sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

AS NOVE JORNADAS DO ADVENTO


Preparação: andor com a imagens peregrinas de São José e da Virgem Maria
Procissão: passagem do andor em frente a uma casa, segundo trajeto pré-estabelecido, durante nove jornadas consecutivas.

Início: Sinal da Cruz, Credo, Pai Nosso.


Canto Inicial (livre)

Kyrie eleison
Christe eleison
Kyrie eleison

Canto

O Andor é colocado diante da porta da casa, no caminho da procissão. Os participantes dividem-se em dois grupos: dentro e fora da casa, agora de portas fechadas, e tem início o canto em que o grupo de fora pede pousada para o grupo de dentro.

(Grupo de Fora)

Em nome do Céu
vos peço pousada
porque já não pode andar
minha esposa amada. 

(Grupo de Dentro)

Aqui não é pousada
sigam adiante
não vamos abrir:
podeis ser um farsante!

(Grupo de Fora)

Não sejais desumanos
tende piedade 
que o Deus do Céu
vos recompensará de verdade.

(Grupo de Dentro)

Sigam em frente
sem mais nos molestar
porque se insistirem estamos prontos
a vos fazer calar.

(Grupo de Fora)

Temos muito viajado 
desde Nazaré
Eu sou um carpinteiro
meu nome é José.

(Grupo de Dentro)

Não nos importa o vosso nome
Deixai-nos dormir
porque já vos dissemos
que não vamos abrir!

(Grupo de Fora)

Escutai, ouvi isso,
quem vos pedis pousada
é a rainha do Céu
em terrena jornada.

(Grupo de Dentro)

então quem quer abrigo
por acaso é rainha;
como pode uma soberana
viajar assim sozinha?

(Grupo de Fora)

Sim, é a Rainha do Céu,
que tem por nome Maria
Que será a Mãe de Deus
antes de romper o dia.

Todos: Maria de Nazaré!

(Grupo de Dentro)

Que entre pois em minha casa,
a Virgem Imaculada
que passa à minha porta
pedindo pousada.

(Grupo de Fora)

Que Deus vos console
por tal caridade
E que o Céu seja vosso
por toda eternidade.

(Grupo de Dentro)

Ditosa é a morada
e bendito é o seu senhor
que nesta noite dá pousada
à Mãe do Salvador!

Todos: Mãe do Salvador!

(São abertas as portas da casa e todos cantam, com o andor posto à frente)

Abram-se as portas, rasguem-se os véus, 
vamos receber a Rainha dos Céus

Venham os esposos e filhos deste lar
receber Maria; deixá-la entrar.

Venham todos os que se encontram neste lugar
receber José; deixá-lo entrar.

Que os santos peregrinos
terminem a jornada
fazendo de nossas almas
a sua morada!

Ato de contrição

Prostrado em vossa presença, ó adorável Trindade, vos bendigo e vos dou graças pelo inefável mistério da Encarnação, no ventre da mais pura das virgens, vitima propícia da Divina Justiça pelo mundo pecador. Eis-me aqui, o mais ingrato dos pecadores... confundido e envergonhado, reconheço o vosso amor infinito e vossa ardentíssima caridade; adoro, bendigo e glorifico a vós que, desde o ventre puríssimo de Maria, vos entregastes aos padecimentos, desprezos e provações, mesmo inocente e que fixais em mim olhos de misericórdia; em mim, o mais indigno de vosso perdão, por haver ultrajado a vossa santidade e grandeza em troca dos inumeráveis benefícios que me haveis outorgado.

Ó Salvador que me redimistes da escravidão do demônio! Ó Pai que, esquecendo minha insensatez e desvarios, me busca, me chama e me oferece, em troca de tanta ingratidão, amor e bem-aventurança eterna! Pequei e me pesa na alma haver-vos ofendido. Aumentai em mim, meu Deus, o arrependimento e dai-me a força eficaz para odiar o pecado e perseverar em vosso santo serviço até o fim da minha vida. Amém.

Oração de Cada Dia (Nove Jornadas)

Primeira Jornada

'Ó Inocente e Puríssima Virgem Maria que, para cumprir o mandato de um soberano da terra, obrigada tivestes de partir, em companhia de vosso castíssimo esposo José, de Nazaré até Belém, para fazer cumprir o edito do César, que se apresentasse toda pessoa residente em seu império declarando o lugar de origem para pagar futuros tributos; por vosso exemplo, ó tão humilde Rainha, vos rogo reanimeis minha fé para que também, submisso e obediente, possa cumprir com o mandato de nosso Soberano do céu. Amém'.

Segunda Jornada

'Ó Virgem Santíssima, assim como vós sofrestes os rigores das intempéries levando em vosso ventre virginal ao Divino Jesus feito homem; eu, vos louvo e vos rogo que me ensineis a suportar as misérias, contratempos, desprezos e provações e que minha esperança se fortaleça em seguir vossos passos nas jornadas da virtude. Amém'.

Terceira Jornada

'Ó Rainha dos anjos, comunicai à minha alma, ó Imaculada Conceição, a fortaleza com que suportastes as provações da vossa terceira jornada, tendo por companhia vosso esposo José e o coro dos anjos celestes que cantavam e bendiziam ao Filho de vossas puríssimas entranhas, para que convosco possa continuar minha peregrinação nesta terra. Amém'.

Quarta Jornada

'Ó Minha Mãe, assim como vós suportastes miséria, provações e desdenhosas negativas quando, sem desanimar, imploravas pousada nesta jornada, transmiti-nos, ó Virgem Santíssima, essa mesma submissão e humildade vossa, para que o meu coração somente possa dar abrigo a um amor puro, piedoso e sincero como o da vossa Sagrada Família. Amém'.

Quinta Jornada

'Ó Cândida Pomba, Mãe e Rainha celestial que, à vossa chegada a Belém em busca de abrigo, pressurosa vos empenhastes em cumprir o mandato que aí vos levava; com este exemplo de submissão que me dais, ensinai-me também no caminho da obediência e submetei-me à vontade do  vosso Filho para que se fortaleça o meu espírito e avive o fogo do meu amor; e não permitis, Minha Mãe, que vacile a minha fé. Amém'.

Sexta Jornada

'Ó Rainha soberana, que suportastes as duras fatigas de tão cruel jornada de Nazaré a Belém, de porta em porta pedindo pousada, que todos vos negavam, sem haver encontrado humilde asilo afinal; por que não hei de suportar as provações da vida para alcançar a graça de seguir pelo caminho da virtude e conseguir contemplar-vos eternamente na Glória? Amém'.

Sétima Jornada

'Ó Rosa Mística e puríssima de aroma celestial que, nesta jornada em busca de pousada, com abnegação inefável, submissa aceitastes por asilo a solícita oferta de vosso santo esposo que somente pôde conduzir-vos a uma gruta, morada e refúgio eventual de pastores que aí, com seus rebanhos, se abrigavam contra as chuvas e as inclemências do tempo. Vós, que tudo isto suportastes, dai-me paciência para suportar também as amarguras terrenas. Amém'.

Oitava Jornada

'Ó Santíssima Virgem, ó Rainha Imaculada, aproxima-se o feliz momento em que, com resignação sem igual, dareis a luz ao Redentor do mundo; considerai que, apesar do sofrimento, ainda solícita ajudastes ao vosso casto esposo limpar as imundícias do lugar que não era propício nem para os animais; façais, Virgem Santa, que eu possa alcançar a eterna ventura de ser vosso digno servo. Amém'.

Nona Jornada

'Por fim, Mãe gloriosa, é chegado o ansiado momento em que destes a luz ao menino mais lindo, sábio e adorável, cuja presença o estábulo embelezou. Com o Castíssimo Patriarca, celebrais a glória com os hosanas de anjos, arcanjos e querubins e com todo o orbe cristão e o júbilo de milhões de fieis que adoram o Vosso Filho e cantam 'Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade'; até os animais se aproximam lentamente para dar calor e alento ao desnudo corpinho do nosso Redentor. Assome neste momento a aurora do cristianismo, a luz divina que exalta o fraco e o oprimido, que iguala o rico ao mendigo. Ó Maria, por este feliz momento em que recebestes a homenagem dos mais humildes, vos pedimos, com a mesma humildade, que nos ajudeis a viver sempre na Santa Vontade do Vosso Divino Filho. Amém'.

Rezam-se Nove Ave Marias (em memória aos nove meses de gravidez de Nossa Senhora), antecipadas com o seguinte Oferecimento:

Nós vos oferecemos estas Nove Ave Marias, ó castíssima Virgem e Mãe de Deus, em memória de vossa gloriosa maternidade e por todas as virtudes com que o Altíssimo adornou vossa alma. Rogamo-vos que não olheis a miséria e a indignidade que nos revestem, mas atendei-nos somente pelo honrosíssimo titulo de Mãe de Deus. Por este titulo, cheios de regozijo e consolo, infunde-nos a esperança de que, na hora final, velareis por nós, esquecendo-se de nossas ingratidões, e recordando, como Mãe do Salvador, quem, em sua agonia, vos fez depositária de sua misericórdia para com os pecadores. Suplicantes imploraremos a vossa assistência, cuja memória nos bastará, pois sabemos que nunca quem vosso auxilio implora será desamparado e, assim, confiamos obter a graça de receber no coração o vosso divino Menino Jesus Sacramentado, graça que será o sinal de nosso perdão e prenda segura da vida eterna. Amém.

Canto final (livre)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

ANTÍFONAS DO Ó

As Antífonas do Ó são sete orações especialmente cantadas durante o tempo do Advento, particularmente ao longo da semana que antecede o Natal. A autoria das antífonas, que remontam aos séculos VII e VIII, tem sido comumente atribuída ao papa Gregório Magno. São sete orações extremamente curtas, sempre iniciadas pela interjeiição Ó, correspondendo a sete diferentes súplicas manifestadas a Jesus Cristo, na expectativa do nascimento do Menino - Deus entre os homens, que é invocado sob sete diferentes títulos messiânicos tomados do Antigo Testamento. 

17 de dezembro

O Sapientia
quæ ex ore Altissimi prodisti,
attingens a fine usque ad finem,
fortiter suaviter disponens omnia:
Veni ad docendum nos viam prudentiae   


Ó Sabedoria
que saístes da boca do altíssimo
atingindo de uma a outra extremidade
e tudo dispondo com força e suavidade:
Vinde ensinar-nos o caminho da prudência 

18 de dezembro

O Adonai
et Dux domus Israel,
qui Moysi in igne flammæ rubi apparuisti
et ei in Sina legem dedisti:
Veni ad redimendum nos in brachio extento 


Ó Adonai
guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moisés na chama do fogo
no meio da sarça ardente e lhe deste a lei no Sinai
Vinde resgatar-nos pelo poder do Vosso braço. 

19 de dezembro

O Radix Jesse
qui stas in signum populorum,
super quem continebunt reges os suum,
quem gentes deprecabuntur:
Veni ad liberandum nos; jam noli tardare 


Ó Raiz de Jessé
erguida como estandarte dos povos,
em cuja presença os reis se calarão
e a quem as nações invocarão,
Vinde libertar-nos; não tardeis jamais. 

20 de dezembro

O Clavis David
et sceptrum domus Israel:
qui aperis, et nemo claudit;
claudis et nemo aperit:
Veni, et educ vinctum de domo carceris,
sedentem in tenebris et umbra mortis 


Ó Chave de Davi
o cetro da casa de Israel
que abris e ninguém fecha;
fechais e ninguém abre:
Vinde e libertai da prisão o cativo
assentado nas trevas e à sombra da morte. 

21 de dezembro

O Oriens
splendor lucis æternæ, et sol justitiæ
Veni et illumina sedentes in tenebris
et umbra mortis. 


Ó Oriente
esplendor da luz eterna e sol da justiça
Vinde e iluminai os que estão sentados
nas trevas e à sombra da morte. 

22 de dezembro

O Rex gentium
et desideratus earum
lapisque angularis,
qui facis utraque unum:
Veni et salva hominem quem de limo formasti 


Ó Rei das nações
e objeto de seus desejos,
pedra angular
que reunis em vós judeus e gentios:
Vinde e salvai o homem que do limo formastes. 

23 de dezembro

O Emmanuel,
Rex et legifer noster,
exspectatio gentium,
et Salvador earum:
Veni ad salvandum nos, Domine Deus noster 


Ó Emanuel,
nosso rei e legislador,
esperança e salvador das nações,
Vinde salvar-nos,
Senhor nosso Deus.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A CONFIANÇA NA NOSSA SALVAÇÃO

Certas almas angustiadas duvidam da própria salvação. Lembram-se de faltas passadas; pensam nas tentações tão violentas que, por vezes, nos assaltam a todos; esquecem a bondade misericordiosa de Deus. Essa angústia pode tornar-se uma verdadeira tentação de desespero.

Quando jovem, São Francisco de Sales conheceu uma provação dessas: temia não ser um predestinado ao Céu. Passou vários meses nesse martírio interior. Uma oração heroica libertou-o; o santo prostrou-se diante de um altar de Maria; suplicou à Virgem que o ensinasse a amar o seu Filho com uma caridade tanto mais ardente sobre a terra, quanto ele temia não poder amá-Lo na eternidade.

Nesse gênero de sofrimento, há uma verdade de fé que nos deve consolar imensamente. Só nos perdemos pelo pecado mortal. Ora, sempre o podemos evitar, e, quando tivermos tido a desgraça de cometê-lo, poderemos sempre reconciliar-nos com Deus. Um ato de contrição sincera, feito logo, sem demora, nos purificará, enquanto esperamos a confissão obrigatória, que convém se faça sem demora.

Certamente a pobre vontade humana deve sempre desconfiar da sua fraqueza. Mas o Salvador nunca nos recusará as graças de que carecemos. Fará também todo o possível para ajudar-nos na empresa, soberanamente importante, da nossa salvação. Eis a grande verdade que Jesus Cristo escreveu com o seu Sangue e que vamos agora reler juntos na história da sua Paixão.

Já tereis algum dia refletido como puderam os judeus apoderar-se de Nosso Senhor? Acreditareis, por acaso, que isso conseguiram pela astúcia ou pela força? Podeis imaginar que, na grande tormenta, Jesus foi vencido porque era o mais fraco? Seguramente não. Os inimigos nada podiam contra Ele. Mais de uma vez, nos três anos das suas pregações, haviam tentado matá-Lo. Em Nazaré, queriam atirá-lo de um precipício; por várias vezes tinham agarrado pedras para lapidá-Lo. Sempre, porém, a sabedoria divina desfez os planos dessa ímpia cólera; a força soberana de Deus reteve-lhes o braço; e Jesus afastou-se sempre tranquilamente, sem que ninguém tivesse conseguido fazer-Lhe o menor mal.

No Getsemani, ao dizer simplesmente o seu nome aos soldados do Templo vindos para assenhorearem-se da sua pessoa sagrada, toda a tropa caiu por terra tocada de estranho pavor. Os soldados só puderam levantar-se pela permissão que Ele lhes deu. Se Jesus foi preso, se foi crucificado, se foi imolado, é porque assim o quis, na plenitude da sua liberdade e do seu amor por nós: Oblatus est quia voluit (Is 53, 7).

Se o Mestre derramou, sem hesitar, o Sangue por nós, se morreu por nós, como poderia recusar-nos graças que nos são absolutamente necessárias e que Ele próprio nos mereceu pelas suas dores? Jesus ofereceu essas graças misericordiosamente às almas mais culpadas durante a Paixão dolorosa. Dois Apóstolos haviam cometido um crime enorme: a ambos ofereceu o perdão.

Judas atraiçoou-O e deu-Lhe um beijo hipócrita. Jesus falou-lhe com doçura tocante; chamou-lhe amigo; procurou à força de carinho tocar esse coração endurecido pela avareza. 'Amigo, a que vieste?'... 'Judas, com um beijo entregas o Filho do homem?' (Mt 26, 50 e Lc 22, 48). É esta a última graça do Mestre ao ingrato. Graça de tal força, que jamais lhe mediremos bem a intensidade, Judas, porém, repele-a: perde-se, porque assim formalmente o prefere.

