terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O DOM DA FORTALEZA

O dom de ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e o grande número daqueles que sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro que o divino Espírito nos comunica é o dom da fortaleza pelo qual, se somos fiéis ao empregá-lo, será possível e mesmo fácil para que possamos triunfar sobre tudo o que possa deter nossa marcha. Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. 

O Espírito Santo nos dá então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que o Salvador, ao instituir seus sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia. Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da pusilanimidade ou da audácia. Temos necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificado pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a impetuosidade. Duas necessidades encontram-se na vida do cristão: a de saber resistir e a de saber suportar. Quem poderia se opor às tentações de satanás se a Fortaleza do divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer o seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões? Qual não deve ser a assistência do divino Espírito, quando se trata de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua volta? As paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível por que mais íntimo.

É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar-se, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca de nós mesmos. Que força divina não é preciso para 'odiar até a sua própria vida', quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis? O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que derrama em nós, desde que não o desprezamos, desde que não o abafamos com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos, a não ser o que não seria conforme à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: 'Se eu fosse agradável aos homens, não seria servidor de Cristo'. Mas o Espírito Santo não falta nunca e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da força divina da qual Ele é a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de doçura e de coragem que a leva à vitória sobre as paixões. Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom de Fortaleza ao cristão, quando este deve exercer resistência. 

Dissemos que este precioso dom traz ainda a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de fortaleza os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da legião tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como Santa Felicidade, mãe de sete filhos, como Santa Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem o mundo só tinha favores; como Santa Inês, criança de treze anos, bem como milhares de outras; digam se o dom da Fortaleza pode ser estéril em sacrifícios. O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha tantas vezes? E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas privações, a fim de encontrar Jesus sem reservas e de seguir os seus passos de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é vencida pela provação, onde a cruz está sempre reinante e é sempre aceita! Que troféus para o Espírito de Fortaleza! Que dedicação ao dever ele pode e sabe produzir! 

Se o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo! É Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de Deus. É esse espírito de fortaleza que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos, nos sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são desígnios do Senhor. É Ele, enfim, como lemos na vida dos santos, que se serve das próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heroicos, onde a criatura humana parece atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos espíritos impassíveis e glorificados. Espírito de fortaleza, permanecei cada vez mais em nós e salvai-nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades do Evangelho perderam terreno! 

Detei-nos sobre esse declive que nos levaria ao abismo como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade 'a armadura divina que nos colocará em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a couraça da justiça, dai aos nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual possamos nos proteger contra as flechas inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança da salvação e, em nossas mãos, a espada espiritual que é a própria palavra de Deus' e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Fortaleza, fazei que em nós assim seja.

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom P. Gueranger)