segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XLVIII)

Capítulo VII

Consolação das Almas - A Intercessão dos Anjos - Venerável Paula de Santa Teresa - Pedro de Basto: Vida de Santidade e Devoção pelas Almas do Purgatório 

Além das consolações que recebem da Santíssima Virgem, as almas são também assistidas e consoladas no Purgatório pelos santos anjos e, principalmente, pelos seus anjos da guarda. Os doutores da Igreja ensinam que a missão tutelar dos anjos da guarda só termina com a entrada dos protegidos no Paraíso. Se, no momento da morte, uma alma em estado de graça ainda não se tornou digna de ver a face do Altíssimo, o anjo da guarda a conduz ao lugar de expiação, e ali permanece junto dela para lhe providenciar toda a assistência e consolo em seu poder.

É uma opinião comum entre os santos doutores - diz o Padre Rossignoli - que Deus, que um dia enviará os seus anjos para reunir os eleitos, também os envia de tempos em tempos ao Purgatório, para visitar e consolar as almas sofredoras. Sem dúvida, não pode haver alívio mais precioso do que a visão dos habitantes do Céu, aquela morada abençoada para onde um dia irão para desfrutar de sua gloriosa e eterna felicidade. 

As Revelações de Santa Brígida estão repletas de exemplos dessa natureza e as vidas de vários santos também fornecem um grande número deles. A Venerável Irmã Paula de Santa Teresa, de quem já falamos no capítulo anterior, tinha uma devoção extraordinária para com a Igreja Padecente, pela qual foi recompensada em vida com visões milagrosas. Um dia, enquanto fazia uma oração fervorosa nesta intenção, foi transportada em espírito para o Purgatório, onde viu um grande número de almas mergulhadas nas chamas. Perto delas, ela viu nosso Salvador, assistido pelos seus anjos que apontavam, um após o outro, várias almas que Ele desejava levar para o Céu, para onde eram levadas sob indizível alegria. Diante da visão, a serva de Deus, dirigindo-se ao seu Divino Esposo, disse: 'Ó Jesus, por que esta escolha entre uma multidão tão vasta?' 'Eu libertei' - dignou-se a responder - 'aqueles que durante a vida realizaram grandes atos de caridade e misericórdia, e que mereceram que eu cumprisse a minha promessa a respeito deles: bem-aventurados os misericordiosos, porque obterão misericórdia'. 

Na vida do servo de Deus, Pedro de Basto, encontramos um exemplo que mostra como os santos anjos, mesmo enquanto velam por nós na terra, se interessam pelas almas do Purgatório. E já que mencionamos o nome do Irmão Basto, não podemos resistir ao desejo de dar a conhecer este admirável religioso aos nossos leitores; sua história é tão interessante quanto edificante.

Pedro de Basto, irmão coadjutor da Companhia de Jesus e a quem o seu biógrafo chama de Alfonso Rodríguez do Malabar, morreu em odor de santidade em Cochim, em primeiro de março de 1645. Nasceu em Portugal, da ilustre família dos Machado, unidos pelo sangue a toda a nobreza de toda a província entre o Douro e o Minho. Os duques de Pastrano e Hixar estavam entre seus parentes e o mundo lhe oferecia então uma carreira com as mais brilhantes perspectivas. Mas Deus o reservou para si mesmo e o dotou de maravilhosos dons espirituais. Ainda muito pequeno, quando levado à igreja, rezava diante do Santíssimo Sacramento com o fervor de um anjo. Ele acreditava que todo o povo via como ele, com os olhos do corpo, as legiões de espíritos celestiais em adoração perto do altar e do tabernáculo e, desde então, também o divino Salvador, oculto sob os véus eucarísticos, tornou-se por excelência o centro de todos os seus afetos e das inúmeras maravilhas que preencheram a sua longa e santa vida.

Foi aí que, mais tarde, como num sol divino, descobriu sem véus o futuro e os seus detalhes mais imprevistos. Foi a ele também que Deus mostrou os símbolos misteriosos de uma escada de ouro que unia o Céu e a terra, sustentada pelo tabernáculo, e do lírio da pureza, enraizado e se alimentando do divino trigo dos eleitos e do vinho que sozinho pode gerar virgens. Aos dezessete anos, graças à sua pureza de coração e à fortaleza cuja fonte inesgotável era o Sacramento da Eucaristia, Pedro fez em Lisboa um voto de castidade perpétua aos pés de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ainda assim, não pensou em deixar o mundo e, alguns dias depois, embarcou para as Índias e por dois anos exerceu a profissão militar. Ao final desse período, e sob o risco de um naufrágio, indefeso à mercê das ondas por cinco dias inteiros, foi amparado e salvo pela Rainha do Céu e pela aparição do seu Divino Filho. Prometeu então dedicar-se inteiramente ao estado religioso pelo resto de sua vida. Assim que regressou a Goa, tendo então apenas dezenove anos, foi e ofereceu-se na condição de irmão leigo aos Superiores da Companhia de Jesus. Temendo que o seu nome lhe valesse algum sinal de distinção ou privilégio, adotou doravante o complemento do nome da humilde aldeia onde recebera o batismo, passando a chamar-se simplesmente Pedro de Basto.

