sábado, 3 de junho de 2017

LUZ NAS TREVAS DA HERESIA PROTESTANTE (XIV)

A 12ª objeção* pede um texto que prove que o uso das imagens foi recomendado por Cristo aos seus apóstolos...

Vou satisfazer, e isso longa e plenamente, ao meu amigo protestante, mostrando-lhe claramente a inanidade da objeção, a má interpretação da bíblia a este respeito, como a má interpretação dos costumes católicos.

I. A doutrina da Igreja

A imagem de um santo é a sua semelhança pintada ou esculpida. Uma imagem pode ser exata quando representa a forma própria; simbólica, quando representa o original sob a forma de um símbolo. A fotografia de um santo é a imagem exata; um esqueleto é um símbolo da morte, um dragão é o símbolo do demônio, uma cabeça com asas é o símbolo de um anjo. A cruz é o símbolo da redenção.

Os católicos adoram as imagens, dizem eles, com um gesto de desprezo; ora, é absolutamente proibido o tal culto pela bíblia. Eles são uns idólatras. Pobre ingenuidade, que confunde tudo, e nem compreende a significação das palavras. Estudemos este assunto de um modo claro, popular, baseado sobre a bíblia e o bom-senso; e veremos logo que os católicos não adoram imagem alguma, mas simplesmente veneram as imagens, não pelo seu próprio valor, mas pelas pessoas ou coisas que representam. Veremos depois que tal culto não somente nunca foi proibido pela bíblia, mas até aconselhado, e até prescrito pelo próprio Deus. Será a destruição radical da objeção protestante.

II. Legitimidade das imagens

A Igreja Católica venera as imagens. Este culto é formalmente legitimado pelo Concílio de Trento, que diz: 'as imagens de Jesus Cristo, da Mãe de Deus e dos outros santos podem ser adquiridas e conservadas, sobretudo nas igrejas, e se lhes pode prestar honra e veneração; não porque há nelas qualquer virtude ou qualquer coisa de divino, ou para delas alcançar qualquer auxílio, ou porque se tenha nelas confiança, como os pagãos de outrora, que colocavam a sua esperança nos ídolos, mas, sim, porque o culto que lhes é prestado dirige-se ao original que representam, de modo que nas imagens que possuímos, diante das quais nos descobrimos ou inclinamos a cabeça, nós adoramos Cristo, e veneramos os santos que elas representam' (Sess. XXV).

Dois pontos destacam-se deste texto, que são a refutação das diversas objeções levantadas pelos protestantes:

(i) Pode-se prestar honra e veneração às imagens, não por si mesmas, mas pelo original que representam.
(ii) Não é a imagem que honramos, mas sim a pessoa representada pela imagem.

O Concílio de Nicéia, o primeiro celebrado na Igreja, no ano de 325, sob o papa São Silvestre I e o Imperador Constantino, defende o culto das imagens contra os iconoclastas, com um vigor admirável.
Lê-se nos atos deste concílio: 'nós recebemos o culto das imagens, e ferimos de anátema os que procedem de modo contrário. Anátema a todo aquele que aplica às santas imagens os textos da escritura contra os ídolos. Anátema a todo aquele que as chama ídolos. Anátema àqueles que ousam dizer que a Igreja presta culto a ídolos'. Eis a lei da Igreja, a lei de Jesus Cristo, a lei da Sagrada Escritura. Pois é tudo um só. Vamos provar isso clara e insofismavelmente aos nossos pobres protestantes.

  • O uso das imagens na Bíblia

Os amigos protestantes devem concordar que Deus não pode estar em contradição consigo mesmo. Provando pois que ele permite e manda fazer imagens, é provar que tal proibição não existe. Examinemos, pois, a bíblia que os protestantes dizem ser a sua única regra de fé. Beseleel fez, por ordem de Deus, dois querubins de ouro, de ouro batido, às duas extremidades do propiciatório. Um querubim em uma extremidade e o outro na outra extremidade e os querubins estendiam as asas para o alto e os rostos estavam defronte um do outro (Ex 37, 6-9).

