terça-feira, 30 de julho de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXXV)

LIII

DA CLEMÊNCIA E DA MANSIDÃO — VÍCIOS OPOSTOS: A IRA, A CRUELDADE OU FEROCIDADE

Que entendeis por clemência e mansidão?
São duas virtudes, uma destinada a moderar os castigos que hajam de impor-se, para que não excedam os limites da Justiça, e a outra destinada a moderar os movimentos interiores da ira (CLVII, 1)*.

A clemência opõe-se à severidade e a mansidão à vindita?
De maneira alguma, porque não têm o mesmo objeto e também porque, por caminhos distintos, propendem para o mesmo fim (CLVIII, 2 ad 1).

Que vícios se opõem à clemência e à mansidão?
A ira, a crueldade e a ferocidade (CLVIII, CLIX).

Que é a ira?
Um movimento do apetite irascível, que nos arrasta a tirar vingança, sem motivo ou contra a ordem e a razão (CLVIII, 2).

Quantas espécies compreende?
Três: a cólera dos violentos, que se irritam pelo motivo mais insignificante; a dos rancorosos, que guardam por muito tempo a recordação das injúrias; a dos obstinados, que não descansam enquanto não tiram vingança (CLVIII, 5).

A ira é pecado capital?
Sim, Senhor; porque o seu fim, a vingança, com a aparência de justa reparação, seduz e arrasta com facilidade os homens (CLVIII, 7).

Quais são as suas filhas?
A indignação, o orgulho, a vociferação, a blasfêmia, a injúria e a rixa (CLVIII, 7).

Existe algum vício contrário ao vício da ira?
Sim, Senhor; a apatia e a indolência, que se revelam em deixar impunes faltas que merecem corretivo (CLVIII, 8).

Que entendeis por crueldade?
A dureza de alma, que se manifesta na imposição de castigos ou penas injustas e irracionais (CLXI, 1).

Em que consiste a ferocidade?
Numa alegria e complacência selvagens, brutais e desumanas, nos sofrimentos do próximo, não os considerando como castigos merecidos, senão como meios de satisfazer rancores ou objeto de diversão. A ferocidade opõe-se diretamente à virtude da piedade (CLIX, 2).

São possíveis tais excessos?
Ainda que pareça incompreensível, aí está a história para demonstrá-lo. Povos houve, e se contam entre os mais civilizados em aparência, que achavam o mais saboroso prazer nas horripilantes cenas do anfiteatro.

LIV

DA MODÉSTIA E DA HUMILDADE — VÍCIO OPOSTO: O ORGULHO — PECADO DOS NOSSOS PRIMEIROS PAIS — NATURALISMO E LAICISMO

Qual é a última virtude agregada à temperança?
A modéstia (CLX, CLXX).

Que entendeis por modéstia?
Uma virtude que serve para refrear e moderar o apetite em matérias mais fáceis do que as da temperança, da continência, da clemência e da mansidão (CLX, 1, 2).

Logo, sobre que coisas exerce o seu influxo?
Sobre o desejo imoderado de grandezas, de saber e aprender; sobre os ademanes e movimentos do corpo e a maneira de vestir (CLX, 2).

Que nomes têm as virtudes deputadas para regular os movimentos afetivos relacionados com cada uma destas matérias?
As de humildade, estudiosidade e modéstia (Ibid).

Que entendeis por humildade?
Uma virtude que inclina o homem a reprimir e disciplinar a ambição de honras e grandezas, de forma que não queira nem procure senão as correspondentes à hierarquia em que Deus o colocou (CLXI, 1, 2).

Que consequências práticas devemos tirar desta definição?
A convicção íntima de que, prescindindo dos dotes que Deus graciosamente nos concedeu, a nada temos direito, já que, de colheita própria, só recolhemos como frutos, pecados; e pelo contrário, todas as honras e excelências pertencem aos outros, na proporção da medida com que a Deus aprouve fazê-los participantes das suas perfeições; além disso, ao reconhecermos em nós mesmos as boas qualidades e dons de Deus, devemos procurar que os outros homens honrem em nós a Deus, como neles nós O honramos (CLXI, 3).

Logo, a humildade é inseparável da verdade, e apoiado na verdade, pode um homem considerar-se inferior a todos os outros?
Com as preditas delimitações, sim, senhor (Ibid).

Que nome tem o vício oposto à humildade?
O de soberba ou orgulho (CLXII).

Que entendeis por soberba?
Um vício especial e, em certo modo, também geral, por cujo impulso, esquecendo e desprezando a lei, o homem se inclina a dominar e submeter tudo ao seu capricho, considerando-se superior a tudo quanto o rodeia (CLXII, 1, 2).