Pouco tempo depois, durante uma das provações do seu noviciado, ocorreu este maravilhoso incidente que está registrado nos Anais da Sociedade e que é tão consolador para todos os filhos de Santo Inácio. O mestre de noviços do irmão Pedro enviou-o em peregrinação com dois jovens companheiros à ilha de Salsette, ordenando-lhes que não aceitassem a hospitalidade de nenhum dos missionários, mas que mendigassem de aldeia em aldeia o pão de cada dia e o alojamento da noite. Um dia, cansados ​​da longa viagem, encontraram acolhida em uma família muito humilde, constituída por um ancião, uma mulher e uma criança, que os recebeu com a maior caridade e os incitou a participar de uma refeição frugal. No momento da partida, depois de lhes ter retribuído a acolhida com mil agradecimentos, quando Pedro de Basto implorou aos seus anfitriões que lhe dissessem os seus nomes, de modo a recomendá-los expressamente às graças de Deus, ouviu a mulher lhe dizer: 'Nós somos os três fundadores da Companhia de Jesus', desaparecendo todos no mesmo instante.

Toda a vida religiosa desse santo homem até a sua morte – ou seja, quase cinquenta e seis anos – não foi senão uma cadeia de prodígios e de graças extraordinárias; mas, devemos acrescentar, que ele os mereceu e os comprou, por assim dizer, ao preço da virtude, do trabalho e dos sacrifícios mais heroicos. Incumbido alternadamente de cuidar da lavandaria, da cozinha ou da porta, nos seminários de Goa, de Tuticurin, de Coulao e de Cochim, Pedro nunca procurou afastar-se dos trabalhos mais árduos, nem reservar a si um pouco de lazer, às custas dos seus diferentes ofícios, para que pudesse desfrutar sempre das alegrias da oração. Doenças severas e cuja única causa era o trabalho excessivo - dizia ele sorrindo - eram as suas distrações mais agradáveis. Além disso, abandonado, por assim dizer, à fúria do demônio, o servo de Deus quase não gozava de descanso. Os espíritos das trevas apareceram para ele sob as formas mais terríveis e, muitas vezes, o espancavam severamente, especialmente na hora em que, todas as noites como era seu costume, ele interrompia o sono para ir rezar diante do Santíssimo Sacramento.

Um dia, enquanto viajavam, seus companheiros fugiram diante o alvoroço de uma tropa de homens de aparência formidável, montados em cavalos e elefantes, que vinham ao encontro deles em fúria. Só ele permaneceu calmo e quando seus companheiros expressaram seu espanto por ele não ter manifestado o menor sinal de medo, ele respondeu: 'Se Deus não permite que os demônios exerçam a sua raiva contra nós, o que temos a temer? E se Ele lhes dá permissão, por que então eu deveria me esforçar para escapar da sua fúria? Bastou invocar a Rainha do Céu e ela apareceu imediatamente ao meu lado, pondo em fuga a tropa infernal.

Muitas vezes parecia que tudo era confusão, até no fundo da sua alma, e ele só encontrava a paz e a tranquilidade quando estava no seu refúgio habitual, ou seja, Jesus presente na Santa Eucaristia. Carregado um dia de ultrajes, que lhe causaram alguma pequena perturbação, prostrou-se ao pé do altar e pediu ao nosso Divino Salvador o dom da paciência. Então Nosso Senhor lhe apareceu coberto de chagas, um manto púrpura sobre os ombros, uma corda no pescoço, um junco nas mãos e uma coroa de espinhos na cabeça; então, dirigindo-se a Pedro, disse: 'Veja o que o verdadeiro Filho de Deus sofreu para ensinar os homens a sofrer'.

Mas não falamos no ponto que queríamos ilustrar com esta vida santa – quero dizer, a devoção de Pedro de Basto para com as almas do Purgatório, devoção encorajada e secundada pelo seu bom anjo da guarda. Apesar dos seus numerosos trabalhos, ele recitava diariamente o Santo Rosário em intenção dos falecidos. Um dia, tendo-o esquecido, retirou-se sem o ter recitado mas, mal tinha adormecido, quando foi acordado pelo seu anjo. 'Meu filho' - disse o espírito celestial - 'as almas do Purgatório estão esperando o benefício de suas esmolas diárias'. E então Pedro levantou-se instantaneamente para cumprir esse dever de piedade.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)