (para ir à missa diária) sob a guarda da Providência divina (e nunca perdeu nenhuma ovelha). Para acessar a igreja, ela tinha que transpor um pequeno riacho que cortava a aldeia. Num certo dia muito chuvoso, porém, o riacho se transformara num caudal violento, sem possibilidade de passagem, o que levara alguns camponeses a observar de perto a cena incomum. Germana nem sequer diminuiu o passo ao se aproximar da enchente e, quando tocou a água, sob a estupefação dos presentes, as águas simplesmente se separaram e ela atravessou o riacho a pé enxuto, numa simulação espantosa da abertura das águas do Jordão para a passagem da Arca da Aliança. Alcançada a margem oposta, as águas desabaram novamente ao curso tumultuado da enchente. 

Germana vivia o mandamento da caridade. Em certa ocasião, colocou alguns pedaços de pão no avental para distribuir aos pobres. Acuada no caminho pela madrasta, foi acusada de roubo à vista dos presentes na rua, sendo ordenada aos gritos para abrir o avental e apresentar publicamente a todos os produtos do seu roubo. Ao fazer isso, em vez de pães, o avental guardava flores, muitas flores, impossíveis de cultura e colheita naquela época, então o auge do inverno. A pequena pastora reproduziu em Pibrac o milagre de Santa Isabel da Hungria no século XIII! Em outra ocasião, Deus a permitiu simular um evento de Nosso Senhor, ao reproduzir o milagre da multiplicação dos pães. 


Numa certa noite de 1601, dois monges em viagem foram forçados a passar a noite em uma floresta perto de Pibrac. De repente, foram despertados por um cortejo de anjos que, envolvidos por uma luz resplandecente, movia-se em direção ao povoado. Pouco depois, o cortejo retornou da mesma forma pela floresta, trazendo agora, entre eles e em destaque, a figura de uma virgem com uma coroa de flores na cabeça. Ao chegarem ao povoado, ficaram sabendo então da história de Germana, que havia falecido no celeiro naquela noite, aos 22 anos de idade. Como no conto de fadas, a Cinderela da vida real era alçada a ser princesa nos Céus.


A partir de então, inúmeras curas milagrosas foram atribuídas a Germana e a sua fama de santidade se espalhou rapidamente, atingindo outro patamar quando o seu corpo incorrupto foi exumado, 43 anos após a sua morte, o que deu início ao processo diocesano de beatificação e canonização da humilde pastora. Foi beatificada em 1854 e, em 1867, foi declarada santa pelo papa Pio IX, que hoje veneramos como Santa Germana de Pibrac. Suas relíquias repousam na basílica erigida em sua homenagem em Pibrac. É a padroeira da Diocese de Toulouse e modelo particular de santidade para as crianças e jovens que sofrem ou sofreram maus-tratos e humilhações.

(Basílica de Santa Germana em Pibrac)

* pronuncia-se Germéne Cuzán; em português Germana de Pibrac

SANTA GERMANA DE PIBRAC, ROGAI POR NÓS!

Veja também:



sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

O PENSAMENTO VIVO DE SANTA TERESA DE LISIEUX (II)


'Jesus ... trocou a noite da minha alma em torrentes de luz. Ao revestir-me por meu amor da fraqueza e pequenez mortal, encheu-me de fortaleza e coragem; e empunhando assim as suas armas, fui caminhando de vitória em vitória, dando, por assim dizer, princípio a um caminho de gigante'.


'Um dia, no Céu, recordaremos com deleitosa saudade esses dias sombrios do exílio. Sim, os três anos do martírio do nosso pai [doença que causava paralisia e muito sofrimento ao pai da santa] parece-me que são os mais simpáticos e os mais proveitosos da nossa vida e que eu não trocaria pelos êxtases mais sublimes; por isso o meu coração, em presença de tão inestimável tesouro, exclama no auge da gratidão: Bendito sejais, meu Deus, por estes anos de graças que passamos em tanta aflição de espírito'.


'Lá disse um sábio: ‘Dai-me um ponto de apoio, que eu com uma alavanca levantarei o mundo’. O que Arquimedes não conseguiu, conseguiram-no plenamente os santos. Deu-lhes o Todo-Poderoso um ponto de apoio que é Ele mesmo, Ele só; e com a alavanca da oração, que tudo abrasa em incêndios de amor, mexeram e remexeram o mundo; e pelo mesmo processo nessa faina continuam e continuarão até a consumação dos séculos os santos da Igreja Militante'.


'Depois da minha morte, farei cair uma chuva de rosas. ... Sinto que vai principiar a minha missão, a missão que tenho de fazer amar a Deus como eu o amo... de ensinar às almas o meu caminhozinho. Quero passar o meu céu a fazer o bem na terra'
Perguntou-lhe a Madre: 'E que caminhozinho é esse que quer ensinar às almas?'
'Minha Madre, é o caminho da infância espiritual, é o caminho da confiança e do abandono completo nas mãos de Deus. Quero indicar-lhes os pequeninos expedientes, que tão bem me serviram; quero dizer-lhes que a santidade neste mundo se baseia apenas nisto: ofertar a Jesus as flores dos pequeninos sacrifícios e cativá-los a poder de carícias. Assim é que eu o cativei e, por isso, é que hei de obter dele o bom acolhimento que espero'.

(Excertos da obra 'História de uma Alma, de Santa Teresa de Lisieux)

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quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

LADAINHA A NOSSA SENHORA DA CONSOLAÇÃO

 

Diante das injustiças, Nossa Senhora da Consolação, rogai por nós!
Diante das perseguições...
Diante da violência do mundo...
Diante das injúrias e difamações...
Diante o desespero e a depressão...

