terça-feira, 1 de março de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A ALMA REFÉM DO AMOR DIVINO


A alma interior foi verdadeiramente conquistada pelo amor divino. Ele pode ter-se acercado dela por um longo tempo, mas finalmente a tomou para si. Imprimiu no íntimo dela, com grande júbilo, a sua bandeira - a Cruz. A partir daí, Ele reina soberano. Tudo lhe pertence: espírito, coração, sentidos e bens. A alma interior, incensada pela completa imersão da caridade divina, canta a beleza, a força e a glória de Deus. Ela temeu perder a sua liberdade se abrisse por inteiro as portas do seu coração. Mas agora entende que a verdadeira liberdade é tornar-se escrava do amor divino. Pensou até que tudo poderia lhe ser tirado e agora sabe que, ao contrário, tudo na verdade lhe foi dado.

Mas a alma não foi apenas conquistada pelo Amor, mas agora também é refém do amor divino. Ela não apenas vive dele, mas é consumida por ele e nele morre. Um fogo interior a devora sem descanso, dia e noite. Tênue na sua origem, esse fogo cresce e torna-se devastador. Nada lhe ignora; tudo alcança, tudo purifica, tudo alimenta, tudo transforma. Um observador atento perceberia que há algo misterioso e divino nesta alma. Como, de fato, poderia esconder esse fogo ardente sem ser visível o seu brilho admirável? Seria praticamente impossível. Pelo contrário, chega um momento em que o próprio Deus acaba permitindo que esse fogo de amor seja exposto a todos. Uma vez conquistada e depois, ornada pela caridade divina, a alma interior torna-se um arauto do Amor eterno, que é propagado todo o tempo. Não importa em que ambiente esteja; mesmo na mais profunda solidão a sua chama permanece viva e, ainda que não pudesse falar ou escrever, ela se manifestaria no rezar, no sofrer, no amar...

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

QUANDO O INFERNO É AQUI...

O Great Reset ('Grande Reinício') está no seu curso final. O mistério da iniquidade está prestes a se manifestar agora por inteiro, pois estão para ser colhidos os frutos da sua ação diabólica através dos tempos: a apoteose do caos - político, econômico, social, cultural, religioso. Não era o refrão 'paz e segurança!' a promessa feita por tantos governos e nações reunidas em fóruns globais, compartilhando e discutindo os problemas que afetam a mãe terra?  

'Quando os homens disserem: “Paz e segurança!”, então repentinamente lhes sobrevirá a destruição, como as dores à mulher grávida. E não escaparão'
(I Ts 5,3)

A paz e a segurança são conquistadas, não podem ser negociadas. Simplesmente porque todos os elementos inclusos em uma paz negociada são baseados em um armistício prévio. Com a guerra - com a invasão brutal da Ucrânia pela Rússia - estes princípios e fóruns caem por terra instantaneamente. E se percebe, então, como são frágeis, como são inúteis as tentativas de correção, como sanções econômicas e pressões políticas, absolutamente irrelevantes no contexto de impedir ou sustar efetivamente o poderio dos exércitos em marcha e a matança em curso.  


Enquanto grandes atores globais fingem atuações que têm a força da claque de um teatro de subúrbio e manchetes de plantão, milhares de pessoas - a realidade nua e crua da guerra - são expulsas de suas casas e migram para outros países, quando não são simplesmente assassinadas. São as 'vítimas da guerra', um preço a pagar pela geopolítica do confronto. Essa tem sido a justificativa diante a inevitável perda de vidas humanas - e muitos creem ser esse a análise final desta que constitui a mais grave crise militar na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 

Mas... a invasão russa mostra cabalmente que a Rússia pode fazer isso, sem a possibilidade concreta da intervenção de outras nações no conflito. Como intervir frente a invasão de um país soberano por uma potência que possui cerca de 4000 ogivas nucleares? (aliás como inclusive o próprio Putin fez referência explícita em comunicado recente). E se... a Rússia pode invadir a Ucrânia num conflito de estratégia geopolítica, porque a China não poderia fazer o mesmo com Taiwan? E se...

A apoteose do caos precisa apenas do gatilho eficaz, no qual as consequências podem ser previsíveis ou planejadas com diabólicas intenções. A invasão da Ucrânia é um fato isolado e impactante num mundo globalizado que anseia por paz e segurança entre as nações? Claro que não. É muito mais do que isso, porque mobiliza consequências previsíveis extremamente alarmantes. E, neste contexto, estamos falando de Putin - uma marionete do teatro do mundo.


É muitíssimo mais do que isso. A invasão da Ucrânia é o estopim do Great Reset, nas mãos daqueles que verdadeiramente governam o mundo e que manipulam completamente o jogo político e econômico do sistema global. Neste contexto, não estamos falando de Putins e nem de marionetes. Estamos falando das consequências planejadas, impostas e consolidadas pelo mistério da iniquidade através dos tempos, visando o completo aniquilamento da civilização cristã. E tal conclusão é mais do que patente se levarmos em conta os insistentes apelos de Nossa Senhora em Fátima, quanto à perversa difusão dos erros da Rússia anti-católica sobre o mundo:

'Se atenderem os meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz. Se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas'

domingo, 27 de fevereiro de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Como é bom agradecermos ao Senhor!' (Sl 91)

 27/02/2022 - Oitavo Domingo do Tempo Comum

14. A ALMA DE TODO APOSTOLADO 


Neste Evangelho, Jesus continua a expor os princípios que devem reger o verdadeiro apostolado cristão, sob a tutela da doutrina das bem aventuranças e da prática constante da caridade e do amor ao próximo, incluindo, entre eles, os nossos inimigos. Neste propósito, 'um cego não pode guiar outro cego' (Lc 6, 39) e 'todo discípulo deverá ser como o mestre' (Lc 6, 40) constituem firmes proposições e a confirmação explícita de que a alma de todo apostolado é a fidelidade extrema à pregação dos ensinamentos e da doutrina da salvação enunciados por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Jesus nos ensina que devemos nos concentrar primeiro em nossas próprias fraquezas e fragilidades, antes de enunciarmos, por sobre os telhados, as faltas e pecados alheios. A imagem do 'cisco' em contraposição à 'trave' nos olhos de uns e outros, é o reflexo da desproporção de como vemos os nossos defeitos e o quanto extrapolamos a medida dos defeitos do próximo. Imagem do orgulho e da vanglória humanas, que insistem em nos colocar acima dos outros e que refreiam em nós os instrumentos da caridade, que só podem advir da humildade e da comiseração nascidas da nossa autocrítica de pecador entre pecadores: 'Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão' (Lc 6, 42).

Somos o que fazemos. Fazemos o que somos. Não existe incongruência possível entre o que se planta e o que se colhe: 'Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons. Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos. Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas (Lc 6, 43-44). A virtude não se contamina com o erro; a via de santificação não faz pontes e atalhos com concessões ao pecado; o bem prospera onde o mal é refreado e combatido em toda a medida.

No caminho do apostolado e da nossa santificação pessoal, precisamos guardar no coração os tesouros da fé - a árvore frondosa que nos há de tornar homens bons. Árvore que dará bons frutos, nascidos do coração e proclamados pelas palavras de exemplo e louvor, pois 'a boca fala do que o coração está cheio' (Lc 6, 45). Árvore boa que produz bons frutos - coração e palavras do homem bom - feita prática viva do apostolado cristão, que nos transforma em fieis cooperadores das graças divinas e herdeiros dos Céus.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXVI)

Capítulo XXVI

Duração do Purgatório - Venerável Catarina Paluzzi e a Irmã Bernardina - Irmãos Finetti e Rudolfini - São Pedro Claver e os Casos de Duas Almas

Citemos alguns outros exemplos que servirão para nos convencer ainda mais de quão longa é a duração dos sofrimentos do Purgatório. Veremos que a Justiça Divina é relativamente severa para com as almas chamadas à perfeição e que receberam muitas graças. Não diz Jesus Cristo no Evangelho: 'a quem muito é dado, muito será exigido; e que mais será pedido daquele a quem mais foi confiado?' (Lc 12,48).

Lemos na Vida da Venerável Catarina Paluzzi que uma santa religiosa, que morreu em seus braços, só foi admitida à beatitude eterna depois de passar um ano inteiro no Purgatório. Catarina Paluzzi levou uma vida santa na diocese de Nepi, na Itália, onde fundou um convento de dominicanos. Vivia com ela uma religiosa chamada Bernardina, também muito avançada nos caminhos da vida espiritual. Estas duas santas imitaram-se com fervor e ajudaram-se mutuamente a progredir cada vez mais na perfeição a que Deus as chamou.

