terça-feira, 12 de março de 2024

VERSUS: A CASA E A VOLTA PARA CASA


'Só pode ser na casa. Na casa de família. Na casa que se fecha, não para isolar-se da cidade, mas para abrigar da chuva e do vento a boa sementeira da amizade... Disse que a casa é um segredo. De fato o é. Ou deve ser. Deve ser uma interioridade. Uma intimidade. Uma intimidade de afeições e uma intimidade de aflições. Um mundo de recato. Uma história escondida. Mas dentro desse segredo que abriga uma família há um outro segredo que se esconde da família. Naquela gruta de pedra há uma concha fechada e dentro dessa concha um segredo maior, escondido na intimidade e no segredo da casa. Os esposos se escondem. Escondem-se da casa, dentro da casa. Fecham-se dentro do que já é fechado. Abrigam-se no interior do que já é abrigado. E assim é que, nesse último reduto, nesse último porto, nesse abrigo, nessa concha, preparam não só o amor e a justiça, mas também o fruto dessa justiça e desse amor'.


'Preparar, pelo trabalho, a volta para casa, entre todas as coisas do mundo, é a que tem mais densidade de ventura. Pode o mundo moderno aviltar o trabalho, fazendo do homem uma pura máquina para o serviço de uma babilônia; pode semear obstáculos sem fim entre a mesa do funcionário e aquela soleira de porta onde ele tira do bolso uma chave encantada e toma posse de um reino; podem os pregadores anunciar um regime ideal, em que a casa é um prolongamento da repartição, uma máquina de morar cujos objetos pertencem a todos (o que equivale a dizer que não pertencem a ninguém), e onde o próprio gato receberá um nome oficial; podem socializar, burocratizar, centralizar; e minar os alicerces da família; e arrebatar as crianças para as chocadeiras técnicas onde se ensina que foi um dentista ou um bacharel que fizeram o mundo; debalde farão tudo isso com o auxílio de todos os demônios: o homem não esquece o paraíso que perdeu. Não esquece que seu primeiro pai foi um rico proprietário rural, que dava ele mesmo os nomes aos bichos e usava fartamente, e sem pena, os frutos de sua terra'.

(textos de Gustavo Corção)