SOBRE UM IMENSO E BELO CAMPO DE TRIGO...
Sobre um imenso e belo campo de trigo, banhado por raios de sol, crescia uma espiga de grãos unidos e dourados, tomada de sonhos e ilusões tamanhas, que era movida, sob as chuvas, as aragens e os ventos passageiros, pelo desejo de crescer, crescer muito, até alcançar o céu com os seus longos ramos.
O Senhor, que conhecia os seus sonhos, a olhava com bondade e alegria com o seu propósito firme, desde os primeiros brotos, de subir até o céu da imensidade. E, a cada dia ensolarado e a cada chuva passageira, a espiga crescia e os seus grãos se tornavam maiores, maiores se tornavam os seus ramos, naquele imenso campo de trigo...
Mas eis que num belo dia, talvez nem chuvoso e nem tão ensolarado, um camponês munido de afiada foice começa a desbastar o campo de trigo e a colher todas as espigas maduras. E já estava tão perto...
- Não, eu não! Por favor não! - gritava em seu silêncio a espiga que queria tanto chegar ao céu.
- Não! Não! Não! Senhor, Senhor, velai por mim de tal sorte! - implorava ao Senhor no seu silêncio a espiga que sonhava ser do céu.
Com um golpe seco da foice, o camponês selou o destino da espiga sonhadora e, arrancando-a do feixe morto, a jogou no cesto às suas costas. Prensada e forçada entre outras espigas, a espiga sonhadora lamentava, no silêncio de sua condição, a triste sorte que lhe roubara os doces sonhos perdidos em dias ensolarados de verão.
- Senhor! Senhor! Por que permitistes isso? Por que não me socorrestes? Por que me desprezastes a tão grande pesar e abandono?
O Senhor permaneceu em silêncio e a espiga teve que amargar sozinha o seu abandono.
- Querias crescer bem alto e uma foice desfez tanta miragem; querias subir ao céu e ganhastes o fundo do cesto de um pobre camponês - as outras espigas riam dela e da sua sorte igual e comum a todas as espigas do campo de trigo, tanto as que ousaram sonhar como as que não quiseram sonhar.
Mais tarde, o camponês lançou as espigas dentro da moenda e os grãos foram separados, partidos e esmagados até se tornarem pó.
- Senhor! Os grãos dourados que foram meus um dia e que ansiavam pelo céu tornaram-se hoje o pó de uma moenda! - gemia em silêncio a espiga sonhadora transformada em pó.
Recolhido o pó e acondicionado em um saco, a espiga triturada tornou-se refém de um cárcere escuro e pouco ventilado:
- Onde está luz do sol de outrora? Onde está o céu dos meus desejos? - mas os seus anseios não tinham resposta pois o Senhor se mantinha no mais absoluto silêncio.
Passadas apenas algumas horas, o saco foi aberto e o pó foi colocado em uma vasilha. A espiga sonhadora tinha sido transformada em uma farinha muito branca, que refletia a luz do sol que entrava pelas janelas... Sentiu a água gelada da mistura, a moldagem da pasta, a compressão que a transformou em massa, a secagem em estufa e o recorte que dela fez partículas arredondadas. Moldada, prensada, submetida ao fogo e à água gelada, cortada... 'quanto sofrimento, Senhor, para nada, nada, nada...'
Ainda estava a se lamentar, quando viu diante dela o céu e o Senhor do Céu. Viu quando Ele a tomou para Si em cada uma de suas partículas e, em cada uma, Se fez Deus. A farinha branca tomou a forma do Pão e se fez a morada do Senhor, que lhe disse então ternamente:
- Agora estás comigo para sempre e bendita foi a semente que te gerou!
- Senhor! Eu vos chamei em tantos momentos e o Senhor permaneceu em silêncio...
- Guardei no silêncio da hóstia toda a glória do seu sofrimento. Aprenda de todo coração: chega-se ao Céu não subindo pelos ramos em data incerta, mas pelos sofrimentos cotidianos dos dias que apenas se bastam...
(autor desconhecido, adaptação livre do autor do blog)