O biógrafo da Venerável Catarina as compara a duas brasas vivas que comunicam calor entre si e a duas harpas afinadas que se harmonizaram em um hino perpétuo de amor à maior glória de Deus. Bernardina morreu depois de uma doença dolorosa, que suportou com paciência cristã. Quando estava prestes a expirar, ela disse a Catarina que não a esqueceria diante de Deus e que, se Deus assim o permitisse, voltaria a conversar com ela sobre assuntos espirituais que contribuíssem para a sua santificação.

Catarina orou muito pela alma da irmã religiosa e, ao mesmo tempo, implorou a Deus que permitisse que a sua alma pudesse aparecer a ela. Um ano inteiro se passou e a falecida não retornou. Finalmente, no aniversário da morte de Bernardina, estando Catarina em oração, viu um poço de onde saíam volumes de fumaça e chamas; então ela percebeu saindo do poço uma forma cercada de nuvens escuras. Aos poucos, esses vapores foram se dispersando e a aparição tornou-se radiante com um brilho extraordinário. Nessa gloriosa personagem, Catarina reconheceu Bernardina e correu em sua direção. 'É você, minha querida irmã?' - disse ela. 'Mas de onde você vem? O que significam este poço e esta fumaça ardente? Somente hoje termina o seu purgatório?'. 'Você está certa' - respondeu a alma - 'há um ano estou detida neste lugar de expiação, e hoje, finalmente, poderei entrar no Céu. Quanto a ti, persevere em seus santos exercícios: continue sendo caridosa e misericordiosa e você obterá misericórdia'.

O seguinte incidente pertence à história da Companhia de Jesus. Dois escolásticos ou jovens religiosos daquele Instituto, os Irmãos Finetti e Rudolfini, prosseguiram os seus estudos no Colégio Romano, no final do século XVI. Ambos eram modelos de piedade e regularidade, e ambos também haviam recebido uma advertência do Céu, que divulgaram, segundo a Regra, ao seu diretor espiritual. Deus lhes dera a conhecer a proximidade da morte e os sofrimentos que os esperava no Purgatório. Um ali iria permanecer por dois anos; o outro, por quatro anos. Eles morreram, de fato, um após o outro. Seus irmãos na religião imediatamente ofereceram as orações mais fervorosas e todos os tipos de penitências pelo descanso de suas almas. Eles sabiam que se a santidade de Deus impõe longas expiações aos seus eleitos, elas também podem ser abreviadas e inteiramente remidas pelos sufrágios dos vivos. Se Deus é severo para com aqueles que receberam muitos conhecimentos e graças, por outro lado Ele é muito indulgente para com os pobres e simples, desde que estes o sirvam com sinceridade e paciência.

São Pedro Claver, da Companhia de Jesus, Apóstolo dos Negros de Cartagena, soube do Purgatório de duas almas, que levaram vidas pobres e humildes sobre a terra; seus sofrimentos foram reduzidos a algumas horas. Encontramos o seguinte relato na vida deste grande servo de Deus. Ele havia persuadido uma mulher virtuosa, chamada Ângela, a receber em sua casa outra mulher chamada Úrsula, que havia perdido o uso de seus membros e estava coberta de feridas. Um dia, quando foi visitá-los, como fazia de vez em quando, para ouvir as suas confissões e levar-lhes algumas provisões, a caridosa anfitriã lhe disse com pesar que Úrsula estava à beira da morte. 'Não, não' - respondeu o sacerdote, consolando-a - 'ela ainda tem quatro dias de vida e não morrerá até sábado'. Quando chegou o sábado, ele rezou a missa por sua intenção, e saiu para prepará-la para a morte. Depois de algum tempo em oração, disse à anfitriã com ar de confiança: 'Consola-te, Deus ama Úrsula; ela morrerá hoje, mas ficará apenas três horas no Purgatório. Que ela se lembre de mim quando estiver com Deus, para que possa orar por mim e por aquela que até agora foi sua mãe'. Ela morreu ao meio-dia, e o cumprimento de uma parte da profecia deu grande razão para acreditar no cumprimento da outra.