Moisés orou pelo povo; e disse o Senhor a Moisés: 'Faze uma serpente de bronze e põe-na sobre uma haste e todo mordido que olhar para ela viverá. E Moisés fez uma serpente de metal e quem olhava para ela, ficava curado' (Nm 21, 8-9). Na descrição do tempo de Salomão, fala-se de um príncipe que colocou no templo dois grandes querubins (anjos) de madeira de oliveira de dez côvados de altura e enfeitava os muros do tempo com toda espécie de molduras e esculturas de anjos (1 Rs 6, 23-29). E neste templo assim repleto de imagens, Deus apareceu e falou a Salomão, dizendo: 'Ouvi a tua oração, santifiquei a casa que edificaste, a fim de por ali o meu nome para sempre' (1 Rs 9, 1-3).

Muitos passos semelhantes se poderiam citar, que provam claramente que o próprio Deus mandou colocar em seu templo imagens de diversas criaturas e objetos. E o templo assim adornado agradou a Deus, ao ponto que ele prometeu por ali o seu nome, para ser invocado para sempre. E não objetem que tais imagens foram feitas pelos homens para embelezar o templo. A bíblia responde pelos lábios de Davi: 'todas estas coisas me foram dadas por escrito, pela mão de Deus, para que eu tivesse a inteligência de todas estas obras segundo o modelo' (1 Cr 28, 11-19).

Eis já umas passagens; podia multiplicá-las à vontade; pois há na bíblia 81 passos onde se trata de tais querubins, que incontestavelmente são figuras de anjos. Como referência limitamo-nos às seguintes indicações: Gn 3,24; Ex 25, 18-22; 37, 7-9; Nm 7, 89; 1 Rs 4,4; 6,2; 22,11; 1 Rs 6, 23-35; 2 Rs 19,18; 1 Cr 13,3; 2 Cr 3, 10-11; 5,2; Ez 10, 8-12; 27-16; Sl 18,11; 80, 2; 99,1; Fp 2, 10; Hb 11,21.

  • Onde está o erro?
Eis fatos da bíblia e fatos certos, sem que seja possível dar-lhes outra explicação que aquela que representa o texto citado. Eis os protestantes em flagrante contradição com a Bíblia. Verifiquem os textos e contextos e tenham a coragem de confessar o seu erro, frente à verdade refulgente que se impõe. Dos textos já citados, vê-se claramente que Deus, em pessoa, manda fazer imagens de espíritos ou querubins. Tais imagens são verdadeiramente imagens religiosas, pois os querubins pertencem à ordem espiritual e são associados ao culto divino, aos emblemas religiosos, como o são a arca da aliança e o tabernáculo.

Conforme a sua própria palavra a Salomão, Deus estava realmente presente sobre o propiciatório, no meio dos dois querubins. Ora, é certo que os judeus prestavam um culto a estas imagens, como sendo elas a expressão da aliança de Deus com seu povo, e o lugar determinado da sua presença. A Bíblia reza no livro de Josué: 'Josué prostrou-se com o rosto em terra diante da arca do Senhor e assim permaneceu até à tarde, imitando-o todos os anciãos de Israel' (Js 7,6). Terão sido idólatras Josué e os anciãos de Israel? 

Foi Deus ainda que ordenou a Moisés levantar uma serpente de metal (Nm 21,8). O culto prestado pelos hebreus, por ordem de Deus, a esta serpente era indubitavelmente religioso, porquanto Deus fez depender a cura sobrenatural dos mordidos, do olhar sobre o réptil metálico. Temos as provas disto nas próprias palavras de São. João, que diz que tal serpente era o símbolo do Cristo Crucificado. 'Bem como ergueu Moisés a serpente no deserto, assim cumpre que seja levantado o Filho do Homem' (Jo 3,14).

A conclusão é, pois, irrefutável. Se Deus tivesse proibido as imagens, como manchadas de idolatria, Ele próprio teria dado mau exemplo, mandando fazer imagens, estando assim em flagrante contradição consigo mesmo, proibindo e mandando fazer o que proíbe. Então, ou os protestantes estão enganados ou Deus enganou aos outros. Não podendo Deus enganar-se, nem enganar aos outros, é claro que os protestantes estão em erro.

III. Gênero de culto das imagens

Está pois bem provado: o culto das imagens não somente nunca foi proibido, mas foi ordenado por Deus. Examinemos agora qual é o culto que devemos prestar às imagens. O culto devido à imagem, como ensina São Tomás, é aquele que é devido ao seu exemplar, porém de um modo diferente. O exemplar é honrado por si mesmo, enquanto a imagem o é por causa do exemplar. O primeiro chama-se culto absoluto, o segundo é o culto relativo. Deste modo, o exemplar e a imagem formam um único objeto de veneração.

