segunda-feira, 29 de julho de 2019

8 AVISOS PARA O EXERCÍCIO DA MEDITAÇÃO

Primeiro Aviso

Seja, pois, este o primeiro aviso: que, quando nos pomos a considerar algumas das coisas que já mencionamos como matéria de meditação, em seus devidos tempos e exercícios, não devemos estar tão presos a estas matérias que consideremos como serviço mal feito deixarmos uma para tomarmos outra, quando nisto encontrarmos maior gosto ou maior proveito porque, como a finalidade de tudo é a devoção, o que mais servir para este fim será isto que se deve considerar como sendo o melhor.

Porém, isto não se deve fazer por motivos levianos, mas com vantagem conhecida. Sendo assim, se em alguma passagem de nossa oração, sentirmos maior gosto ou devoção do que em outro, detenhamo-nos nele por todo o espaço de tempo em que dure este afeto, mesmo que todo o tempo do recolhimento se gaste nisto. Porque, como o fim de tudo isto é a devoção, conforme já o explicamos, seria um erro buscar em outra parte, com esperança duvidosa, o que já temos como certo agora em nossas mãos. 

Segundo Aviso 

Seja o segundo aviso que trabalhe o homem para desculpar neste exercício a demasiada especulação do entendimento e procure deixar isso mais com afetos e sentimentos da vontade que com discursos e especulações do entendimento. Porque, sem dúvida, não acertam este caminho aqueles que, de tal modo, se põem na oração a meditar os Mistérios Divinos como se os estivessem estudando para pregar, o que seria mais derramar o espírito do que recolhê-lo e seria mais andar fora de si do que dentro de si. 

De onde nasce que, acabada a sua oração, ficam secos e sem suco de devoção, e tão fáceis e prontos para qualquer leviandade como o estavam antes. Porque a verdade é que tais pessoas de fato não oraram, mas falaram e estudaram, o que é coisa bem diversa da oração. Estes tais deveriam considerar que, no exercício da oração, mais nos aproximamos para escutar do que para falar. Para acertar, portanto, na meditação, aproxime-se dela o homem com o coração de uma velhinha ignorante e humilde, e mais com a vontade disposta e aparelhada para sentir e afeiçoar-se às coisas de Deus do que com o entendimento esperto e atento para esquadrinhá-las, pois isto é próprio dos que estudam para saber e não dos que oram e pensam em Deus para chorar. 

Terceiro Aviso 

O aviso anterior nos ensina como devemos sossegar o entendimento e deixar toda essa entrega à vontade; mas o presente põe também sua taxa e medida à própria vontade, para que não seja excessiva nem veemente em seu exercício, para o qual deve-se saber que a devoção que pretendemos alcançar não é coisa que se há de alcançar à força de braços, como alguns pensam, os quais, com demasiado afinco e tristezas forçadas e como que por encantamentos, procuram alcançar lágrimas e compaixão quando pensam na Paixão do Salvador, porque isto costuma mais secar o coração e torná-lo mais inábil para a visitação do Senhor, conforme ensina Cassiano. 

E ademais estas coisas costumam causar dano à saúde corporal e, às vezes, deixam a alma tão atemorizada com a falta de sabor que ali alcançou, que teme retomar outra vez ao exercício como a algo que experimentou ter-lhe dado muita pena. Contente-se, pois, o homem com fazer de boa vontade o que é de sua parte, que é encontrar-se presente ao que o Senhor padeceu, admirando com olhar simples e sossegado e, com um coração terno e compassivo e aparelhado para qualquer sentimento. o que Senhor lhe quiser conceder pelo que Ele padeceu, mais disposto para receber o efeito que sua misericórdia lhe conceder do que para expressá-lo à força de braços. E, feito isso, não se aflija pelo restante, quando isso não lhe for dado. 

Quarto Aviso 

De tudo quanto foi dito, podemos concluir qual é o modo da atenção que devemos ter na oração, porque aqui principalmente convém ter o coração não caído nem frouxo, mas vivo, atento e erguido para o alto. Mas assim como é necessário estar aqui com esta atenção regrada e moderada, para que não seja danosa à saúde nem impeça a devoção, porque há alguns que fatigam a cabeça com a demasiada força que empregam para estarem atentos ao que pensam, conforme já dissemos, assim também há outros que, para fugirem deste inconveniente, estão ali muito frouxos e remissos e muito fáceis de serem levados por todos os ventos. 

Para fugir destes extremos, convém conduzir um meio termo que nem com a demasiada atenção fatiguemos a cabeça, nem com o muito descuido e frouxidão fiquemos vagando com o pensamento por onde ele bem entenda. De modo que, assim como costumamos dizer ao homem que caminha sobre uma montaria caprichosa para que mantenha as rédeas firmes, isto é, nem muito apertada nem muito frouxa, para que nem volte para trás, nem caminhe com perigo, assim devemos procurar que nossa atenção siga com moderação e não forçada, com cuidado mas não com fadiga e aflição. Mas, particularmente, convém avisar que no princípio da meditação não nos fatiguemos com demasiada atenção, porque quando isto se faz, mais adiante costumam faltar as forças, como faltam ao caminhante quando no princípio da jornada se entrega a uma demasiada pressa para caminhar. 

Quinto Aviso 

Mas entre todos estes avisos, um dos principais é que não desanime aquele que ora, nem desista de seu exercício quando não sente imediatamente aquela suavidade da devoção que ele deseja. É necessário, com longanimidade e perseverança, esperar a vinda do Senhor, porque à glória de Sua Majestade e à baixeza de nossa condição e à grandeza do negócio que tratamos pertence que estejamos muitas vezes esperando e aguardando às portas de seu palácio sagrado. Pois, quando desta maneira tenhas aguardado um pouco de tempo, se o Senhor vier, dá-lhe graças por sua vinda e, se te parecer que não vem, humilha-te diante dEle, e conhece que não mereces o que não te deram e contenta-te com ter feito ali o sacrifício de ti mesmo e negado a tua própria vontade e crucificado o teu apetite e lutado com o demônio e contigo mesmo, e feito pelo menos o que era de tua parte. 

E se não adoraste o Senhor com a adoração sensível que desejavas, basta que o tenhas adorado em espírito e em verdade, como Ele quer ser adorado (Jo 4, 23). E creia-me, com certeza, que este é o caso mais perigoso desta navegação e o lugar onde se provam os verdadeiros devotos, e que se dele te saíres bem, em tudo o demais seguirás prosperamente. Finalmente, se mesmo assim te parecesse que fosse tempo perdido perseverar na oração e fatigar a cabeça sem proveito, neste caso não teria por inconveniente que, depois de ter feito o que está em ti, tomasses algum livro devoto e trocasses então a oração pela lição, contanto que a leitura não fosse corrida nem apressada, mas pausada e com muito sentimento quanto ao que estivesses lendo, misturando muitas vezes em seus lugares a oração com a leitura, o qual é coisa muito proveitosa e muito fácil de fazer para todo gênero de pessoas.

Sexto Aviso 

Não é documento diverso do anterior, nem menos necessário avisar que o servo de Deus não se contente com qualquer gostozinho que encontre em sua oração (como fazem alguns que derramando uma lagrimazinha ou sentindo alguma ternura de coração, pensam que já cumpriram com o seu exercício). Isto não basta para o que aqui pretendemos. Porque assim como um pequeno filete de água não basta para que a terra frutifique, que não faz mais do que tirar a poeira e molhar a terra por fora, mas é necessária tanta água que desça até o íntimo da terra e a deixe encharcada de água para que possa frutificar, assim também aqui é necessária a abundância deste rio e desta água celestial para que possa dar fruto de boas obras. É por isto que, com muita razão, se aconselha que tomemos para este santo exercício o maior espaço de tempo que pudermos. E melhor seria um tempo longo do que dois tempos curtos, porque se o espaço é breve, todo ele será gasto em sossegar a imaginação e aquietar o coração, e depois de já quieto nos levantaremos do exercício quando o teríamos de começar. 

E descendo a maiores detalhes no que diz respeito a delimitar este tempo, parece-me que tudo o que for menos de uma hora e meia ou duas horas é um tempo muito curto para a oração, porque muitas vezes se passa mais do que meia hora em moderar o caminho e acalmar a imaginação, e todo o restante do tempo é necessário para gozar do fruto da oração. É verdade que quando este exercício é feito depois de alguns outros santos exercícios, como depois do ofício das matinas ou depois de ter assistido ou celebrado missa ou depois de alguma leitura devota ou oração vocal, o coração se encontra mais disposto para este exercício e, assim como ocorre com a lenha seca, mais rapidamente se acende este fogo celestial. Também o tempo da madrugada costuma ser mais curto porque é o mais aparelhado que existe de todos quantos há para este ofício. Mas o que for pobre de tempo por causa de suas muitas ocupações, não deixe de oferecer seu quinhãozinho como a pobre viúva do Templo (Lc 21, 2) porque, se isto não ocorre por sua negligência, Aquele que provê a todas as suas criaturas conforme a sua necessidade e natureza, provê-lo-á também segundo a sua. 

Sétimo Aviso 

Conforme a este aviso se dá outro semelhante a ele, e é que quando a alma for visitada na oração, ou fora dela, com alguma visita particular do Senhor, que não a deixe passar em vão, mas que se aproveite daquela ocasião que se lhe oferece, porque é certo que, com este vento, navegará o homem mais em uma hora que sem Ele durante muitos dias. Assim se diz que o fazia São Francisco, de quem escreve São Boaventura em sua vida, que era tão especial o cuidado que tinha nisto que ,se ao andar pelo caminho, Nosso Senhor o visitasse com algum favor especial, fazia ir adiante todos os companheiros e permanecia quieto até acabar de ruminar e digerir aquele bocado que lhe vinha do céu. Os que assim não o fazem costumam comumente ser castigados com esta pena, a de que não encontram a Deus quando o buscarem, porque quando Ele os buscava, não os encontrou. 

Oitavo Aviso 

O último e principal aviso seja que procuremos, neste santo exercício, juntar em uma só coisa a meditação com a contemplação, fazendo da primeira a escada para subir até a segunda, para o que deve-se saber que o ofício da meditação consiste em considerar com estudo e atenção as coisas divinas, discorrendo de umas para as outras para mover o nosso coração a algum efeito e sentimento das mesmas, que é como quem fere uma pedra para arrancar dela alguma centelha. 

Mas a contemplação consiste em já ter arrancado esta centelha, quero dizer, já ter encontrado este efeito e sentimento que se buscava, e estar em repouso e silêncio em seu gozo, não com muitos discursos e especulações do entendimento, e sim com uma simples vista da verdade, por causa do que diz um santo doutor que a meditação discursa com trabalho e com fruto, mas a contemplação o faz sem trabalho e com fruto; a primeira busca, enquanto que a segunda encontra; a primeira rumina a comida, enquanto que a segunda a degusta; a primeira discorre e tece considerações, enquanto que a segunda se contenta com uma simples vista das coisas, porque já possui o amor e o gosto das mesmas; finalmente, a primeiro é como um meio, enquanto que a segunda é como um fim; a primeira é como caminho e movimento, enquanto a segunda é como o término deste caminho e movimento. 

(São Pedro de Alcântara)