Numa outra ocasião, tendo ido ouvir a confissão de uma pobre doente que costumava visitar, soube que ela estava morta. Os pais estavam muito angustiados e ele ficou também inconsolável, porque não acreditava que ela estivesse tão perto de seu fim e com a ideia de não ter podido ajudá-la em seus últimos momentos. Ajoelhando-se para rezar ao lado do cadáver, levantou-se de repente e com um semblante sereno disse: 'Tal morte é mais digna de nossa inveja do que de nossas lágrimas; esta alma está condenada ao Purgatório, mas apenas por vinte e quatro horas. Procuremos encurtar este tempo pelo fervor de nossas orações'.

Já foi dito o suficiente sobre a duração dos sofrimentos. Vemos que eles podem ser prolongados a um grau terrível; mesmo os sofrimentos mais curtos, ao considerarmos a sua gravidade, são longos. Procuremos abreviá-los para os outros e mitigá-los para nós mesmos, ou melhor ainda, preveni-los completamente. Agora vamos preveni-los removendo as causas. Quais são as causas? Qual é o cerne das penas de expiação no Purgatório?

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

PERDOAR OS NOSSOS INIMIGOS?

Cristo nos ordenou peremptoriamente a 'amar os nossos inimigos' (Lc 6,27 e Lc 6,35). Porque amar aos que nos amam é tarefa que fazem até mesmo os pecadores mais contumazes. Como católicos, somos exortados a amar os que não nos amam; mais ainda, amar aqueles que nos desprezam, caluniam e ultrajam diante de todos e diante de tudo! Obedecer ao Mestre implica nesse caso resistir e domar por completo o ódio que pode nos confrontar diante o outro.

Esse 'amar ao inimigo' implica, em primeiro lugar, desejar-lhes todo bem e, em segundo lugar, fazer a eles todo o bem possível. Do ponto de vista essencialmente humano, essa imposição nos parece demasiado forte, provavelmente antagônica a todos os nossos sentimentos e aspirações. Quem sabe 'ignorar os nossos inimigos' seja plausível; ou talvez não responder as ofensas ou ultrajes na mesma moeda já não seria um grande ato de amor? Por que Deus nos exige não apenas isso e, além mais do que o perdão, atos de caridade extrema para com os nossos inimigos?

A resposta é muito simples. Deus quer a salvação de todos os homens, quer sejam amigos, quer sejam inimigos nessa terra. Há aqueles que serão salvos porque são como as sementes do lavrador que foram lançadas em terra fértil, foram abertos à graça e se tornaram homens e mulheres de oração. Mas... e aquelas sementes lançadas em terra rude e que nunca deram frutos? Que, pelo contrário, produzem e espalham o mal, a discórdia e os confrontos de todos os tipos? Os nossos 'benditos' inimigos?

Sem oração, não serão salvos. Sem caridade, não serão salvos. Sem frutos e graças, não serão salvos. Eles serão salvos se houver outros que rezem por eles, que sofram e se penitenciem por eles, que deem frutos - muitos frutos de perdão e de caridade - por eles. E estes outros somos nós. Desde que possamos nos oferecer como instrumentos da graça divina para que muitos outros sejam salvos e possam, assim, tornarem-se também herdeiros da redenção de Cristo. Nada acontece por acaso e a nossa salvação depende da salvação de muitos outros, particularmente daqueles que foram colocados ou que nós mesmos colocamos, por razões diversas, como nossos 'inimigos' neste mundo. Amar os inimigos é levar o amor ao próximo aos limites mais insondáveis do amor divino. O nosso empenho será sempre agradável a Deus, ainda que possa ser inútil para os nossos inimigos.

Amar os nossos inimigos tem o limite de oferecer a outra face. A verdadeira caridade implica a concessão e a busca sincera do BEM ESPIRITUAL ao outro, destinada mesmo aos inimigos pessoais, com ofensas pessoais, com ultrajes pessoais que, independentemente disso, queremos que se  convertam e sejam salvos. Este propósito do bem espiritual implica necessariamente conversão e a mudança de vida do outro, objetivos que podem ser alcançados por bem ou por mal. Se não se tem tal resultado por bem, é absolutamente legítimo ao cristão rezar a Deus pedindo o afastamento, a derrubada ou a morte dos inimigos da Igreja e dos detratores contumazes dos valores da civilização cristã pelo simples fato de que não são apenas os 'nossos inimigos', mas inimigos de Deus. Podemos e devemos rezar a Deus, então, para que possam ser realmente detidos na sua iniquidade e sob o domínio do mal (e, ainda mesmo com a morte de alguns, neste caso com o propósito de ter fim essa alma continuar a acumular castigos eternos cada vez maiores para si mesmo).

