Capítulo LXX
Alívio às Santas Almas pelas Esmolas - O Caso do Abade Raban-Maur e do Procurador Edelard do Mosteiro de Fulda
Resta-nos falar de um último e muito poderoso meio de aliviar as pobres almas do Purgatório: a esmola. O Doutor Angélico, São Tomás, dá preferência à esmola antes do jejum e da oração, quando se trata de expiar faltas passadas. 'A esmola' - diz ele - 'possui mais completamente a virtude da satisfação do que a oração, e a oração mais completamente do que o jejum'. É por isso que os grandes servos de Deus e os grandes santos a escolheram como principal meio de assistência aos mortos. Entre eles, podemos citar como um dos mais notáveis o santo abade Raban-Maur, primeiro abade de Fulda, no século X, e depois arcebispo de Mayence.
O Padre Trithemius, conhecido escritor da Ordem de São Bento, fez distribuir abundantes esmolas pelos mortos. Ele tinha estabelecido a regra de que, quando um religioso morresse, a sua porção de comida deveria ser distribuída entre os pobres durante trinta dias, para que a alma do falecido fosse aliviada pelas esmolas. No ano de 830, o mosteiro de Fulda foi atacado por uma doença contagiosa que levou a falecer um grande número de religiosos. Raban-Maur, cheio de zelo e de caridade pelas suas almas, chamou Edelard, o Procurador do mosteiro, e recordou-lhe a regra estabelecida sobre as esmolas para os defuntos. 'Cuida muito bem' - disse ele - 'que as nossas prescrições sejam fielmente observadas, e que os pobres sejam alimentados durante um mês inteiro com a comida que seria destinada aos irmãos que perdemos'.
Edelard falhou tanto na obediência como na caridade. Sob o pretexto de que tal liberalidade era extravagante e que deveria economizar os recursos do mosteiro mas, na realidade, porque estava influenciado por uma avareza secreta, negligenciou a distribuição dos alimentos ou o fez de uma forma muito aquém da ordem que tinha recebido. Deus não deixou impune esta desobediência.
Passado um mês, certa noite, depois de a comunidade ter-se recolhido, Edelard atravessava a sala da congregação com uma lâmpada na mão, quando, tomado de absoluto estupor, encontrou ali reunidos um grande número de religiosos, numa hora em que a sala deveria estar totalmente vazia. O seu espanto transformou-se em medo quando, olhando-os atentamente, reconheceu neles os religiosos recentemente falecidos. O terror apoderou-se de tal modo dele que um arrepio gelado congelou as suas veias fazendo dele como que uma estátua sem vida pregada no chão.
Então, um dos religiosos falecidos dirigiu-lhe terríveis censuras: 'Criatura infeliz, por que não distribuíste as esmolas que estavam destinadas a aliviar as almas dos teus irmãos falecidos? Por que nos privaste dessa assistência em meio aos tormentos do Purgatório? Recebe, a partir deste momento, o castigo pela tua avareza; um castigo mais terrível está reservado para ti quando, depois de três dias, compareceres diante do teu Deus'.
Diante de tais palavras, Edelard caiu como se tivesse sido fulminado por um raio e assim permaneceu imóvel até depois da meia-noite, hora em que a comunidade dirigiu-se para o coro. Aí encontraram-no semimorto, no mesmo estado em que se encontrava Heliodoro, depois de ter sido açoitado pelos anjos no templo de Jerusalém (cf 2Mc 3). Foi levado para a enfermaria, onde lhe foram dispensados todos os cuidados possíveis, de modo que conseguiu recuperar a consciência. Logo que pôde falar, na presença do abade e de todos os seus irmãos, relatou com lágrimas o terrível acontecimento que o seu triste estado testemunhava com tanta evidência. Depois, acrescentando que deveria morrer dentro de três dias, pediu os últimos sacramentos com todos os sinais de um humilde arrependimento. Recebeu-os com sentimentos de piedade e, três dias depois, realmente expirou, assistido pelas orações dos seus irmãos.
Imediatamente entoou-se a missa de defuntos e distribuiu-se aos pobres a sua parte da comida, em benefício da sua alma. Entretanto, o seu castigo ainda não havia terminado. Edelard apareceu diante o abade Raban, pálido e desfigurado. Tocado de compaixão, Raban perguntou-lhe o que podia fazer por ele. 'Ah!' - respondeu a infeliz alma - 'apesar das orações da nossa santa comunidade, não posso obter a graça da minha libertação até que todos os meus irmãos, a quem a minha avareza defraudou dos sufrágios que lhes eram devidos, tenham sido libertados. O que foi dado aos pobres em meu nome não serviu de nada para mim, mas somente a eles, e isto por ordem da Justiça Divina. Peço-vos, pois, ó Pai venerado e misericordioso, que redobreis as vossas esmolas. Espero que, por estes meios poderosos, a clemência divina se digne livrar-nos a todos, primeiro aos meus irmãos e depois a mim, que sou o menos merecedor de tal misericórdia'. Raban-Maur aumentou então as esmolas e, mal tinha passado um mês, Edelard apareceu-lhe de novo, mas agora vestido de branco, rodeado de raios de luz e com o rosto radiante de alegria. Agradeceu, da maneira mais comovente, ao seu abade e a todos os membros do mosteiro a caridade que lhe tinham feito (Vie de Raban-Maur, Rossignoli, Merv., 2).
Que instrução não contém esta bela história! Em primeiro lugar, a virtude da esmola para os mortos brilha de maneira muito marcante. Depois, vemos como Deus castiga, mesmo nesta vida, aqueles que, por avareza, temem não privar os mortos dos seus sufrágios. Não me refiro aqui aos herdeiros que se tornam culpáveis, negligenciando as doações que lhes cabem por testamento dos parentes falecidos, negligência que constitui uma injustiça sacrílega; mas àqueles filhos ou parentes que, por miseráveis motivos de interesse, mandam celebrar o menor número possível de missas, são parcimoniosos na distribuição de esmolas, não tendo piedade das almas dos parentes falecidos e que as deixam definhar nos terríveis tormentos do Purgatório. Trata-se da mais negra ingratidão, uma dureza de coração inteiramente oposta à caridade cristã, e que encontrará o seu castigo talvez ainda neste mundo.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.