'Voltai para mim de todo o coração, fazendo jejuns, chorando e batendo no peito! Rasgai vossos corações, não as roupas!' (Jl 2, 12 -13)
Assim diz o Senhor, pela boca do profeta Joel: 'Voltai para mim de todo o coração'... com apelos de conversão e penitência! A Quaresma é para ser vivida no coração, mas não no nosso coração cotidiano, emotivo, superficial e vazio, submerso nas preocupações da vida e nas tribulações diárias de nossa rotina. Não, o nosso coração para Deus neste tempo de graças extremadas deve ser um coração quebrado, partido, rasgado, desfigurado... 'Rasgai os vossos corações'... somente assim, em corações rasgados para o mundo, flagelados pela contrição sincera, machucados pela dor do arrependimento, o Senhor pode entrar e habitar com alegria, porque são estes corações que se mais se assemelham ao Sagrado Coração de Jesus no Calvário.
'Voltai para mim de todo o coração'... neste tempo de Quaresma, é esse o apaixonado apelo do Senhor: afastai-vos do mundo e dai-Me os vossos corações partidos, sofridos, amargurados e Eu farei habitar neles a minha Santa Alegria. Entregar nossos corações feridos e quebrados significa experimentarmos plenamente os frutos da mortificação, da contrição e da conversão sincera. E para isso, temos cinco práticas ou preceitos tradicionalmente vividos no tempo quaresmal: jejum e abstinência, esmola, silêncio, vigília e aumento do tempo dedicado à leitura orante da Bíblia (lectio divina). Estes são os meios que a Tradição da Igreja nos revela como experimentados e verdadeiramente eficazes para se entregar o coração - de todo o coração - à graça de Deus.
1. Jejum e Abstinência
O jejum (a privação da alimentação) e a abstinência (não fazer uso de certos alimentos) constituem a primeira pancada para quebrar a crosta endurecida do nosso coração. Não implicam golpes de aríete (jejuns extraordinários, proezas desmedidas), mas tão somente uma série de pequenos impactos, contínuos e duradouros (condizente com o estado de saúde de cada um), que estimulem a nossa vulnerabilidade e fraqueza diante da fome, da sede ou da insaciedade, limitações e vazios que somente Deus nos pode prover. Ambos têm uma conotação essencialmente eucarística: 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede' (Jo 6, 35).
2. Esmola
A esmola é a dádiva ao outro sem a imposição de recursos de favor ou gratidão. O fruto da esmola é a alegria espiritual, que rasga o nosso coração por dentro para abrir o coração do outro. E, assim, abrimos o coração a Cristo. A esmola rompe o escândalo do instinto do acúmulo, que nos leva a guardar para ninguém o que aos outros pertence. O supérfluo que entulha nossos armários e casas rouba que outro possa ter o necessário e é uma afronta à Providência Divina, pois o Senhor enche de bens os famintos e manda embora os ricos de mãos vazias (Lc 1, 53).
3. Silêncio
O silêncio é a arma predileta de Deus para romper os corações mais endurecidos. Fique em silêncio, viva o silêncio no tempo quaresmal. O silêncio evita o pecado. Mais ainda, diante do teu silêncio, a Palavra de Deus vai romper as muralhas e chegar às masmorras mais escondidas do teu pobre coração porque 'a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração' (Hb 4, 12).
4. Vigília
A vigília é o seu tempo sozinho com Deus. O sacrifício do nosso tempo para Deus é uma oferta de todo o coração, que nos libera da escravidão de tanto tempo perdido em coisas sem sentido e fúteis. A vigília implode o nosso coração eivado de preocupações cotidianas e submerso na posse de um tempo que está sempre aquém do que precisamos. Somos possessivos do nosso tempo e, ainda assim, perdemos tempo o tempo todo. Uma vez livres da sofreguidão do nosso tempo e na presença de Deus, experimentamos na vigília ao Senhor, mais do que apenas um pouco de tempo, a doação da nossa própria vida.
5. Leitura Orante da Bíblia
É a prática que complementa todas as outras e, sem a qual, as outras não podem dar frutos. Sem a leitura orante da Bíblia, o jejum perde o sentido, a esmola fica sempre para depois, o silêncio nos inquieta e a vigília tende a ser pesada e desconfortável. A lectio divina é o fundamento de todas as outras formas de oração. Com ela, podemos percorrer com maior proveito o caminho da Cruz, adorar com santa alegria o Senhor no Santíssimo Sacramento e invocar Nossa Senhora como advogada e medianeira na nossa entrega a Deus de todo o coração.
(postagem publicada originalmente no blog em 17/02/2018)