terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XLVII)

Capítulo VI

Consolação das Almas - A Santíssima Virgem e o Privilégio dos Sábados - Venerável Paula de Santa Teresa - São Pedro Damião e o Relato de uma Visão Milagrosa

É em certos dias especiais que a Rainha do Céu exerce a sua misericórdia no Purgatório. Esses dias privilegiados são: primeiro todos os sábados e depois as diversas festas da Santíssima Virgem, que assim se tornam como festas no Purgatório. Vemos nas revelações dos santos que, no sábado, dia especialmente consagrado à Santíssima Virgem, a doce Mãe de Misericórdia desce às masmorras do Purgatório para visitar e consolar os seus devotos servos. Então, segundo a piedosa crença dos fiéis, ela resgata aquelas almas que, tendo usado o santo escapulário, gozam deste privilégio sabatino, e depois dá alívio e consolo a outras almas que lhe foram particularmente devotas. Testemunha disso foi a Venerável Irmã Paula de Santa Teresa, religiosa dominicana do Convento de Santa Catarina de Nápoles.

Num sábado, arrebatada em êxtase e transportada em espírito para o Purgatório, ficou algo surpreendida ao encontrá-lo transformado num Paraíso de delícias, iluminado por uma luz brilhante, em vez da escuridão que prevalecia em outras ocasiões. Enquanto ela se perguntava qual poderia ser a causa dessa mudança, ela percebeu a Rainha do Céu cercada por uma multidão de anjos, aos quais ela deu ordens para libertar aquelas almas que a honraram de maneira especial e conduzi-las ao Céu. Se isso ocorre em um sábado comum, dificilmente podemos duvidar que o mesmo ocorra nos dias de festa consagrados à Mãe de Deus. Entre todas as suas festas, a da gloriosa Assunção de Maria parece ser o principal dia de libertação. 

São Pedro Damião nos diz que todos os anos, no dia da Assunção, a Santíssima Virgem resgata vários milhares de almas. Eis o relato de uma visão milagrosa que ilustra este assunto: 'É um piedoso costume' - diz ele - 'que tem o povo de Roma de visitar as igrejas, levando uma vela na mão, durante a noite anterior à Festa da Assunção de Nossa Senhora'. Ora, aconteceu que uma pessoa de posição, estando de joelhos na basílica de Santa Maria em Aracoeli, em Campidoglio, viu diante dela, prostrada em oração, outra senhora, que reconheceu como sendo a sua madrinha, falecida alguns meses antes. Surpresa, e não podendo acreditar em seus olhos, ela quis desvendar o mistério e, então, postou-se perto da porta da igreja. Assim que viu a senhora sair, pegou-a pela mão e puxou-a para o lado. 'Você não é a minha madrinha Marozi, que me segurou na pia batismal?' 'Sim, sou eu' - respondeu a aparição imediatamente. 'E como é que te encontro entre os vivos, já que estás morta há mais de um ano?' 'Até hoje estive mergulhada em um fogo terrível, por causa dos muitos pecados de vaidade que cometi em minha juventude, mas hoje, durante esta grande solenidade, a Rainha do Céu desceu ao meio das chamas do Purgatório e me livrou, juntamente com um grande número de outras almas, para que possamos entrar no Céu na festa de sua Assunção. Ela pratica esse grande ato de clemência todos os anos; e, apenas no dia de hoje, o número daqueles que ela libertou é igual à população de Roma. Vendo que a sua afilhada permanecia estupefata e parecia ainda duvidar da evidência de seu bom senso, a aparição acrescentou: 'Como prova da verdade de minhas palavras, saiba que você mesmo morrerá daqui a um ano, na festa da Assunção; se você sobreviver a esse período, acredite que isso foi uma ilusão'. São Pedro Damião conclui este relato dizendo que a jovem passou o ano praticando o exercício das boas obras, a fim de se preparar para comparecer diante de Deus. No ano seguinte, na Vigília da Assunção, ela adoeceu e morreu no próprio dia da festa, como havia sido previsto.

A festa da Assunção é, pois, o grande dia da misericórdia de Maria para com as pobres almas; ela se deleita em introduzir os seus filhos na glória do Céu, no aniversário do dia em que ela entrou pela primeira vez em seus abençoados portais. Esta crença piedosa, acrescenta o Abade Louvet, baseia-se em um grande número de revelações particulares; é por essa razão que em Roma a Igreja de Santa Maria in Montorio, que é o centro da arquiconfraria dos sufrágios pelos defuntos, é dedicada nessa intenção com o título de Assunção.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)