Nos tempos de solidão e abandono, socorrei-nos, ó Nossa Senhora da Consolação!
Nas doenças do corpo e da alma...
Em meio às tribulações...
Em todos os dias de nossas vidas...
No momento da nossa morte...

Quando perdermos a lucidez, Nossa Senhora da Consolação, intercedei por nós!
Quando nos afastarmos de Deus...
Quando cairmos em pecado mortal...
No Juízo Particular...
Em nosso desterro no Purgatório...

Contra o flagelo dos instintos, curai-nos, ó Nossa Senhora da Consolação!
Contra nossa tibieza e pequenez...
Contra as doenças do corpo e da alma...
Contra o nosso apego aos bens materiais...
Contra a nossa falta de caridade...

Para viver a fé católica e apostólica, Nossa Senhora da Consolação, velai por nós!
Para não cair em tentação...
Para amar Jesus de todo o coração...
Para ser vosso filho eternamente...
Para alcançar a salvação eterna...

De toda tibieza e indiferença, livrai-nos, ó Nossa Senhora da Consolação!
De toda miséria de corpo e de alma...
De toda blasfêmia e heresia...
De todo e qualquer pecado... 
De todo o mal e apego ao mundo...

Pelo amor a Deus sobre todas as coisas, Nossa Senhora da Consolação, rogai por nós!
Pela Paixão e Morte do vosso Filho Jesus...
Pela oração do Santo Rosário...
Pela devoção dos Primeiros Sábados...
Pelo triunfo do vosso Imaculado Coração...

(Arcos de Pilares)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

ORAÇÃO: 25 DE JANEIRO DA DIVINA INFÂNCIA

  

A JESUS, OBJETO DE NOSSA FÉ

O' santa fé, dizei-nos: quem é Jesus Cristo? Que homem é este que nasce miserável como todos os outros? São João testifica que é o Verbo eterno, o Filho único de Deus, revestido da nossa carne: 'O Verbo se fez carne'. Doce e amável Menino, ainda que vos veja tão pobre nesta palha, vos reconheço e adoro como o meu Senhor e Criador. 

Compreendo o que vos reduziu a tão miserável estado: é o vosso amor para comigo. E depois, ó meu Jesus, quando penso na maneira com que vos hei tratado e nas injúrias com que vos fartei, espanto-me de que me tenhais podido suportar. Ah! malditos pecadores, que fizestes? Enchestes de amargura o coração de um tão bom senhor! Por piedade, meu terno Salvador, pelos sofrimentos que padecestes e lágrimas que derramastes no estábulo de Belém, dai-me lágrimas para chorar toda a minha vida os desgostos que vos hei causado. 

Dai-me amor a vós, mas amor tão ardente que compense todos os males que vos fiz. Amo-vos, ó meu terno Salvador; amo-vos, Deus feito menino para mim; amo-vos, meu amor, minha vida, meu tudo; prometo-vos não amar de agora em diante senão a vós. Ajudai-me com a vossa graça, sem a qual nada posso. O' Maria, minha esperança, tudo quanto quereis do vosso divino Filho alcançais; pedi-lhe que me conceda o vosso santo amor. 


(A Divina Infância de Jesus, celebrada a cada dia 25 do mês, por Santo Afonso Maria de Ligório)

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A VIDA OCULTA EM DEUS: O AMOR DIVINO IGNORA O CIÚME


A alma interior não intenta guardar para si mesma essa felicidade e anseia por compartilhá-la com os outros. Parece que assim saberia amar ainda mais o seu Deus, o seu 'amigo', se o amasse em união com as outras almas a quem pudesse ter comunicado algumas centelhas do fogo que a consome. O Amor Divino ignora o ciúme humano. Quando é dado, não se apaga, mas se incendeia. É fato que a alma interior não deseja que ninguém no mundo possa amar a Deus mais do que ela; mas se tal acontecer, ela ficará feliz por isso. Quanto mais amado for Deus, mais feliz ela será. A perspectiva de almas mais avançadas do que ela na intimidade divina não faz senão a estimular a um ardor maior. Ela deseja e ora que essas almas amem ainda mais e comunga humildemente desse amor. A sua alegria é oferecer ao 'Amado' o afeto destas almas privilegiadas e ela o ama de todo o coração. 

***********

'Ficai comigo, Jesus, não me abandoneis; ficai sempre, sempre comigo. Que eu vos possa ter no mais íntimo do meu coração, presente e escondido ao mesmo tempo. Fazei da minha alma um lugar para vosso deleite e vosso repouso, e que eu não vos possa perturbar em nada'. 

'Estarei aos vossos pés, contemplando-vos e amando-vos no silêncio e vos oferecendo todo o pouco que tenho. Reinareis inteiramente sobre mim num reinado que perdura para sempre. Obrigado, meu Deus, por tanta bondade. Não tenho nada a dizer, só quero vos amar; sim, eu vos amo. Sim, gostaria de repetir dia e noite esta frase como sendo a única capaz de vos agradar e ser digna de vós: Eu sou vosso, ó meu Jesus e meu Deus; eu sou inteiramente vosso, ó meu Salvador. Quero tudo o que quiserdes; quero que permaneceis em mim e sejais todo meu, como sendo tudo para mim, cada vez mais para mim e para sempre. Ficai comigo, ó meu Jesus! Uni-me a Vós e em vós me consumais! Divinizai-me!'  

(Excertos e postagem final da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

IMAGEM DA SEMANA

'Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida' (Jo 8,12)

domingo, 22 de janeiro de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor é minha luz e salvação. O Senhor é a proteção da minha vida(Sl 26)

Primeira Leitura (Is 8,23b-9,3) - Segunda Leitura (1 Cor 1, 10-13.17)  -  Evangelho (Mt 4, 12-23)

 22/01/2023 - Terceiro Domingo do Tempo Comum

09. PESCADORES DE HOMENS


Com a prisão e morte de João Batista, tem fim a Era dos Profetas e começa a pregação pública de Jesus sobre o Reino de Deus: 'Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo' (Mt 4, 17). O reino de Deus é o reino dos Céus, e não um império firmado sobre as coisas deste mundo. Cristo, rei do universo, começa a sua grande jornada pelos reinos do mundo para ensinar que a pátria definitiva do homem é um reino espiritual, que se projeta para a eternidade a partir do coração humano.

E esta proclamação vai começar por Cafarnaum e nos territórios de Zabulon e Neftali, localizada na zona limítrofe da Síria e da Fenícia, e povoada, em sua larga maioria, por povos pagãos. Em face disso, esta região era a chamada 'Galileia dos Gentios', e seus habitantes, de diferentes raças e credos, eram, então, objeto de desprezo por parte dos judeus da Judeia. E é ali, exatamente entre os pagãos e os desprezados, que o Senhor vai proclamar publicamente a Boa Nova do Evangelho do Reino de Deus: 'O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz, e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz' (Mt 4, 16).

Nas margens do Mar da Galileia, Jesus vai escolher os seus primeiros discípulos num chamamento imperativo e glorioso: 'Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens' (Mt 4,19). Aqueles pescadores, acostumados à vida dura de lançar redes ao mar para buscar o seu sustento, seriam agora os primeiros a entrarem na barca da Santa Igreja de Cristo para se tornarem pescadores de homens, na gloriosa tarefa de conduzir as almas ao Reino dos Céus.

Eis a resposta pronta e definitiva dos primeiros apóstolos ao chamado de Jesus: 'Eles imediatamente deixaram as redes e o seguiram' (Mt 4, 20) e 'Eles imediatamente deixaram a barca e o pai, e o seguiram' (Mt 4,22). Seguir a Jesus implica a conversão, pressupõe o afastamento do mundo, pois Jesus nos fala do Reino dos Céus. No 'sim' ao chamado de Jesus, nós passamos a ser testemunhas e herdeiros deste reino 'que não é desse mundo', e nos abandonamos por completo na renúncia a tudo que é humano para amar, servir e viver, prontamente, cotidianamente, o Evangelho de Cristo.

sábado, 21 de janeiro de 2023

TESOURO DE EXEMPLOS (198/200)


198. PROFANAÇÃO DAS FESTAS

O famoso Antíoco, querendo destruir Jerusalém, enviou o odioso capitão Apolônio com um exército de vinte e dois mil homens, com ordem de matar os homens e vender as mulheres e os adolescentes. Apolônio entrou na cidade, e simulando paz, permaneceu tranquilo por algum tempo, esperando o dia de festa em que todo o povo com as mulheres e crianças sairiam alegremente às praças e ruas a fim de gozar do espetáculo dos seus soldados. Na hora em que a multidão era mais densa, a um sinal do capitão, todos os soldados se lançaram sobre aquele povo e, percorrendo a cidade, encheram as ruas de mortos e de sangue. 

Essa matança de corpos é figura de outra mais horrível, a das almas, que o demônio mata nas festas realizadas nas vilas e cidades. Vede como a juventude (e os outros também) espera o domingo, o dia santo (mesmo os maiores) para correr aos campos de jogos e desportos. A religião não proíbe os divertimentos honestos, desde que não se omitam os deveres religiosos. Quais são, porém, os dias em que mais se peca e ofende a Deus?

199. CAÍRAM MORTOS

No século V, dois irmãos gregos, órfãos e donos dos bens paternos, tiveram a crueldade de expulsar de casa e abandonar na rua a sua única irmã chamada Atenais. De nada valeram as lágrimas e súplicas da abandonada, que teve de partir errante pela terra.

Depois de alguns anos os dois desapiedados irmãos foram chamados pelo imperador de Constantinopla. Apresentaram-se e foram conduzidos à sala do trono e ali viram Atenais, a errante, sentada no esplendor de sua beleza e poder que, por uma série de atos providenciais, chegara a se tornar imperatriz e esposa do imperador Teodósio. Ela pôs-se de pé e dirigiu-lhes estas tremendas palavras: 'Vós não me conheceis? Sou a vossa irmã Atenais'. Vendo o que viam, e ouvindo o que ouviram, aqueles desgraçados caíram mortos.

Também nós, com os nossos pecados, não fazemos outra coisa senão expulsar de casa o nosso irmão maior, Jesus Cristo; mas, dentro de poucos anos, quando a morte nos chamar, nós o veremos no seu trono resplandecente e ouviremos a sua voz: 'Não me conheceis? Sou Jesus Cristo, vosso irmão, a quem tanto maltratastes'.

200. O TESOURO DA FÉ

A. Dizem que São Luís, rei de França, todos os anos se dirigia à vila, onde nascera e fôra batizado. Ali passava alguns dias em recolhimento e oração. No último dia, dirigia-se à igreja, ajoelhava-se aos pés da pia batismal e a beijava e a regava com as suas lágrimas, por ter sido ali feito cristão e filho de Deus, que lhe dera o dom da santa fé.

B. O grande Santo Afonso de Ligório, que recebeu de Deus com tanta abundância o dom da santidade e o dom da ciência, todas as noites, antes de recolher-se ao descanso, ajoelhava-se diante do Sacrário e dava graças a Deus pelo tesouro da fé e pelo batismo que o tornara filho do mesmo Deus, irmão de Jesus Cristo e herdeiro do Céu.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

VERSUS: IGREJA CATÓLICA X IGREJA CATÓLICA


Publicado recentemente em italiano (em 12 de janeiro deste ano), a obra Nient'altro che la Veritá - Nada Além da Verdade - constitui um relato pessoal das experiências do arcebispo Georg Gänswein como secretário pessoal de Bento XVI, que se estende até a morte e o funeral do papa emérito. A obra revela um profundo desentendimento entre os dois pontífices em relação à chamada liturgia extraordinária da Santa Missa.

