SOBRE A SANTA COMUNHÃO
'E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo'
(Jo 6,51)
Quem de nós, meus caros irmãos, poderia pensar que Jesus Cristo, por amor às suas criaturas, poderia chegar ao ponto de alimentar as nossas almas com o seu adorável corpo e o seu precioso sangue, se Ele próprio não nos tivesse assegurado esse fato? Uma alma pode receber o seu Criador, e quantas vezes quiser! Ó abismo de bondade e amor de Deus por suas criaturas! Quando o Redentor se revestiu da nossa carne, diz São Paulo, escondeu a sua divindade e levou a sua humilhação até à morte ignominiosa. Mas no adorável Sacramento da Eucaristia, Ele, no seu amor e misericórdia sem limites, esconde também a sua humanidade.
Mas, infelizmente, quão poucos são os que sabem valorizar a magnificência da graça de Deus! Se apreciássemos devidamente a grande bênção do nosso privilégio de receber Jesus Cristo, esforçar-nos-íamos incessantemente por merecê-la. Para dar uma idéia da grandeza desta bênção, vamos considerar: (I) a sublimidade e a importância deste Sacramento; (II) os seus efeitos e suas bênçãos.
I
Não me comprometo, caros irmãos, a descrever-vos toda a sublimidade deste Sacramento, porque isso não é possível ao homem mortal; seria como se o próprio Deus descrevesse a magnitude deste milagre. Nunca deixaremos de nos interrogar, na outra vida e por toda a eternidade, sobre o fato de a nós, homens miseráveis, ter sido permitido receber um Deus tão grande. Mas, para vos dar uma ideia das grandes bênçãos deste grande Sacramento, queridos irmãos, lembremo-nos de que Jesus Cristo, durante a sua vida terrena, nunca foi a lado nenhum sem distribuir as suas mais ricas bênçãos, e quão grandes, portanto, e preciosos devem ser os dons recebidos na Sagrada Comunhão! De fato, o maior bem do homem neste mundo consiste em receber Jesus Cristo na Sagrada Comunhão, porque a Sagrada Comunhão não é apenas proveitosa e um alimento para as nossas almas, mas também, como veremos, proveitosa para os nossos corpos.
Lemos no Evangelho que Jesus Cristo, ao entrar em casa de Isabel, embora estivesse ainda encerrado no ventre de sua Mãe, encheu Isabel e o seu filho com o Espírito Santo; de modo que João foi purificado do pecado original, e a mãe gritou: 'De onde me vem isto, que a mãe do meu Senhor venha ter comigo?' Deixo-vos, caríssimos irmãos, a consideração de quão maior é a sorte daqueles que, na Santa Comunhão, recebem Jesus Cristo, não só em sua casa, mas em seus corações; que podem retê-lo não só por seis meses, como Isabel, mas por todo o tempo de suas vidas. Se o santo e venerável Simeão, tendo durante tantos anos desejado ardentemente contemplar o Redentor, e por fim, tendo Jesus nos braços, foi tão arrebatado pela alegria, e tão extasiado, que clamou, num êxtase de amor 'Ó Senhor, que mais posso desejar sobre a terra, depois de ter contemplado com os meus próprios olhos o Redentor do mundo? Agora posso morrer em paz!' E ainda, caríssimos irmãos, que diferença há entre tê-lo nos braços por um momento apenas e recebê-lo no nosso coração na Sagrada Comunhão? Como não damos valor à nossa sorte!
Quando Zaqueu ouviu falar de Jesus Cristo, teve um grande desejo de vê-lo e, diante da grande multidão que o impedia de ver, subiu a uma árvore, e o Senhor o viu e lhe disse: 'Zaqueu, desce, porque hoje entrarei em tua casa'. Ele desceu imediatamente e fez os melhores preparativos que podia para receber o Redentor. Ao entrar em sua casa, o Senhor disse: 'Hoje chegou a salvação a esta casa'. Comovido com a bondade de Jesus Cristo, Zaqueu gritou: 'Senhor, a metade dos meus bens dou aos pobres, e se eu tiver prejudicado alguém em alguma coisa, restituo-lhe quatro vezes mais'. E assim a visita de Jesus Cristo fez de um grande pecador um grande santo. Segundo o Evangelho, quando Jesus entrou em casa de São Pedro, este pediu-lhe que curasse a sua sogra, que sofria de uma febre violenta. Jesus Cristo ordenou que a febre a deixasse, e ela ficou curada imediatamente e serviu os convidados à mesa. O que é que levou o Salvador a ressuscitar Lázaro da morte, depois de ele ter estado morto durante quatro dias? Foi o fato de Lázaro o ter recebido tantas vezes em sua casa; por isso, o nosso Senhor mostrou um tal apego por ele que derramou lágrimas.
