sexta-feira, 8 de maio de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (L)

XLIII

DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO: SUA NATUREZA, IMPEDIMENTOS, OBRIGAÇÕES, DIVÓRCIO, SEGUNDAS NÚPCIAS E ESPONSAIS

Qual é o outro sacramento instituído por Jesus Cristo para aperfeiçoar o homem, enquanto membro de uma sociedade com fins sobrenaturais?
O sacramento do matrimônio (XLII)*.

De que modo está ordenado o Sacramento do Matrimônio para o bem da sociedade sobrenatural?
Pela propagação da espécie humana, cujos indivíduos são os destinados a formá-la (XLI, XLII).

Que entendeis por sacramento do matrimônio?
A união de um só homem com uma só mulher, indissolúvel até a morte de um deles, contraída por mútuo consentimento, entre pessoas batizadas, com direito recíproco e exclusivo, nos atos que têm por fim dar à pátria terrestre e à pátria celestial dignos moradores e cidadãos (Ibid).

Por que o contrato matrimonial entre cristãos tem categoria de sacramento?
Porque assim o quis Jesus Cristo, ao elevá-lo à dignidade de simbolizar a sua própria união com a sua esposa, a Igreja, nascida do seu lado aberto na cruz, à maneira da primeira mulher, da costela de Adão, misteriosamente adormecido (XLII, 2).

Que é necessário para que um homem e uma mulher batizados possam unir-se em matrimônio?
Que ambos possam livremente dispor de si mesmos e que não exista entre eles qualquer obstáculo.

Que obstáculos se opõem à união matrimonial?
Os chamados impedimentos do matrimônio.

São da mesma natureza todos os impedimentos do matrimônio?
Não, Senhor; pois que uns somente o fazem ilícito e outros o fazem completamente nulo.

Quais os nomes que têm os primeiros e os segundos?
Os primeiros chamam-se impedientes e os segundos, dirimentes (cânon 1036).

Quais são os impedientes?
O voto simples de virgindade, o de castidade perpétua ou de não contrair matrimônio, o de receber ordens sacras ou de abraçar o estado religioso; o parentesco legal procedente da adoção, nos países em que a lei civil o considera impedimento impediente, e o chamado de religião mista, que tem lugar quando um dos contraentes, ainda que validamente batizado, professa as doutrinas de alguma seita herética ou cismática (conforme o Código Canônico).

Que é necessário para contrair matrimônio quando existe algum dos preditos impedimentos?
Que a Igreja o dispense, se bem que, para fazê-lo, exige razões muito atendíveis, especialmente quando se trata de um matrimônio em que intervenha o impedimento de religião mista, exigindo à parte acatólica dar garantias suficientes para afastar todo perigo de perversão do outro cônjuge e para que a prole receba o batismo e educação católica (conforme o Código Canônico).

Quais são os impedimentos dirimentes?
Ei-los aqui, extraídos do novo Código do Direito Canônico: (i) a falta de idade legal, que são dezesseis anos completos, para o homem e quatorze para a mulher, igualmente completos; (ii) a impotência, conhecida ou desconhecida, absoluta ou relativa, contanto que seja perfeita e anterior ao matrimônio; (iii) o matrimônio válido, anteriormente contraído, ainda que não tenha sido consumado; (iv) a disparidade de cultos, que tem lugar quando um dos contraentes está batizado na Igreja Católica ou se converteu da heresia ou do cisma e o outro se acha sem batizar; (v) as ordens sagradas; (vi) a profissão religiosa solene e também a simples, quando assim o decretar a Santa Sé; (vii) o rapto ou detenção violenta feita com o objetivo de arrancar o consentimento, até que a pessoa raptada seja posta em lugar seguro e possa manifestar livremente a sua vontade; (viii) o crime de adultério com promessa ou tentativa civil de matrimônio, o adultério seguido de assassinato em que intervenham um ou ambos os adúlteros e a cooperação física ou moral no assassinato de um dos cônjuges, ainda que não haja precedido o adultério; (ix) a consanguinidade, em linha reta, indefinidamente e, em colateral, até ao terceiro grau inclusive; multiplica-se este impedimento quantas vezes se multiplica o tronco comum; (x) a afinidade, em linha reta indefinidamente e, em colateral, até ao segundo grau inclusive; multiplica-se este impedimento como o da consanguinidade que o origina e, por matrimônio subsequente, com o consanguíneo do cônjuge defunto; (xi) a pública honestidade, proveniente do matrimônio inválido, consumado ou não e de concubinato público e notório; dirime o matrimônio no primeiro e segundo grau da linha reta entre o homem e os consanguíneos da mulher e vice-versa; (xii) o parentesco espiritual que contraem com o batizado, o batizante, o padrinho e a madrinha; (xiii) o parentesco legal, proveniente da adoção, nos países em que a lei civil o considera impedimento dirimente (Código, Canônico 1067-1080; LLXII).