Pedro julgava-se muito forte. Tinha jurado acompanhar o Mestre até à morte, e abandonou-O, quando O viu nas mãos dos soldados. Só O seguiu então de longe. Entrou a tremer no pátio do palácio do Sumo Sacerdote. Por três vezes renegou o seu Senhor - porque receiou os motejos de uma criada. Sob juramento afirmou que não conhecia 'esse homem'. Cantou o galo. Jesus voltou-se e fixou sobre o Apóstolo os olhos cheios de misericordiosas e doces censuras. Cruzaram-se os olhares. Era a graça, uma graça fulminante que esse olhar levava a Pedro. O Apóstolo não a repeliu: saiu imediatamente e chorou com amargura a sua falta.

Assim como a Judas, como a Pedro, Jesus nos oferece sempre graças de arrependimento e conversão. Podemos aceitá-las ou recusá-las. Somos livres! A nós compete decidir entre o bem e o mal, entre o Céu e o inferno. A salvação está nas nossas mãos.

O Salvador não só nos oferece as suas graças, como faz mais: intercede por nós junto ao Pai do Céu. Lembra-lhe as dores sofridas pela nossa Redenção. Toma a nossa defesa diante dEle; desculpa-nos as faltas: 'Pai' — exclama nas angústias da agonia — 'Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem!' (Lc 23, 34). O Mestre, durante a Paixão, tinha tal desejo de salvar-nos, que não cessava um instante de pensar em nós.

No Calvário, deu aos pecadores o seu último olhar; pronunciou em favor do bom ladrão uma das suas últimas palavras. Estendeu largamente os braços na Cruz para marcar com que amor acolhe todos os arrependimentos no seu Coração amantíssimo.

(Excertos da obra 'O Livro da Confiança', do Pe Thomas de Saint Laurent)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

ORAÇÕES DE SANTO AGOSTINHO (I)


Senhor, se apresentarmos diante de Vós os nossos erros e as feridas que deles recebemos, é bem pouco o que sofremos pelo que bem mais merecemos. Sentimos dor por pecar, mas não rejeitamos a nossa obstinação pelo pecado.

A nossa natureza fragilizada é esmagada sob as Vossas chagas, mas nossos maus caminhos permanecem inalterados. O espírito se atormenta, mas a dura cerviz não se dobra. A vida palpita em dores e não se corrige. Se contemporizas conosco, não nos emendamos; se nos punis, não nos conformamos.

Quando acusados, admitimos que podemos ser culpados; uma vez sentenciados, esquecemos a culpa. Se Vós nos quiserdes impor penas, fazemos todas as promessas; se recolheis a espada, esquecemos todas elas. Se nos ameaçais com flagelos, clamamos por nos poupar; uma vez poupados, tendemos a provocar outra vez a Vossa ira.

Diante das dificuldades, suplicamos por um tempo para arrepender-nos; se a misericórdia vem em nosso auxílio, abusamos da vossa tolerância para conosco. Mesmo quando nossas feridas são mal curadas, nossa ingratidão tudo esquece. Se por acaso nos ouvis de pronto, tomamos posse de Vossa misericórdia; se é lento o Vosso consolo, nos transbordamos de impaciência. Queremos a Vós, Senhor, para manter o que temos feito, mas não tememos desconsiderar o que quereis que tivéssemos feito.

Por isso imploramos o Vosso auxílio, mesmo antes de colocar diante de Vós os males e as tristezas devidas aos nossos pecados. Com as nossas orações, invocamos a Vossa misericórdia, a mesma misericórdia que tem sido tão desprezada pelos nossos pecados. Levantai-nos do erro pela Vossa magnanimidade, ó Senhor, Nosso Deus, para que, na comunhão de salvação e na alegria da caridade, enquanto ainda temos tempo para sermos salvos, possamos regozijar-nos na fé e na paz junto com todas as nações. Por meio de Jesus Cristo, Nosso Senhor, que vive e reina na unidade com o Pai e o Espírito Santo num só Deus. Amém. 

domingo, 14 de dezembro de 2014

TESTEMUNHA DA LUZ

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Advento


Neste domingo, Terceiro Domingo do Advento, mais uma vez, a mensagem profética que ressoa pelos tempos vem da boca de João Batista. Em Betânia, além do Jordão, diante da expectativa da chegada do Messias e da interrogação dos sacerdotes e dos levitas sobre a sua identidade, João Batista foi sucinto e categórico em suas respostas: 'Eu não sou o Cristo'. 'Eu não sou Elias'. 'Eu não sou o Profeta' (Jo 1, 20 - 21). E sintetiza tudo: 'Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias' (Jo 1, 26 - 27). Eis o primado de João: Jesus vem, a sua Vinda é iminente: alegrai-vos todos porque o céu vai tocar a terra e fazer novas todas as coisas.

