quinta-feira, 4 de julho de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXXIV)

 

Capítulo LXXXIV

Razões de Justiça - O Zelo de Santa Catarina de Sena pela Salvação da alma do seu Pai Jacomo

Santa Catarina de Sena deixou-nos um exemplo semelhante. É assim relatado pelo seu biógrafo, o Beato Raimundo de Cápua. 'A serva de Deus' - escreve ele - 'tinha um zelo ardente pela salvação das almas. Falarei primeiro do que ela fez em favor da alma do seu pai, Jacomo. Este homem íntegro já tinha notado a santidade da sua filha e estava cheio de respeitosa ternura para com ela; aconselhava todos os da sua casa a não se oporem a ela em nada, mas a deixarem em perfeita liberdade na prática das suas boas obras. Assim, o afeto que unia pai e filha aumentava de dia para dia. Catarina rezava constantemente pela salvação do seu pai; Jacomo tinha um santo prazer nas virtudes de sua filha, esperando, por meio dos seus méritos, obter o favor de Deus'.

A vida de Jacomo aproximou-se do fim e ele foi confinado à cama por uma doença perigosa. Ao ver o seu estado, a sua filha, como era seu costume, entregou-se à oração, suplicando ao seu Esposo Celeste que curasse aquele que ela amava tão ternamente. Ele respondeu que Jacomo estava à beira da morte e que viver mais tempo não lhe seria proveitoso. Catarina foi então ter com o seu pai e encontrou-o tão perfeitamente resignado a deixar este mundo que, sem qualquer pesar, agradeceu a Deus por isso de todo o coração.

Mas o seu amor filial não se contentou com isso; ela dedicou-se então vivamente à oração, a fim de obter de Deus, fonte de toda a graça, que concedesse ao seu pai, não apenas o perdão de todas as suas faltas, mas também que, na hora da sua morte, ele pudesse ser admitido no Céu, sem sequer passar pelas chamas do Purgatório. Recebeu a resposta divina que a Justiça não podia sacrificar os seus direitos e que uma alma devia ser perfeitamente pura para entrar na glória do Paraíso. 'O teu pai' - disse Nosso Senhor - 'levou uma boa vida no estado de casado, e fez muito que foi muito agradável aos meus olhos; acima de tudo, a sua conduta para contigo foi muito agradável para mim; mas a minha Justiça exige que a sua alma passe pelo fogo, a fim de a purificar dos pecados que incorreu no mundo'. 'Ó meu amado Salvador' - respondeu Catarina - 'como posso suportar a ideia de ver aquele que me alimentou, que me criou com tanta ternura, que foi tão bom para mim durante toda a sua vida, possa estar atormentado em meio àquelas chamas terríveis? Suplico à Vossa Bondade Infinita que não permita que a sua alma deixe o corpo até que, de uma forma ou de outra, tenha sido tão perfeitamente purificada que não tenha necessidade de passar pelos fogo do Purgatório'.

Admirável condescendência da graça! Deus cedeu à oração e ao desejo da sua criatura. As forças de Jacomo estavam esgotadas, mas a sua alma não podia partir enquanto durasse o conflito entre Nosso Senhor, que alegava a sua Justiça, e Catarina, que implorava a sua Misericórdia. Por fim, Catarina retomou: 'Se eu não posso obter esta graça sem satisfazer a tua Justiça, que essa Justiça se exerça sobre mim; estou pronta a sofrer por meu pai tudo o que a tua Bondade quiser enviar-me'. Nosso Senhor consentiu. 'Aceitarei a tua proposta' - disse Ele - 'por causa do teu amor por mim, isento a alma do teu pai de toda a expiação, mas tu sofrerás, enquanto viveres, a dor que lhe estava destinada'. Cheia de alegria, Catarina gritou: 'Obrigada pela tua graça, Senhor, e que seja feita a tua vontade!'

A santa retornou imediatamente para junto do seu pai, que acabava de entrar em agonia. Encheu-o de coragem e alegria, dando-lhe, da parte de Deus, a certeza da sua salvação eterna, e não o deixou até que se expirasse a sua alma. No mesmo momento em que a alma do seu pai se separou do corpo, Catarina foi acometida de dores violentíssimas, que permaneceram até sua morte, sem lhe permitir um só momento de repouso. Ela mesma - acrescenta o Beato Raimundo de Cápua - assegurou-me muitas vezes isto e, de fato, tal era evidente para todos os que a viam. Mas a sua paciência era maior do que a sua doença. Tudo o que contei, me foi transmitido por Catarina quando, comovido ao ver os seus sofrimentos, lhe perguntei a causa deles. Não me esqueço de dizer que, no momento em que o seu pai expirou, a ouviram gritar, com o rosto radiante de alegria e um sorriso nos lábios: 'Deus seja louvado! Meu querido pai, como eu gostaria de morrer assim!'. Durante a celebração das exéquias fúnebres, quando todos estavam a chorar, Catarina parecia transportada de alegria. Consolava a mãe e toda a gente como se não tivesse sido afetada pela morte do pai. Era porque tinha visto aquela alma querida sair triunfante da prisão do corpo e passar, sem qualquer obstáculo, para a bem-aventurança eterna. Essa visão inundou-a de consolação, porque pouco tempo antes ela própria tinha provado as alegrias da luz eterna.

Admiremos aqui a sabedoria da Providência. A alma de Jacomo poderia certamente ter sido purificada de outra maneira e ter sido imediatamente admitida no Céu, como o bom ladrão que confessou o nosso Salvador na Cruz. Mas Deus quis que a sua purificação fosse realizada por meio dos sofrimentos de Catarina, como ela própria tinha pedido, e isto não para a experimentar, mas para aumentar e favorecer os seus méritos e a sua coroa de glória. Era conveniente que esta santa donzela, que tão ardentemente amava a alma do seu pai, recebesse alguma recompensa pelo seu afeto filial; e como ela tinha preferido a salvação da alma dele à do seu próprio corpo, o seu sofrimento corporal contribuiu enormemente para a felicidade da sua alma. Assim, falava sempre dos seus doces e queridos sofrimentos. E tinha razão, porque essas aflições aumentavam a doçura da graça nesta vida e as delícias da glória na outra. Confiava-me que, muito tempo depois da sua morte, seu pai Jacomo vinha continuamente agradecer-lhe a felicidade que lhe tinha proporcionado. Revelou-lhe muitas coisas ocultas, avisou-a das ciladas do demônio e preservou-a de todos os perigos.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog