50. A humildade é caridosa, interpretando todas as coisas pelo melhor e compadecendo-se e desculpando, na medida do possível, as faltas dos outros. Por isso, São Pedro, querendo exortar-nos a amar e a ter compaixão dos nossos semelhantes, exorta-nos ao mesmo tempo a sermos humildes: 'Tendo compaixão uns dos outros, com sentimentos de amor fraterno... humildes' [1 Pd 3, 8], porque não há caridade sem humildade e, por isso, censurar e criticar com demasiada prontidão as ações do próximo, julgar e dizer mal dele são vícios que se opõem diretamente à virtude da humildade. Quem me deu o poder de julgar os meus irmãos? Quando assim me constituo juiz deles e, no tribunal dos meus pensamentos, condeno primeiro um e depois outro, estou a usurpar uma autoridade que não possuo e que só a Deus pertence: 'Porque Deus é o Juiz' [Sl 49,6].
E, se isso não é orgulho, o que é orgulho? Em castigo de tal arrogância, Deus permite-nos muitas vezes cair nas mesmas faltas que condenamos nos outros, e é bom que nos lembremos do ensinamento de São Paulo: 'Por isso, és indesculpável, ó homem, todo aquele que julga. Porque, quando julgas a outro, condenas-te a ti mesmo' [Rm 2,1]. Há sempre um certo orgulho farisaico no coração daquele que julga e fala mal dos outros porque, ao depreciar os outros, ele se exalta. É em vão que tentamos encobrir o nosso falar mal sob o véu de um motivo bom; é sempre o resultado do orgulho que é rápido a descobrir as fraquezas dos outros, enquanto permanece cego para as suas próprias fraquezas.
Se somos culpados de orgulho, procuremos emendar-nos e não nos iludamos de possuir o mais pequeno grau de humildade até que, pelas nossas boas resoluções cuidadosamente executadas, tenhamos mortificado a nossa má tendência para falar mal do nosso próximo. Ouçamos o Espírito Santo: 'Onde há soberba também haverá opróbrio, mas onde há humildade também haverá sabedoria' [Pv 11,2]. O homem orgulhoso é desdenhoso e arrogante em seu discurso; e somente o humilde sabe falar bem e com sabedoria. Se houver humildade no coração, ela se manifestará na fala, porque 'o homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o que é bom' [Lc 6,45].
51. Mas, para adquirir a humildade, é necessário também ser prudente em não falar bem de si mesmo. 'Que outro te louve' - diz a palavra inspirada - 'e não a tua própria boca, um estranho e não os teus próprios lábios' [Pv 27,11]. É muito fácil cairmos neste erro de nos elogiarmos a nós próprios até se tornar um hábito e, com este hábito tão oposto à humildade, como poderemos ser humildes? Que boas qualidades temos nós próprios pelas quais nos possamos louvar? Tudo o que há de bom em nós vem de Deus, e só a Ele devemos dar louvor e honra. Quando, portanto, nos louvamos a nós próprios, estamos a usurpar a glória que é devida somente a Deus.
Mesmo que, ao nos louvarmos, por vezes remetamos tudo para a honra de Deus, isso pouco importa; quando não há necessidade absoluta, é melhor abstermo-nos de nos auto-elogiarmos porque, embora remetamos tudo para a glória de Deus com os nossos lábios, o nosso camuflado e sutil amor-próprio não pode deixar de se apropriar dela secretamente. E mesmo falando de forma depreciativa de nós mesmos, pode haver algum orgulho hipócrita em nossas palavras, tal como foi mencionado pelo sábio de antigamente quando ele disse: 'há quem se humilhe maliciosamente, mas cujo coração está cheio de engano' [Eclo 19,23].
Portanto, nunca podemos vigiar-nos o suficiente, porque não há nada que nos ensine tão bem a conhecer o orgulho do nosso coração como as nossas palavras, com as quais revelamos ou escondemos a depravação dos nossos afetos. E esta é a caraterística do orgulhoso, segundo São Bernardo: 'Aquele que se vangloria de ser o que é, mente sobre o que não é' [Epist. 87]. Tenhamos no coração e na mente este precioso conselho dado por Tobias a seu filho: 'Nunca permitas que o orgulho reine na tua mente ou em tuas palavras' [Tb 4,14]. As palavras de um homem orgulhoso são deprimentes, quer fale de si mesmo ou dos outros, e são odiadas tanto por Deus como pelos homens: portanto, devemos detestar este vício, não só do ponto de vista cristão, mas também do ponto de vista humano.
('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)