Isso explica que nunca honramos uma imagem por si mesma, mas unicamente pelo objeto que representa; e que as honras que lhe tributamos são tanto maiores, quanto maior é o objeto que representam. Deus, como soberano Senhor, merece um culto de adoração absoluto (latria), as imagens de Jesus Cristo merecem o mesmo culto, porém de um modo relativo. Maria Santíssima, como Mãe de Deus, merece um culto de super veneração absoluto, abaixo de Deus e acima dos santos (hiperdulia). As imagens de Maria Santíssima merecem o mesmo culto, mas relativo. Os santos merecem um culto de veneração absoluto (dulia). As suas imagens merecem o mesmo culto; porém de um modo relativo.

Se descêssemos da ordem sobrenatural à ordem natural, encontraríamos a mesma distinção aceita por todos. Os súditos de um reino devem ao seu chefe um culto de respeito; os filhos devem aos seus pais um culto de amor filial; os amigos devem aos seus amigos um culto de amizade, e este culto é devido de um modo absoluto às suas pessoas e de um modo relativo às imagens que os representam. O homem deve à sua terra um culto de patriotismo absoluto; e deve à bandeira pátria o culto relativo, embora a bandeira, como objeto material, seja apenas um pedaço de pano; porém, como objeto representativo e simbólico, é o coração da pátria que pulsa em suas dobras.

Pelo que procede, vê-se haver três maneiras de considerar uma imagem:
(i) como objeto material, isto é, a matéria de que é feita; neste ponto de vista nenhuma imagem merece culto;
(ii) como um objeto santo, como seria uma coisa sagrada, por exemplo a Bíblia; neste ponto de vista o objeto merece respeito e veneração, porém inferior ao que se tributa ao protótipo;
(iii) como objeto formal, isto é, como representação do protótipo; neste ponto de vista merece também um culto relativo, como sendo a expressão de um objeto que merece um culto absoluto.

Assim a cruz, os pregos, a lança, devem ser honrados de um culto de latria relativo. As imagens de Maria Santíssima de um culto de hiperdulia relativo e as imagens e relíquias dos santos, de um culto de dulia relativo.  Eis a doutrina da Bíblia e da Igreja a respeito das imagens. Tudo isso é claro, é lógico, é irrefutável.

IV. A prova da razão

Corroboremos estas provas positivas da Bíblia, da legitimidade e da utilidade das imagens, pela prova da nossa razão e do bom senso. A palavra e o nome são apenas imagens passageiras das coisas que significam: entretanto a palavra de uma pessoa honrada merece respeito e veneração. Por que não se venerariam imagens duradouras das coisas santas? Todos tributam honra ao nome de Jesus, o qual, como diz São Paulo, 'faz dobrar o joelho dos que estão no céu, na terra e nos infernos' (Fp 2,10). Quem não tributa honra a um livro que contém a palavra de Deus, a Sagrada Escritura? Por que não se faria a mesma coisa para as imagens e estátuas?

É certo que as imagens e estátuas são preferíveis às palavras escritas para esclarecer os espíritos das classes inferiores. O poeta Horácio já escrevia em sua arte poética Hierurgia: 'o que se vê pelos olhos entra mais fundo na alma, do que o que só entra pelos ouvidos'. O homem venera a bandeira nacional de sua pátria. Os súditos honram os retratos dos seus chefes e presidentes. O povo honra as estátuas dos seus heróis e homens ilustres. Os filhos honram e veneram os retratos de seus pais e irmãos. Os amigos cercam de veneração objetos, lembranças e retratos dos seus amigos. E tudo isso é razoável, lógico, é uma aspiração do coração humano.

Como seria, pois, possível que Deus proíba uma aspiração legítima que ele mesmo pôs no fundo da alma humana? Como pode ele condenar no homem o que ele mesmo faz, ensina? Não! Uma tal proibição não pode existir, porque estaria em contradição consigo mesmo o Criador, que é o autor da ordem natural e da ordem sobrenatural, da natureza e da alma humana. Eis por que a Igreja Católica honra e venera as imagens dos santos, e de um modo especial a Santíssima Virgem Maria, rainha dos santos. Ela o faz, não somente por respeito pela gloriosa Mãe de Jesus, como também porque a vista das suas imagens nos lembra as suas virtudes e nos estimula a imitar os seus exemplos.