Num contexto de franca exclusão, o papa Bento XVI praticamente libertou as amarras e as restrições à celebração do chamado Rito Tridentino, com a publicação do motu proprio Summorum Pontificum de 2007, permitindo, a partir de então, a livre manifestação litúrgica da missa na 'Forma Extraordinária' (rito antigo) em complemento às celebrações da missa na 'Forma Ordinária' (rito atual, pós 1962). Em 2021, estas proposições foram duramente rescindidas pelo Papa Francisco no motu proprio Traditiones Custodes (restrições que ficaram ainda mais rígidas posteriormente por meio de deliberações específicas da Congregação para o Culto Divino e os Sacramentos do Vaticano).

Na obra citada, o arcebispo Gänswein revelou que o papa Bento XVI ficou profundamente consternado com essa decisão e que a considerava um grande erro do papa Francisco, pelo que compartilhava a dor de milhares de sacerdotes e leigos católicos apegados ao Rito Antigo e que não encontravam justificativas para essa quase total supressão (tal o nível de limitações e exigências formais que envolvem atualmente a celebração desse rito). Trata-se de um posicionamento dúbio e frontalmente antagônico entre dois pontífices da Igreja, o que é particularmente preocupante.


O cardeal australiano George Pell recentemente falecido (10 de janeiro deste ano), arcebispo-emérito de Sydney e prefeito da Secretaria para a Economia do Vaticano entre 2014 e 2019, foi um dos colaboradores mais próximos do papa Francisco. No último artigo que escreveu antes de sua morte - publicado no periódico The Spectator - criticou duramente o atual documento normativo do presente Sínodo proposto pelo Papa Francisco, que tem sessões finais previstas para serem realizadas em Roma em 2023 e 2024. 

O Cardeal Pell designa o documento básico do atual Sínodo Por uma Igreja Sinodal, que congrega e sistematiza as principais proposições coligidas nas etapas preliminares das discussões, como 'um dos documentos mais incoerentes já enviados por Roma', como um manifesto de  'jargão neomarxista' e 'hostil de maneira significativa para a tradição apostólica'. Foi ainda mais longe, ao caracterizar o projeto deste Sínodo com assertivas duríssimas como  'pesadelo tóxico' e 'um derramamento de boa vontade da Nova Era'. Não é também nem de longe uma crítica qualquer ou uma crítica a mais nestes tempos tremendos para a religião católica, para o papado e para a Santa Igreja de Deus. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

PROFISSÃO DE FÉ CATÓLICA (E DO ANTI-ECUMENISMO)


'Professo diante de Vós a minha fé, Pai e Senhor do Céu e da terra, meu Criador e Redentor, minha força e minha salvação, que desde os meus mais tenros anos não cessastes de nutrir-me com o pão sagrado da vossa Palavra e de confortar o meu coração.

A fim de que eu não vagasse, errando como as ovelhas transviadas que não têm pastor, Vós me congregastes no seio de vossa Igreja; colhido, me educastes; educado, continuastes a me ensinar com a voz daqueles Pastores nos quais Vós quereis ser ouvido e obedecido como em pessoa pelos vossos fiéis.

Confesso em alta voz, para a minha salvação, tudo aquilo que os católicos sempre acreditaram de bom direito nos seus corações. Abomino Lutero, detesto Calvino, amaldiçoo todos os hereges; não quero ter nada em comum com eles, porque não falam nem ouvem retamente, nem possuem a única regra da verdadeira Fé proposta pela Igreja una, santa, católica, apostólica e romana.

Uno-me, em vez disso, na comunhão, abraço a fé, sigo a religião e aprovo a doutrina daqueles que ouvem e seguem a Cristo, não apenas quando ensinada nas Escrituras, mas também quando julgada pela boca dos Concílios Ecumênicos e definida pela boca da Cátedra de Pedro, testemunhando-a com a autoridade dos Padres.

Professo-me também filho daquela Igreja Romana que os ímpios blasfemos desprezam, perseguem e abominam como se fosse anticristã; não me afasto de nenhum ponto da sua autoridade, nem me recuso a dar a vida e derramar o meu sangue em sua defesa, e creio que os méritos de Cristo podem obter a minha salvação e a de outros somente na unidade desta mesma Igreja.

Confesso essa Fé e doutrina que aprendi ainda criança, confirmei na juventude, ensinei como adulto, e que agora, com a minha débil força, defendo. Professo francamente, com São Jerônimo, ser uno com quem é uno à Cátedra de Pedro, e protesto, com Santo Ambrósio, seguir em todas as coisas a Igreja Romana que reconheço respeitosamente, com São Cipriano, como raiz e mãe da Igreja universal.

Ao fazer esta profissão, não me move outro motivo senão a glória e honra de Deus, a consciência da verdade, a autoridade das Sagradas Escrituras, o sentimento e o consenso dos Padres da Igreja, o testemunho de fé que devo dar aos meus irmãos e, finalmente, a salvação eterna que espero no Céu e a felicidade prometida aos verdadeiros fiéis.

Se acontecer de eu vir a ser desprezado, maltratado e perseguido por causa desta minha profissão, considerá-lo-ei uma graça e um favor extraordinários, porque isso significará que Vós, meu Deus, me destes a ocasião de sofrer pela justiça e não quereis que me sejam benevolentes aqueles que, como inimigos declarados da Igreja e da verdade católica, não podem ser vossos amigos.