Eis o Advento do Senhor: depois da vigilância e da conversão, vivenciados nos domingos anteriores, segue agora o ressoar das trombetas da legítima alegria cristã neste terceiro domingo. Sim, alegria cristã, alegria plena do amor de Cristo, proclamada nas palavras do Profeta Isaías: 'Exulto de alegria no Senhor e minh’alma regozija-se em meu Deus; ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa ou uma noiva com suas joias' (Is 61, 10) e também na Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses: 'Estai sempre alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias, porque essa é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo'' (1 Ts 5, 16 - 18).

João Batista 'não era a luz, mas veio dar testemunho da luz' (Jo 1, 8). Ele é a voz passageira que anuncia a Palavra Eterna, como nos ensina Santo Agostinho: 'O som da voz te faz entender a palavra; e, quanto te fez entendê-la, o som desaparece, mas a palavra que foi transmitida permanece em teu coração' (Sermão 293, 3). Neste deleite da graça, esparge-se a luz do entendimento da fé e amolda-se suavemente a paz divina ao coração humano que palpita inquieto enquanto não repousar definitivamente em Deus.

O testemunho de João Batista é a nossa herança de fé, na alegria daqueles que acolhem o Messias, a Luz do mundo. Eis aí o verdadeiro caminho da felicidade, trilhado apenas por aqueles que vivem a alegria da espera do Senhor Que Vem, perseverantes na oração e na fé que move montanhas e que inquieta o coração humano até o encontro definitivo com Deus. Benditos sejam os homens e mulheres que se consumem de alegria nesta via de santidade, porque possuirão para sempre as moradas na Casa do Pai. Nascidos para a eternidade, e herdeiros da Visão Beatífica, no Céu todos se tornarão testemunhas da Luz ainda maiores que o João Batista deste mundo.

sábado, 13 de dezembro de 2014

LÂMPADAS DA ALMA


'O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado. Se teu olho estiver em mau estado, todo o teu corpo estará nas trevas. Se a luz que está em ti são trevas, quão espessas deverão ser as trevas!' (Mt 6, 22 - 23).

'Se teu olho te leva ao pecado, arranca-o e lança-o longe de ti: é melhor para ti entrares na vida cego de um olho que seres jogado com teus dois olhos no fogo da geena' (Mt 18, 9).

'Quem vive casta e santamente é templo do Espírito Santo. Sem a minha vontade, a virtude nada sofrerá. Podes, à força, pôr incenso nas minhas mãos para que eu o ofereça aos ídolos? Isto de nada vale porque Deus, que conhece os corações, não me julgará pelo o que fiz coagida. A violência feita ao corpo não arranca a pureza da alma, se minha vontade não consente. Ao contrário, esta violência me proporcionará duas coroas: a da virgindade e a do martírio' (Santa Luzia).

Santa Luzia foi perseguida durante a época do imperador Diocleciano e martirizada por decapitação. Diz a tradição que ela defendeu de tal forma sua pureza, que teria preferido arrancar os próprios olhos e entregá-los aos carrascos do que se submeter à infâmia de conspurcar a sua castidade a renegar a fé cristã. Neste sentido, ela é comumente representada com os dois olhos arrancados e colocados sobre uma bandeja. 

Na verdade, Santa Luzia não precisou arrancar seus olhos para vencer o pecado, ela os utilizou para ver, além das coisas físicas e materiais, de forma clara e transparente, a própria luz de Deus. É celebrada como a santa protetora da visão, mas muito além da visão física. Ela nos ensina que, como lâmpadas do corpo, os nossos olhos devem refletir em plenitude a luz de Cristo que habita as nossas almas!

Santa Luzia, rogai por nós!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

OS TRÊS ADVENTOS DO SENHOR


Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como Ele próprio o declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o veem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.

Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.

Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele' (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: 'Quem teme a Deus, faz o bem' (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: 'Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós' (Sl 118, 11).

Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.

Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

(Dos Sermões de São Bernardo)