V. Objeção protestante

Eis exposto o lado positivo da questão. Examinemos, agora, o lado em que se baseiam os protestantes, para atacarem, como o fazem, o culto das imagens. O grande argumento que costumam produzir é o mandamento da lei de Deus. Citemo-lo aqui, inteiro, para depois mostrar que tal mandamento não diz absolutamente nada o que os protestantes querem que diga.

A passagem é tirada do Êxodo, capítulo 20, 1-6: '1.Depois falou o Senhor todas estas coisas: 2. Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. 3.Não terás deuses estrangeiros diante de mim. 4. Não farás para ti imagens de escultura, nem figura alguma de tudo que há em cima, no céu, e do que há embaixo, na terra; 5. Não as adorarás, nem lhes darás culto, porque eu sou o Senhor teu Deus, Deus forte e zeloso, que vinga a iniquidade dos pais nos filhos, até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem. 6. E que usa de misericórdia até mil gerações, com aqueles que me amam e guardam os meus preceitos'.

Eis o famoso texto da Bíblia que serve de pretexto aos protestantes para gritarem que é proibido fazer e honrar imagens. Façamos notar que para fazer exprimir esta passagem o sentido que lhe atribuem, dividiram este mandamento em dois, para separar Deus e as imagens. A Sagrada Escritura diz que os mandamentos da lei de Deus são dez, sem indicar, em parte alguma, como devem ser divididos. O texto antigo não tem nem pontuação, nem frases separadas, nem divisão: é uma frase única. A divisão tem sido feita pela Igreja Católica, desde o princípio, e foi alterada pelos protestantes, para melhor conseguirem o seu intuito.

Um breve exame do texto mostra logo que a proibição de fazer ídolos e de adorá-los é apenas uma explicação e uma consequência do preceito de adorar unicamente o único Deus verdadeiro, e de não ter, em sua presença, deuses estrangeiros.

VI. Interpretação católica

Examinemos de perto o texto citado. Em primeiro lugar é preciso lembrar-nos que Deus fala aos judeus do seu tempo, e como tal combate os abusos entre eles existentes. Ora, estes abusos, devido ao contato contínuo com os povos idólatras, como no-lo indica a Bíblia, era uma forte inclinação à idolatria. Os pagãos desse tempo, como ainda hoje, adoravam o sol, a lua, as estrelas – faziam imagens de animais, como o boi Ápis, o bezerro da fecundidade, os jacarés, peixes, monstros marinhos, etc.

A proibição divina versa claramente sobre estes ídolos. O que há em cima, no céu: isto é, no firmamento: sol, lua, estrelas. O que há em baixo, na terra: animais, pássaros, homens. O que há debaixo da terra, nas águas: os peixes e os monstros marinhos. Que seja este o sentido de tais palavras é óbvio, pela própria Bíblia, no Deuteronômio, cap. 29, 16-18: 'porque vós sabeis de que modo habitamos nós na terra do Egito, e como passamos pelo meio das nações pelas quais passastes, e ao passá-las vistes as suas abominações e imundícies, isto é, os seus ídolos, o pau e a pedra, a prata e o ouro, que eles adoravam. Não suceda que entre vós se ache homem ou mulher, família ou tribo cujo coração esteja hoje apartado do Senhor Nosso Deus, de modo que vá servir aos deuses daquelas nações, e seja entre vós uma raiz que produz a amargura'.

Claro está que nestas passagens da Escritura o que se proíbe é adorar imagens, é prestar culto aos ídolos, como, aliás, fizeram, por vezes, os israelistas, e foram por isso castigados por Deus. Aqui não se trata absolutamente nem de Deus, nem dos anjos, nem dos santos; trata-se unicamente de coisas terrestres. Vê-se claramente que Deus faz aqui uma tríplice graduação entre os objetos que não se devem adorar. Em cima, no céu: sol, lua, estrelas. Em baixo, na terra: animais, etc. Debaixo da terra: peixes, etc.

Donde se vê que as imagens proibidas são forçosamente de coisas criadas e, por conseguinte, não se trata em absoluto de imagens da divindade. Isto é claramente provado por um texto da Bíblia (Dt 4, 15-20): 'guardai, portanto, cuidadosamente, as vossas almas. Vós não vistes figura alguma no dia que o Senhor vos falou no Horeb do meio do fogo, por não suceder que enganados façais para vós alguma imagem de escultura ou alguma figura de homem ou de mulher, nem semelhante de qualquer animal que há sobre a terra, ou das aves que se movem na terra ou dos peixes que debaixo da terra moram nas águas: não seja que, levantando os olhos ao céu, vejas o sol e a lua, bem como todos os astros do céu e, caindo no erro, adores e dês culto a estas coisas que o Senhor teu Deus criou para serviço de todas as gentes que vivem debaixo do céu' . Eis, pois, o que é claro. À luz destes textos da Bíblia, dissipam-se todas as objeções protestantes,e vê-se perfídia da sua interpretação.

VII. Falsa conclusão

Do texto acima, mal interpretado, isto é, ser proibido fazer imagens do que há em cima no céu, os protestantes tiram a seguinte conclusão: Ora – Deus está no céu. Nosso Senhor está no céu. Os santos estão no céu. Logo, a Igreja não pode fazer imagens nem de Deus, nem de Nosso Senhor, nem dos santos do céu. Fazê-lo é quebrar a este mandamento absolutamente claro.

Que seja absolutamente falsa esta conclusão fica inabalavelmente comprovado, pelo texto já citado supra: ' não seja que, levantando os olhos ao céu, vejas o sol e a lua e todos os astros do céu e, caindo no erro, adores e dês culto a essas coisas que o Senhor teu Deus criou' (Dt 4, 15-20). Impossível maior evidência do que a que aí se observa para significar, sem possível dúvida, qual o verdadeiro céu e a que se referem as Escrituras, e quais os entes cujas imagens são por Deus proibidas. Os amigos biblistas fazem uma simples troca de céus. Trocam inocentemente o céu do firmamento do qual falam evidentemente as Escrituras, pelo céu habitado pelos santos, pelos anjos e pela própria divindade.

É, pois, claro que tal proibição de fazer imagens de Deus, de Maria Santíssima, dos anjos e dos santos, não existe em absoluto na Bíblia: o que aí existe é a proibição de fazer e adornar imagens de coisas terrestres, quer do firmamento, da terra ou do mar, como o mostram os textos citados. Se assim não fosse, como se poderia conciliar a proibição, de um lado, e do outro a ordem de Deus de fazer imagens de querubins (Ex 25, 18-20) e até a de uma serpente (Nm 21,9)?

VIII. Confusão entre imagem e ídolos

Deus proíbe aos judeus de terem deuses estrangeiros; isto é uma alusão aos falsos deuses dos egípcios, de que a Bíblia diz (Sl 113, 11-14 ou segundo o hebraico 115, 4-8): 'os ídolos das gentes não são senão prata e ouro, obras de mãos de homens. Têm boca e não falam, têm olhos e não vêem, têm ouvidos e não ouvem, têm narizes e não cheiram, tem mãos e não apalpam, têm pés e não andam; não clamam com sua garganta. Sejam semelhantes a eles os que os fazem, e todos os que confiam neles'.

O texto original hebraico, que o português traduz por 'deuses estrangeiros' e o latim por deos alienos, é mais claro e mais positivo; a palavra utilizada é feser, que significa ídolo, e não imagem. O que é proibido é, pois, adorar imagens ou prestar-lhes culto; em outras palavras, a idolatria. O que é a idolatria? É prestar culto divino a uma criatura; em outras palavras, é o culto divino prestado a um objeto sensível, natural ou fabricado, do qual se supõe ser qualquer coisa de Deus. A idolatria é um crime enorme, de lesa divindade, pois consiste em colocar uma criatura no lugar de Deus, e em prestar-lhe honras, unicamente devidas a Deus.

IX. O culto católico

Para os católicos serem idólatras precisavam, pois, fazer imagens de objetos, isto é, animais ou homens, atribuir-lhes um poder divino (ex opere operato) e tributar-lhes honras divinas. Ora, nunca entrou na mente de um católico atribuir a uma imagem um poder divino, ou prestar-lhe culto como tal; limita-se a fazer imagens de Deus, de Maria Santíssima, dos santos ou anjos, e honrá-las, não por si mesmas, mas pela pessoa que representam. E, convém notá-lo, o culto que tributamos às imagens é sempre um culto relativo, ficando o culto absoluto para a pessoa representada.

Os católicos não fazem das imagens fetiches, aos quais se atribui um efeito sensível e extraordinário, o qual é fisicamente impossível. Na Igreja Católica nenhuma imagem é aceita como mágica. As próprias imagens reputadas milagrosas não o são por si mesmas (ex opere operato). Deus serve-se delas, apenas, para manifestar a sua onipotência, quando bem lhe apraz, não por causa da forma ou do título da imagem, mas porque assim Ele o quer.