No entanto, perdoai-os, Senhor, porque, instigados pelo diabo e cegados pelo brilho de uma falsa doutrina, não sabem o que fazem, ou não querem saber.

Concedei-me, contudo, esta graça: de que na vida e na morte eu renda sempre um testemunho autêntico da sinceridade e fidelidade que devo a Vós, à Igreja e à verdade, que não me afaste jamais do vosso santo amor, e que esteja em comunhão com aqueles que Vos temem e guardam os vossos preceitos na Santa Igreja Romana, a cujo juízo, com ânimo pronto e respeitoso, eu me submeto e toda a minha obra.

Todos os santos, triunfantes no Céu ou militantes na terra, que estais indissoluvelmente unidos no vínculo da paz na Igreja Católica, mostrai a vossa imensa bondade e rezai por mim.

Vós sois o princípio e o fim de todos os meus bens; a Vós sejam dados, em tudo e por tudo, louvor, honra e glória sempiterna. Amém.

(São Pedro Canísio, em sua obra Summa Doctrinae Christianae, 1571)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

PALAVRAS DA SALVAÇÃO

Disse o Apóstolo: 'Para mim o mundo está crucificado, e eu, para o mundo' (Gl 6,14). Para que saibamos, por fim, que nesta vida há morte e boa morte, exorta-nos a que levemos a morte de Jesus em nosso corpo (cf 2Cor 4,10). Pois quem tiver em si a morte de Jesus, precisa também ter em seu corpo a vida do Senhor Jesus. Atue, portanto, a morte em nós, para que também possa agir a vida. Vida excelente depois da morte, isto é, vida excelente depois da vitória; vida excelente, terminado o combate. Nela a lei da carne já não luta contra a lei do espírito, não há mais em nós peleja da morte contra o corpo, mas no corpo, a vitória sobre a morte. E francamente não sei qual tem maior força, esta morte ou a vida...  Por isto ensina ser desejável esta morte aos que ainda estão nesta vida, para que refulja em nossos corpos a morte de Cristo, aquela ditosa morte pela qual se destrói o ser exterior, a fim de ser renovado nosso homem interior (cf 2Cor 2,16) e se desfaça nossa habitação terrena (cf 2Cor 5,1), abrindo-se assim para nós a habitação celeste... Por isso, a morte é a passagem de tudo. É preciso que passes continuamente; passagem da corrupção para a incorrupção, da condição mortal à imortalidade, das perturbações para a tranquilidade. Por isto não te assuste a palavra morte, mas os benefícios da boa passagem te alegrem. Pois, que é a morte a não ser a sepultura dos vícios, o despertar das virtudes? 

(Santo Ambrósio de Milão)

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

SOBRE O JUÍZO PARTICULAR DA NOSSA ALMA

É sentimento comum entre os teólogos, que o juízo particular se faz assim que o homem expira e que, no próprio lugar onde a alma se separa do corpo, é julgada por Jesus Cristo, que não manda alguém em seu lugar, mas vem Ele mesmo para a julgar. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, o vir indignado!

Ante faciem indignationis eius quis stabit?  – Diante da face de sua indignação quem é que poderá subsistir? (Na 1,6). Este pensamento causava tal estremecimento ao Padre Luiz Dupont, que fazia tremer consigo a cela onde se achava. O bem-aventurado Juvenal Ancina, ouvindo cantar o Dies Irae, e pensando no terror que se há de apoderar da alma ao comparecer em juízo, resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. O aspecto do Juiz indignado será o anúncio da condenação: Indignatio regis, nuntii mortis (Pv 16, 14). Segundo São Bernardo, será maior sofrimento para a alma ver Jesus Cristo indignado do que estar no inferno.

Tem-se visto criminosos banhados em suor frio na presença de um juiz terrestre. Pison, comparecendo no senado em traje de réu, sentiu tamanha confusão, que a si próprio se deu a morte. Que pena não é para um filho ou para um vassalo ver seu pai ou seu príncipe indignado! Que maior mágoa não deve sentir a alma à vista de Jesus Cristo, a quem desprezou durante toda a vida! Videbunt in quem transfixerunt  – Verão aquele a quem traspassaram (Jo 19,37). Esse Cordeiro, tão paciente durante a vida do pecador, então mostrar-se-lhe-á irritado, sem esperança de se deixar aplacar. Pelo que a alma pedirá às montanhas que a esmaguem e a furtem às iras do Cordeiro indignado: Montes, cadite super nos, abscondite nos ab ira Agni (Ap 6, 16).

Opinam os Doutores que o divino Juiz virá julgar a alma em forma humana e, portanto, com as mesmas chagas com que deixou a terra. Estas chagas serão motivo de consolação para os justos, mas que terror e espanto não inspirarão ao pecador! A vista do Homem-Deus, que, morreu para o salvar, far-lhe-á sentir mais vivamente a sua ingratidão.

Quando José do Egito disse a seus irmãos: 'Eu sou José, a quem vendestes' - diz a Escritura, que pelo terror perderam a fala e ficaram calados (Gn 45, 4.5). Que responderá, pois, o pecador a Jesus Cristo? Terá coragem de lhe pedir misericórdia, quando, primeiro que tudo, tem de lhe dar contas do abuso que fez da misericórdia? Que fará então? Pergunta Santo Agostinho, para onde fugirá o miserável, quando vir acima de si o Juiz irritado, por baixo o inferno aberto, a um lado os pecados que o acusam, a outro os demônios armados para execução do suplício e dentro de si os remorsos de sua consciência?