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

ARS LONGA, VITA BREVIS

Os aforismos constituem sentenças curtas e objetivas, que incorporam conceitos fundamentais numa determinada área, expressando certos ensinamentos, regras ou princípios éticos e morais. Estão associados intimamente à medicina desde tempos remotos, mas podem ser extrapolados a quaisquer outras áreas do conhecimento.

Um exemplo clássico de aforismo é: Ars longa, vita brevis - a arte é longa, a vida é breve - tradução para o latim dos dois primeiros epigramas (com a ordem invertida) do Primeiro Aforismo de Hipócrates (do original grego):

ὁ βίος βραχὺς,
ἡ δὲ τέχνη μακρὴ

Embora a palavra Ars seja traduzida como arte, a sua acepção original estava relacionada à medicina. Uma vez que a natureza filosófica do aforismo expressa um sentimento universal, este pode ser extrapolado, então, a qualquer área do conhecimento. O aforismo completo é o seguinte: 'Vita brevis, ars longa, occasio praeceps, experimentum periculosum, iudicium difficile' – 'A vida é breve, a arte (ciência) é longa (extensa), a ocasião é fugaz, a experiência é perigosa, o julgamento é difícil'. 


Nesse conceito geral, o aforismo ressalta o paradoxo entre a limitação de uma vida e o domínio de qualquer ciência ou, em outras palavras, os mais sábios e os mais doutos sabem um pouco mais do que os outros sobre determinadas ciências ou áreas do conhecimento. E tudo se resume a saber nada mais do que um pouco do que realmente existe em qualquer área do conhecimento humano.

Conhecimento, portanto, nunca foi e nunca será a compreensão de tudo. Mas a busca do conhecimento é tudo o que podemos (e devemos) fazer das nossas vidas. Como criaturas de Deus, apequenados e extremamente limitados, somos chamados, no espaço reduzido de uma vida mais ou menos curta, a empreender a busca do conhecimento do Criador, de forma difusa e incompleta sim, mas como 'artistas' que estão no mundo para torná-lo melhor, mais conhecido e mais belo. E, assim, fazer Ars e Vita serem uma coisa só: a eternidade com Deus.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A CRUZ É EXEMPLO DAS VIRTUDES

Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos fazer. Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males em que incorremos por causa dos nossos pecados.

Mas não é menor a utilidade que tem como exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar toda a nossa vida. Quem quiser viver em perfeição, basta que despreze o que Cristo desprezou na cruz e deseje o que Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude está ausente da cruz. 

Se queres um exemplo de caridade: Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos. Assim fez Cristo na cruz. E se Ele deu a vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por Ele.

Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente. Reconhece-se uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque sofrendo não ameaçava; e como ovelha levada ao matadouro, não abriu a boca. É grande portanto a paciência de Cristo na cruz: corramos com paciência a prova que nos é proposta, pondo os olhos em Jesus, autor e consumador da fé, que em lugar da alegria que lhe era proposta suportou a cruz, desprezando-lhe a ignomínia.

Se queres um exemplo de humildade, olha para o crucifixo: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer. Se procuras um exemplo de obediência, segue Aquele que se fez obediente ao Pai até à morte: assim como pela desobediência de um só, isto é, Adão, muitos foram constituídos pecadores, assim também pela obediência de um só, muitos serão justificados.

Se queres um exemplo de desprezo pelas honras da Terra, segue Aquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, no qual se encontram todos os tesouros de sabedoria e de ciência e que, na cruz, está despojado das suas vestes, escarnecido, cuspido, espancado, coroado de espinhos e dessedentado com fel e vinagre.

Não te preocupes com trajes e riquezas, porque repartiram entre si as minhas vestes; nem com as honras, porque troçaram de Mim e me bateram; nem com as dignidades, porque teceram uma coroa de espinhos e a puseram sobre a minha cabeça; nem com os prazeres, porque para a minha sede me deram vinagre.

(Dos Comentários de São Tomás de Aquino, Liturgia das Horas)