quarta-feira, 27 de abril de 2016

DA ESCRAVIDÃO DO AMOR À ESCRAVA DO SENHOR

Há três espécies de escravidão: por natureza, por constrangimento e por livre vontade. Por natureza, todas as criaturas são escravas de Deus: Domini est terra et plenitudo eius (Sl 23, 1). Os demônios e os réprobos são escravos por constrangimento; e os justos e os santos o são por livre e espontânea vontade. A escravidão voluntária é a mais perfeita, a mais gloriosa aos olhos de Deus, que olha o coração (1Rs 16, 7), que pede o coração (Prov 23, 26) e que é chamado o Deus do coração (Sl 72, 26) ou da vontade amorosa, porque, por esta escravidão, escolhe-se, sobre todas as coisas, a Deus e seu serviço, ainda quando não o obriga a natureza.

Só a escravidão, entre os homens, põe uma pessoa na posse e dependência completa de outra. Nada há, do mesmo modo, que mais absolutamente nos faça pertencer a Jesus Cristo e a sua Mãe Santíssima do que a escravidão voluntária, conforme o exemplo do próprio Jesus Cristo, que, por nosso amor, tomou a forma de escravo: Formam servi accipiens (Fp 2, 7), e da Santíssima Virgem, que se declarou a 'escrava do Senhor' (Lc 1, 38).

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Digo que devemos pertencer a Jesus Cristo e servi-lo, não só como servos mercenários, mas como escravos amorosos, que, por efeito de um grande amor, se dedicam a servi-lo como escravos, pela honra exclusiva de lhe pertencer. Antes do batismo, éramos escravos do demônio; o batismo nos fez escravos de Jesus Cristo. Importa, pois, que os cristãos sejam escravos ou do demônio ou de Jesus Cristo.

...

O que digo absolutamente de Jesus Cristo, digo-o também da Virgem Maria, pois Jesus Cristo, escolhendo-a para sua companheira inseparável na vida, na morte, na glória, em seu poder no céu e na terra, deu-lhe pela graça, relativamente à sua majestade, os mesmos direitos e privilégios que ele possui por natureza. Quidquid Deo convenit per naturam, Mariae convenit per gratiam – 'Tudo que convém a Deus pela natureza, convém a Maria pela graça', dizem os santos. Assim, conforme este ensinamento, pois que ambos têm a mesma vontade e o mesmo poder, têm também os mesmos súditos, servos e escravos.


ORAÇÃO A MARIA
 (para seus fiéis escravos)

Ave, Maria, Filha bem-amada do Pai eterno; ave, Maria, Mãe admirável do Filho; ave, Maria, Esposa fidelíssima do Espírito Santo; ave, Maria, minha querida Mãe, minha amável Senhora e poderosa soberana; ave, minha alegria, minha glória, meu coração e minha alma! Vos me pertenceis toda por misericórdia, e eu vos pertença toda por justiça; mas não vos pertenço bastante ainda; de novo me dou a vós todo inteiro, na qualidade de escravo perpétuo, sem nada reservar para mim ou para outrem. 

Se vedes em mim qualquer coisa que não vos pertença, eu vos suplico de tirá-la agora, e de vos tornar Senhora absoluta de tudo o que possuo; de destruir e desarraigar e aniquilar tudo o que desagrada a Deus; e de plantar tudo e promover e operar tudo o que vos agradar. Que a luz de vossa fé dissipe as trevas de meu espírito; que vossa humildade profunda tome o lugar de meu orgulho; que vossa contemplação sublime suste as distrações de minha imaginação desregrada; que a vossa vista contínua de Deus encha a minha memória de sua presença; que o incêndio de vosso coração dilate e abrase a tibieza e frieza do meu; que vossas virtudes substituam os meus pecados; que vossos méritos sejam o meu ornamento e suplemento perante Deus. 

Enfim, minha querida e bem-amada Mãe, fazei, se possível for, que não tenha outro espírito senão o vosso, para conhecer Jesus Cristo e suas divinas vontades; que não tenha outra alma senão a vossa, para louvar e glorificar o Senhor; que não tenha outro coração senão o vosso, para amar a Deus com um amor puro e ardente como vós. Não vos peço visões ou revelações ou gozos ou prazeres, nem mesmo espirituais. E' privilégio vosso ver claramente, sem trevas; gozar plenamente, sem amargor; triunfar gloriosamente à direita de vosso Filho, no céu, sem humilhação alguma; dominar absolutamente sobre os anjos, os homens e os demônios, sem resistência, e, enfim, de dispor de todos os bens de Deus, sem restrição alguma. 

Eis, Maria, Mãe de Deus, a melhor parte que o Senhor vos deu e que não vos será tirada; e isto me deleita sobremaneira. Por minha parte, não quero nesta terra senão o que vós tivestes, a saber: crer puramente, sem nada gozar ou ver; sofrer alegremente, sem consolação de criaturas; morrer continuamente a mim mesmo, sem relaxamento; e trabalhar resolutamente, até à morte, por vós, sem interesse algum, como o mais vil dos escravos. A única graça que vos peço, por pura misericórdia, é que, a todos os dias e momentos de minha vida, eu diga três vezes Amém. Assim seja, a tudo que fizestes na terra, enquanto nela vivestes. Assim seja, a tudo que fazeis agora no céu. Assim seja, a tudo que operais em minha alma, a fim de que nela só vós estejais para glorificar plenamente a Jesus em mim, no tempo e na eternidade. Assim seja.

(Excertos da obra 'Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria', de São Luís Maria Grignion de Montfort)

terça-feira, 26 de abril de 2016

15 DITOS ESPIRITUAIS DE SÃO JOÃO CRISÓSTOMO


1. O homem é mais precioso aos olhos de Deus do que a criação inteira: é para ele que existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e é à salvação dele que Deus atribuiu tanta importância que nem sequer poupou seu Filho único em seu favor. Pois Deus não cessou de tudo empreender para fazer o homem subir até Ele e fazê-lo sentar-se à sua direita.

2. Não te afaste da Igreja: nada é mais forte do que ela. Ela é a tua esperança, o teu refúgio. Ela é mais alta que o céu e mais vasta que a terra. Ela nunca envelhece.

3. Pedro, na verdade, ficou para nós como a pedra sólida sobre a qual se apoia a fé e sobre a qual está edificada a Igreja. Tendo confessado ser Cristo o Filho de Deus vivo, foi-lhe dado ouvir: 'Sobre esta pedra – a da sólida fé – edificarei a minha Igreja' (Mt 16,18). Tornou-se, enfim, Pedro, o alicerce firme e fundamento da Casa de Deus, quando, após negar a Cristo e cair em si, foi buscado pelo Senhor e por ele honrado com as palavras: 'apascenta as minhas ovelhas'(Jo 21,15). Dizendo isto, o Senhor nos estimulou à conversão, e também a que de novo se edificasse solidamente sobre Pedro aquela fé, a de que ninguém perde a vida e a salvação, neste mundo, quando faz penitência sincera e se corrige de seus pecados.

4. Vais participar da eucaristia? Então, não humilhes teu irmão. Não desprezes o faminto. Tu fazes memória de Cristo e desprezas o pobre? Tu não ficas horrorizado? Bebeste o Sangue do Senhor e não reconheces teu irmão? Ainda que o tenhas desconhecido antes, deves reconhecê-lo nesta mesa. Tu, que recebeste o pão da vida, não faças obra de morte.

5. A ajuda aos pobres é mais importante que o jejum e a virgindade, pois nos torna a todos o povo de Jesus Cristo.

6. Onde existe a cólera aí não habita o Espírito Santo.

7. Não é absurdo pores tanto cuidado nas coisas do corpo, a ponto de já desde muitos dias antes da festa preparares uma roupa belíssima, e te adornares e embelezares de todas as maneiras possíveis, e, no entanto, não tomares nenhum cuidado com a tua alma, abandonada, suja, esquálida, consumida de fome?

8. Nada vale tanto como a oração. Ela torna possível aquilo que é impossível, fácil o que é difícil. É impossível que o homem que reza continue pecando.

9. Nada te pode fazer tão imitador de Cristo como a preocupação pelos outros. Mesmo que jejues, mesmo que durmas no chão, mesmo que, por assim dizer, te mates, se não te preocupas com o próximo, pouca coisa fizeste, muito ainda distas da imagem do Senhor.

10. Qual proveito pode ter Jesus, se o seu altar está coberto de vasos de ouro, enquanto ele próprio morre de fome nas pessoas dos pobres?

11. Não há diferença alguma em dar ao Senhor e dar ao pobre, pois Ele mesmo disse: ‘quem dá a estes pequenos é a mim que dá'.

12. O homem mais poderoso é o que reza, porque se faz participante do poder de Deus.

13. A oração nos acostuma a falar com Deus.

14. Quando o espiritual nos chama, não há ocupação alguma que seja necessária.

15. Quem é humilde é útil a si e aos outros.

domingo, 24 de abril de 2016

O NOVO MANDAMENTO

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo da Páscoa


Deus, em sua infinita misericórdia, destinou ao homem, não apenas a plenitude de uma felicidade puramente natural mas, muito mais que isso, por desígnios imensuráveis à condição humana, a plenitude da eterna felicidade com Ele. E, para nos tornar co-participantes de sua glória, nos escolheu, um a um, desde toda a eternidade, como criaturas humanas privilegiadas e especiais, moldadas pelo infinito amor do divino intelecto. Glória aos homens bem-aventurados que, nascidos e criados pelo infinito amor, foram e serão redimidos pelo amor de Cristo para toda a eternidade!

Neste Quinto Domingo da Páscoa, somos chamados a vivenciar este amor de Deus em plenitude. Jesus encontra-se no Cenáculo, pouco antes de sua ida ao Horto das Oliveiras e da sua prisão e morte na cruz. E acaba de revelar aos seus discípulos amados, mais uma vez, a identidade do amor divino entre Pai e Filho, regida pelo Espírito Santo: 'Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele' (Jo 13, 31). Do amor intrínseco à Santíssima Trindade, medida infinita do amor sem medidas, Jesus vai nos dar o princípio do amor humano verdadeiro e recíproco ao amor divino: 'Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros' (Jo 13, 34). 

Sim, como Cristo nos amou. Na nossa impossibilidade humana de amar como Cristo nos ama, isso significa amar sem rodeios, amar sem vanglória, amar sem zelos de gratidão, amar de forma despojada e sincera aos que nos amam e aos que não nos amam, a quem não conhecemos, a quem apenas tangenciamos por um momento na vida, a todos os homem criados pelos desígnios imensuráveis do intelecto divino, à sombra e imersos na dimensão do infinito amor de Cristo por nós.

Nesta proposição distorcida e acanhada do amor divino, o amor humano se projeta a alturas inimagináveis de santificação, e expressa a sua identificação incisiva no projeto de redenção de Cristo: 'Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros' (Jo 13, 35). Eis aí a essência do novo mandamento: amar, com igual despojamento, toda a dimensão da humanidade pecadora, a exemplo de um Deus que se entregou à morte de cruz para nos redimir da morte e mostrar que o verdadeiro amor não tem limites nem medida alguma. 

sábado, 23 de abril de 2016

OS FRUTOS DA GRAÇA

Tudo se renova em nós desde que encontremos no Filho de Deus uma juventude eterna. São João dá-nos a certeza: com o seu olhar de águia, olha para a fonte de toda a luz e diz-nos: 'A vida manifestou-se e nós vimo-la, e damos dela testemunho, e vos anunciamos esta vida eterna, que estava no Pai e nos aparecem' (I Jo 1 ,2). O discípulo amado comunica-nos o que viu com palavras simples e transparentes: dá-nos parte da verdade essencial, e todo aquele que vive dela vê abrir-se o caminho que leva às profundidades de Deus. 

As circunstâncias deste mundo só nos fazem parar se deixarmos de atentar no essencial. A razão humana, incapaz de se concentrar no único bem necessário às nossas almas resgatadas, não pode iluminar os caminhos interiores: só a fé os descobre, numa confissão sincera da nossa total impotência. A humildade fiel faz brotar todas as fontes da graça. Desde o momento em que deixamos de lhe vedar a entrada na nossa alma pelo pecado, a claridade divina irrompe por todo o nosso ser: a sua medida não é a mesma que a nossa, e a sua liberdade infinitamente generosa é o segredo de Deus. 'Eu terei misericórdia com quem me aprouver ter misericórdia; e terei piedade de quem me aprouver ter piedade' (Rm 9, 15) e 'Deixei que me encontrassem os que não me procuravam; mostrei-me aos que não me buscavam' (Rm 9, 20).

Porque foi que Ele nos escolheu, porque foi que nos preferiu a milhões de outras pessoas? Esta graça só pode ser o sinal de um amor imenso: 'Foi por amor que ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por meio de Jesus Cristo, por sua livre vontade' (Ef 1, 5). Este Pai que nos deu o Seu Filho poderá na verdade recusar-nos alguma coisa? 'O que não poupou nem o seu próprio Filho, mas por nós todos o entregou à morte; como não nos dará também com ele todas as coisas?' (Rm 8, 32).

O Filho ofereceu o seu sangue e a sua vida: poderia porventura dar-nos prova mais perfeita do seu amor? E entre os bens do seu próprio coração deu-nos a sua Mãe bem-amada, aquela que o anjo louvou pela sua fé, para que ela nos transmitisse todas as riquezas da graça. E apenas nos pede em troca que acreditemos nEle e no Pai, que acreditemos na virtude do seu preciosíssimo sangue derramado por nós, no valor dos seus sacramentos, na vida da Igreja, sua esposa, e no poder da oração: 'Se pedirdes a meu Pai alguma coisa, em meu nome, Ele vo-la dará; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja perfeita' (Jo 16, 23-24).

Por mais fracos e miseráveis que sejamos, temos um caminho aberto e seguro; para curar a nossa alma, é-nos oferecido um remédio sempre eficaz: a oração. Deus conhece as nossas necessidades, mas espera de nós o pedido humilde e a imploração do seu socorro. Precisamos de orar! Não como uma torrente de palavras, mas com o mais simples impulso interior: invocar o nome de Deus com confiança durante o trabalho cotidiano pode ser o suficiente. O que importa é a vontade filial de nos apoiarmos no Pai e o esforço suavemente insistente para elevar para Ele uma oração cheia de fé: esta perseverança toca infalivelmente o coração de Deus: 'Pedi e recebereis procurai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á' (Mt 7, 8). 

Nada resiste à alma que confia no amor do Pai: Ele próprio deve ceder à esperança fiel, ao abandono que invoca a sua bondade infinita. O próprio Espírito nos inspira esta conduta e nos revela estes segredos de poder e de amor: 'É Deus que opera tudo em todos: é um só e o mesmo Espírito que opera estes dons, repartindo a cada um como quer' (I Cor 12, 6-11). Ele não fala em feitos sobre-humanos nem em cuidados torturantes, mas em recolhimento, em verdade interior, em humildade e doçura, e principalmente em confiança e abandono filial: 'Não vos aflijais, pois... o vosso Pai celeste conhece as vossas necessidades. Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o resto vos será dado por acréscimo' (Mt 6, 31-33).

A timidez espiritual, forma insidiosa e disfarçada do amor-próprio, só é desmascarada e repelida pela luz da graça. O despeito de nada poder nem valer coisa nenhuma transforma-se em gratidão: torna-se evidente que devemos entregar-nos ao próprio Deus. Entramos assim nas relações perfeitas que devem unir a criatura perdida e o Salvador que a encontra e a resgata: somos beneficiários sem mérito nenhum da nossa parte, enquanto Ele é o doador e o dom inestimável: 'Que tens tu que não recebesses? E se o recebeste, porque te glorias como se o não tiveras recebido?' (I Cor 4, 7).

O nosso vil ardor em procurar a consideração e as boas graças dos homens tem como fonte a nossa falta de interesse pelas maravilhas que a graça quer operar em nós e a nossa cegueira perante a dignidade de filhos de Deus. O ciúme e a ambição que envenenam a vida do homem não têm outra raiz senão o desconhecimento dos seus privilégios divinos: o orgulho e a vaidade não se apoiam num apreço exagerado, mas num apreço irrisoriamente insuficiente por aquilo que é nosso, se o quisermos aceitar. Há um sentimento de inferioridade que é um insulto para Deus e um grave perigo para a alma. 

A psicanálise fala do recalcamento dos instintos mas desconhece a recusa das inspirações divinas, cujos efeitos são infinitamente mais nocivos para o ser racional. É este complexo que leva a alma a dobrar-se sobre o mundo material, depois sobre si mesma e, por fim, a atrofiar-se. Urge arrancar esse germe da morte que é o desprezo do nosso verdadeiro destino e do dom de Deus: 'Despojai-vos sem demora da vossa vida passada, do homem velho corrompido pelas paixões enganadoras; renovai-vos no espírito do vosso entendimento: revesti-vos do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeiras' (Ef 4, 22-24).

Devemos obedecer e submeter-nos: é a lei de toda a criatura enquanto não está incluída na ordem da graça, mas a mensagem de salvação que nos é dirigida é o remédio para todas as formas de miséria. Aprendamos a viver segundo o exemplo do Espírito: se isso parece uma escravatura aos homens que não conhecem a chave do seu ser, nós sabemos que é nisso que consiste a mais pura liberdade: 'Não recebais em vão a graça de Deus, pois Ele diz: Eu te ouvi no tempo aceitável e te ajudei no dia da salvação' (II Cor 6, 2).

(Excertos da obra 'Intimidade com Deus', de um cartuxo anônimo)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

SERMÕES DO CURA D'ARS (V)

SOBRE O AMOR DE DEUS

O nosso corpo é um vaso de corrupção; é para a morte e para os vermes, tão só... E, entretanto nós nos aplicamos a satisfazê-lo antes que a enriquecer a nossa alma, que é tão grande que nada se pode imaginar de maior: não, nada, nada. Porquanto vemos que Deus, premido pelo ardor de sua caridade, não nos quis criar semelhantes aos animais; criou-nos à sua imagem e semelhança, vedes! Ó como o homem é grande!

O homem criado por amor não pode viver sem amor: ou ama a Deus, ou se ama e ama o mundo. Vede, meus filhos é a fé que falta. Quando o homem não tem fé, é cego. Aquele que não vê não conhece; o que não conhece não ama; o que não ama a Deus ama-se a si próprio e ao mesmo tempo ama os seus prazeres. Apega o coração a coisas que passam como fumo. Não pode conhecer nem a verdade nem bem algum; só pode conhecer a mentira porque não tem a luz; está na névoa. Se tivesse a luz, veria bem que tudo o que ele ama só lhe pode dar a morte eterna; é um antegozo do inferno.

Fora de Deus, como vedes, meus filhos, nada é sólido, nada, nada! Se é a vida, passa; se é a fortuna, desmorona-se; se é a família, é destruída; se é a reputação, é atacada. Nós vamos como o vento. Tudo passa com velocidade, tudo se precipita. Ah! Meu Deus, meu Deus! Como são, pois, para lastimar esses que põem o seu afeto em todas essas coisas! Põem-no, porque se amam demasiado; mas não se amam com amor razoável; amam-se com o amor de si mesmos e do mundo, procurando-se e procurando as criaturas mais do que a Deus. É por isto que nunca estão contentes, nunca tranquilos; estão sempre transtornados.

Vedes, meus filhos, o bom cristão percorre o caminho deste mundo montado num belo carro de triunfo; esse carro é puxado pelos anjos, e é Nosso Senhor quem o conduz; ao passo que o pobre pecador é atrelado ao carro da vida, e o demônio, que está na direção, o força a avançar a largas chicotadas.

Meus filhos, os três atos de fé, de esperança e de caridade encerram toda a felicidade do homem na terra. Pela fé nós cremos aquilo que Deus nos prometeu, cremos que o havemos de ver um dia, que o possuiremos, que estaremos eternamente com ele no Céu. Pela esperança guardamos o efeito dessas promessas: esperamos que seremos recompensados de todas as nossas boas ações, de todos os nossos bons pensamentos, de todos os nossos bons desejos; pois Deus leva em conta mesmo os bons desejos. Que mais é preciso para ser feliz?

No Céu, a fé e a esperança não existirão mais; porquanto as névoas que nos obscurecem a razão serão dissipadas. O nosso espírito terá a inteligência das coisas que lhe são ocultas neste mundo. Não esperaremos mais nada, visto que teremos tudo. Ninguém espera adquirir um tesouro que possui. Mas o amor! Ó seremos inebriados dele, seremos afogados, perdidos nesse oceano de amor divino, aniquilados nessa imensa caridade do Coração de Jesus! Por isto a caridade é um antegozo do Céu. Se soubéssemos compreendê-la, senti-la, saboreá-la, como seríamos felizes! O que faz que sejamos infelizes é não amarmos a Deus.

Quando dizemos: 'Meu Deus, eu creio! Creio firmemente, isto é, sem a menor dúvida, sem a menor hesitação...' Se nos compenetrássemos destas palavras: 'Creio firmemente que estais presente em toda parte, que me vedes, que estou debaixo dos Vossos olhos, que um dia Vos verei claramente eu próprio, que gozarei de todos os bens que me haveis prometido! Meu Deus, espero que me recompenseis de tudo o que eu tiver feito para Vos agradar! Meu Deus, eu Vos amo! Tenho um coração para vos amar!" Como este ato de fé, que é também um ato de amor, bastaria para tudo! Se compreendêssemos a ventura que temos de poder amar a Deus, ficaríamos imóveis no êxtase...

Se um príncipe, um imperador, fizesse comparecer perante si um de seus súditos e lhe dissesse: 'Quero fazer a tua felicidade; fica comigo, goza de todos os meus bens; mas cuida de não me desagradares em tudo o que for justo': que cuidado, que ardor esse súdito não poria em satisfazer o seu príncipe! Pois bem! Deus faz-nos os mesmos oferecimentos e nós não nos preocupamos com a sua amizade e não fazemos nenhum caso das suas promessas... Como é possível?

(Excertos da obra 'Pequeno Catecismo', do Cura D'Ars)

quinta-feira, 21 de abril de 2016

DOZE GRAUS DE HUMILDADE, DOZE GRAUS DE SOBERBA...

Os Doze Graus da Humildade

I - Abster-se por temor a Deus a todo o momento de qualquer pecado.

II - Não amar a própria vontade.

III - Submeter-se aos superiores com toda a obediência.

IV - Abraçar por obediência e pacientemente as coisas ásperas e duras.

V - Confessar os seus pecados.

VI - Julgar-se indigno e inútil para tudo.

VII - Reconhecer-se como o mais humilde de todos.

VIII - Não sair da norma comum do mosteiro.

IX - Esperar ser questionado para falar.

X - Não ser de riso fácil.

XI - Expressar-se com parcimônia e judiciosamente sem erguer a voz.

XII - Mostrar sempre humildade no coração e no corpo, com os olhos no chão.


Os Doze Graus da Soberba

I - A curiosidade que lança os olhos e demais sentidos a coisas que não lhe interessam.

II - A ligeireza de espírito que se manifesta na indiscrição de palavras, ora tristes, ora alegres.

III - A alegria tonta que estala em riso ligeiro.

IV - A jactância que se torna patente ao muito falar.

V - A singularidade que tudo procura para a sua própria glória.

VI - A arrogância pelo que um se crê mais santo que os outros.

VII - A presunção de quem se intromete em tudo.

VIII - A desculpa para os pecados.

IX - A confissão fingida, que se descobre quando se lhe manda fazer coisas ásperas e duras.

X - A rebelião contra o Mestre e os Irmãos.

XI - A liberdade de pecar.

XII - O costume de pecar.

(São Bernardo de Claraval)

terça-feira, 19 de abril de 2016

ORAÇÃO DE SÃO PATRÍCIO


Levanto-me, neste dia que amanhece,
Por uma grande força, pela invocação da Trindade,
Pela fé na Tríade,
Pela afirmação da unidade
Do Criador da Criação.

Levanto-me neste dia que amanhece,
Pela força do nascimento de Cristo em Seu batismo,
Pela força da crucificação e do sepultamento,
Pela força da ressurreição e ascensão,
Pela força da descida para o Julgamento Final.

Levanto-me, neste dia que amanhece,
Pela força do amor dos Querubins,
Em obediência aos Anjos,
A serviço dos Arcanjos,
Pela esperança da ressurreição e da recompensa,
Pelas orações dos Patriarcas,
Pelas previsões dos Profetas,
Pela pregação dos Apóstolos
Pela fé dos Confessores, 
Pela inocência das Virgens santas,
Pelos atos dos Bem-aventurados.

Levanto-me neste dia que amanhece,
Pela força do céu:
Luz do sol,
Clarão da lua,
Esplendor do fogo,
Pressa do relâmpago,
Presteza do vento,
Profundeza dos mares,
Firmeza da terra,
Solidez da rocha.

Levanto-me neste dia que amanhece,
Pela força de Deus a me empurrar,
Pela força de Deus a me amparar,
Pela sabedoria de Deus a me guiar,
Pelo olhar de Deus a vigiar meu caminho,
Pelo ouvido de Deus a me escutar,
Pela palavra de Deus em mim falar,
Pela mão de Deus a me guardar,
Pelo caminho de Deus à minha frente,
Pelo escudo de Deus que me protege,
Pela hóstia de Deus que me salva,
Das armadilhas do demônio,
Das tentações do vício,
De todos que me desejam mal,
Longe e perto de mim,
Agindo só ou em grupo.

Conclamo, hoje, tais forças a me protegerem contra o mal,
Contra qualquer força cruel que ameace meu corpo e minha alma,
Contra a encantação de falsos profetas,
Contra as leis negras do paganismo,
Contra as leis falsas dos hereges,
Contra a arte da idolatria,
Contra feitiços de bruxas e magos,
Contra saberes que corrompem o corpo e a alma.

Cristo guarde-me hoje,
Contra veneno, contra fogo,
Contra afogamento, contra ferimento,
Para que eu possa receber e desfrutar a recompensa.
Cristo comigo, Cristo à minha frente, Cristo atrás de mim,
Cristo em mim, Cristo embaixo de mim, Cristo acima de mim,
Cristo à minha direita, Cristo à minha esquerda,
Cristo ao me deitar,
Cristo ao me sentar,
Cristo ao me levantar,
Cristo no coração de todos os que pensarem em mim,
Cristo na boca de todos que falarem em mim,
Cristo em todos os olhos que me virem,
Cristo em todos os ouvidos que me ouvirem.

Levanto-me, neste dia que amanhece,
Por uma grande força, pela invocação da Trindade,
Pela fé na Tríade,
Pela afirmação da Unidade,
Pelo Criador da Criação.

(a ser rezada pela manhã)