A imagem nada faz e nada concede. É apenas um instrumento nas mãos de Deus para comunicar suas graças aos homens, ou ex opere operantes, em virtude das disposições daquele que honra estas imagens, ou então ex misericordia ejus, em consideração da sua misericórdia, como ele fez aos judeus pelo olhar dirigido à serpente metálica, fabricada por Moisés. O que é proibido pela lei divina é o culto de ídolos, e não o culto das imagens, porque o ídolo é uma imagem falsa, um simulacro, como diz Habacuc (2,18) e não uma representação exterior de uma realidade.

São Paulo chamou Cristo imagem de Deus (2 Cor 4,4). Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus (Gn 1,27) e mandou fazer imagens à semelhança do homem (3 Rs 6,35). Se toda imagem fosse ídolo, precisava concluir que Jesus Cristo é um ídolo – que Deus mandou fazer ídolos. E qual o protestante que teria a coragem de dizê-lo? É preciso concluir, pois, que o que Deus proibiu era fazer ídolos e prestar-lhes um culto idólatra e isso de objetos criados.

X. As imagens nas Escrituras

É, pois, evidente que Deus não proibiu fazer imagens, até mesmo mandou e autorizou que as fizessem para melhor facilitar a instrução religiosa e por ser útil à piedade. Assim é que, embora os anjos não tenham corpo, sendo eles espíritos, entretanto Deus ordenou que fossem esculpidos e pintados com a imagem humana no Antigo Testamento; abençoou Obededom e a sua casa pelo culto de veneração prestado à arca em que se destacaram as imagens de dois desses anjos querubins.

Deus se revelou a Adão sob uma imagem sensível, passeando no paraíso, depois do meio-dia (Gn 3,5). Jacó viu a Deus no vértice da escada, por conseguinte sob a forma corporal. Isaías viu Deus assentado num trono sob a figura de um rei (Is 6,6). Amós (9,1) viu o Senhor de pé sobre o altar. O Espírito Santo manifestou-se na imagem de uma pomba (Mt 3,16). Os anjos muitas vezes se apresentaram em imagem humana (Gn 16,9; 21,17; 22,11; Nm 22,22; Jos 5,14; Tb 5,6; 22,15; Dn 14,33; Os 12,4; Mt 1,20; 28,5; Lc 1,19, 26; 22,43; At 5, 19; 7,30; 12,7; 27, 23; Ap 1,4).

Por que então julgar levianamente que Jesus Cristo e os apóstolos tivessem deixado de recomendar e mesmo proibido fazer imagens? As Escrituras em sua linguagem atribuem a Deus estes atos sensíveis: caminha, fala, está em pé, dá-lhe assento, trono e escabelo, etc. Por que então supor que Jesus Cristo e os apóstolos se tivessem oposto a que se reproduzissem pela pintura e escultura essas imagens, que nas próprias Escrituras foram traçadas por ordem divina?

XI. O exemplo de Jesus Cristo

Jesus Cristo não se exprimiu declaradamente sobre o culto das imagens, porque já o considerava divinamente recomendado. Para que recomendar o que nunca foi proibido, ou tratar do que era domínio público, como permitido, útil e estabelecido pelo exemplo do próprio Deus? Sua missão era dar cumprimento à lei. Ora, não havendo nenhuma lei proibitiva de fazer imagens e de prestar-lhes culto, a não ser para adorá-los, transformadas em ídolos, não havia razão de dar novos preceitos a esse respeito.

Mas, se Jesus não deu novo preceito de fazer e de honrar as imagens, Ele deu o exemplo. Não é um fato mencionado no Evangelho, porém é um fato histórico, por todos aceito e contado pelos próprios historiadores pagãos: Cristo, percorrendo o caminho do Calvário, exausto, coberto de poeira, de suor e de sangue, deixou-se limpar o rosto por uma mulher, compadecida, que a Tradição chama Verônica, e, em recompensa deste ato de caridade, o divino Salvador imprimiu naquele véu a imagem do seu semblante. Este véu, venerado até hoje, em Turim, tem sido o instrumento de conversão de muitos.

E não se lê no Novo Testamento (Mc 1,10) que quando o Divino Salvador foi batizado, nas águas do Jordão, por São João Batista, o Divino Espírito Santo (3ª pessoa da Santíssima Trindade) desceu sob a forma visível de uma pomba, e pousou sobre Jesus? E mais tarde, no dia de Pentecostes, também não desceu o mesmo Divino Espírito Santo sobre os apóstolos, reunidos no Cenáculo, sob a forma sensível de línguas de fogo?

A Tradição nos mostra igualmente São Lucas pintando a imagem da Santíssima Virgem, cujo original (fala-se de três originais por ele pintados) é exposto à veneração dos fiéis na Igreja de Loreto. As catacumbas, que datam dos primeiros séculos do cristianismo, mostram em grande quantidade imagens e estátuas de Jesus Cristo, da Santíssima Virgem, de São Pedro e de São Paulo, e outros santos dos primórdios do cristianismo. Tudo isso são testemunhos, são provas irrefutáveis de que é formalmente permitido, aconselhado e aprovado fazer imagens e prestar-lhes um culto religioso.

XII. Testemunhas protestantes

Terminaremos pela citação de uns textos insuspeitos de protestantes, criteriosamente mais aproximados da verdade católica. Um grande teólogo alemão, Döderlein, escreve: 'os que afirmam que os católicos adoram as imagens, não são guiados pela verdade, mas pelo ódio'. O ministro luterano Lavater escreve também: 'lícito lhe será dizer que é uma vergonha, em nosso século esclarecido, recriminar ao católico sua veneração às imagens, como um ato de idolatria, quem se sente incapaz de glorificar sua própria seita de outra maneira que caluniando assim o catolicismo' (Schr. an den Grafer Stolberg).

O grande Leibniz em seu Sistema Teológico escreve (p. 107): 'Eu não sou daqueles que, esquecendo a fraqueza humana, proscrevem do serviço divino tudo o que impressiona os sentidos, sob o pretexto de que a adoração deve ser feita em espírito e verdade'. Ouçamos mais outro protestante, o célebre Wagner (t. I, p. 318): 'Vós deveis, ó luteranos, e vós também, ó reformados, restituir à religião e ao seu santuário a dignidade e o esplendor que dia a dia vão perdendo, porque todos os dias destruís o serviço divino, a título de o purificar'.

Um dos mais abalizados teólogos protestantes, Clausen, escreve, por sua vez, numa obra notável: Rito do Catolicismo e Protestantismo (p. 790): 'A Igreja reformada rejeita toda a solenidade exterior, tudo o que reveste uma forma esplendorosa e que leva a alma à contemplação das coisas sobrenaturais, como se a veneração para com Deus corresse perigo, adornando-se os muros de uma igreja com santas imagens, enfeitando-se o altar para o distinguir de uma mesa doméstica, como se fora uma coisa má traduzir em formas exteriores o respeito que a santidade do lugar inspira'...

'Entre católicos' – diz ainda Clausen – 'as melhores produções de arte são consagradas ao embelezamento das igrejas; os luteranos querem templos cujos muros sejam nus e desprovidos de todo adorno, o que não obsta que os mesmos protestantes adornem com todos os tesouros da arte as suas habitações particulares. As censuras dos nossos adversários a esse respeito são justas. É muito verdade que a nudez das nossas igrejas está em perfeita harmonia com o que se passa no interior delas'.

A rude franqueza destas últimas palavras de Clausen é um brado espontâneo e enérgico da consciência cristã, aviltada pelas consequências absurdas das absurdas interpretações escriturais do livre exame protestante! Aliás toda essa sua obra confirma tal juízo. Seria por demais longo, porém, e já agora desnecessário, transcrevermos aqui muitas outras passagens que corroboram essa verdade indiscutível.

Terminaremos, não obstante, com estas suas palavras de admirável justeza: 'Um serviço divino que só quer edificar pela palavra e procura o seu poder na exclusão de toda a influência estética sobre a alma, poderá ser porventura a fiel expressão do Cristianismo? O Cristianismo não separa o que foi unido por Deus e pela natureza, não quebra os laços que liga a alma e o corpo, a matéria e o espírito'.

XIII. Conclusão

É tempo de concluir o nosso pequeno estudo, já longo. As provas citadas são absolutamente irrefutáveis, senão rui a própria Bíblia, e com ela o bom senso comum da humanidade. Nunca Deus proibiu fazer imagens, nem prestar-lhes um culto; o que proibiu é fazer ídolos, atribuir-lhes um poder e prestar-lhes um culto divino. Ora, como temos provado, a diferença entre a imagem e o ídolo é a diferença do dia e da noite.

