XLV
DA PACIÊNCIA, LONGANIMIDADE E CONSTÂNCIA
Qual é a característica da virtude da paciência?
Suportar as tristezas e tribulações que o decorrer da vida, a cada momento, nos proporciona e de uma maneira especial as que nos ocasiona o trato com os nossos semelhantes, com olhos postos na vida futura, objeto da caridade (CXXXVI, 1-3)*.
Identifica-se a paciência com a longanimidade e a constância?
Não, Senhor; porque, se bem que estas virtudes nos dispõem a suportar as tribulações da vida, a paciência nos sustém nas contrariedades ocasionadas pelo trato diário com os homens, a longanimidade nos sustém contra a tristeza de ver como se afasta ou desvanece um bem intensamente desejado e a constância contra o desgosto e desfalecimento que podem assaltar-nos na prática continuada do bem (CXXXVI, 5).
XLVI
DA PERSEVERANÇA — VÍCIOS OPOSTOS: MOLEZA OU DESÂNIMO E PERTINÁCIA
Tem alguma coisa de comum a perseverança com as virtudes de que acabamos de falar?
O fim da perseverança não é entrar em reação contra a tristeza, senão contra a fadiga e o desânimo que, em determinadas ocasiões, nos assaltam na prolongada prática da virtude (CXXXVII, 1, 3).
Opõe-se a ela algum vício?
Sim, senhor; o desânimo ou moleza que faz perder o ânimo e desistir das empresas diante das dificuldades e fadigas que se preveem; e a pertinácia, vício dos que se obstinam em não ceder quando seja útil e razoável (CXXXV-III, 1, 2).
XLVII
DO DOM DA FORTALEZA CORRESPONDENTE À VIRTUDE DO MESMO NOME
Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à virtude da fortaleza?
Sim, Senhor; o dom conhecido com o mesmo nome (CXXXIX).
Em que se diferençam o dom e a virtude da fortaleza?
Ambos têm por objeto o temor e, de certo modo, a audácia; porém; ao passo que o temor e a audácia, que a virtude da fortaleza modera, dizem respeito aos perigos que o homem pode com suas forças afastar, o temor e a confiança, que o dom correspondente excita, consideram males e perigos que de maneira alguma podem evitar-se; tal é, por exemplo, a dolorosa separação que a morte impõe entre o homem e os bens da vida presente; sem dar por isso a única dádiva que poderia supri-los ou compensá-los seria a posse efetiva da vida eterna. A ação própria e exclusiva do Espírito Santo é dar a vida eterna em troca das misérias da vida temporal, apesar de todos os inconvenientes e dificuldades que se interponham, inclusive a morte. A Ele, por conseguinte, incumbe infundir no homem desejos desta troca e permuta, inspirando-lhe tal confiança que o faça desprezar os maiores perigos e, de certo modo, desafiar a morte, não para sucumbir na luta, senão para obter o triunfo definitivo sobre ela. Este é o efeito do dom de fortaleza e, se quisermos declarar qual o seu objeto próprio, poderemos dizer que é a vitória sobre a morte (CXXXIX, 1).
XLVIII
DOS PRECEITOS RELATIVOS À FORTALEZA
Existem na lei divina preceitos relacionados com a virtude da fortaleza?
Sim, senhor; e estão dados na forma mais conveniente, porque, suposto que a lei divina e especialmente a Nova, está destinada a fixar a alma em Deus, vemos que convida o homem com preceitos negativos a não temer os males terrenos e, com mandatos positivos, a combater sem trégua nem descanso o seu mortal inimigo (CXL, 1).
São tão sábios como estes os preceitos das demais virtudes relacionadas com a fortaleza?
Sim, senhor; porque, a respeito da paciência e da perseverança que têm por objeto as lutas ordinárias da vida, há preceitos positivos; porém, tratando-se da magnificência e da magnanimidade, virtudes que moderam atos perfeitos, não existem mandatos, senão conselhos (CXL, 2).
XLIX
DA TEMPERANÇA, ABSTINÊNCIA E JEJUM — VÍCIO OPOSTO: A GULA
Qual é a quarta virtude moral necessária para não nos extraviarmos no caminho de retorno a Deus?
A virtude da temperança (CXLI-CLXX).
Que entendeis por virtude da temperança?