Em outras ocasiões, Jesus foi suplicado por pessoas para salvar as suas vidas, outras pediram-lhe para curar os seus corpos, e ninguém foi embora sem ter obtido o que queria. Não é esta a prova de que Ele está sempre pronto a conceder tudo o que lhe pedimos? Que graças não derramará sobre nós quando entrar nos nossos corações, para aí fazer a sua morada? Quem pode compreender a felicidade de um cristão que, bem preparado, recebe Jesus Cristo no seu coração, e que assim se torna parte do céu?
Mas, perguntarão, por que é que a maior parte dos cristãos mostra tão pouco apreço por esta felicidade? Por que é que muitos deles pensam pouco dela, e até zombam daqueles que frequentemente participam dela? Esses pobres infelizes simplesmente nunca conheceram nem desfrutaram dessa grande felicidade. Que felicidade é para um cristão crente levantar-se do banquete sagrado e sair com o céu no coração! Afortunada é a casa em que tais cristãos habitam! Possuir em sua própria casa um tabernáculo no qual Deus está entronizado! Quereis saber, talvez, se esta felicidade é tão grande, porque é que a Igreja só nos manda comungar uma vez por ano? Esta ordem não é dada para os bons cristãos, mas para os cristãos frouxos e indiferentes, para o bem das suas pobres almas.
Na Igreja primitiva, o maior castigo para um cristão era ser privado da Sagrada Comunhão. Os primeiros cristãos podiam comungar sempre que assistiam ao Santo Sacrifício da Missa. Quando a Igreja viu que muitos cristãos negligenciavam a salvação das suas pobres almas, deu-lhes a ordem de comungar três vezes por ano, no Natal, na Páscoa e no Pentecostes, esperando que o medo de pecar contra esta ordem lhes abrisse os olhos. Mas quando, com o passar do tempo, os cristãos se tornaram ainda menos zelosos da salvação de suas almas, ela tornou seu dever receber a Santa Comunhão pelo menos uma vez por ano. Como é infeliz e cego o cristão que deve ser obrigado por lei a participar desta grande felicidade! Se, meus caros irmãos, não tivésseis outros pecados na vossa consciência senão a negligência do vosso dever pascal, estaríeis eternamente perdidos. Agora dizei-me que incentivo há para deixardes a vossa alma cair num estado tão triste? Dizeis que sois feliz e contente. Se eu pudesse acreditar em ti! Mas onde encontras a tua paz e contentamento? Será no pensamento de que a alma espera o momento da morte para ser lançada no inferno? Ou, talvez, porque o diabo é o vosso mestre? Como é cego e infeliz o homem que perdeu a fé!
II
Todos os Padres da Igreja nos ensinam que, pela receção de Jesus Cristo na Sagrada Comunhão, recebemos bênçãos mil vezes maiores para o tempo e para a eternidade; de fato, esta é uma verdade tão fundamental que até uma criança, à pergunta: 'Devemos desejar ardentemente receber a Sagrada Comunhão?', responderia: 'Sim, de fato'. 'E por que?' 'Por causa dos excelentes efeitos que ela produz em nós'. 'E quais são esses efeitos?' 'A Sagrada Comunhão une-nos mais intimamente a Jesus Cristo, enfraquece as nossas inclinações para o mal, fortalece em nós a vida da graça e é para nós o fundamento e o penhor da vida eterna'.
