Capítulo LXXXVII
Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - O Regresso do Sacerdote Exilado - O Padre Mumford e a Carta de William Freyssen
Para compreender a gratidão das santas almas, é necessário que tenhamos uma concepção muito clara do benefício que recebem dos seus benfeitores e que saibamos o que significa 'entrar no Céu'.
'Quem nos dará a conhecer' - diz o abade Louvet - 'as alegrias dessa hora bem-aventurada?' Representai para vós mesmos a felicidade de um exilado que regressa finalmente à sua pátria. Durante o reinado do terror, um pobre padre de La Vendee foi condenado a morrer afogado. Tendo escapado por milagre, foi obrigado a emigrar para salvar a sua vida. Quando a paz foi restabelecida na Igreja e na França, apressou-se a regressar à sua querida paróquia.
'Foi um dia de festa na aldeia. Todos os paroquianos foram ao encontro do seu pároco e pai; os sinos da velha torre tocaram alegremente e a igreja estava decorada como em dias de grande solenidade. O velho sacerdote avançou sorridente no meio dos seus filhos, mas quando as portas do lugar santo se abriram diante dele, quando voltou a ver o altar que tanto alegrou os dias da sua juventude, o seu coração, demasiado fraco para suportar tais arroubos de alegria, rompeu-se no seu peito. Com uma voz trêmula entoou o Te Deum, mas era o Nunc Dimittis da sua vida sacerdotal:caiu moribundo aos pés do altar. O exilado não tinha mais o vigor necessário para suportar as alegrias do seu regresso'. Se tais são as alegrias do regresso de um exilado à sua pátria terrestre, quem nos dará a conhecer os enlevos que experimentaremos ao entrar no Céu, a verdadeira morada das nossas almas? E como admirar a gratidão dos bem aventurados que ajudamos a lá entrar?
O Padre James Mumford, da Companhia de Jesus, que nasceu na Inglaterra em 1605 e que lutou durante quarenta anos pela causa da Igreja naquele país, entregue à heresia, compôs uma obra notável sobre o Purgatório, que mandou imprimir em Colônia por William Freyssen, um conhecido editor católico. Este livro obteve grande circulação e fez um grande bem entre as almas, sendo o editor Freyssen um dos que mais se beneficiaram com ele. Eis a carta que ele escreveu ao Padre Mumford em 1649:
'Escrevo-lhe, padre, para o informar da cura milagrosa e dupla do meu filho e da minha mulher. Durante as férias, enquanto o meu escritório estava fechado, pus-me a trabalhar na leitura do livro Misericórdia Praticada para com as Almas do Purgatório”, que me mandaste imprimir. Estava ainda a ler a obra quando fui informado de que o meu filho, de quatro anos de idade, apresentava sintomas de uma doença grave. A doença progrediu rapidamente, o médico perdeu a esperança e já se pensava nos preparativos para o seu enterro. Ocorreu-me que talvez o pudesse salvar, fazendo um voto a favor das almas do Purgatório'.
'Fui à igreja de manhã cedo, e implorei fervorosamente a Deus que tivesse piedade de mim, prometendo como voto distribuir gratuitamente cem exemplares do vosso livro entre os eclesiásticos e religiosos, para lhes lembrar o zelo com que devem interessar-se pela Igreja que sofre, e as práticas mais adequadas para cumprir este dever. Reconheço que estava cheio de esperança. Quando regressei a casa, encontrei a criança melhor. Já pedia comida, embora há vários dias não conseguisse engolir uma só gota de líquido. No dia seguinte, a cura foi completa; levantou-se, saiu para passear e comeu com tanto apetite como se nunca tivesse estado doente. Penetrado de gratidão, o meu desejo mais urgente era cumprir a minha promessa. Dirigi-me ao Colégio da Companhia de Jesus e pedi aos Padres que aceitassem os meus cem exemplares, que ficassem com o número que quisessem para eles e que distribuíssem os demais para outras comunidades e eclesiásticos que conhecessem, para que as almas sofredoras, minhas benfeitoras, pudessem ser consoladas com novos sufrágios'.
'Três semanas depois, aconteceu-me um outro acidente, não menos grave. A minha mulher, ao entrar em casa, foi subitamente tomada por um violento tremor em todos os membros, que a fez cair prostrada no chão. Rapidamente perdeu o apetite e a capacidade de falar. Foram empregados todos os tipos de remédios, mas em vão. A doença só aumentava, e toda a esperança parecia perdida. O seu confessor, vendo-a reduzida a este estado, procurou palavras para me consolar, exortando-me a resignar-me à vontade de Deus. Quanto a mim, depois da proteção que experimentei das boas almas do Purgatório, não podia pensar em desesperar'.
'Voltei à mesma igreja, prostrei-me diante do Santíssimo Sacramento e renovei a minha súplica com todo o fervor de que era capaz. Ó meu Deus - exclamei - a vossa misericórdia não tem limites! Em nome da vossa Infinita Bondade, não permitais que o restabelecimento da saúde do meu filho seja compensado pela morte da minha mulher! Fiz então o voto de distribuir duzentos exemplares do teu livro, para obter um alívio ainda mais abundante para as almas sofredoras. Ao mesmo tempo, pedi às almas que tinham sido libertadas anteriormente que unissem as suas orações às das outras ainda retidas no Purgatório. Depois desta oração, regressei a casa e vi os meus criados a correr ao meu encontro. Disseram-me que a minha querida esposa estava bastante melhor, que o delírio tinha cessado e que a sua fala tinha voltado. Apressei-me a ir ter com ela e verifiquei que tudo era verdade. Ofereci-lhe comida, que ela tomou com gosto. Pouco tempo depois, estava tão restabelecida que me acompanhou à igreja para dar graças a Deus por toda a sua misericórdia'.
'Vossa Reverência pode depositar toda a confiança nesta declaração. Peço-lhe que me ajude a agradecer a Nosso Senhor por este duplo milagre' (William Freyssen).
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog