segunda-feira, 18 de abril de 2016

DO SANGUE E DA ÁGUA DO LADO DE CRISTO

Se quisermos entender o poder do sangue de Cristo, devemos voltar à antiga narração da sua prefiguração no Egito: 'Sacrifica um cordeiro sem mancha', ordenou Moisés, 'e asperge tuas portas com o seu sangue'. Se lhe perguntássemos o que ele quis dizer, e como o sangue de um ser irracional poderia possivelmente salvar os homens providos de razão, sua resposta seria que o poder de salvar não reside no sangue em si, mas no fato de que ele é um sinal do sangue do Senhor. 

Naqueles dias, quando o anjo destruidor viu o sangue nas portas, ele não ousou entrar, então quanto menos o demônio se aproximará agora quando ele vê, não o sangue figurativo nas portas, mas o verdadeiro sangue nos lábios dos crentes, as portas do templo de Cristo. Se desejas mais provas do poder deste sangue, lembra donde veio ele, como verteu da cruz, fluindo do lado do Mestre. 

O evangelho lembra que, quando Cristo estava morto, mas ainda pendendo da Cruz, um soldado veio e transpassou o seu lado com uma lança e, imediatamente, saíram sangue e água. Então a água foi um símbolo do batismo, e o sangue, da santa Eucaristia. O soldado transpassou o lado do Senhor, rompeu o muro do templo sagrado, e eu encontrei o tesouro e apossei-me dele. O mesmo com o cordeiro: os judeus sacrificaram a vítima e eu fui salvo por ela.

'Saíram do seu lado água e sangue'. Amado, não passes ao largo desse mistério sem refletir; ele tem ainda mais um sentido oculto, que te explicarei. Eu disse que água e sangue simbolizavam o batismo e a santa Eucaristia. Desses dois sacramentos, a Igreja nasceu: do batismo, 'a água purificadora que faz renascer e renovar pelo Espírito Santo', e da santa Eucaristia. Já que os símbolos do batismo e da Eucaristia fluíram do seu lado, foi do seu lado que Cristo formou a Igreja, como formara Eva do lado de Adão. 

Moisés dá uma ideia disso quando conta a história do primeiro homem e fá-lo exclamar: 'Osso dos meus ossos e carne da minha carne!'. Como Deus tomou uma costela do lado de Adão para formar uma mulher, assim Cristo deu-nos sangue e água do seu lado para formar a Igreja. Deus tirou a costela quando Adão estava num sono profundo, e, do mesmo modo, Cristo deu-nos o sangue e a água após a sua própria morte.

Entendes, então, como Cristo uniu sua esposa a si mesmo, e que alimento ele nos dá a todos para comer? Por um e o mesmo alimento nós somos trazidos à existência e nutridos. Como uma mulher nutre seu filho com seu próprio sangue e leite, assim Cristo incessantemente nutre com seu próprio sangue aqueles a quem ele mesmo deu a própria vida.

(Das catequeses de São João Crisóstomo)

domingo, 17 de abril de 2016

O BOM PASTOR

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo da Páscoa


No Quarto Domingo da Páscoa, ressoa pela cristandade a imagem e a missão do Bom Pastor: 'As minhas ovelhas escutam a minha voz; eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão' (Jo 10, 27-28). Jesus, o Bom Pastor, conhece e ama, com profunda misericórdia, cada uma de suas ovelhas desde toda a eternidade. 

Criadas para o deleite eterno das bem-aventuranças, redimidas pelo sacrifício do calvário e alimentadas pela sagrada eucaristia, Jesus acolhe as suas ovelhas com doçura extrema e infinita misericórdia. E com ânsias de posse calorosa e zelo desmedido: 'Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um' (Jo 10, 29-30). 

Nada, nem coisa, nem homem, nem demônio algum, poderá nos apartar do amor de Deus. Porque este amor, sendo infinito, extrapola a nossa condição humana e assume dimensões imensuráveis. Ainda que todos os homens perecessem e a humanidade inteira ficasse reduzida a um único homem, Deus não poderia amá-lo mais do que já o ama agora, porque todos nós fomos criados, por um ato sublime e extraordinariamente particular da Sua Santa Vontade, como herdeiros dos céus e para a glória de Deus: 'Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!' (Rm 11, 36).

Jesus toma sobre os ombros a ovelha de sua predileção, cada um de nós, a humanidade inteira, para a conduzir com segurança às fontes da água da vida (Ap 7, 17), onde Deus enxugará as lágrimas dos nossos olhos. Reconhecer-nos como ovelhas do rebanho do Bom Pastor é manifestar em plenitude a nossa fé e esperança em Jesus Cristo, Deus Único e Verdadeiro, cuja bondade perdura para sempre e cujo amor é fiel eternamente (Sl 99,5). Como ovelhas do Bom Pastor, não nos basta ouvir somente a voz da salvação; é preciso segui-Lo em meio às provações da nossa humanidade corrompida, confiantes e perseverantes na fé, até o dia dos tempos em que estaremos abrigados eternamente na tenda do Pai, lavados e alvejados no sangue do cordeiro (Ap 7, 14b).  

sábado, 16 de abril de 2016

A MEDIDA DO PERDÃO


Mamãe, me falaram que não nasci porque você fez as suas escolhas.
Que você tinha o direito de decidir, de escolher.
De não me escolher.
E decidiu assim porque era o melhor a fazer.
Que não era a hora.
Que eu seria um peso enorme, uma alternativa errada, uma coisa indesejada.
Uma coisa que deveria ser abortada.

Mamãe, me falaram que eu não tenho direito nenhum,
que, na verdade, eu não sou nada.
Apenas um feto desprovido de emoções, de sensações, de reações.
Mas, isso não é verdade, mamãe, eles estão errados,
eu era com você dois corações. Dois corações.
Senti o seu calor. Senti o seu desconforto. E senti dor, muita dor.

Mamãe, me falaram para que não falasse por mim.
Que eu fosse apenas o que todos imaginam o que eu fui: um nada.
E que eu sou apenas mais uma pessoa que não existiu
porque alguém decidiu isso por mim.
E esse alguém foi você, que eu chamo de mamãe.
Eu não tenho nem um nome,
você sabe como teria me chamado, mamãe?

Mas eu quis voltar para você ainda que apenas em pensamento
para murmurar carinho e afeição ao seu ouvido,
para acalentar a sua aflição,
para estancar a sua dor.
Porque eu não entendo nada de escolhas, mamãe, nada mesmo,
mas aprendi aqui, do outro lado,
o que significa o perdão
e a medida do amor sem medidas.

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

TANTUM QUANTUM

Eu não existia... Deus me criou; não podia continuar a existir por mim mesmo. Deus me tem conservado: logo sou todo seu. Entregar-me-ei em suas mãos sem reservas. 'Entrego-me nas vossas mãos, com confiança, como um pouco de barro, fazei de mim um homem novo!' Que fim nobre é o meu! A felicidade de Deus consiste em amar a si mesmo e este amor é também um objeto de minha felicidade. Ó liberalidade infinita de Deus: a alma no céu ficará saturada de gozo, não pode imaginar um prazer que não possua. Para um fim sobrenatural, é necessário viver uma vida sobrenatural; todas as minhas ações, palavras e pensamentos devem ser dirigidos pelo sobrenatural: ser o homem sobrenatural. 

Eis o ideal! Mas se o homem não alcançar o seu fim será lançado no inferno por toda a eternidade... desespero eterno; sem um momento de descanso, de felicidade. E eu me salvarei? Com tantos pecados? Que dúvida terrível! No entanto, posso assegurar a minha salvação e nela cuido tão pouco. A minha vocação à Companhia é uma prova não só de que Deus quer me salvar, mas que quer me salvar com perfeição. Se queres entrar na vida observa os mandamentos: os mandamentos, os votos, as regras, as ordens dos superiores, eis como posso assegurar a minha salvação: na sua perfeita observância. Ânimo e coragem! Um fim tão nobre merece que se empreguem todos os meios. E todas as mais criaturas Deus criou para a consecução do meu fim e para que eu O glorifique por meio delas. As criaturas me ajudarão: i) buscando nelas o seu Criador pela contemplação; ii) usando delas moderadamente; iii) abstendo-me daquelas que prejudicam a minha salvação. Reta intenção antes de usar qualquer criatura. 

Para observar a lei do uso das criaturas necesse est facere nos indifferentes. Durante a explicação dos pontos, parece-me que compreendi a necessidade e os bens desta indiferença. Na vida prática e cotidiana como tem lugar a aplicação deste facere indifferentes. É uma conclusão lógica do que ficou atrás: fui criado por Deus, devo servi-lo e para este fim usar das criaturas tantum quantum. Ora, a respeito do uso de algumas, não sei quanto e quando me ajudam à consecução do meu fim. Logo, devo estar indiferente. É necessário. Sem esta indiferença, a vida religiosa toma-se pesada, custe embora à natureza nada lhe devo conceder. Tempo livre, trabalhos manuais, ofício, mudança de horário, em tudo a aplicação prática do necesse est facere nos indifferentes. Não só nisto mas também nas coisas espirituais, na oração, facere nos indifferentes, quanto à consolação ou à desolação. 

Persuadi-me intimamente que não devo servir a Deus como eu quero, mas como Ele quer, e a Sua vontade se manifesta pelo superior, qualquer que seja ele. Esta indiferença pode ser matéria de meditações e reformas com muita aplicação na vida prática, desejando e escolhendo aquilo que mais conduz ao fim. Em geral são as coisas da natureza que mais nos ajudam à consecução do nosso fim; estas, é lícito desejar a procurar não tendo nada em contrário manifestado pela obediência. Eis o ideal do jesuíta: homens crucificados para o mundo e para os quais o mundo seja também crucificado, tais devemos ser por obrigação do nosso estado. Que perfeição exige de mim a Companhia! Como tenho me ocupado pouco em alcançar as sólidas e verdadeiras virtudes! Determinei usar dos meios que a Companhia me oferece: oração, exame geral e particular, leituras, exercícios espirituais, renovação semestral, reforma mensal, sacramentos etc. e com tantos meios não chegarei à perfeição de meu estado? Um jesuíta perfeito, igual em tudo a si mesmo! 

Todas as criaturas já estão no mundo. Deus forma o primeiro homem, dá-lhe uma alma racional e colocando-o no paraíso lhe diz: 'Tu me glorificarás, por meio destas criaturas; criei-as para te servirem de meio ao teu fim que é servir-me'. E o homem usa das criaturas para seu deleite e prazer, põe nelas o seu fim! Que loucura! O que não me conduz ao meu fim devo deixar, embora agrade à natureza. Se Deus não tivesse usado de misericórdia comigo eu estaria no inferno. Quantos pecados Deus suportou e não me castigou! 

Mas não só não estou no inferno. Estou na Companhia. Que ingratidão se não correspondo à minha vocação; uma vida de mediocridade não basta, é necessário ser santo. Devo trazer sempre à memória os meus pecados, como um estímulo e aguilhão para me levar à perfeição. Senti uma dor viva dos meus pecados. No colóquio me dava grande fervor e consolação imaginar-me aos pés de Jesus Crucificado, abraçando-o como Madalena e o seu sangue me lavara toda a alma. Senti vivamente a bondade divina. Que misericórdia! Jesus, meu Pai, meu amor! Será possível que Vós me não tivésseis perdoado depois de me fazer sentir o que senti? Jesus, continue a usar comigo a vossa misericórdia. Manda-me qualquer castigo, tudo é pouco em relação ao número e enormidade de meus pecados. Perdão, meu amado Jesus!

Impressionou-me nesta meditação, principalmente, os tormentos da vida e dos ouvidos. Milhões e milhões de condenados agitando-se em convulsões horrorosas, o desespero transparecendo no rosto, os cabelos eriçados como outras tantas víboras. Que espetáculo! Resolvi observar com rigor a regra da modéstia para de algum modo satisfazer os pecados que cometi com a vista. Os ouvidos são atormentados por uma gritaria de desespero, imprecações, injúrias e blasfêmias contra Jesus e Maria. Se Deus não houvesse usado de misericórdia para comigo, estaria agora ouvindo blasfêmias contra Jesus e contra minha boa mãe, Maria. Que gratidão não devo mostrar para com Deus. Ó pecado, como és um grande mal, pois mereces tamanho castigo. Um castigo eterno! Passam-se mil anos, um milhão de milhões de anos e ainda está no seu princípio. Como por um prazer instantâneo me hei de por em perigo de ir ao inferno. Ah, não, com o auxílio de Deus, não cometerei nunca um pecado mortal!

(Excertos da obra 'Exercícios Espirituais' do Pe. Leonel Franca)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

NO LIMIAR DO SOBRENATURAL (III)

OS MANUSCRITOS QUE O INFERNO NÃO QUEIMOU


Santa Gemma Galgani sofreu, durante a sua curta vida, os incessantes ataques e tentações do demônio. Um dos fatos mais extraordinários destas investidas foi a tentativa diabólica da queima e destruição do diário escrito pela santa, sob voto de obediência e por intimação do seu confessor, o Pe. Germano de Santo Estanislau. Guardados em uma gaveta do quarto de Gemma, os manuscritos foram roubados pelo próprio demônio, que a fez conhecer do fato e se vangloriou da sua astúcia. Caracterizado o sumiço do diário e dado ciência disso ao Pe Germano, este pronunciou, junto ao túmulo de São Gabriel da Virgem Dolorosa, os procedimentos completos de exorcismo da Santa Igreja, invocando a Deus a plena recuperação dos manuscritos, o que ocorreu de imediato. Ao ser recuperado, ficou evidente a tentativa de queima do diário, pois várias páginas estavam como que chamuscadas e exalavam um forte cheiro de queimado. Mas, contra todos os esforços do demônio para a sua destruição, os manuscritos permaneceram incólumes à ação do fogo do inferno, constituindo, na verdade, mais um extraordinário testemunho da santidade de Gemma e da glória de Deus.

terça-feira, 12 de abril de 2016

FOTO DA SEMANA

Por cima de sua cabeça penduraram um escrito trazendo o motivo de sua crucificação: 'Este é Jesus, o rei dos judeus' (Mt 27, 37)

(Cristo na Cruz, de Diego Velázquez, 1632, Museu do Prado/Madrid)

segunda-feira, 11 de abril de 2016

11 DE ABRIL - SANTA GEMMA GALGANI



Mística, contemplativa, estigmatizada, Santa Gemma Galgani foi contemplada por Deus com um enorme acervo de privilégios, graças e carismas, como os estigmas da Paixão, a coroa de espinhos, a flagelação e o suor de sangue, êxtases frequentes, espírito de profecia, discernimento dos espíritos e visões de Nosso Senhor, de sua Mãe Santíssima, de São Gabriel e uma incrível familiaridade com o seu Anjo da Guarda. Nasceu em  12 de março de 1878 em Camigliano, um vilarejo situado perto de Lucca, na Itália, de família católica tradicional e faleceu, com apenas 25 anos, no Sábado Santo de 11 de Abril de 1903. Foi canonizada a 2 de março de 1940, apenas trinta e sete anos depois da sua morte.

Palavras do Anjo da Guarda à Santa Gemma:

'Lembra, filha, que aquele que ama verdadeiramente Jesus fala pouco e suporta muito. Eu te ordeno, em nome de Jesus, de nunca dar a tua opinião a menos que ela seja pedida; de nunca insistir na tua opinião, mas a ficar em silêncio imediatamente. Quando tiveres cometido qualquer erro, acusa-te a ti mesma dele imediatamente sem esperar que os outros o façam... Lembra-te de guardar os teus olhos e considera que os olhos mortificados possuirão as belezas do Céu.'

Santa Gemma Galgani, rogai por nós!