Ó meu Jesus, quero chamar-vos sempre Jesus; vosso nome me consola e me anima, recordando-me que sois o Salvador que morreu para me salvar. Aqui me tendes aos vossos pés; confesso que mereci o inferno tantas vezes quantas vos ofendi pelo pecado mortal. Sou indigno de perdão, mas Vós morrestes para me perdoar. Ah, meu Jesus, perdoai-me antes de virdes a julgar-me. Então não poderei implorar a vossa misericórdia; mas agora posso pedi-la e a espero. Então vossas chagas me inspirarão terror; agora inspiram-me confiança. Meu querido Redentor, acima de todos os males, arrependo-me de ter ofendido a vossa bondade infinita. Estou resolvido, antes, a aceitar todas as penas, todos os sacrifícios, do que vir a perder a vossa graça. Amo-vos de todo o coração. Tende piedade de mim, segundo a vossa grande misericórdia: Miserere mei secundum magnam misericordiam tuam (Sl 50,1). Ó Maria, Mãe de misericórdia, advogada dos pecadores, obtende-me uma grande dor dos meus pecados, o perdão e a perseverança no amor divino. Amo-vos, ó minha Rainha, e em vós ponho toda a minha confiança. 

(Excertos da obra 'Meditações Para todos os Dias e Festas do Ano' - Tomo II, Santo Afonso Maria de Ligório)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XLVIII)

Capítulo VII

Consolação das Almas - A Intercessão dos Anjos - Venerável Paula de Santa Teresa - Pedro de Basto: Vida de Santidade e Devoção pelas Almas do Purgatório 

Além das consolações que recebem da Santíssima Virgem, as almas são também assistidas e consoladas no Purgatório pelos santos anjos e, principalmente, pelos seus anjos da guarda. Os doutores da Igreja ensinam que a missão tutelar dos anjos da guarda só termina com a entrada dos protegidos no Paraíso. Se, no momento da morte, uma alma em estado de graça ainda não se tornou digna de ver a face do Altíssimo, o anjo da guarda a conduz ao lugar de expiação, e ali permanece junto dela para lhe providenciar toda a assistência e consolo em seu poder.

É uma opinião comum entre os santos doutores - diz o Padre Rossignoli - que Deus, que um dia enviará os seus anjos para reunir os eleitos, também os envia de tempos em tempos ao Purgatório, para visitar e consolar as almas sofredoras. Sem dúvida, não pode haver alívio mais precioso do que a visão dos habitantes do Céu, aquela morada abençoada para onde um dia irão para desfrutar de sua gloriosa e eterna felicidade. 

As Revelações de Santa Brígida estão repletas de exemplos dessa natureza e as vidas de vários santos também fornecem um grande número deles. A Venerável Irmã Paula de Santa Teresa, de quem já falamos no capítulo anterior, tinha uma devoção extraordinária para com a Igreja Padecente, pela qual foi recompensada em vida com visões milagrosas. Um dia, enquanto fazia uma oração fervorosa nesta intenção, foi transportada em espírito para o Purgatório, onde viu um grande número de almas mergulhadas nas chamas. Perto delas, ela viu nosso Salvador, assistido pelos seus anjos que apontavam, um após o outro, várias almas que Ele desejava levar para o Céu, para onde eram levadas sob indizível alegria. Diante da visão, a serva de Deus, dirigindo-se ao seu Divino Esposo, disse: 'Ó Jesus, por que esta escolha entre uma multidão tão vasta?' 'Eu libertei' - dignou-se a responder - 'aqueles que durante a vida realizaram grandes atos de caridade e misericórdia, e que mereceram que eu cumprisse a minha promessa a respeito deles: bem-aventurados os misericordiosos, porque obterão misericórdia'. 

Na vida do servo de Deus, Pedro de Basto, encontramos um exemplo que mostra como os santos anjos, mesmo enquanto velam por nós na terra, se interessam pelas almas do Purgatório. E já que mencionamos o nome do Irmão Basto, não podemos resistir ao desejo de dar a conhecer este admirável religioso aos nossos leitores; sua história é tão interessante quanto edificante.

Pedro de Basto, irmão coadjutor da Companhia de Jesus e a quem o seu biógrafo chama de Alfonso Rodríguez do Malabar, morreu em odor de santidade em Cochim, em primeiro de março de 1645. Nasceu em Portugal, da ilustre família dos Machado, unidos pelo sangue a toda a nobreza de toda a província entre o Douro e o Minho. Os duques de Pastrano e Hixar estavam entre seus parentes e o mundo lhe oferecia então uma carreira com as mais brilhantes perspectivas. Mas Deus o reservou para si mesmo e o dotou de maravilhosos dons espirituais. Ainda muito pequeno, quando levado à igreja, rezava diante do Santíssimo Sacramento com o fervor de um anjo. Ele acreditava que todo o povo via como ele, com os olhos do corpo, as legiões de espíritos celestiais em adoração perto do altar e do tabernáculo e, desde então, também o divino Salvador, oculto sob os véus eucarísticos, tornou-se por excelência o centro de todos os seus afetos e das inúmeras maravilhas que preencheram a sua longa e santa vida.

