quarta-feira, 9 de agosto de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXI)

Capítulo LXI

Alívio às Santas Almas pelo Santo Sacrifício da Missa - Santa Teresa e Bernardino de Mendoza - Número de Missas x Pompas das Exéquias

Concluamos o que dissemos sobre o Santo Sacrifício com as palavras que Santa Teresa relata sobre Bernardino de Mendoza. Ela relata este fato no seu Livro das Fundações (capítulo 10), da seguinte forma: 'Na Festa de Finados, Dom Bernardino de Mendoza doou uma casa com um belo jardim, em Madrid, para que ela fundasse ali um mosteiro em honra da Mãe de Deus. Dois meses depois, ele adoeceu subitamente e perdeu a fala, de modo que não podia nem confessar, embora desse muitos sinais de contrição. 'Morreu '- diz Santa Teresa - 'muito pouco tempo depois, e longe do lugar onde eu estava. Mas Nosso Senhor falou-me e me disse que ele estava salvo, apesar de ter corrido um grande risco; mas que a misericórdia lhe tinha sido feita por causa da doação da casa ao convento de Sua Mãe Santíssima; mas que a sua alma só seria libertada dos sofrimento quando fosse rezada a primeira missa naquele lugar. Senti tão profundamente as dores que esta alma sofria que, embora estivesse muito ansiosa para realizar a fundação de um convento em Toledo, parti imediatamente para Valladolid no dia de São Lourenço'.

'Um dia, quando estava a rezar em Medina del Campo, Nosso Senhor me disse para que me apressasse o máximo possível, porque a alma de Mendoza era refém dos mais intensos sofrimentos. Ordenei imediatamente aos pedreiros que erguessem sem demora as paredes do convento; mas como isso levaria muito tempo, pedi ao bispo autorização para fazer uma capela provisória para uso das Irmãs que eu tinha trazido comigo. Obtida a autorização, mandei rezar a missa e, no momento em que deixava o meu lugar para me aproximar da Santa Mesa, vi o nosso benfeitor que, de mãos unidas e rosto radiante, me agradeceu por o ter libertado do Purgatório. Depois eu o vi entrar no Céu. Fiquei tanto mais contente quanto não contava com isso assim. Isto porque, embora Nosso Senhor me tivesse revelado que a libertação desta alma se seguiria à celebração da primeira missa na casa, eu pensava que deveria ser a primeira missa em que o Santíssimo Sacramento fosse ali reservado'. Este belo relato nos mostra não só a eficácia do Santo Sacrifício da missa, mas também a terna bondade com que Jesus se interessa pelas almas santas, condescendendo mesmo em solicitar os nossos sufrágios em favor delas.

Mas, sendo o Divino Sacrifício de tanto valor, pode-se perguntar se um grande número de missas proporciona às almas mais alívio do que um número menor, mas que, em compensação, são acompanhadas por magníficas exéquias e abundantes esmolas? A resposta a esta pergunta pode ser deduzida do espírito da Igreja, que é o espírito do próprio Jesus Cristo e a expressão da sua vontade. Ora, a Igreja aconselha os fiéis a mandarem rezar pelos defuntos, a darem esmolas e a praticarem outras boas obras, a pedirem indulgências para eles mas, sobretudo, mandarem celebrar a Santa Missa e a ela assistirem. Embora dando o primeiro lugar ao Divino Sacrifício, ela aprova e faz uso de vários tipos de sufrágios, de acordo com as circunstâncias, devoção ou condição social do falecido ou dos seus herdeiros.

É um costume católico, religiosamente observado desde a mais remota antiguidade, mandar celebrar a missa pelos defuntos com cerimônias solenes, e fazer um funeral com tanta pompa quanto as posses o permitam. A despesa com isso é uma esmola dada à Igreja, uma esmola que, aos olhos de Deus, aumenta muito o preço do Santo Sacrifício e seu valor compensatório para o falecido. É bom, porém, regular as despesas do funeral, de modo a deixar uma soma suficiente para um certo número de missas, e também para dar esmolas aos pobres. O que se deve evitar é perder de vista o caráter cristão dos funerais e considerar a cerimônia fúnebre menos como um grande ato de religião do que como uma mera manifestação de vaidade mundana.

O que deve ainda ser evitado são os emblemas profanos de luto que não são conformes à tradição cristã, tais como as coroas de flores, com as quais, com grande despesa, se carregam os caixões dos mortos. Trata-se de uma inovação, justamente desaprovada pela Igreja, à qual Jesus Cristo confiou o cuidado dos ritos e cerimônias religiosas, sem exclusão das cerimônias fúnebres. Aquelas de que ela se serve por ocasião da morte de seus filhos são veneráveis pela sua antiguidade e cheias de sentido e de consolação. Tudo o que se apresenta aos olhos dos fiéis em tais ocasiões, a cruz e a água benta, as luzes e o incenso, as lágrimas e as orações, respiram a compaixão pelas pobres almas, a fé na Divina Misericórdia e a esperança da imortalidade. O que há de tudo isso nas frias coroas de violetas? Não dizem nada à alma cristã; não passam de emblemas profanos desta vida mortal, que contrastam estranhamente com a cruz, e que são estranhos aos ritos da Igreja Católica.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.