sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O MANDAMENTO DA CARIDADE

A caridade produz a perfeita paz. Pois acontece nas coisas temporais, que são desejadas com frequência que, uma vez obtidas, ainda a alma do que as deseja não repousa mas, pelo contrário, outra já lhe apetece: 'O coração do ímpio é como um mar revolto que não pode repousar' e ainda: 'Não há paz para o ímpio, diz o Senhor' (Is 57, 20). Mas isso não acontece na caridade para com Deus. Quem, de fato, ama a Deus, tem a paz perfeita: 'Muita paz tem os que amam a Tua lei, e não há nada que os perturbe' (Sl 118, 165).

E isto porque somente Deus é capaz de satisfazer o nosso desejo, porquanto Deus é maior do que o nosso coração, como diz o Apóstolo. E por isso diz Santo Agostinho, no primeiro livro das Confissões: 'Fizeste-nos, ó Senhor, para ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti'. E ainda: 'É Ele quem cumula de bens a tua vida' (Sl 102, 5).

A caridade também torna o homem de grande dignidade. Com efeito, todas as criaturas servem à própria majestade divina, e por ela foram feitas, assim como as coisas artificiais servem ao artífice. Mas a caridade faz do servo um homem livre e um amigo. De onde diz o Senhor: 'Já não vos chamarei de servos, mas de amigos' (Jo 15, 15). Mas porventura Paulo não é servo? E os outros apóstolos não escreviam de si serem servos? 

Quanto a isto deve-se saber que há duas servidões. A primeira é a do temor, e esta é penosa e não meritória. Se, de fato, alguém se abstém do pecado somente pelo temor da pena, não merece nada por isto. Ainda é servo. A segunda servidão é a do amor. Se, na verdade, alguém opera não pelo temor da justiça, mas pelo amor divino, não opera como servo, mas como livre, porque voluntariamente, e é por isto que Cristo diz: 'Já não vos chamarei mais de servos'.

E por que? A isto responde o Apóstolo: 'Não recebestes o espírito de servidão para recairdes no temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos' (Rm 8, 15). 'Não há, de fato, temor no amor' (I Jo 4, 18). O temor traz certamente tormento, mas a caridade é deleite.

... Do que já foi dito, fica patente a utilidade da caridade. Pois que, portanto, seja tão útil, deve-se trabalhar diligentemente para adquiri-la e retê-la. Deve-se saber, porém, que ninguém pode por si mesmo possuir a caridade. Antes, ao contrário, é dom inteiramente de Deus. De onde que diz João: 'Não fomos nós que amamos a Deus, mas Ele quem nos amou primeiro' (I Jo 4,19), porque certamente não por causa de nós o amarmos primeiro que Ele nos ama, mas o próprio fato de o amarmos é causado em nós pelo seu amor.

Deve-se considerar também, que ainda que todos os dons sejam do pai das luzes, todavia este dom, a saber, o da caridade, supera todos os demais dons. De fato, todos os outros podem ser possuídos sem a caridade e o Espírito Santo; com a caridade, porém, possui-se necessariamente o Espírito Santo: 'A caridade de Deus foi derramada nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado' (Rm 5,5).

(Excertos da obra 'O Mandamento da Caridade, de São Tomás de Aquino)