Deus nos fez do nada - do nada absoluto - e é bom que lembremos, de vez em quando, este fato. Porque Deus nos fez, somos preciosos; mas, porque viemos do puro nada, jamais podemos vangloriar-nos de autossuficiência. E, porque viemos de Deus, temos um desejo insaciável de voltar a unir-nos com a sua Vida, Verdade e Amor. Mas, como também somos filhos do nada, estamos tão dependentes dEle como os raios solares, do sol.
Quando São João Batista viu, pela primeira vez, Nosso Senhor, o seu sentimento do nada obrigou-o a dizer: 'Convém que Ele cresça, mas que eu diminua'. Esta atitude não implica qualquer humildade falsa, nem fingimento, desmentido pelos fatos, de que ele ou o seu trabalho fossem sem valor algum. Foi antes o simples reconhecimento de que até a estrela mais brilhante tem de se ofuscar ao raiar do sol nascente. João humilhou-se diante de Deus; o mesmo podíamos fazer nós, lembrando-nos, uma vez ou outra, de que a nossa origem é o nada. Pode fazer-se isto pela prática da humildade e, por ela, reviver a nossa criação. Psicologicamente, podemos voltar ao seio do nada, nossa mãe, despojando-nos de tudo o que não é Deus e, desse modo, regressando ao simples zero, donde Ele nos tirou.
Quando olhamos de frente o que de verdadeiro se passa com a nossa existência, vemos que Ele é o tudo e que nós nada possuímos que não tivesse vindo dEle. Compreenderemos então que Ele nos conserva no ser, de momento a momento. Tornamo-nos conscientes de que sem Ele nada podemos. O Divino Salvador advertiu os discípulos do seu nada relativo, quando descreveu como se devem comportar os cristãos num banquete: não devem sentar-se à cabeceira da mesa como os fariseus viperinos, mas sim portar-se como sendo ninguém, e nunca procurar apresentar-se como sendo alguém. Mais tarde, no seu Ministério, voltou ao assunto e louvou o publicano que, reconhecendo o seu nada, demandou o fundo do templo, ao contrário do fariseu que se dirigiu para a frente. Nosso Senhor pronunciou, então, o veredito divino: 'Todo o que se exaltar será humilhado, e todo o que se humilhar será exaltado'.
O preceito da humildade não quer dizer que pela vida andemos sob um 'complexo de inferioridade'. Não havemos de procurar o vale da humilhação para nos esconder na obscuridade, mas, pelo contrário, para, deste vale, podermos descortinar as montanhas de Deus e encontrar aí a nossa exaltação. Foi belamente expresso nas palavras de Maria, Mãe de Jesus, o surto do sentimento da própria pequenez para a alegria na grandeza do Senhor:'Ele olhou benignamente para a humildade da sua serva'. O reconhecimento de Maria do seu 'nada', em relação a Deus, levou-a a baixar na sua própria estima, mais do que ninguém em tempo algum. Por isso a sua exaltação foi também a mais sublime.
Quanto mais pensarmos em nós, menos pensamos em Deus; todos os egoístas são antirreligiosos. O requisito espiritual para ver a Deus é não se deixar cegar pelo próprio eu, com o seu orgulho, vaidade e deificação. Só pode encher-se o que está vazio; só o que se despir do eu será vestido do Divino. A água da fonte nada poderá acrescentar a um copo que está a extravasar de lama; somente pode ser cheia das Águas da Vida Eterna a alma humilde, a alma vazia. Muitas vezes, durante a vida, enchemos os nossos copos de lama e de pedras de amor-próprio. Esta lama, este falso orgulho, este exagero do valor próprio, com exclusão de Deus, é o que complica a vida e impede a alma de se unir Àquele para quem foi criada. Como o nevoeiro impede os raios de sol de brilhar sobre a terra, assim o eu, negando o nada que é a sua realidade, nos isola de Deus. Mas, como o sol pelo calor desfaz a seu tempo o nevoeiro, também Deus pode consumir inteiramente o nosso orgulho e nos atingir a alma.
O próprio Deus nos mostrou o caminho da humildade; desceu ao nada, quando se humilhou até à morte abjeta da Cruz, mas desceu para ressuscitar, gloriosamente, erguendo-se pela força irresistível do Poder Divino. Para nós também o único caminho para Deus está na crucifixão de nós mesmos. O homem feito por si mesmo constrói no próprio eu e geralmente revela-se um pobre arquiteto. O homem, porém, feito por Deus — demasiado desdenhoso do seu eu para o usar como viga mestra ou pedra angular — deixa Deus erigir o edifício da sua vida. É como São Paulo que disse: 'Eu sou o que sou pela graça de Deus', que se é feliz nesta humildade sincera.
(Excertos da obra 'Rumo à Felicidade' do Fulton Scheen)