Por que dizeis que, sendo um vício especial, também é de alguma maneira geral?
É especial porque tem como fim próprio o desejo de dominar e sobressair-se, sem levar em consideração a subordinação e o respeito devidos a Deus; e é geral, porque este mesmo desejo é aproveitado por todos os outros pecados.

É muito grave o pecado da soberba?
É o mais grave de todos os pecados, porque envolve desprezo direto de Deus e, neste conceito, aumenta a gravidade de todos os outros, qualquer que seja a que tenham por si mesmos (CLXII, 6).

É e tem sido sempre a soberba o primeiro pecado?
Sim, senhor; porque envolve primária e essencialmente desprezo, aversão e separação de Deus, que nos outros pecados não é elemento constitutivo, mas simplesmente resultado; portanto, não pode existir pecado mortal que não pressuponha o da soberba ainda que dele se distinga (CLXII, 7).

É pecado capital?
É mais do que pecado capital; é o chefe e rei de todos os vícios e pecados (CLXII, 8).

Qual foi o pecado dos nossos primeiros pais?
O da soberba, como antes o tinha sido dos anjos rebeldes (CLXIII, 1).

Não seria antes o pecado da gula, da desobediência, da curiosidade ou da falta de fé na palavra de Deus?
Todos estes pecados, que, com efeito, acompanharam a primeira falta, foram consequência do pecado de soberba, antes do qual não podiam ter-se cometido (CLXIII, 1).

Por que dizeis que, antes de se ter cometido o pecado de soberba, não se podia cometer nenhum outro?
Porque o estado de inocência era acompanhado do dom da integridade, em virtude do qual todas as potências e faculdades guardavam perfeita subordinação, enquanto o espírito permanecesse sujeito a Deus; logo, para romper o equilíbrio foi necessário que a razão sacudisse o jugo divino, obtendo uma independência que não lhe pertencia, e nisto consiste o pecado da soberba (CLXIII, 1, 2).

Os pecados do naturalismo e laicismo, tão difundidos depois da reforma protestante, da renascença pagã e da revolução francesa, são pecados de soberba?
Sim, senhor; e daí provém a sua gravidade, por serem a reprodução do grito de rebelião que proferiram, primeiro, Satanás e os seus anjos, e, depois, os nossos primeiros pais.

LV

DA ESTUDIOSIDADE — VÍCIO OPOSTO: A CURIOSIDADE

Que entendeis por estudiosidade, segunda virtude anexa à temperança, sob a influência da modéstia?
A que preside e modera a afeição ao estudo e ao desejo de saber (CLXVI, 1).

Como se chama o vício oposto?
Curiosidade (CLXVII).

Em que consiste?
No desejo imoderado de saber o que nos não interessa ou o que nos pode ser prejudicial (CLXVII, 1, 2).

Comete-se este pecado com muita frequência?
Sim, senhor; quer na aquisição de toda classe de conhecimentos, quer na daqueles que só podem servir para procurar prazeres para os sentidos e fomentar as paixões (Ibid).

Logo, é pecado de curiosidade a afeição desmedida à leitura, sobretudo à leitura de novelas e romances, o assistir a festas profanas e espetáculos como teatros, cinematógrafos e outros do mesmo gênero?
Sim, senhor; e costuma ser também pecado de luxúria e sensualidade.

LVI

DA MODÉSTIA EXTERIOR

Qual é a última das virtudes anexas à temperança e conhecidas com o nome geral de modéstia?
A propriamente chamada virtude da modéstia (CLXVII - CLXX).

Que entendeis por virtude da modéstia?
O ápice da perfeição nos movimentos afetivos, cujo resultado é que todas as ações exteriores, como sejam movimentos, gestos, palavras, tom de voz, atitudes, etc, convenham ao decoro da pessoa e se acomodem às suas circunstâncias, estado e situação, de forma que nada destoe, senão que resplandeça em tudo a mais perfeita harmonia. Neste conceito se relaciona a modéstia com a amizade ou afabilidade e com a verdade (CLXVIII, 1).

Pertencem também à virtude da modéstia os atos relacionados com o jogo, as diversões e os recreios?
Sim, senhor; e neste caso, toma a virtude o nome de eutrapélia, ou virtude que preside às diversões e aos recreios, evitando que se peque seja por excesso, seja por defeito (CLXVIII, 2-4).

Está a cargo da modéstia o que se refere à maneira de vestir?
Sim, senhor; e neste sentido, rigorosamente, se chama modéstia (CLXIX).

Que normas prescreve?
Não ter afeição desmedida aos vestidos caros e faustosos, nem fazer ostentação de pobres e desalinhados (CLXIX, 1).

Logo, pecam contra a virtude da modéstia as pessoas mundanas, escravas dos exageros a que chamam moda, incentivo e frequente ocasião de pecado?
Pecam contra a modéstia e contra a castidade e são dignas de severa repreensão (CLXIX, 2).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)