Foi aí que, mais tarde, como num sol divino, descobriu sem véus o futuro e os seus detalhes mais imprevistos. Foi a ele também que Deus mostrou os símbolos misteriosos de uma escada de ouro que unia o Céu e a terra, sustentada pelo tabernáculo, e do lírio da pureza, enraizado e se alimentando do divino trigo dos eleitos e do vinho que sozinho pode gerar virgens. Aos dezessete anos, graças à sua pureza de coração e à fortaleza cuja fonte inesgotável era o Sacramento da Eucaristia, Pedro fez em Lisboa um voto de castidade perpétua aos pés de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ainda assim, não pensou em deixar o mundo e, alguns dias depois, embarcou para as Índias e por dois anos exerceu a profissão militar. Ao final desse período, e sob o risco de um naufrágio, indefeso à mercê das ondas por cinco dias inteiros, foi amparado e salvo pela Rainha do Céu e pela aparição do seu Divino Filho. Prometeu então dedicar-se inteiramente ao estado religioso pelo resto de sua vida. Assim que regressou a Goa, tendo então apenas dezenove anos, foi e ofereceu-se na condição de irmão leigo aos Superiores da Companhia de Jesus. Temendo que o seu nome lhe valesse algum sinal de distinção ou privilégio, adotou doravante o complemento do nome da humilde aldeia onde recebera o batismo, passando a chamar-se simplesmente Pedro de Basto.

Pouco tempo depois, durante uma das provações do seu noviciado, ocorreu este maravilhoso incidente que está registrado nos Anais da Sociedade e que é tão consolador para todos os filhos de Santo Inácio. O mestre de noviços do irmão Pedro enviou-o em peregrinação com dois jovens companheiros à ilha de Salsette, ordenando-lhes que não aceitassem a hospitalidade de nenhum dos missionários, mas que mendigassem de aldeia em aldeia o pão de cada dia e o alojamento da noite. Um dia, cansados ​​da longa viagem, encontraram acolhida em uma família muito humilde, constituída por um ancião, uma mulher e uma criança, que os recebeu com a maior caridade e os incitou a participar de uma refeição frugal. No momento da partida, depois de lhes ter retribuído a acolhida com mil agradecimentos, quando Pedro de Basto implorou aos seus anfitriões que lhe dissessem os seus nomes, de modo a recomendá-los expressamente às graças de Deus, ouviu a mulher lhe dizer: 'Nós somos os três fundadores da Companhia de Jesus', desaparecendo todos no mesmo instante.

Toda a vida religiosa desse santo homem até a sua morte – ou seja, quase cinquenta e seis anos – não foi senão uma cadeia de prodígios e de graças extraordinárias; mas, devemos acrescentar, que ele os mereceu e os comprou, por assim dizer, ao preço da virtude, do trabalho e dos sacrifícios mais heroicos. Incumbido alternadamente de cuidar da lavandaria, da cozinha ou da porta, nos seminários de Goa, de Tuticurin, de Coulao e de Cochim, Pedro nunca procurou afastar-se dos trabalhos mais árduos, nem reservar a si um pouco de lazer, às custas dos seus diferentes ofícios, para que pudesse desfrutar sempre das alegrias da oração. Doenças severas e cuja única causa era o trabalho excessivo - dizia ele sorrindo - eram as suas distrações mais agradáveis. Além disso, abandonado, por assim dizer, à fúria do demônio, o servo de Deus quase não gozava de descanso. Os espíritos das trevas apareceram para ele sob as formas mais terríveis e, muitas vezes, o espancavam severamente, especialmente na hora em que, todas as noites como era seu costume, ele interrompia o sono para ir rezar diante do Santíssimo Sacramento.

Um dia, enquanto viajavam, seus companheiros fugiram diante o alvoroço de uma tropa de homens de aparência formidável, montados em cavalos e elefantes, que vinham ao encontro deles em fúria. Só ele permaneceu calmo e quando seus companheiros expressaram seu espanto por ele não ter manifestado o menor sinal de medo, ele respondeu: 'Se Deus não permite que os demônios exerçam a sua raiva contra nós, o que temos a temer? E se Ele lhes dá permissão, por que então eu deveria me esforçar para escapar da sua fúria? Bastou invocar a Rainha do Céu e ela apareceu imediatamente ao meu lado, pondo em fuga a tropa infernal.

Muitas vezes parecia que tudo era confusão, até no fundo da sua alma, e ele só encontrava a paz e a tranquilidade quando estava no seu refúgio habitual, ou seja, Jesus presente na Santa Eucaristia. Carregado um dia de ultrajes, que lhe causaram alguma pequena perturbação, prostrou-se ao pé do altar e pediu ao nosso Divino Salvador o dom da paciência. Então Nosso Senhor lhe apareceu coberto de chagas, um manto púrpura sobre os ombros, uma corda no pescoço, um junco nas mãos e uma coroa de espinhos na cabeça; então, dirigindo-se a Pedro, disse: 'Veja o que o verdadeiro Filho de Deus sofreu para ensinar os homens a sofrer'.

Mas não falamos no ponto que queríamos ilustrar com esta vida santa – quero dizer, a devoção de Pedro de Basto para com as almas do Purgatório, devoção encorajada e secundada pelo seu bom anjo da guarda. Apesar dos seus numerosos trabalhos, ele recitava diariamente o Santo Rosário em intenção dos falecidos. Um dia, tendo-o esquecido, retirou-se sem o ter recitado mas, mal tinha adormecido, quando foi acordado pelo seu anjo. 'Meu filho' - disse o espírito celestial - 'as almas do Purgatório estão esperando o benefício de suas esmolas diárias'. E então Pedro levantou-se instantaneamente para cumprir esse dever de piedade.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

domingo, 15 de janeiro de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

'Eu disse: Eis que venho, Senhor, com prazer faço a vossa vontade!
(Sl 39)

Primeira Leitura (Is 49,3.5-6) - Segunda Leitura (1 Cor 1, 1-3)  -  Evangelho (Jo 1, 29-34)

 15/01/2023 - Segundo Domingo do Tempo Comum

08. JESUS CRISTO É O CORDEIRO DE DEUS 


Neste segundo domingo do tempo comum, a mensagem profética que ressoa pelos tempos vem da boca de João Batista: 'Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo' (Jo 1, 29). E complementa: 'Dele é que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim' (Jo 1, 30). Eis o primado de João, o Precursor do Messias: Jesus veio ao mundo para resgatar e levar à salvação toda a humanidade e fazer novas todas as coisas.