1. A Santa Comunhão une-nos mais intimamente a Jesus Cristo. Esta união é tão íntima, caríssimos irmãos, que o próprio Jesus Cristo nos diz: 'Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele, porque a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida'. Por conseguinte, caríssimos irmãos, ao recebermos a Sagrada Comunhão, o sangue adorável de Jesus Cristo corre realmente nas nossas veias, a sua carne é realmente misturada com a nossa; e por isso São Paulo diz: 'Não sou eu que ajo e penso, mas é Jesus Cristo que age e pensa em mim. Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim'.
2. Ao recebermos Jesus Cristo na Sagrada Comunhão, recebemos uma abundância de graças; ao recebermos Jesus Cristo, recebemos a fonte de todas as bênçãos. Aqueles que recebem Jesus Cristo sentem a sua fé fortalecida, e estão mais profundamente impregnados com as verdades da sua santa religião; percebem mais claramente a enormidade e o perigo do pecado; o pensamento do julgamento assusta-os mais; a desgraça da perda de Deus é mais percetível para eles. Na Sagrada Comunhão, a nossa coragem é fortalecida; somos fortes para combater, as nossas ações são guiadas por motivos mais puros, a nossa caridade aumenta cada vez mais. O pensamento de que levamos Jesus no nosso coração, o arrebatamento que experimentamos nesse momento feliz, une-nos e liga-nos de tal modo a Deus que o nosso coração só pensa e só deseja Deus. Este, meus caros irmãos, é um dos efeitos que a Santa Comunhão produz em nós, se formos tão felizes a ponto de receber Jesus Cristo dignamente.
3. A Sagrada Comunhão enfraquece a nossa inclinação para o mal. É muito fácil perceber isso. O preciosíssimo sangue de Jesus que corre nas nossas veias, e o seu adorável corpo que se mistura com o nosso, devem necessariamente destruir, ou pelo menos enfraquecer muito, a nossa inclinação para o mal, produzida em nós pelo pecado de Adão. É certo, caríssimos irmãos que, depois da comunhão, sentimos um novo desejo do celeste e um novo desprezo pelas coisas materiais. Como pode o orgulho entrar num coração que acaba de receber um Deus que, ao entrar nesse coração, se rebaixou até à privação de si mesmo? Um coração que recebeu um Deus tão puro, que é a própria santidade, não sentiria o maior horror ao pecado da impureza? Um cristão que recebeu Jesus Cristo, que morreu pelos seus inimigos, não desejaria mal aos que o ofenderam? Certamente que não: dar-lhe-ia prazer fazer-lhes o bem, tanto quanto estivesse ao seu alcance. Por isso, São Bernardo dizia aos seus monges: 'Meus filhos, quando vos sentirdes menos inclinados para o mal e mais inclinados para o bem, agradecei a Jesus Cristo que vos concedeu esta graça pela Sagrada Comunhão'.
4. A Sagrada Comunhão é para nós um penhor da vida eterna, isto é, a Sagrada Comunhão dá-nos a expectativa do céu, a certeza de que o céu será um dia a nossa morada. Além disso, Jesus Cristo fará com que o nosso corpo, na ressurreição, apareça tanto mais glorioso quanto mais vezes o tivermos recebido dignamente. Sim, queridos irmãos, se realmente soubéssemos apreciar a grandeza desta felicidade, não nos importaria viver a menos que nos fosse permitido receber Jesus Cristo como nosso alimento diário. Consideraríamos que todas as coisas criadas não valem a pena; desprezá-las-íamos e entregar-nos-íamos apenas a Deus, e o nosso objetivo seria tornar-nos diariamente mais dignos de o receber.
Se tais são a felicidade e as bênçãos que resultam da digna receção deste Sacramento, não deveríamos esforçar-nos por nos tornarmos dignos de o receber frequentemente? Os efeitos que vos são explicados neste discurso todos nós desejaríamos que se produzissem em nós; por isso, exorto-vos, venerai este grande Sacramento e vivei de modo a poderdes receber o vosso Senhor e Deus, e participar da sua graça e bênção para que, no fim dos tempos, sejais, segundo as suas próprias palavras, ressuscitados da morte para a vida eterna, o que vos desejo a todos. Amém.