A imagem é a representação de um objeto ou de um ser, que só tem valor pelo que representa, e as honras que recebe relativamente, redundam sobre o objeto ou a pessoa representada, que só recebe as homenagens absolutas. O ídolo, ao contrário, é honrado por si mesmo, porque se lhe tributa um poder intrínseco, em que se põe a confiança, honrando-o como tal. E, pois, colocar a criatura no lugar de Deus é o crime gravíssimo da idolatria.

As nossas homenagens referem-se não a imagens mas aos originais que elas representam. Quando se honra a imagem, honra-se o ente que ela representa. O ato que se diz adoração da imagem é realmente a adoração do próprio Cristo, pela imagem representado. O homem é em toda parte e em todo tempo naturalmente propenso a honrar as imagens dos entes que lhe são caros.

Os próprios protestantes, que nos censuram, nos imitam. Eles, como nós, honram os retratos de seus amigos, de sua mãe, de seu pai, dos seus homens ilustres e a bandeira da sua nação. Mesmo em seu culto religioso eles usam de imagens. Eles honram a Bíblia, que consta de papel e de tinta, unicamente porque ela nos recorda as palavras e os ensinamentos de Deus. Mais que isso: por uma flagrante contradição, enfeitam a Bíblia e outros livros com imagens de Cristo, de Maria Santíssima e até de santos e depois gritam contra os católicos! É uma incoerência sem nome.

Fatos notórios provam que Deus aprova a invocação dos santos e a veneração das santas imagens, pois que ele concede favores extraordinários diante destas imagens. Em Lourdes, em La Salette, em Pontmain, em Fátima, em Beauraing (Bélgica), Deus opera diariamente curas miraculosas em favor dos que lhe pedem, por intercessão da Virgem Imaculada e diante de sua venerada imagem.

De outro lado, as imagens são verdadeiros livros que ensinam a prática das virtudes. Assim, contemplando a imagem de São Sebastião, nós aprendemos o dever de confessar a nossa fé, mesmo diante dos inimigos da nossa religião. Contemplando a imagem de São Vicente, aprendemos a prática da caridade e da dedicação ao próximo. Um São Francisco Xavier nos ensina o zelo das almas. Um São Francisco de Assis nos mostra o desapego das riquezas. Um São Francisco de Sales nos prega a mansidão. Um São José nos indica o valor de uma vida trabalhosa. Um São Miguel nos recorda a justiça de Deus. Uma Santa Teresinha nos prega a confiança filial e no amor de Deus.

Contemplando a imagem da Santíssima Virgem, aprendemos a prática da sublime virtude da pureza. Considerando a imagem do Coração de Jesus, lembramo-nos do amor que Deus tem aos homens. Fitando a imagem de Jesus Crucificado, aprendemos a sofrer com paciência e resignação. Desprezando as críticas insensatas dos protestantes, continuemos, pois, a fazer, a adquirir, a honrar e venerar as sagradas imagens. É lícito, é útil, de consolação e de virtude. Nunca foi proibido, foi até ordenado pelas palavras e pelos exemplos de Deus, como correspondendo às grandes e íntimas aspirações do espírito e do nosso coração.

Eles, protestantes, se consentem, sem se indignar, que se rasguem em sua presença e por desprezo os retratos de sua mãe e de seu pai, são indignos de ouvir soar aos seus ouvidos o doce nome do filho, e de pronunciar com seus lábios os nomes sagrados da mãe e do pai. E se, por acaso, não consentem nesse desacato feito à representação destes entes, que lhes devem ser tão caros, então são nossos injustos e perversos censores. Terão eles a coragem e a sinceridade de declarar-se convencidos de verdades tão claras? Não o sabemos. Neste caso, só lhes fica o ditado popular: 'mais cego é quem não quer ver, do que aquele que não tem olhos'!

* Estas 'objeções' foram propostas por 'um crente' como um desafio público ao Pe. Júlio Maria e que foi tornado público durante as festas marianas de 1928 em Manhumirim, o que levou às refutações imediatas do sacerdote, e mais tarde, mediante a inclusão de respostas mais abrangentes e detalhadas, na publicação da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', ora republicada em partes neste blog.

(Excertos da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', do Pe. Júlio Maria de Lombaerde)