Dispensa alguma vez a Igreja nos impedimentos dirimentes?
Nem dispensa e nem pode dispensar nos impedimentos que são de direito divino ou natural estrito, como a impotência, o matrimônio consumado e a consanguinidade na linha reta e na colateral muito próxima. Pode e, de fato, dispensa nos outros, ainda que para fazê-lo exige causa grave.

Não existe outro impedimento dirimente que poderemos chamar extrínseco, visto que não afeta as partes contraentes?
Sim, Senhor; o da clandestinidade.

Que entendeis por impedimento de clandestinidade?
O que estabelece a lei eclesiástica, declarando nulos os matrimônios entre batizados na Igreja Católica, vivendo ou não no seu seio, entre católicos e acatólicos, estejam ou não estes últimos batizados, e entre latinos e orientais, quando não se contraem perante o pároco ou o ordinário do lugar em que se efetua ou perante um sacerdote delegado de qualquer deles, nos limites das suas respectivas jurisdições e com assistência de duas testemunhas pelo menos. É todavia válido o matrimônio celebrado apenas em presença de duas testemunhas quando, em perigo de morte, seja impossível ou muito difícil recorrer ao Ordinário ou ao Pároco, e quando as dificuldades para contraí-lo perante qualquer,deles hajam durado um mês (Código, cânons 1094-1099).

Quando as partes contraentes reúnem as devidas condições, que é preciso para que recebam o sacramento e quem é o ministro?
Basta, para o primeiro, que livremente, isto é, sem pressão, medo grave e injusto, nem violência exterior, prestem consentimento formal recíproco e atual, manifestado por palavras ou por meio de gestos inequívocos. São ministros do sacramento os mesmos contraentes (Código, cânons 1081-1087; XLVII, 1-6).

É nulo o consentimento matrimonial quando algum dos contraentes está em algum erro a respeito do outro?
Se o erro é acerca da pessoa do outro cônjuge, sim, senhor; porém, quando recai em suas qualidades pessoais, o matrimônio, ainda que ilícito, é válido (Código, cânon 1083).

É conveniente que assistam à missa própria do ato em que o sacerdote abençoa a sua união?
Sim, senhor; além de tudo, a Igreja deseja e recomenda que todos os seus filhos se disponham para receber tão grande sacramento, mediante uma boa confissão e fervorosa comunhão (Código, cânon 1101).

Que graça especial confere este sacramento aos que dignamente o recebem?
A de perfeita fidelidade e harmonia conjugal fundada num amor sincero e profundo, sobrenatural, suficiente para resistir até à morte, a quanto se tenda destruí-la ou quebrantá-la e, ao mesmo tempo, uma graça de generosidade, abnegação e espírito de sacrifício em favor dos futuros filhos, a fim de que os pais não estorvem a sua procriação, os recebam com alegria e lhes prodigalizem os mais minuciosos cuidados de alma e corpo, para fazer deles dignos cidadãos da pátria terrena e da pátria celeste (XLIX, 1-6).

Pode a lei do divórcio civil anular o matrimônio validamente contraído?
De maneira nenhuma, visto que nenhuma lei humana pode separar o que Deus uniu. Por conseguinte, ainda que decretado e executado o divórcio civil, permanecem ambos os cônjuges unidos com os laços do matrimônio e, se algum passa a segundas núpcias, Deus e a Igreja consideram a sua união como mero concubinato.

Ocorrida a morte de um dos cônjuges, pode o sobrevivente contrair novo matrimônio?
Não existe lei que o proíba, se bem que considerado em si mesmo, é mais perfeito o estado de viuvez; advirta-se que, se é viúva a mulher, ao celebrar o primeiro matrimônio, recebeu solenemente a benção nupcial, e não pode recebê-la segunda vez (LXIII, Código, cânons 1142, 1143).

São úteis e convenientes os esponsais?
Sim, senhor. Consistem, essencialmente, na promessa que fazem mutuamente os futuros cônjuges de contrair matrimônio. Para a sua validade, tanto no foro interno como no externo, é necessário que conste de escritura, firmada pelos interessados, pelo Pároco ou Ordinário do lugar e por duas testemunhas pelo menos. Se algum dos prometentes não sabe escrever ou está impossibilitado, é preciso fazer constar na ata e acrescentar a firma de outra testemunha (XLIII, 1; Código, cânon 1017).

Dão os esponsais direito de usar do matrimônio antes de celebrá-lo?
Não, senhor; e os desposados que o usem, além de cometer pecado mortal, expõem-se a que a justiça divina lhes faça, mais tarde, pagar caro semelhante abuso da honestidade dos esponsais.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)