Diante de Jesus, que viera pela segunda vez até ele às margens do Jordão, assim como foi Maria que visitou a sua prima Santa Isabel, João Batista reconhece no Senhor a glória e a eternidade de Deus 'porque existia antes de mim' (Jo 1, 30). Nas margens do Jordão, uma vez mais, no mistério da Encarnação, os desígnios de Deus são revelados aos homens por meio de João Batista.

Em seguida, reafirma a manifestação da Santíssima Trindade na pomba que desceu do céu, símbolo exposto em dimensão humana para o mistério insondável do Filho na intimidade com o Pai: 'Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele' (Jo 1, 32). O maior profeta de Deus, enviado para batizar com água, declara, então, de forma clara e incisiva, Jesus como Filho de Deus Vivo: 'Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!' (Jo 1, 34).

Eis aí a figura singular do Batista, de quem o próprio Cristo revelou: 'Na verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não veio ao mundo outro maior que João Batista' (Mt 11, 11). A grandeza do Precursor é enfatizada por Jesus naquele que recebeu privilégios tão extraordinários para ser o profeta da revelação de tão grandes mistérios de Deus à toda a humanidade: Jesus Cristo é o Unigênito do Pai, o Filho de Deus Vivo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

sábado, 14 de janeiro de 2023

NOSSA SENHORA DA CONSOLAÇÃO, ROGAI POR NÓS!


'Suplico aos que lerem este livro, que não se deixem abater por esses tristes acontecimentos, mas que considerem que esses castigos tiveram em mira não a ruína, mas a correção de nossa nação. 

É sinal de grande misericórdia de Deus para conosco o fato de não suportar por muito tempo os maus e, assim, castigá-los imediatamente. 

Quanto às outras nações, o Senhor espera pacientemente, antes de puni-las, até que tenham enchido a medida de suas iniquidades. 

A nós, porém, ele prefere não nos tratar assim, com receio de ter que nos punir mais tarde, quando tivermos pecado demasiadamente.

Portanto, Ele nunca retira de nós a sua misericórdia e, quando castiga o seu povo com adversidades, nunca o desampara'.
(II Mac 6, 12 -16)

Nossa Senhora da Consolação, rogai por nós!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O MANDAMENTO DA CARIDADE

A caridade produz a perfeita paz. Pois acontece nas coisas temporais, que são desejadas com frequência que, uma vez obtidas, ainda a alma do que as deseja não repousa mas, pelo contrário, outra já lhe apetece: 'O coração do ímpio é como um mar revolto que não pode repousar' e ainda: 'Não há paz para o ímpio, diz o Senhor' (Is 57, 20). Mas isso não acontece na caridade para com Deus. Quem, de fato, ama a Deus, tem a paz perfeita: 'Muita paz tem os que amam a Tua lei, e não há nada que os perturbe' (Sl 118, 165).

E isto porque somente Deus é capaz de satisfazer o nosso desejo, porquanto Deus é maior do que o nosso coração, como diz o Apóstolo. E por isso diz Santo Agostinho, no primeiro livro das Confissões: 'Fizeste-nos, ó Senhor, para ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti'. E ainda: 'É Ele quem cumula de bens a tua vida' (Sl 102, 5).

A caridade também torna o homem de grande dignidade. Com efeito, todas as criaturas servem à própria majestade divina, e por ela foram feitas, assim como as coisas artificiais servem ao artífice. Mas a caridade faz do servo um homem livre e um amigo. De onde diz o Senhor: 'Já não vos chamarei de servos, mas de amigos' (Jo 15, 15). Mas porventura Paulo não é servo? E os outros apóstolos não escreviam de si serem servos? 

Quanto a isto deve-se saber que há duas servidões. A primeira é a do temor, e esta é penosa e não meritória. Se, de fato, alguém se abstém do pecado somente pelo temor da pena, não merece nada por isto. Ainda é servo. A segunda servidão é a do amor. Se, na verdade, alguém opera não pelo temor da justiça, mas pelo amor divino, não opera como servo, mas como livre, porque voluntariamente, e é por isto que Cristo diz: 'Já não vos chamarei mais de servos'.

E por que? A isto responde o Apóstolo: 'Não recebestes o espírito de servidão para recairdes no temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos' (Rm 8, 15). 'Não há, de fato, temor no amor' (I Jo 4, 18). O temor traz certamente tormento, mas a caridade é deleite.

... Do que já foi dito, fica patente a utilidade da caridade. Pois que, portanto, seja tão útil, deve-se trabalhar diligentemente para adquiri-la e retê-la. Deve-se saber, porém, que ninguém pode por si mesmo possuir a caridade. Antes, ao contrário, é dom inteiramente de Deus. De onde que diz João: 'Não fomos nós que amamos a Deus, mas Ele quem nos amou primeiro' (I Jo 4,19), porque certamente não por causa de nós o amarmos primeiro que Ele nos ama, mas o próprio fato de o amarmos é causado em nós pelo seu amor.

Deve-se considerar também, que ainda que todos os dons sejam do pai das luzes, todavia este dom, a saber, o da caridade, supera todos os demais dons. De fato, todos os outros podem ser possuídos sem a caridade e o Espírito Santo; com a caridade, porém, possui-se necessariamente o Espírito Santo: 'A caridade de Deus foi derramada nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado' (Rm 5,5).

(Excertos da obra 'O Mandamento da Caridade, de São Tomás de Aquino)