sexta-feira, 23 de agosto de 2024

A ENTRADA DA ALMA NO CÉU

I – Ó Deus! Que dirá a alma ao entrar no reino bem-aventurado do Céu? Imaginemos ver morrer essa virgem, esse jovem que, tendo-se consagrado ao amor de Jesus Cristo, e, chegada a hora da morte, vai deixar esta terra. Sua alma apresenta-se para ser julgada; o Juiz acolhe-a com bondade e lhe declara que está salva. O seu Anjo da guarda vem ao seu encontro e mostra-se todo contente; ela lhe agradece toda a assistência recebida, e o anjo responde-lhe: 'Alegra-te, alma formosa; já estás salva; vem contemplar a face do teu Senhor'.

Eis que a alma se eleva acima das nuvens, acima do firmamento e de todas as estrelas: entra no Céu. Que dirá ao penetrar pela primeira vez nessa pátria bem-aventurada, ao lançar o primeiro olhar sobre essa cidade de delícias? Os Anjos e os Santos saem-lhe ao encontro e lhe dão, jubilosos, as boas vindas. Que consolação experimentará ao encontrar ali os parentes e amigos que a precederam, e os seus gloriosos protetores! A alma quererá prostrar-se diante deles; mas os Santos lhe dirão: Guarda-te de o fazer; porque somos servos como: Vide ne feceris; conservus tuus sum.

Ela irá depois beijar os pés de Maria, a Rainha do paraíso. Que ternura não experimentará ao ver pela primeira vez essa divina Mãe, que tanto a ajudou a salvar-se! Então a alma verá todas as graças que Maria lhe alcançou. A Rainha celestial abraça-a amorosamente e a conduz a Jesus que a acolhe como esposa e lhe diz: Veni de Libano, sponsa mea; veni, coronaberis - Vem do Líbano, esposa minha; vem, serás coroada. Regozija-te, esposa querida, passaram já as lágrimas, as penas, os temores: recebe a coroa eterna que te alcancei a preço de meu sangue. Ah, meu Jesus! Quando chegará o dia em que eu também ouvirei de tua boca estas doces palavras?

II – Jesus mesmo acompanhará a alma bem-aventurada afim de receber a bênção de seu Pai divino, que a abraçará carinhosamente e a abençoará, dizendo: Intra in gaudium Domini tui” - Entra no gozo do teu Senhor, e então a deixará participar da sua própria gloriosa beatitude.

Meu Deus, aqui tendes aos vossos pés um ingrato, que foi criado por Vós para o Céu, mas que muitas vezes, na vossa presença, o renunciou por indignos prazeres, consentindo em ser condenado ao inferno. Espero que já me haveis perdoado todas as injúrias que Vos fiz e de que de novo me arrependo e quero arrepender-me até à morte. Quero também que Vós sempre as torneis a perdoar-me. Mas, ó Jesus, embora já me tenhais perdoado, sempre ficará sendo verdade que tive a audácia de amargurar-vos, meu Redentor que, para me conduzir ao vosso reino, sacrificastes a própria vida. Para sempre seja louvada e abençoada a vossa misericórdia, ó meu Jesus, que me haveis aturado com tamanha paciência, e que, em vez de me punir, multiplicastes para comigo as graças, as luzes e os chamados.

Vejo, meu amantíssimo Salvador, que quereis deveras a minha salvação; quereis ver-me em vosso reino para eu que vos possa amar eternamente; mas quereis que primeiramente vos ame nesta terra. Sim, eu quero vos amar. Ainda que não houvesse paraíso, quisera amar-vos por toda a vida, com toda a minha alma, com todas as minhas forças. Basta-me saber que Vós, meu Deus, desejais ser amado por mim. Assisti-me, meu Jesus, com a vossa graça; não me abandoneis. Minha alma é eterna; estou, pois, na alternativa de vos amar ou de vos odiar eternamente! O que eu quero é amar-vos eternamente; quero amar-vos muito nesta vida para vos amar muito na outra. Disponde de mim como vos aprouver; castigai-me como quiserdes; não me priveis do vosso amor, e depois fazei de mim segundo a vossa vontade. Meu Jesus, os vossos méritos são a minha esperança. Ó Maria, ponho toda a minha confiança na vossa intercessão. Livrastes-me do inferno, quando estava em pecado; agora, que desejo só a Deus, deveis salvar-me e tornar-me santo.

(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano', Santo Afonso Maria de Ligório)