52. O próprio Deus nos deu os meios de obter essa humildade de coração, na lembrança da morte e na meditação sobre ela. A morte é a melhor mestra da verdade; e o orgulho, que não passa de uma ilusão do nosso coração, apega-se a uma vaidade que ele não reconhece como vaidade; por isso, a morte é o melhor meio de aprendermos o que é a vaidade e de nos desapegarmos dela. O nosso amor-próprio é ferido pelo pensamento de que devemos morrer em breve e quando menos o esperarmos e que, com a morte, tudo termina para nós neste mundo; mas, ao mesmo tempo, esta reflexão enfraquece e humilha o nosso amor-próprio. Infelizmente, não pensamos na morte com a seriedade que lhe deveríamos dar.
Se eu tivesse a certeza de que iria morrer dentro de um ano, imagino que me tornaria mais humilde, dia após dia, ao pensar que cada dia mais me aproximaria da minha morte. Mas quem me garante que tenho um ano de vida; mais ainda, que certeza tenho que estarei vivendo ao fim do dia? Ó meu Deus, verdadeira luz da minha alma, mantém viva em mim a lembrança da minha morte. Dizei-me, muitas vezes, com a vossa voz no meu coração, que tenho de morrer, talvez dentro de um ano, talvez dentro de um mês, talvez dentro de uma semana; e assim permanecerei humilde. Para que o pensamento da morte não seja infrutífero para mim, excita agora na minha alma o conhecimento e os sentimentos que terei na última hora da minha vida, quando o abençoado candeeiro for colocado nas minhas mãos 'no dia da provação' [Sb 3,18]. Fazei com que eu saiba agora, como saberei então, o que é a vaidade, e então como poderei voltar a ser arrogante diante dessa verdade tão certa? 'Vaidade das vaidades, tudo é vaidade' [Ecl 1,2]. Jó sempre foi humilde, mesmo nos dias de sua prosperidade: 'os meus dias serão encurtados e só me resta a sepultura' [Jó 17, 1].
53. Outro pensamento humilhante está na lembrança do julgamento que virá. Os santos tremem ao pensar que serão julgados por um Deus em cuja presença nem mesmo os anjos são imaculados. Tremem, embora não tenham nada para ser julgado, exceto as suas boas obras. E o que será de mim, que sou culpado de tantos pecados? Portanto, se eu me prezo e procuro ser estimado pelos outros como mais virtuoso ou menos pecador do que realmente sou, é certo que tal desejo só pode provir da minha própria hipocrisia, pela qual me apresento aos olhos dos homens sob um falso disfarce, levando-os a crer que sou uma coisa quando na realidade sou outra, porque sei que eles não podem ver o que se passa no meu coração; mas virá um tempo em que Deus revelará a minha maldade ao mundo inteiro: 'Mostrarei a tua nudez às nações, e a tua vergonha aos reinos' [Na 3,5]. E então aparecerei como realmente sou. E que dirão de mim os que se deixaram enganar pelas minhas falsas dissimulações?
Ó minha alma, sê humilde e não te esqueças de que, quanto mais te exaltas na tua própria estima, mais serás envergonhada e confundida no dia do juízo. Pois então, como diz o profeta, 'o homem será humilhado' [Is 5,15] e só os humildes poderão gloriar-se 'na sua elevação' [Tg 1,9]. Lembrai-vos de que, segundo o dito de Isaías, o dia do juízo foi designado especialmente para humilhar os soberbos: 'Porque o dia do Senhor dos exércitos virá sobre todo o soberbo e altivo, e ele será humilhado' [Is 2,12], e deves considerar como se fosse especialmente dirigida a ti a voz profética de Deus que diz: 'Eis que venho contra ti, ó soberbo, diz o Senhor, porque é chegado o teu dia, o tempo da tua visitação. E o soberbo cairá, cairá, e não haverá quem o levante' [Is 1,31].
Ah, como posso eu, de fato, estimar-me mais do que os outros, quando todos temos de comparecer como criminosos, miseráveis e nus, perante o tribunal de Deus? Assim escreve São Paulo na sua Epístola aos Romanos: 'Mas tu, por que julgas o teu irmão? E porque desprezas a tua mãe? Porque todos havemos de comparecer perante o tribunal de Cristo' [Rm 14,10].
('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)