Aquela que mantém o apetite sensitivo sujeito aos ditames da razão, para evitar que se exceda nos prazeres, especialmente do tato, nos atos necessários à conservação da vida corporal (CXLI, 1-5).
Que prazeres são estes?
Os da mesa e os do matrimônio (CXLI, 4).
Que nome recebe a virtude da temperança quando se aplica a por em ordem os prazeres da mesa?
Chama-se abstinência ou sobriedade (CXLIX).
Em que consiste a abstinência?
Em governar conforme a razão o desejo imoderado de manjares e bebidas (CXLVI, 1).
Qual é a maneira própria de praticar a virtude da abstinência?
O jejum (CXLVII).
Em que consiste?
Em suprimir parte da alimentação normal (CXLVII, , 1, 2).
Não será ilícito e prejudicial?
Pelo contrário, pode ser de grandes benefícios, porque serve para reprimir a concupiscência, de modo que o espírito se eleve com maior liberdade à contemplação das mais sublimes verdades e serve também para satisfazer pelos pecados.
Que condições há de reunir o jejum para ser salutar e meritório?
As de ser dirigido e ordenado pela prudência e discrição, não comprometendo a saúde e nem sendo obstáculo para o cumprimento das obrigações do próprio estado (CXVII, 1, ad 2).
Estão obrigados a jejuar todos os que chegam ao uso da razão?
Nem todos os homens estão obrigados ao jejum eclesiástico, porém todos são obrigados a privar-se de alimento, na medida que o exija a prática das virtudes morais (CXLVII, 3, 4).
Que entendeis por jejum eclesiástico?
O prescrito pela Igreja, em determinados dias e a partir da idade por ela marcada (CXLVII,5-8).
Em que consiste?
Em não fazer mais que uma só refeição no dia (CXLVII, 6).
É necessário fazê-la na hora fixa?
Não, Senhor; pode fazer-se no meio dia ou à noite.
Pode tomar-se alimento fora da comida?
Pode tomar-se uma quantidade módica, pela manhã, como desjejum, e outra à noite como complementar (Código, 1251).
Quem está obrigado ao jejum eclesiástico?
Todos os batizados, desde a idade de vinte e um anos até os cinquenta e nove completos (Código, 1254).
Que causas dispensam do jejum?
Motivos de saúde ou de trabalho e, em caso de dúvida, a dispensa concedida pela autoridade legítima (CXLVII, 4).
Quem pode dispensar?
Praticamente basta a dispensa do superior eclesiástico imediato.
Em que dias há obrigarão de jejuar?
No Brasil, a Santa Sé costuma conceder que sejam os seguintes: todas as sextas-feiras da quaresma e quarta-feira de cinzas, jejum com abstinência de carne; todas as quartas-feiras da quaresma, quinta-feira da semana Santa e sexta-feira das têmporas do advento, jejum sem abstinência de carne.
Em que consiste a lei eclesiástica da abstinência?
Em abster-se de carnes e caldos preparados com elas.
Em que dias obriga?
No Brasil, segundo costuma conceder a Santa Sé, só na quarta-feira de cinzas e em todas as sextas-feiras da quaresma e nas vigílias do Espírito Santo, Assunção de Nossa Senhora, de todos os Santos e do Natal.
Quem está obrigado à lei da abstinência?
Todos os fiéis que tenham completado sete anos (Código 1254).
Que vício se opõe à abstinência?
O da gula (CXLVIII).
Que entendeis por gula?
O apetite desordenado de comer e beber (CXVIII, 1).
Contém este vício várias espécies?
Sim, senhor; pode cometer-se, umas vezes, atendendo à natureza, quantidade ou qualidade dos manjares, modo de condimentá-los e, outras vezes, na maneira de consumi-los, já antecipando a hora sem necessidade, já tomando-as com excessiva avidez e glutoneria (CXLVIII, 4).
É a gula um vício capital?
Sim, senhor; visto que facilita os prazeres que com mais força solicitam e arrastam o homem (CXLVIII, 5).
Quais são as filhas da gula?
Torpeza e estupidez do entendimento, alegria injustificada, intemperança na linguagem, chocarrice e impureza (CXLVIII, 6).
Por que estes vícios repugnantes provêm especialmente da gula?
São repugnantes porque degradam e quase extinguem a razão e provêm da gula porque o entendimento, obscurecido e adormecido com os vapores dos manjares, perde o governo e abandona a direção dos nossos atos (Ibid).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)